Destacável Resvista Instantes nº 4

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Instantes 04

Destacável Mimi de Leew – um testemunho de esperança

Biblioteca Escolar/Centro de Recursos Educativos

Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes


Mimi de Leew Um testemunho de esperança Márcia Vicente | Antiga aluna do 12.º ano (ano lectivo 2009/10)

Mimi de Leew nasceu a 21 de Julho de 1930 em Amesterdão (Holanda). A sua infância e adolescência foram um autêntico exemplo de coragem e de desafio do destino trágico, tendo sentido na pele todos os sentimentos e vivenciado todas as experiências que podem levar qualquer pessoa à morte e, quem sabe, à loucura. É no contexto da II Guerra Mundial, no genocídio contra os judeus e outras minorias étnicas, mais conhecido como Holocausto, que Mimi nos mostra, ao relatar passagens da sua vida, que existe esperança no meio do caos e do horror. Decorria o ano de 1940, quando despontou a II Guerra Mundial e nesse mesmo ano, Hitler invadiu a Holanda. Mimi de Leew tinha 10 anos e era feliz. Alheia ao que se passava no mundo, vivia a sua infância numa bela casa,


com os seus pais e irmãs - era a mais nova das três irmãs - e frequentava uma boa

escola.

Desconhecia

os

preconceitos.

Os

ódios.

Principalmente

desconhecia o seu futuro sombrio. Longe de alguma vez imaginar, Mimi e a sua família, encontravam-se marcadas pela sua origem judia. A família de Mimi era abastada, pois tinha negócios na área dos têxteis e viviam em harmonia. Aos 10 anos de idade, longe de imaginar a trama complexa em que o mundo estava a envolver-se, Mimi viu a sua felicidade desmoronar-se. Mal se aperceberam das circunstâncias em que se encontravam e do perigo que iriam enfrentar, tentaram fugir para Inglaterra. Por ironia do destino, ou simplesmente fruto do acaso, ou então ainda por um pequeno milagre, o barco no qual iriam embarcar encontrava-se já cheio de outros judeus que também tentavam fugir. Durante a sua travessia pelo mar, o barco foi alvo de explosões fatais para todas as pessoas que lá se encontravam, devido a minas marítimas. Todos morreram. Mimi de Leew, vem a descobrir mais tarde que esta situação foi a primeira à qual escapou com vida. Mas não foi a última. A batalha pela sobrevivência tinha começado.


A família voltou para Amesterdão. A morte começou por fazer a sua primeira vítima junto da família de Mimi. A primeira perda foi a de seu pai, Barend de Leew, que não resistindo à pressão de toda a situação vivida e o medo de não ser capaz de salvar a sua família do destino eminente, retirou-lhe forças e não foi capaz de sobreviver a um Acidente Vascular Cerebral, em Outubro de 1940. Infelizmente, a dor não desistiu de atingir esta família. Em 1943, a irmã do meio, Sophia da Rosa de Leew, de 22 anos, já casada com Andries da Rosa, de ascendência portuguesa, tentaram fugir para a Suíça, mas foram apanhados numa estação de comboio e foram levados de imediato para Auschwitz , onde encontraram o seu fim nas câmaras de gás. Depois deste choque emocional bastante grande, apenas restou a Mimi aprender a sobreviver, junto da sua mãe, Judith de Leew e da sua irmã mais velha, Anna de Leew. Apesar dos seus esforços e tentativas de passarem

despercebidas,

foram

apanhadas pela Gestapo e levadas para o

Apesar

dos

tentativas

seus de

esforços

e

passarem

despercebidas, foram apanhadas

campo de concentração de Westerbork

pela Gestapo e levadas para o

(Holanda) em Setembro de 1943. Mimi de

campo

Leew tinha 13 anos. Embora este não se

Westerbork

tratasse de um dos piores campos de

Setembro de 1943. Mimi de Leew

concentração

tinha 13 anos.

existentes,

pois

não

de

concentração (Holanda)

de em

existiam câmaras de gás, o trabalho era duro, de horas a fio, sem comida ou bebida, em condições mínimas de vida. Este cenário não escapou a estas três mulheres. Mimi sobreviveu três meses sem comer, apenas bebia água, tendo chegado a um considerado estado de magreza. Ainda assim, a vida persistiu nos seus corpos fatigados e sofridos, a esperança ainda não as abandonara. Em Janeiro de 1944, são deportadas para o campo de concentração de Bergen – Belsen (Alemanha), onde Mimi sofre outra perda, ao ver a sua irmã mais velha, Ana de Leew, morrer de Tifo, aos 28 anos. Esta doença era muito frequente nos campos de concentração, devido às péssimas condições de higiene e alimentação. Aos catorze anos, Mimi apenas tinha a sua mãe. Um


ano mais tarde, em 1945, com quinze anos, Mimi sofreu também de Tifo, mas consegue resistir com todas as suas forças. Mimi lembra-se de ter conhecido Anne Frank

Mimi lembra-se de ter conhecido

no campo de concentração de Bergen-

Anne

Belsen. Recorda-se também de serem vizinhas,

concentração de Bergen-Belsen.

de Anne Frank morar na mesma rua, cinco

Recorda-se

casas à frente da sua, em Amesterdão. No

vizinhas, de Anne Frank morar na

campo de concentração, trocaram algumas

mesma rua, cinco casas à frente

palavras, através de uma rede que separava a zona onde dormiam. Nunca brincaram juntas, mas Mimi soube que Anne Frank não conseguiu

sobreviver

falecendo

poucas

ao

surto

semanas

de

Tifo,

antes

da

libertação do campo de concentração. O

que

mais

poderia

acontecer a uma jovem que tinha passado pelas piores provações,

pelos

maiores

sofrimentos? Valeria ainda a pena viver? Tendo perdido quase todos da sua família e a sua alegria de viver? Sim, ainda

valia.

A

não

esperança a

tinha

abandonado, nem a ela, nem à sua mãe. A sua força infindável, a sua coragem e consciência de que a vida é uma oportunidade única um fio que não deverá ser jamais crueldade

cortado dos

pela outros

-

levaram a que no início da

da

Frank

sua,

campo

campo

também

em de

trocaram através

no

serem

Amesterdão.

No

concentração,

algumas de

de

de

uma

palavras, rede

que

separava a zona onde dormiam.


sua adolescência enfrentasse o mundo com uma força e esperança que lhe enchia a alma e o corpo. Finalmente, em 1945, a guerra mostrava indícios do fim. Os aliados haviam chegado! Esperança. Mimi sobrevivera ao pesadelo do Holocausto. No dia em que ficaram livres e que poderiam definitivamente sair de Bergen-Belsen, Mimi e a sua mãe dirigiram-se para o comboio que, antigamente era utilizado para transferir os judeus desse campo para Auschwitz. No entanto, mais um perigo estava para acontecer. O comboio, cheio de sobreviventes de Bergen-Belsen, tinha outro destino, programado pelos alemães, que não perdiam qualquer oportunidade de consumar a vontade de Hitler - cair nas profundezas do rio Elba, um dos rios mais longos da Europa, e de assim todos morrerem. Felizmente, as tropas americanas tomaram conhecimento destas intenções. Caindo sobre

o

comboio de

pára-quedas, os

soldados americanos

ameaçaram os nazis de modo a amedrontá-los e a convencê-los a fugir e a abandonar o comboio. Desta forma o comboio nunca caiu ao rio. Assim, apenas restava retirar os inocentes do comboio e salvá-los da morte, que mais uma vez, parecia certa. Mimi e a sua mãe estavam novamente a salvo. Permaneceram na Alemanha, na cidade de Hillersleben, onde pessoas caridosas lhes concederam hospitalidade, nas suas casas, pois Mimi e sua mãe nada tinham. Passadas duas semanas, viajaram para Holanda, onde encontraram refúgio num armazém da Phillips, na cidade de Eindhoven, juntamente com outros sobreviventes. Mais uma vez, um perigo estava para acontecer – nesse refúgio, uma beata de cigarro deixada acesa ao acaso, levou a que o armazém tivesse sofrido um incêndio devastador. Mais uma vez, quis o destino, que Mimi e a sua mãe conseguissem escapar. Passadas todas estas vivências extremamente marcantes, o começo de uma nova etapa era necessário. Mimi e a mãe saíram de Eindhoven, tendo a última conseguido arranjar duas casas de pessoas amigas que se ofereceram para as ajudar, embora tivessem que ficar separadas, cada uma na sua casa, à distância de uma hora de transporte - Mimi ficou em Bergeijk e a sua mãe em Valkenswaard. Em Agosto de 1945, decidiram regressarem a Amesterdão, não para a casa que lhes pertencia no passado, pois já tinha sido vendida, mas sim


para casa de uma empregada que tinha trabalhado na empresa do pai de Mimi. Assim, aos poucos, puderam recuperar a sua vida. Em 1955, aos vinte e cinco anos, Mimi casa-se e tem três filhos, Barend (1955), Judith (1956) e Lenny (1960), nascidos na Holanda. Entretanto, em 1967, Mimi perde a sua mãe, com quem sempre viveu e a acompanhou, durante as piores fases da sua vida. Mimi foi a única filha que sobreviveu e entre mãe e filha foi crescendo uma ligação muito forte, que alimentava a sua coragem e esperança, mesmo quando eram separadas pelos alemães. Em 1969, por razões de saúde, necessita mudar de clima e vem viver com os filhos para Portugal, vivendo na nossa cidade de Portimão, onde fica durante vinte e cinco anos, até 1980, com cinquenta anos. Curiosamente, um dos locais onde Mimi viveu, foi precisamente a avenida S. João de Deus, aqui tão perto da nossa escola. Durante a sua estadia no nosso país, Mimi sempre foi uma mulher activa e trabalhadora. Chegou a altura de voltar para a Holanda, pois a saudade não a abandonava, e Portugal, país calmo por natureza, com o seu Algarve de praias e serenidade, não satisfazia o seu espírito desde sempre lutador, aventureiro e activo. Actualmente, vive em Den Haag. Aos oitenta anos, ainda mantém uma vitalidade invejável, não só fisicamente - joga bowling e ganha campeonatos

com

grande

perícia, apesar

da

sua

idade

como,

psicologicamente, pois Mimi foi sempre o pilar da família que construiu. Dos seus 3 filhos, tem 8 netos e 3 bisnetos. Todos os anos vem de férias para o país que ficou guardado no seu coração, Portugal. Relativamente a Alemanha, Mimi apenas visitou uma vez mais para prestar homenagem a todas as vítimas do Holocausto. Exceptuando essa ocasião, dispensa totalmente voltar a visitar o país que tantas más recordações lhe traz. Embora tente não deixar acesas as memórias dos tempos aqui relatados, ainda assim, não deixa de receber contactos de diversos sobreviventes ou até mesmo de soldados que a conheceram e a ajudaram em inúmeras situações. A história de vida de Mimi em Portugal, em particular em Portimão, criou laços afectivos com a minha família. A sua neta mais velha, Carina Ferreira – filha de


pai português e nascida em Portugal -, haveria de ser minha cunhada, e eu, Márcia Vicente, vir a ser neta por afinidade da Mimi de Leew. Esta é a razão de ser de eu partilhar a sua história de vida, não só pela profunda admiração que tenho por ela, mas essencialmente pelo extraordinário exemplo de vida que ela nos apresenta. A história de vida de Mimi em E assim, findo o relato de uma história de sobrevivência, que demonstra o que a força e vontade de uma mulher conseguem obter em circunstâncias de guerra e que é possível ter esperança,

mesmo

vivendo

cenários

tão

negros como o do Holocausto. Como seria possível viver sem esperança, essa espécie de luz que ilumina os recantos de escuridão da nossa vida e que muitas vezes nos ensombra o caminho?

Portugal,

em

particular

em

Portimão, criou laços afectivos com a minha família. A sua neta mais velha, Carina Ferreira – filha de pai português e nascida em Portugal -, haveria de ser minha cunhada, e eu, Márcia Vicente, vir a ser neta por afinidade da Mimi de Leew.


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