A GRANDE FAMÍLIA, Homenagem aos 75 anos de Luiza Soares de Jesus

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(Registro no.605.261 – Escritório de Direitos Autorais da Fundação Biblioteca Nacional- Ministério da Cultura)


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Luiza Soares de Jesus

Nascida aos 21 de março de 1921, LUIZA SOARES DE JESUS completa agora setenta e cinco anos de idade. Uma foto de 1943, aqui reproduzida, mostra a transparência de seus olhos, na realidade azuis, contrastando com os cabelos escuros.

Hoje, os olhos se parecem ainda mais

azuis, os cabelos, porém, tingiram-se de branco, como uma coroa serena pela vida de luta e força de vontade. Em 1941, casou-se com GERALDO RODRIGUES CÂMARA em Formiga, MG. A cidade já era quase centenária, pois fora fundada aos 6 de junho de 1858. Apesar disso, era tão pacata com relação ao mundo da época, quanto o é com relação ao de hoje. A vida era difícil, situação agravada pela guerra que explodia na Europa. Luiza e Geraldo iniciavam a vida conjugal tirando o sustento familiar de uma pequena porta de comércio que mantinham. 3


Nasceram-lhes os três primeiros filhos. Na década de cinqüenta, Juscelino Kubistchek iniciava a construção de Brasília, atraindo para lá muitas famílias mineiras. Luiza e o marido foram buscar melhores oportunidades naquela região. Estabeleceram residência em Anápolis, GO, onde permaneceram por cinco anos. Mais dois filhos nasceram naquelas paragens. O retorno para Formiga, em 1958, afetou a estabilidade econômica da família. Geraldo, então, decidiu retomar os negócios que deixara no Brasil Central. Partiu sem a família. Mas as rodas da fortuna não o favoreceram nessa segunda vez. O tempo passou, desfazendo laços... Luiza, desamparada, armou-se para uma guerra 4


santa: criar os filhos que trouxera ao mundo. Alimentou-os com fé, dignidade, coragem, princípios esses de que é depositária

inesgotável.

O

suprimento

material

teve

momentos críticos. Porém, sobrevive-se a essa falta, estando presentes aqueles outros elementos. Mas essa é uma história que só ela poderia contar, pois somente o silêncio de seu coração a vivenciou, sofreu e registrou por inteiro. Ainda que tenha tido êxito em sua luta, não soaria elegante, agora, relembrar fatos e circunstâncias que o tempo se encarregou de tornar distantes e indolores. Este livrete, embora vasculhe o tempo à procura do passado, pretende focalizar outra história: a genealogia da família de LUIZA SOARES DE JESUS. Não desfilarão aqui grandes

personagens, nem

fatos importantes, mas pessoas e circunstâncias comuns, abrangidas por ideais igualmente simples, como o trabalho, a educação e a religiosidade.

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Um estudo detalhado sobre esses antepassados será posto num livro, cuja conclusão depende da difícil coleta de dados sobre pessoas que viveram há cem, duzentos e mais anos. Dificuldade essa que não é apenas atual. Para se ter uma idéia, em 1823, ou seja, há mais de cento e setenta anos, quando FRANCISCO XAVIER GOULART, um trisavô de LUIZA SOARES DE JESUS, deveria comprovar sua condição de batizado para se casar, não encontrou o assento respectivo nos livros paroquiais da época. Reuniu algumas pessoas para testemunharem perante o vigário de Piumhí que, de fato, ele havia recebido o batismo por ocasião de seu nascimento em 1790. Redigiu-se, então, um termo: "Em [mil e setecentos e] noventa batizou solenemente e pôs os santos óleos o Reverendo Vigário Miguel de Albuquerque a FRANCISCO filho legítimo de Francisco Xavier Goulart e Rosa Joaquina. Foram 6


padrinhos Francisco José Ferreira e D. Umbelina Rosa. E por não ter encontrado o próprio assento que, bem informado por pessoas dignas, abri o presente [termo] que assino, Vigário José Severino Ribeiro." Assim, a história aqui narrada, além de resumida, contém lacunas que pesquisas futuras poderão, eventualmente, sanar. Portanto, não é um trabalho definitivo, mas foi feito com um destino exclusivo: as mãos e os olhos de LUIZA SOARES DE JESUS, como um presente pelo transcurso do seu 75º aniversário. Ao ler estas palavras que ela filtre daqui uma homenagem, uma manifestação de gratidão, carinho e amor de todos seus filhos e netos.

Feliz Aniversário! 7


FORMIGA, MG

Não se pode desvincular a genealogia de LUIZA SOARES DE JESUS da história de Formiga. Tanto pelo lado paterno, como pelo materno, a família está arraigada na região há mais de um século e meio, ou seja, quando sequer existia aqui uma vila. Um grande número de povoados surgiu em Minas Gerais entre 1650 e 1690 com a descoberta do ouro. Não foi o caso de Formiga, pois aqui não se encontrou o precioso metal. Mas a região era cortada por tropeiros e aventureiros que tinham como destino as minas em Paracatu e Goiás. Esse caminho era a famosa "Picada de Goiás", ao longo da qual foram surgindo os primeiros arraiais. A data do aparecimento do primeiro rancho às margens do ribeirão, que veio a se chamar "das Formigas", e 8


o nome de quem o construiu talvez jamais sejam conhecidos. Mas do Dicionário Histórico e Geográfico de Minas Gerais, do Dr. Waldemar de Almeida Barbosa, colhem-se algumas informações sobre as origens da cidade: "...é uma das raras cidades mineiras que conservam o nome dado pelos primeiros povoadores da região. Realmente, as sesmarias concedidas ali, antes da ereção da capela, fazem menção da paragem chamada a Formiga. Assim a de Antônio Gonçalves Lopes, de 1768, e a de Domingos Antônio da Silveira, de 1777. Também numa carta do Conde Valadares ao CapitãoMor do Tamanduá, de 1769, há menção de nomes de indivíduos 'moradores no sertão chamado da Formiga'..." 9


Há três versões sobre a origem desse curioso nome de cidade. A primeira está relacionada com os tropeiros que se arranchavam às margens de um ribeirão e tinham suas cargas de açúcar atacadas por formigas, resultando daí a denominação Rancho, ou Sítio, das Formigas. O nome passou ao riacho, Ribeirão das Formigas, e depois ao povoado. Outra versão diz que o nome é decorrente dos índios que habitavam a região, por terem o costume de se alimentarem de uma espécie de formiga, as tanajuras ou içás. Finalmente, segundo Djalma Garcia Campos, o nome foi dado pelos pioneiros de origem açoriana, que repetiam na região os topônimos de sua terra natal. Assim, São Miguel, hoje chamada Calciolândia, copiou o nome da maior ilha do Arquipélago dos Açores. Furnas também denomina um lago na Ilha de São Miguel. A hoje cidade de 10


Candeias teve seu nome a partir de N.S. das Candeias, padroeira da Ilha do Pico. Nessa linha, chegou-se a Formiga, cuja região lembrava aos pioneiros os Ilhéus das Formigas, localizados entre as ilhas de São Miguel e a de Santa Maria. "Depois que surgiu a capela, as sesmarias já fazem menção à aplicação de São Vicente de Ferrer de Formiga. Esta capela, dedicada a São Vicente de Ferrer, foi erigida de conformidade

com

a

previsão

episcopal de 13 de abril de 1780" No livro nº 119 do Arquivo Diocesano de Divinópolis, há um assento de batizado que certamente terá sido um dos primeiros realizados na Capela de São Vicente de Ferrer: "Aos sete de janeiro de 1771, o reverendo Pe. Dr. Salvador Pais Godoi 11


batizou solenemente a Vicente, filho natural de Ana de Barros. Foram padrinhos o Capitão José de Sousa Souto e Ana Roza de Jesus. E para constar mandei fazer este assento." O naturalista francês, Auguste de SaintHilaire, passou pelo povoado de Formiga por volta de 1819 e no relato que deixou, "Viagem às Nascentes do Rio São Francisco", dá indicação das remotas origens da cidade: ".O povoado estava então com pouco mais de mil habitantes, uma quarta parte dos quais, aproximadamente, era constituída por pessoas da raça branca. Entretanto, em meados do século anterior o arraial ainda nem existia. Conheci um ancião que fora o primeiro a se 12


estabelecer ali, em 1749, ocasião em que se iniciou a construção de uma capela." O francês não registrou o nome do ancião e a história de Formiga perdeu um significativo dado. Leopoldo Correia, médico e historiador, em seu "Achegas à História do Oeste de Minas", entendeu que o ancião mencionado pelo gaulês talvez fosse o Sargento-Mor João Gonçalves Chaves, cuja provisão foi concedida aos 11 de março de 1765. Seguindo a cronologia histórica da cidade, em 1832, criou-se a Paróquia de São Vicente de Ferrer. O censo demográfico de 1838 revelou que o arraial e região contavam com 6290 habitantes. No ano seguinte, foi elevado à condição de vila com o nome de Villa Nova de Formiga e, pela Lei 880 de 6 de junho de 1858, fundou-se a cidade.

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AS ILHAS

Assim como Formiga é importante na história da família, algumas ilhas portuguesas, perdidas no meio do Oceano Atlântico, também o são. Antes de descobrir o Brasil, em 1500, os portugueses já haviam colonizado as ilhas que compõem os arquipélagos da Madeira e dos Açores. O primeiro dista 800 quilômetros da costa portuguesa e o segundo, 1500. Em razão dessas distâncias, consolidou-se nas ilhas uma vida social distinta da de Portugal, com costumes diferenciados e influências novas. Para se ter uma idéia, os Açores receberam grande número de holandeses, gente clara, de olhos azuis, cabelos louros e nomes estranhos. Já para Madeira, além de estrangeiros europeus, foram levados escravos negros e mouros. 15


O desenvolvimento das ilhas foi rápido e a população cresceu muito. Por volta de 1529, já se falava em superpopulação, principalmente nos Açores. Por isso, João de Mello da Câmara, Governador da Ilha de São Miguel, escreveu ao Rei D. João III, pedindo doação de terras no Brasil para onde pretendia levar dois mil moradores das ilhas: "omens de muinta sustança e pessoas muy abastadas e que podem cosigo llevar muitas eguas, cavalos, gados e todallas cousas necessarias para frutyficamento da terra". Mais tarde, aqui do Brasil, D. Lourenço de Almeida escrevia ao Rei de Portugal, sugerindo que facilitasse a vinda de famílias açorianas para Minas.

Em sua

carta datada de 19 de abril de 1722, ele dizia: "... nestas Minas não haviam mu16


lheres brancas que houvessem de casar e agora se faz necessário pôr na real presença de Vossa Majestade que pela experiência que tenho deste país e pelo modo de viver de seus habitantes, me parece ser muito conveniente ao real serviço de Vossa Majestade que se faça toda diligência porque se introduzam nelas os mais casais que for possível

introduzir-se,

assim

porque

todos estes moradores são moços solteiros e por esta causa menos obedientes (...) das Ilhas Terceiras é que podiam vir muitos casais para estas Minas, assim pela abundância que há deles nas ditas ilhas, como pela muita terra que tem estas Minas..."

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O Rei de Portugal, então, estabeleceu um incentivo de emigração aos casais açorianos, representado por instrumentos e ferramentas de trabalho, concessão de terras e isenção aos filhos de prestarem serviço militar. Além disso, a situação ficara mais precária nos Açores em razão de erupções vulcânicas que inutilizaram grandes áreas de plantio, deixando o solo inadequado para novas culturas. Assim, entre 1710 e 1730, JOSÉ GARCIA PEREIRA, natural da Ilha do Faial e MANOEL MONIS DA CÂMARA, originário da Ilha da Madeira, chegavam ao Brasil, fixando-se em Minas Gerais. Duzentos anos mais tarde, em Formiga, LUIZA SOARES DE JESUS, uma descendente do pioneiro açoriano, casou-se com GERALDO RODRIGUES CÂMARA, descendente do madeirense.

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José Garcia Pereira

JOSÉ

GARCIA

PEREIRA,

pentavô

de

Luiza, natural da Ilha do Faial, certamente beneficiou-se do incentivo, vindo para Minas. Através das informações apuradas, não se detecta nele intenção de procurar ouro, sua vocação era efetivamente a agropecuária. Veio para o novo mundo motivado a se estabelecer em definitivo, construir o futuro e não simplesmente procurar uma suposta fortuna fácil. Pode-se imaginar como terão sido difíceis aqueles tempos. Depois de meses de viagem por mar, chegavam a Bahia ou ao Rio de Janeiro, enfrentando, logo a seguir, uma penosa viagem por terra. Em Minas, procuravam as autoridades para se informarem sobre a localização das prometidas terras que, com certeza, não se situavam perto das vilas e povoados, nem de regiões ricas em ouro, mas sertão adentro, longe de tudo, onde a pri19


meira providência seria levantar uma choupana, descansar um pouco e começar a luta para construir o futuro. O testamento de JOSÉ GARCIA PEREIRA, redigido no dia primeiro de agosto de 1823, quando já teria perto dos cem anos de idade, fornece alguns dados sobre sua pessoa, família e bens: Naturalidade e filiação: "Digo eu José Garcia Pereira, que achando-me em meu juízo perfeito com saúde resolvi-me a fazer meu Testamento da forma e maneira seguinte: Declaro que sou natural da Ilha do Faial, Bispado da Ilha de Angra. Declaro que sou filho legítimo de João Garcia Pereira e Maria do 20


Santo Antônio. "

Esposa e filhos: "Declaro que fui casado com Margarida Feliciana da Silva, cuja minha mulher já é falecida, de cujo matrimônio

não

tenho

senão

quatro filhos que são:- José Garcia Pereira, Thomas Garcia Pereira, Januveva, já falecida, e por ela os seus filhos, Maria e por ela o seu filho, os quais instituo meus legítimos herdeiros." Bens: "Declaro que os bens que possuo é uma fazenda de cultura e campos, 21


escravos e gado de criar" Disposições religiosas: "Declaro que sou terceiro do Carmo da Vila de São João em cujo hábito será o meu corpo envolto e onde quer que eu morra, digo, eu falecer, será o meu corpo acompanhado pelos Reverendos Sacerdotes e todos dirão missa de corpo presente (...) dirão pela minha alma trinta e quatro missas cada um. Declaro que deixo de esmola para a Capela de São Vicente de Ferrer de Formiga cem mil réis. - Declaro que deixo para as obras da Senhora Mãe dos Homens da Serra do Caraça cem mil réis. - Declaro que no dia do meu enterro se dará aos 22


pobres cinqüenta mil réis. - Declaro que deixo forro o crioulo por nome Felisberto e meu testamenteiro fará todo o favor que puder à mulher do dito. - Declaro que deixo forra a minha escrava Maria Nova." Esse testamento foi redigido na Capela de São Vicente de Ferrer de Formiga, para a qual JOSÉ GARCIA PEREIRA deixou esmola de cem mil réis. Pode-se deduzir que a família Garcia Pereira estivesse assentada na região de Formiga desde 1780, ou seja, cerca de cinqüenta anos antes da morte do pioneiro açoriano, ocorrida em 1828. O

filho

mais

velho

do

açoriano,

também chamado JOSÉ GARCIA PEREIRA, já nascido na região de Formiga, tetravô de Luiza, casou-se com MARIA JOANA

BERNARDES

DA

SILVEIRA,

filha

dos

também

açorianos BERNARDO HOMEM DA SILVEIRA, natural da Fre23


guesia de Nossa Senhora da Piedade da Ilha do Pico, e de MARIANA FRANCISCA DE BELÉM, natural da Ilha de Santa Maria. O casal teve nove filhos, dos quais destaca-se MESSIAS GARCIA PEREIRA, que foi proprietário da Fazenda Tamboril, no município de Pains, MG. Faleceu aos nove de julho de 1899 e, segundo os autos de seu inventário processado na comarca de Formiga, foi casado com MARIA FRANCISCA DA SILVEIRA, que era sua prima e lhe deu quinze filhos. Neste pequeno relato, limita-se a menção apenas às pessoas diretamente relacionadas com a ascendência de Luiza Soares de Jesus, como SEVERIANA BERNARDA DA SILVEIRA, sua bisavó, filha de MESSIAS e MARIA FRANCISCA. O advogado e historiador Djalma Garcia Campos, ao longo de vários anos, anotou, compilou e organizou a genealogia de todas as ramificações da família, disponibilizando-a em seu livro "Iguatama, História e Genealogia". 24


OS FLAMENGOS

Como se observou no capítulo anterior, MESSIAS GARCIA PEREIRA, neto do açoriano JOSÉ GARCIA PEREIRA, casou-se com sua prima MARIA FRANCISCA, também neta dos açorianos BERNARDO HOMEM DA SILVEIRA e MARIA FRANCISCA DE BELÉM. Uma filha de Messias e Maria Francisca, SEVERIANA BERNARDA DA SILVEIRA, bisavó de Luiza, casou-se com ANTÔNIO GONÇALVES GOULART, cuja origem familiar também está ligada àquelas longínquas ilhas portuguesas. Embora não se tenha conseguido saber com

exatidão

de

onde

os

ancestrais

de

ANTÔNIO

GONÇALVES GOULART vieram, pode-se considerar a Ilha do Pico como a provável origem. Nesse sentido, indica a seguinte pista: Antônio era filho de FRANCISCO XAVIER GOULART e neto de outro FRANCISCO XAVIER GOULART. 25


Este nasceu por volta de 1750 e viveu na região de Piumhí, MG. Contemporâneos dele e também residentes em Piumhí foram Manoel Goulart da Silva, Francisco Goulart da Silva, José Joaquim Goulart e outros, todos filhos de Agostinho Goulart da Silva e Maria Josefa de Jesus, naturais da Freguesia de S. Matheus da Ilha do Pico. Francisco Xavier Goulart talvez fosse sobrinho ou primo desse Agostinho. FRANCISCO XAVIER GOULART, o filho, foi casado com MARIANA LEONOR DA ASSUMPÇÃO, sendo os pais desta o Capitão FRANCISCO GONÇALVES DE MELLO e LEONOR DA ASSUMPÇÃO. Os filhos do casal tiveram o sobrenome composto GONÇALVES GOULART. O sobrenome Goulart é tipicamente açoriano, de remota ascendência holandesa. O nome original, na língua flamenga, terá sido "Gelvaert" ou "Gouilward" que ao invés de se aportuguesar, assumiu grafia e sonoridade francesas. A memória familiar com relação às raízes holandesas perdeu-se ao longo do tempo, de sorte que no 26


século passado, quando predominava influência francesa na nossa sociedade, os Goulart, equivocadamente, julgavam-se descendentes de franceses. JOSÉ FRANCISCO GONÇALVES GOULART contratou, por volta de 1870, um professor francês, Aristides Frederico Viot, para educar seus filhos. O francês, que se casou com uma das filhas de José Francisco,

ampliou

suas

atividades

de

magistério,

educando também os filhos de fazendeiros vizinhos. Mais tarde, abriu escola primária em Muriaé, colégios em Ubá e São João Nepomuceno, tornando-se conhecido em vasta região. O fato de o professor Viot ter se associado aos Goulart por amizade, profissão e casamento cooperou, então, para firmar a equivocada idéia de um clã original francês da família. Certa vez, ANA AMÉLIA DE JESUS, mãe de Luiza e neta de ANTÔNIO GONÇALVES GOULART, mencionou que Antônio "era muito branco". Ana Amélia tinha olhos azuis, assim como os tem Luiza Soares e certamente os teve ANTÔNIO GONÇALVES GOULART, con27


firmando-se, então, o legado genético dos distantes ancestrais holandeses. ANTÔNIO GONÇALVES GOULART tornou-se fazendeiro abastado em Pains e diante da morte prematura de sua esposa SEVERIANA BERNARDA DA SILVEIRA, deixando órfãos os menores Maria, Mariana, Pedro e José, procedeu da mesma forma que JOSÉ FRANCISCO GONÇALVES GOULART, contratando professores para educar as crianças. MARIANA LEONOR GOULART, segunda filha de Antônio e Severiana, nascida por volta de 1890, avó de Luiza, costumava narrar aos netos e bisnetos como fora criada: pajens negras, professores particulares e todo luxo que a época e recursos permitiram. Tinha profundos olhos azuis e desenho nasal aquilino pronunciado que lhe conferiam ar de mistério. Diziam-na detentora de poderes paranormais, correndo ainda hoje na família histórias envolvendo benzeduras, aparições e outros relatos insólitos. 28


PIMENTA, MG

LUIZA SOARES DE JESUS e seus pais, ANA AMÉLIA DE JESUS e JOÃO SOARES BARBOSA, nasceram na hoje cidade de Pimenta, que, à época dos respectivos nascimentos, era apenas um distrito do Município de Formiga. A história de Pimenta, contudo, tem suas peculiaridades: foi fundada pelo Capitão Manoel Gonçalves de Mello, que por volta de 1841 deu início à construção de uma Capela dedicada à N.S Auxiliadora e outra à N. S. do Rosário da Estiva. A partir de 1921, o arraial passou a fazer parte do município de Piumhí e, em 1942, dele se desvinculou, assumindo a condição de cidade. JOÃO THEODORO DE MELLO, avô de Luiza, tendo

se

casado

em

Pains

com

MARIANA

LEONOR

GOULART, fixou residência em Pimenta, donde provavelmente era natural, pois possuía ali uma fazenda. Talvez 29


fosse descendente do fundador da cidade, Capitão Manoel Gonçalves de Mello. Porém, as únicas pistas nesse sentido são o sobrenome Mello e a menção de ANA AMÉLIA DE JESUS sobre um dos seus avós ter se chamado Manoel. MARIANA

LEONOR

GOULART

e

JOÃO

THEODORO DE MELLO tiveram os seguintes filhos: 1. Maria Goulart de Mello 2. ANA AMÉLIA DE JESUS 3. Áurea Goulart de Mello 4. José Goulart de Mello 5. Marieta Goulart de Mello, "Tia Santa", morando atualmente em Formiga. A mãe de Luiza Soares de Jesus deveria por direito, a exemplo de seus irmãos, ter se chamado ANA GOULART DE MELLO. Porém, o nome corrente que mais usou foi ANA AMÉLIA DE JESUS. Em documentos diversos, ele aparece como ANA AMÉLIA DE MELLO, ANA SOARES DE MELLO ou, inexplicavelmente, ANA AMÉLIA GOMES, não se 30


sabendo de onde viria esse Gomes. Uma informação descoberta recentemente, além de surpreender, serve para firmar um nome como definitivo: por ocasião de seu casamento com JOÃO SOARES BARBOSA, realizado em 1920, ela, de 15 anos, e o noivo, de 25, lançaram no Livro de Casamentos do Cartório do 1º Ofício de Formiga suas respectivas assinaturas. A surpresa consiste no fato de ANA AMÉLIA ter sido considerada não-alfabetizada, ela mesma dizia que não "conhecia leitura". Mas sua assinatura, ainda que com pequeno erro de ortografia, "Ana Amélia di Jesus", é prova em contrário, conforme pode-se ver no registro aqui reproduzido. JOÃO SOARES BARBOSA, esposo de ANA AMÉLIA, era filho de JESUÍNO SOARES BARBOSA, originário da Bahia, e de, VIRGÍNIA MARIA DE JESUS, segundo a tradição familiar, de sangue índio. Filhos do casal: 1. LUIZA SOARES DE JESUS, 2. Floripes Soares 31


3. JosĂŠ Soares 4. Cirilio Soares 5. Messias Soares 6. Maria Soares.

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O SOBRENOME CÂMARA

O sobrenome Câmara é originário da Ilha da Madeira, proveniente de uma localidade chamada CÂMARA DE LOBOS, onde o navegador português João Gonçalves Zarco surpreendeu uma colônia de lobos marinhos, aninhada num abrigo natural, em forma de caverna ou gruta (câmara). Um descendente direto de Zarco, em oitavo grau, MANOEL MONIS DA CÂMARA, nascido em 1671, na Ilha da Madeira, veio para o Brasil no início do século XVIII, entre 1710 e 1715. Estabeleceu-se em São João do Morro Grande, atual Barão de Cocais, onde vivia seu fundador, outro descendente do primeiro Câmara, Cel. Manoel Bittencourt da Câmara. MANOEL MONIS DA CÂMARA foi casado com DOMINGAS PINHEIRO CARDOSO, tendo, entre outros filhos, 35


a JOSEFA MONIS DA CÂMARA que se casou com MANOEL GOMES RODRIGUES em 1738. Residiram em São Miguel do Piracicaba, hoje Rio Piracicaba, onde lhes foram concedidas terras para cultivo. Constituíram numerosa família, mais de dez filhos, que se espalharam por Minas Gerais. Um deles, FELIPE GOMES RODRIGUES DA CÂMARA, nascido em 1750, fixou-se em Capela Nova, hoje Betim, casando-se, por volta de 1784, com JOANA ALMEIDA DA SILVA. Eles tiveram oito filhos, dois dos quais, João e José, foram os responsáveis pela chegada dos Câmaras a Formiga. João Gomes Rodrigues da Silva, filho mais velho de Felipe, embora não assinasse Câmara, foi o primeiro da família a se fixar na região de Formiga. Era furriel, patente militar da época, destacado, por volta de 1820, para o então povoado de São Vicente de Ferrer de Formiga, onde chegou já viúvo. Adquiriu uma fazenda em Timburé, (distrito de Formiga, e casou-se, pela segunda vez. Simultaneamente, a uns 200 quilômetros 36


dali, em Piedade do Paraopeba, povoado ao sopé da serra da Moeda, seu irmão, JOSÉ GOMES RODRIGUES DA CÂMARA, levava a vida mesclando as atividades de lavrador, mineiro e comerciante, ajudado pelo filho Thomás. Piedade era um pequeno e decadente povoado, de sorte que os outros dois filhos, Joaquim e Delfino, já haviam ido buscar melhores oportunidades na capital da Província de Minas Gerais. Assim, desde 1830, eles tinham uma porta de comércio na Imperial Cidade de Ouro Preto. Em

1833,

JOAQUIM

GOMES

RODRIGUES

CÂMARA casou-se com TEREZA BERNARDINA DE SOUSA, numa clara intenção de se fixar definitivamente em Ouro Preto. Das listas de habitantes de Ouro Preto, relativas ao censo demográfico realizado em 1838, colhem-se as

seguintes informações:

Joaquim

Gomes

Rodrigues

Câmara tinha 28 anos; sua esposa, Teresa Bernardina de Sousa, 18; e Delfino Gomes Rodrigues Câmara, 25. Sabiam 37


ler e escrever. O casal tinha, então, três filhos: Augusto, 4 anos; Emílio, 3 e Francisca de um ano de idade. No ano seguinte, uma tragédia se abateu sobre aquela família. Tereza, esposa de Joaquim, morreu de parto. Viúvo aos 30 anos de idade, com quatro crianças, uma delas recém-nascida, Joaquim não viu outra alternativa senão buscar ajuda dos pais em Piedade do Paraopeba. Os pais de Joaquim, JOSÉ GOMES RODRIGUES DA CÂMARA e VITÓRIA IGNOCÊNCIA DA SILVA BREJO, que contavam com 54 e 55 anos de idade respectivamente, se dispuseram a cuidar das crianças até que Joaquim reorganizasse sua vida. Certamente tinham boas notícias de JOÃO GOMES RODRIGUES DA SILVA, o furriel, que estava bem es38


tabelecido em Formiga, já elevada à condição de vila, com sua fazenda no distrito de Timburé, soldo da patente militar e ainda rendimentos de um porta de comércio. Não há dados que permitam reconstituir a viagem de Joaquim, Delfino e as crianças para a Villa Nova de Formiga. Mas os primeiros sinais deles nessa localidade, começam a surgir a partir de 1843, quando se celebrou o casamento de Delfino Gomes Rodrigues Câmara e Maria D'Arantes, na Matriz de São Vicente de Ferrer de Formiga. Já em 1847, JOAQUIM GOMES RODRIGUES CÂMARA casou-se com Maria Felisberta de Arantes. Em 1858, quando a Villa Nova de Formiga foi elevada à condição de cidade, os Câmara estavam devidamente arraigados na região: uns viviam nos distritos de Timburé e Cachoeira, outros eram comerciantes na cidade,

AUGUSTO

GOMES

RODRIGUES

CÂMARA,

era

ser-

ventuário da justiça, como Partidor, e Juvêncio Gomes Rodrigues da Silva, seu primo, Contador Judicial. Este, 39


aliás, trilharia caminhos mais destacados: teve patente militar (tenente), foi juiz municipal, vereador e, entre 1877 e 1881, prefeito de Formiga, abrindo caminho para quatro outros descendentes dos primeiros Câmaras, já no século XX, ocuparem o principal cargo do Município, a saber, Frederico Aluísio Soares, Ary Aluísio Soares, Mariano Gomes da Silva, Arnaldo Barbosa. AUGUSTO

GOMES

RODRIGUES

CÂMARA

casou-se duas vezes, sendo que do primeiro matrimônio não deixou descendentes. Já do segundo, com DELMINDA MARIA DO NASCIMENTO, natural de Campo Belo, deixou vários, entre eles ILLÍDIO GOMES RODRIGUES CÂMARA, nascido em 1880. Este, em 1900, casou-se com ANA AMÉLIA DE MELLO, que teve vários filhos, entre os quais GERALDO RODRIGUES CÂMARA que se casou com LUIZA SOARES DE JESUS.

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A FAMÍLIA

"Aos doze (12) de fevereiro de 1942, na matriz de Formiga, depois das formalidades prescritas e três denunciações canônicas, não aparecendo

impedimento

algum,

por

palavras de presente, na forma do Ritual, em minha presença e das testemunhas José Pedro da Silva e Oswaldo em

Moureira,

matrimônio

receberam-se

GERALDO

RO-

DRIGUES CÂMARA e LUIZA SOARES DE JESUS. Ele solteiro com 23 anos de idade, filho legítimo de Elídio Rodrigues Câmara e Ana Amélia de Melo, nascido, batizado e morador em Formiga, freguesia do Bispado 41


do Aterrado. Ela, solteira com 21 anos de idade, filha legítima de João Soares Barbosa e Ana Soares de Melo, nascida e batizada em Pimenta,

moradora

em

Formiga,

freguesia do Bispado do Aterrado. Para constar, lavrei este termo que assino: O Vigário: Pe. Remaclo Foxius" A partir desse matrimônio, Luiza gerou cinco filhos: Rui, Ruth, Rubens, Roberto e Robeson. Por que tanto erres? Tudo começou com o primeiro filho, que o pai gostaria que se chamasse Guilherme. Ocorre que Luiza ponderou que o bebê era muito pequeno e não deveria ter um nome assim tão grande, sugeriu Rui. Geraldo pensou um pouco, pronunciou o nome algumas vezes e concordou. Ironicamente, Rui é hoje o mais alto dos filhos, mais de um metro e oitenta, ou seja, por ocasião de seu nascimento, a 42


intuição paterna estava mais aguçada. Quando nasceu a segunda criança, uma menina, não houve muita dúvida quanto ao nome: Ruth. O terceiro filho, Rubens, teve o mesmo nome de um primo que nascera dias antes. Os nomes dos próximos filhos tiveram, conseqüentemente, a mesma inicial: Roberto e Robeson .

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O FUTURO

O tempo não tem freios, passa rápido. Há quase trezentos anos, quando aqueles pioneiros se embrenhavam pelo sertão, procurando ouro, terra para cultivar ou pastos para criar seus rebanhos, certamente arriscavam um olhar para o futuro, querendo antever o amanhã. Hoje, algumas crianças alegram a família brincando, fazendo algazarra. Lentamente vão crescendo, aprendendo as coisas, descobrindo o mundo... Os netos de LUIZA SOARES DE JESUS são o futuro da grande família: RUDICAR ANTÔNIO CÂMARA, nascido em 03.01.1974, e HELDER CÂMARA, de 08.05.1978, ambos naturais de Passos, MG, filhos de Rui Rodrigues Câmara e 44


Maria Esméria da Fonseca Câmara; HEDERSON GERALDO RESENDE, nascido em Formiga, MG, aos 20.05.1986, filho de Ruth Aparecida Resende e Joaquim Lopes Resende; ROBERTA CÂMARA e MARCELO CÂMARA, ela nascida em Nova Serrana, MG, ele, em Formiga, MG, aos 14.05.1987 e 14.09.1988, respectivamente, filhos de Roberto Rodrigues Câmara e Maria Goreti Gonçalves Câmara; BRUNO

CÉSAR

CÂMARA,

nascido

em

13.04.88 e RÔMULO ELIAS CÂMARA, em 02.09.1990, ambos naturais de Formiga, MG, filhos de Robeson Antônio Câmara e Marla Elias Rios Câmara. LUIZA

CASTRO

CÂMARA,

nascida

aos

30.11.2008, em Formiga, MG, filha de Rubens Rodrigues Câmara e Ana Catarina do Amaral e Castro.

45


FIM Nota do autor: Na medida do possível, lacunas e incorreções nas informações

genealógicas

contidas

neste

livro

poderão

ser

sanadas no livro do autor “NOMES, DATAS E LUGARES – CRÔNICA DE CINCO SÉCULOS DO SOBRENOME CÂMARA”, ainda no prelo.

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