Rosanaricalde livro 33 low (4)

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Glรณria Ferreira e Rosana Ricalde

Entre Imagem

e Linguagem



Entre Imagem e Linguagem

Glรณria Ferreira e Rosana Ricalde

Rio de Janeiro, 2015

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Conexões intuitivas Em quinze anos de trabalho, Rosana Ricalde tem desenvolvido um modo singular de relacionar linguagem e imagem, criando situações imagéticas de grande potência poética. É desse percurso que tratam as conversas publicadas neste livro, Entre imagem e linguagem, realizadas em 2013. Seu trabalho se inscreve na longa história da relação entre a imagem e a linguagem. Cabe assinalar a expulsão da linguagem da representação pela perspectiva central, tornando-se ela própria representação como os nomes de livros, estabelecimentos ou garrafas de bebidas. No século XVIII, G. E. Lessing – filósofo, dramaturgo e crítico alemão – delimitou o mais nitidamente possível a poesia e a pintura, precisando os objetivos de cada arte através dos signos que lhes servem de meio – e separando, assim, as artes do tempo e as do espaço. A grande influência deste pensador, a quem Goethe agradecia por ter livrado a arte da alegoria, foi longa, apesar da reação de vários artistas como Paul Klee, que lamentava ter perdido tantos anos da sua juventude por uma “ilusão culta”. As vanguardas históricas desde as colagens cubistas, dadaístas e surrealistas, bem como com Duchamp, reintroduzem a linguagem. Uma obra exemplar deste período é, por exemplo, L’œil cacodylate, 1921, de Francis Picabia, composta de fotos e cartões postais e assinada por 56 amigos dadaístas, como Tristan Tzara, Jean Cocteau, Marcel Duchamp e Man Ray, que deixaram mensagens. O trabalho, aliás, acabou recusado no Salão dos Independentes... Essas experiências são negadas por Clement Greenberg, um dos últimos a defender a separação das artes em seu ensaio “Rumo a um mais novo Laocoonte”, de 1940. O crítico norte-americano advogava o imperativo da aceitação das limitações dos meios de cada arte, considerando o modernismo uma empresa de redução e de purificação. Sua grande influência na arte americana se fez, de certa maneira, hegemônica no sistema de arte ocidental, vindo a ser questionada pelos artistas da pop art, do minimalismo etc., mas também, mesmo

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sem referência direta, em outras paragens com movimentos diversos, como no Brasil, pelo neoconcretismo. A partir dos anos 1960, a arte contemporânea é marcada pela reflexão teórica, que se torna instrumento interdependente à gênese da obra. Transformações de linguagem indicam igualmente mudança radical tanto pelo deslocamento da palavra para o interior da obra, que passa a ser constitutiva e parte de sua materialidade, e, em alguns casos, apresentando-se enquanto obra. A presença do signo verbal no campo visual, observada nas colagens e fotomontagens, adquire, assim, nova dimensão, na qual são reatualizadas as questões introduzidas por Duchamp, aceleradas pelo viés conceitual que teve início no final dos anos 1950, com Henry Flynt e o Fluxus. O tempo passa a ser constitutivo das artes visuais e questiona as fronteiras entre as artes. No trabalho de Rosana Ricalde, a temporalidade é sempre presente e ativa. Sua relação com a linguagem já começa quando a artista estudava gravura ou copiava seus cadernos de estudo, buscando algo próximo à escrita, mas se afirma em seu trabalho Alfabeto de Verbos, apresentado em 1999 no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, em Niterói. Alguns de seus trabalhos não deixam de remeter aos caligramas, comuns na vanguarda histórica. Poemas visuais que se expressam por meio de uma original disposição gráfica do texto escrito, formando uma espécie de pictograma e representando um símbolo, objeto real ou figura, que é a própria imagem principal do poema. Seus mares, por exemplo, dão ideias de ondas, quase tsunamis, e não deixam também de remeter a Hokusai. Visando criar um elemento visual, aproximando forma e conteúdo através de recursos gráficos ou tipográficos, é o desenho o seu instrumento, como em suas plantas-mapas. Se há sempre uma afinidade com a narração, instaura-se um novo tipo de ficção, não subordinada à literatura. Como assinala Robert Smithson, “Quando se usa a palavra ‘ficção’, a maioria das pessoas pensa na literatura e praticamente nunca nas ficções em um sentido geral [...] A ficção não se considera parte do mundo”.1

Alterando significados e significantes de diversos materiais, como mecanismo de suas obras, os livros se tornam seu material de base. São desfeitos e refeitos, transformando-se, por exemplo, em plantas-mapas de cidades e labirintos. As das cidades do Rio de Janeiro, Veneza, Berlim, entre outras, foram realizadas a partir de Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Além de o livro ser por ela capturado, podemos pensar também na ideia do próprio atlas do Grande Khan, em que todas as cidades de seu império e dos reinos vizinhos são desenhadas. De certa maneira, as palavras de Marco Polo, “O que comanda a narração não é a voz: é a orelha”, não deixam tampouco de ressoar em seus trabalhos feitos a partir das frases desse livro: a leitura se faz meio aleatória, percebendo-se uma palavra aqui e outra ali, como uma história dentro da história pelas frases lidas pelas pessoas. É, portanto, a recepção que constrói a história. Ou como diz a artista: “Esse livro me fez pensar sobre como poderíamos encontrar essas mesmas cidades fantásticas dentro de qualquer cidade”.2 As Mil e Uma Noites, material de vários trabalhos, como a instalação de mesmo nome, na qual podemos ler o final de cada capítulo – onde Sherazade consegue um sursis com as belas histórias que conta – e ver muitas tiras do livro que indicam narrativas meio vagas, a serem construídas pelo espectador. Fio de Ariadne é um grande novelo feito com frases desse livro; assim como Labirinto, um desenho de emaranhado dessas sentenças. O trabalho realizado com As Palavras e as Coisas, de Michel Foucault, traz frases do livro trançadas, formando pequenos cubos, como a relacionar, de fato, as palavras e as coisas; e com As Viagens de Marco Polo, a artista transforma o relato de viagens pelo Oriente Médio e Ásia Central em seu caminho para a China ou, ainda, as descrições das regiões costeiras do Japão, Índia, Sudeste Asiático, a costa leste da África com desenhos de rotas imaginárias feitas com frases do livro. São operações que fazem aparecer o não verbal no próprio verbal, não mais constituem parte do discurso, da autoridade da discursividade ou da narração. Como observa Marisa Flórido, “Rosana Ricalde solicita das formas visuais, sonoras e

1 Smithson, Robert. “Um museo de lenguage en la proximidad del arte”. In: Robert Smithson. IVAM Centre Julio González (catálogo), 1993.

2 Rosana Ricalde In: “Entre imagem e linguagem”. Glória Ferreira entrevista Rosana Ricalde. Publicada neste livro.

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verbais que atravessam o campo das visibilidades e dos enunciados seus encontros e combinações incontáveis. Permiti-los é destruir a palavra do seu poder de designação unívoca. E, por que não, localizar no interior da construção dos discursos o intraduzível, este indizível que se aloja em ‘algum lugar’ entre a palavra e a imagem. A devorar-se mutuamente”.3 Ou, ainda, como assinala Paulo Reis, “Rosana Ricalde apresenta o mundo”.4 Em seu trabalho com os manifestos modernistas, a artista explora, segundo ainda Marisa Flórido, “a inaptidão da arte e de seus manifestos em afirmar uma verdade para si”.5 Como posição ou justificativa da posição, o manifesto, de origem política, não se endereça apenas aos artistas ou amateurs esclarecidos, mas a um público amplo: a “todo o mundo”, em uma comunicação direta, sem intermediário. É nesse sistema que Rosana Ricalde interfere ao, de certa maneira, desconstruí-lo. A atenção às palavras, isolando-as e evidenciando suas transformações ou congelamentos é a questão em Liberdade. Em uma mesa, setenta dicionários de várias épocas e autores dos quais foi retirada a palavra “liberdade”; todas as ocorrências do termo foram fixadas em uma parede ao lado, indicando o congelamento dos significados que os dicionários operam. De modo semelhante, A Invenção da Solidão reúne diversos livros de autores diferentes e assinala quando eles se referem à solidão. As palavras também aparecem independentemente dos livros, como em Máquinas de Escrever Poemas (2013), em que um mesmo papel corre entre duas máquinas de escrever que produzem um texto contínuo, ou ainda na pulseira que traz, impressa em alto-relevo em prata e ouro, a frase “A Palavra é Prata, o Silêncio é Ouro”. O processo por que passam os livros é, de certa maneira, revisto em Lápis-Lazúli, em que os desenhos de um tapete persa são transcritos como fragmentos em desenhos que, montados juntos, formam uma nova espécie de tapete. Para Rosana Ricalde, cada parte do tapete constitui um signo, conta uma história que pode ser replicada em seu desenho. Os motivos mais comuns nesses tapetes são arabescos, ramos de videira, folhas de pal-

meiras, medalhões com a sobreposição de padrões geométricos. É a partir daí, como descoberta, que parte o desenho, processado pela repetição. Em colaboração com Felipe Barbosa, Rosana tem uma longa trajetória de ações e trabalhos de arte pública. Entre outros, Muro de Sabão Rio (2000), por exemplo, parte do Prêmio Interferências Urbanas do Rio de Janeiro; Exatidão (2003) é uma partida de damas disputada em um cruzamento nas ruas de Madri; em Changing The Flow (2005) criavam um fluxo de doações de garrafas d’água a partir de uma estação de trem em Rotterdam, na Holanda; e em Trocas de Cartões (2006), realizada numa praça de Fortaleza, produziam e imprimiam cartões para pessoas à procura de emprego. Ou ainda Hospitalidad – Hospitality, realizado em Tijuana, em 2005, no contexto do Projeto InSite 05. São ações que tendem a se servir de materiais do cotidiano, simples, que geram empatia com os passantes, quer seja para pegar um pão ou uma garrafa d’água, ou ter o nome escrito, como em Hospitalidad – Hospitality. Essas intervenções urbanas são situações que apontam, segundo Guilherme Bueno, “dois elementos que parecem absorvidos da cidade: o ‘anonimato’ e a ‘surpresa’”.6 O anonimato, ainda segundo o autor, é uma espécie de trabalho de confluências, de um “terceiro autor”. “Estas incursões contêm a descoberta de outras surpresas que não seus marcos ou personagens, mas o fato dela requerer para sua sobrevivência a determinação de non-sites, de pontos cegos, de que sua ordem se assegura na pontuação de pequenos momentos caóticos.”7 O casal de artistas, Rosana e Felipe, deixou a cidade do Rio de Janeiro em busca de mais espaço: construíram uma casa-ateliê num terreno de mais de mil metros quadrados em Rio das Ostras. Lá, intensificaram sua produção, além de ampliar a escala de suas obras. A solidão, bem, a solidão é compensada por suas conversas sobre os trabalhos.

Glória Ferreira [Crítica de arte, curadora, professora colaboradora da EAV e da Escola de Belas-Artes da UFRJ]

3 Cesar, Marisa Flórido. “Exercício da Possibilidade”. In: Rosana Ricalde. Santiago de Compostela: Artedardo S.L., 2008. 4 Reis, Paulo. “As Palavras Compartilhadas de Rosana Ricalde”. In: Rosana Ricalde, op. cit. 5 Cesar, Marisa Flórido. “Exercício da Possibilidade”. Rosana Ricalde. Disponível em http:// www.rosanaricalde.com/pdfs/MarisaFloridoPORT.pdf

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6 Bueno, Guilherme. “Poéticas Compartilhadas / Poéticas Expandidas”. Rosana Ricalde. Disponível em http://www.rosanaricalde.com/pdfs/GuillermeBuenoPORT.pdf 7 Idem.

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entre imagem e linguagem Glória Ferreira entrevista Rosana Ricalde Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2013 e Rio das Ostras, 25 de outubro de 2013.

GF – Você começou como gravadora. Como foi a passagem para trabalhar com a linguagem/imagem? Você começou com os verbos, com os 14 mil verbos, em 1999? RR – Sim. Quando eu trabalhava com a gravura, essa questão do texto já estava insinuada, bem de leve. Eu buscava sempre algo próximo à caligrafia. Principalmente na xilogravura, posso identificar algo já próximo a uma escrita. Mas ainda é muito intuitivo, estava tateando um caminho. Acho que é a partir desse trabalho, Alfabeto de Verbos, apresentado em 1999 no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, em Niterói, que vou entendendo melhor o que quero fazer, que tudo vai se configurando. Antes cursei gravura na Escola de Belas-Artes, depois fiquei trabalhando em casa mesmo para em seguida ter um ateliê coletivo. Foi um período difícil, como atravessar um deserto. Trabalhei com várias coisas, fiz muitas pinturas, objetos, mas quase tudo foi descartado. Principalmente por uma questão de espaço, e também por ter sido um período de passagem. Foi importante, pois foi aí que eu senti que deixei de ser estudante, tive de entender como conseguir sobreviver

fazendo meu trabalho, que eu teria de ter uma estratégia se quisesse ser mesmo uma artista. Esse foi o período em que você passou um ano fora? RR – É, trabalhei em casa por um ano depois da faculdade e depois fui para Lisboa, onde fiquei quase um ano. E quando voltei fiz parte desse ateliê coletivo. Ali pude voltar à minha rotina de trabalho e conviver com outros artistas, foi uma época importante. GF –

GF – Quem

eram os artistas? Nem todos deram continuidade à carreira... Éramos muitos, eu, Felipe Barbosa, Adriana Valentim, Cristina Fernand, Joana Lyra, Marcos Abreu, Carlos Campos, Denise, Drika, Berna, João, Marcelo. Era um lugar bem movimentado, muita gente convivendo...

RR –

Aí você também começa a desenvolver os trabalhos de arte pública. É mais ou menos nesse mesmo tempo? RR – Um pouquinho depois. Foi em 2000, em Santa Teresa, no projeto de Interferências Urbanas, onde eram escolhidos dez projetos para serem realizados. Foi um trabalho idealizado e realizado por mim, pelo Felipe Barbosa GF –

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e pela Andreia Di Bernardi. Na época só a Andreia morava em Santa, ela fez a proposta de enviarmos um projeto juntas, chamado Muro de Sabão Rio. Daí eu e Felipe Barbosa participamos ainda outras três vezes, com a casa enterrada (Largo das Neves s.n.), com Rapunzel e com a obra na escadaria (O Mar, a Escada e o Homem). É muito difícil realizar um projeto de interferência urbana fora de um evento. Dependendo do tipo de trabalho, ainda mais na dimensão que tiveram esses projetos que fizemos, é bastante complexo. São trabalhos que funcionam melhor com um público avisado, que sabe que vai encontrar algo ali naquele percurso. Essa proposta foi interessante no momento em que ocorreu, quando vários grupos de artistas surgiam, com vários ateliês coletivos. Estimulou que se ampliassem as possibilidades de atuação, trouxe algo novo. Teve na época também o Atrocidades (do Alexandre Vogler), não lembro ao certo o ano. Depois fizemos outros três projetos em Santa, e participamos também do inSite – na fronteira do México com os Estados Unidos. Fizemos também um projeto em Fortaleza, a convite do Centro Cultural Banco do Nordeste – o trabalho Troca de Cartões. GF – E

o trabalho com a água? Sim, claro, havia me esquecido. Fizemos dois importantes trabalhos, com a água (Leveza – curadoria de Fernando Cochiaralle) e o pão (Visibilidade – curadoria de Marisa Flórido), ambos

RR –

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dentro do projeto Rumos Visuais, em Belo Horizonte. Foram trabalhos grandes que dialogavam um com o outro, pensados para a cidade e o sítio onde foram instalados. GF – Então projetos de arte pública você sempre fez com o Felipe? RR – Foi, até hoje sim. Esses trabalhos fora do ateliê, fora dessa rotina, onde tantos outros elementos devem ser levados em conta, meio que transformam você em outro artista. No meu ateliê tenho minha pesquisa, estou mergulhada naquilo. Tenho ali meus livros, meus objetos, meu mundo solitário. Quando o trabalho estiver pronto vai ser levado para fora e o público terá um encontro com uma obra já finalizada. Ele poderá ter sua leitura, mas o trabalho já está finalizado. Não vai se adaptar ao espaço, será colocado no espaço. Já num trabalho de intervenção, é preciso lidar com questões muito diferentes das que existem no cotidiano do ateliê. Primeiro o público, que não necessariamente se predispôs a ir até o trabalho – já que, de certo modo, como é algo que está na rua, foi colocado num suposto espaço que não é destinado à arte. Além de outras questões de ordem prática que precisam ser levadas em conta, como: duração da obra, segurança do público, a ação do tempo... Podemos até idealizar, mas na hora de realizar, essas questões práticas precisam estar bem acertadas, afinal a obra estará num ambiente comum, sem a

proteção do ambiente da arte e não necessariamente entendida como tal. Por ser tão diferente desse dia a dia do trabalho, sempre nos propusemos a fazer essas obras juntos. Tanto por ser um desafio, já que todo o processo é minuciosamente discutido, como também por sermos dois, fica mais fácil resolver as dificuldades. Como vocês pensavam ao interferir nos espaços? Vocês fizeram a água...(Leveza) RR – O pão...(Visibilidade) GF –

GF – O pão (Visibilidade) foi em BH tam-

bém. E os outros? Fizemos então O Muro de Sabão Rio (Prêmio Transurb Interferências Urbanas – Santa Teresa, Rio de Janeiro, 2000), Largo das Neves s.n. (Prêmio Interferências Urbanas – Santa Teresa, Rio de Janeiro, 2000), Rapunzel (Interferências Urbanas – Santa Teresa, Rio de Janeiro, 2001), O Mar, A Escada e O Homem (Interferências Urbanas – Santa Teresa, Rio de Janeiro, 2002), Exatidão (MAD 2° Encontro de Arte Experimental, Madri, 2003), os dois trabalhos do Rumos Visuais – Leveza e Visibilidade (ambos em Belo Horizonte, 2002), Changing The Flow (Bienal de Arquitetura de Rotterdam, 2005), Cambiando El Curso de Las Aguas (Centro Cultural de Espanha em Buenos Aires, 2006), Hospitalidad – Hospitality (inSite, Ponte México, 2003-05), Troca de Cartões (Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza, 2006) e RR –

Jardines Móviles (no Parque de Chapultepec – Galeria del Lago, Cidade do México, 2007). Agora, respondendo sua pergunta anterior: o porquê de trabalharmos em dupla nas intervenções urbanas... Primeiro por serem trabalhos de grande porte, onde você já vai se transformar numa espécie de outro. No trabalho que se realiza no ateliê, você vai descobrindo todo dia algo novo, que vai acrescentando. Numa obra para ser realizada na rua, é preciso lidar com elementos externos muito fortes – claro que você leva um pouco do que está fazendo individualmente naquele momento, mas é preciso levar em consideração outros fatores, e ter alguém para partilhar todo esse processo é muito interessante. As obras que fizemos nesse âmbito foram difíceis de realizar, foram produções complexas de se resolver e executar. O momento de escolha é um desafio, é um processo prazeroso, mas também desgastante. Negociar todas as decisões com o lugar e com o outro. Eu não poderia trabalhar todo tempo em dupla, na maior parte do tempo prefiro o caminho solitário do ateliê. Mas acho importante ter esses momentos também; é divertido e desafiador, traz algo novo para o trabalho individual, pois você é obrigado a enxergar com o olhar do outro ao dividir as decisões. Cada um tem ideias diferentes e maneiras diversas de resolver o trabalho. Quando nos propomos a fazer isso em dupla é como se tornar uma terceira pessoa. Mas não poderia fazer disso uma constante.

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GF – Você tem muita relação com a paisagem, com o espaço de fora. Tanto no seu trabalho das constelações, dos mares, dos rios, como no trabalho de arte pública. RR – Sim. O trabalho de arte pública revela elementos da obra de um e de outro. Mas deixe-me tentar trazer o momento em que surge isso: são muitas associações, conexões que a mente faz e que dão origem ao trabalho. Pensando na paisagem eu poderia relembrar um fato corriqueiro, mas que detonou algumas propostas novas no trabalho – me fez olhar para fora. Foi numa viagem que fiz a Salvador em 2002 para realizar o trabalho Persisto, no Salão da Bahia. Fiz um trajeto incrível do aeroporto, que é bem afastado, até o hotel, um caminho pela orla. Foi bastante tempo vendo a mesma paisagem, como um filme em linha reta, um horizonte onde se via todo tempo o mar. E até mesmo minha experiência no museu... GF – O

Solar. É o Solar do Unhão. Era um lugar cercado pelo mar. Eu estava ali para olhar fixamente para a parede, e assim permaneci pelos dois dias inteiros que realizei o trabalho.

RR –

Como em Fortaleza é muito forte a presença do artesanato e principalmente dos desenhos em areia, pensei em me apropriar disso e reproduzir em areia essa paisagem que tinha me chamado tanto a atenção. Realizei junto a artesãos o trabalho (mas não o apresentei nesse momento). Fiz o que chamei de Horizonte Azul, em 2002. Foi aí pela primeira vez que a paisagem aparece de fato como imagem no trabalho. Já tinha feito um trabalho que se chamava Encontro dos Rios com o Mar, mas havia aí somente textos – poemas que falavam de rios e mares, que remetiam à natureza, mas utilizando a escrita. Eu havia comprado essa garrafinha de areia numa outra ocasião que fui a Fortaleza, mas ainda não imaginava que seria algo que deflagraria vários trabalhos... Essa pequena paisagem, aliada a um poema que me chegou às mãos – O Navegante, que pertencia ao domínio oral Anglo-Saxão –, originou os trabalhos da série Mares. Esse poema me alimentou bastante, cada verso e todas as imagens que eles iam gerando foram muito impactantes. Poderia dizer, sim, que daí em diante estabeleço um contato mais próximo com a paisagem – natureza – que vai permanecer, transformando-se, até hoje.

GF – Persistindo... RR – Sim. E dali fui para Fortaleza participar da Bienal Ceará América. Os artistas iriam para lá fazer projetos específicos para o lugar e para o contexto da Bienal (intitulada De Ponta-Cabeça, inspirada no Mapa Invertido de Torres Garcia).

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GF – E

lá em Fortaleza, o que você fez? uma rede (Rede, 2002-05) com pecinhas que na época eram vendidas nos camelôs – das quais se faziam chaveiros, colares... O espaço destinado aos artistas

RR – Fiz

mais jovens não era o Centro de Arte Dragão do Mar, e sim alguns locais que seriam ocupados temporariamente pela Bienal. No meu caso, fiquei com uma das salas de uma antiga companhia de navegação, desativada havia algum tempo. Daí achei que seria mais interessante fazer algo que tivesse uma interação maior com o espaço a ser ocupado, pois esse já continha muitas informações. Pensei então nessa rede, que visualmente se assemelhava a uma rede de pesca, e que seria toda composta de nomes. Iniciei com o nome dos artistas e envolvidos no evento, e os monitores continuaram com o trabalho, mesmo sem a minha presença, por todo período da exposição, onde cada visitante que entrava na minha sala fazia e deixava ali seu nome acrescido à rede. GF – Como você relaciona a pesquisa de arte pública, independente de ser feita em dupla, com a sua pesquisa sobre a linguagem? RR – Vejamos. Por exemplo, no trabalho que desenvolvi para o Atrocidades, quis trabalhar apenas com o texto, sem utilizar nenhuma imagem, mas quis também usar uma frase que era comum aos ouvidos das pessoas. Me apropriei dos bilhetes comumente distribuídos em ônibus, que sempre contam alguma pequena história e terminam dizendo que “Poderia estar roubando, mas estou pedindo...” Usei essa frase familiar e o seu inverso, “Poderia estar pedindo, mas estou roubando...”

Nesse, ou no caso da Rede, ou mesmo na obra Hospitalidad (ainda que aí seja um trabalho em dupla), o conceito da obra me levou a trabalhar com a escrita. O conceito define o meio que é mais adequado para expressar aquela ideia. No caso de arte pública, como em geral as obras não dependem apenas do meu parecer, acontece mais evidentemente essa mescla texto/imagem. De qualquer forma, sempre o que vem primeiro nesse caso são as informações do lugar onde vou trabalhar, é preciso ouvir as perguntas que o próprio lugar onde a obra vai ser feita te faz. Daí definimos as respostas, ou seja, que tipo de obra aquele lugar sugere. GF – A questão da paisagem é realmente forte no seu trabalho, tanto nos desenhos como nos mapas também. Você utiliza As Cidades Invisíveis, de Calvino, em muitos dos seus mapas. No entanto, são mapas de cidades para lá de visíveis, como Veneza, Rio de Janeiro, Roma, Londres. Cidades das quais alguma referência se tem. RR – Na verdade é uma aproximação com as cidades que são, digamos, destinos turísticos comuns. Meu interesse primeiro é pelo desenho que está ali, um pouco independente de onde sejam. Sempre me interessei por viajar, tinha muita ansiedade para ter até uma profissão que me permitisse isso. Acho que surge também daí esse interesse pelos mapas. É como se eles pudessem me levar longe sem eu sair do meu lugar. É a abstração desse tipo de desenho que me interessa.

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Quanto a serem lugares comuns, sim, mas vejo que qualquer lugar também pode ser diferente dependendo do ponto de vista que o olhamos. Outro fator era que um tempo atrás eu tinha mais dificuldade em conseguir mapas, daí usar cidades, digamos, mais turísticas e consequentemente mais fáceis de se conseguir um mapa. Agora consigo com facilidade pela internet, mas mesmo assim acabam sendo áreas mais destinadas ao turismo dentro da cidade. GF – E

a relação com o Italo Calvino?

RR – Ele fala no livro, no relato de Marco

Polo para Kublai Khan, sobre cidades fantásticas... Esse livro me fez pensar sobre como poderíamos encontrar essas mesmas cidades fantásticas dentro de qualquer cidade. Ele nos prende ao revelar a cada momento uma cidade mais fabulosa e incomum que a outra, e esse poder da narrativa que transforma um lugar comum traz

à tona outras possibilidades de se relacionar com a cidade. É o que mais me interessa aí. Como poderíamos todos ter relatos distintos sobre nossas cidades se as olhássemos com um olhar mais depurado ou livre de referências óbvias. Criaríamos novos mapas com novas referências baseadas em um olhar mais sensível e pessoal. GF – E

o Marco Polo? Nesse trabalho uso o livro As Viagens de Marco Polo, onde o próprio relata em seu diário suas jornadas (ao longo da Rota da Seda até a China). Eu diria que em todos os trabalhos permanece um desejo de desenhar, e é nos livros onde encontro o meu mote e a minha linha. Criei uma espécie de método. Mergulho na leitura e tiro dali um novo universo que construirei muitas vezes, com o próprio livro. E o livro me dá isso. Nesse caso eu poderia traçar com lápis essas rotas, mas prefiro usar as linhas do livro, com suas

RR –

palavras, seu texto que vai sempre sugerindo outro e outro... Como nessa exposição que fizemos em 2013 na Laura Alvim, o livro As Mil e Uma Noites me levou a criar diversos trabalhos, e agora vejo a aproximação dessas narrativas, tanto Marco Polo como Sherazade, que envolvem o espectador em seus relatos fabulosos, todos partindo de sua figura – contando suas histórias, envolvendo todos a sua volta que, reunidos pela história, esperam ansiosos a noite seguinte para descobrir mais um pouco desse mundo mágico que ela lhes revela. GF – Você sempre foi ligada à literatura? RR – Infelizmente não. Cresci num lugar muito simples, sem acesso a muitos livros. Mas percebo que tive um interesse desde cedo pela imagem da palavra. Fiz caligrafia na escola, e isso me agradava. Passava meus cadernos todos a limpo, pelo prazer de desenhar as letras. Mas era algo totalmente inconsciente, não imaginava que isso ia ficar impregnado na minha memória e abarcaria minha produção como artista. GF – Isso em Natividade? Aliás, onde fica essa cidade? RR – Isso. Fica no noroeste Fluminense. GF – Daí você fez o mapa de memória da sua cidade, Natividade? RR – Sim, esse trabalho também é fruto do livro As Cidades Invisíveis, que tem um capítulo intitulado “As Cidades e a Memória”. Aliás, antes

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das plantas-mapas fiz esse trabalho. Já vinha querendo fazer esse mapa de memória, em que minha ligação com a cidade não viesse pela geografia, e sim pelo afeto. Onde eu redesenhasse as ruas com base em recordações que cada morador me trouxesse. Saí dessa cidade aos dezoito anos, e não mantive um contato muito grande depois disso. Voltei poucas vezes e muito rapidamente. Como no livro tinha esse capítulo, pensei em trabalhar essa minha memória. Voltar à minha cidade pelo desenho. Refazê-la, mas utilizando como referência seus moradores. Fui convidada para participar de uma exposição intitulada “Primeira Pessoa”, com curadoria de Agnaldo Farias no Itaú Cultural. Achei que seria uma boa oportunidade para encarar essa empreitada de mergulhar nas memórias e retratar um pouco do meu passado no trabalho. Reuni-me com minhas irmãs e com minha mãe e começamos a relembrar quem morava onde... e daí claro que também íamos lembrando de várias histórias. Fizemos um inventário com o nome de todos os habitantes de que conseguimos nos lembrar. Depois fiz o desenho da cidade, me lembrando de cada casa e seus moradores. Foi uma experiência muito interessante poder fazer esse retorno. E como é essa questão do mapa para você? RR – Como nessa obra em que faço o trajeto pela cidade em que cresci, trazendo à tona pessoas e histórias, GF –

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destrinchar um mapa de um lugar que ainda não conheço ou mesmo que conheça superficialmente é quase como abrir uma primeira porta para essa cidade. Em geral, antes de fazer uma viagem procuro localizar aquele lugar no globo, depois estudo seu mapa, é uma maneira de ir chegando. Poderia dizer que o mapa funciona como um portal onde toda história do lugar está de algum modo contida. Mas, além disso tudo, tem o desenho também. Hoje temos imagens feitas por satélite que podem retratar com precisão a face da terra. Mas antes esses desenhos eram feitos contando apenas com a capacidade humana de perceber o espaço, auxiliado por instrumentos rudimentares. É algo curioso para mim essa maneira de absorver uma forma e desenhá-la. Deleuze fala que o mapa não é representação. E a influência no seu trabalho da arte conceitual foi importante? Ou melhor, do viés conceitual? A arte conceitual utilizou muito o mapa. RR – Meu trabalho se constrói muito intuitivamente, eu diria. Ele foi se estruturando um pouco à margem das referências históricas, até por eu não me relacionar tanto com a academia. Ele está sempre aliado a um conceito, mas eu não saberia te dizer objetivamente o que me influenciou para isso. Minha aproximação com o mapa é muito pelas possibilidades que esse desenho oferece. Viajar no tempo e no espaço... Quando olho um mapa, vejo um desenho muito revelador do que é aquela GF –

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sociedade, como ela se organiza, o que fatalmente afetará suas relações. Está tudo ali. E eu posso me apropriar desse desenho e buscar outras histórias nele. GF – O

mapa foi muito importante nos anos 1960/1970. Foi muito explorado. De certa maneira, até mesmo nos seus trabalhos dos mares tem algo dos mapas. Você ali faz uma espécie de mapa também. RR – Vejo aí uma questão muito forte das fronteiras, do poder – estabelecidos pelos mais diversos fatores. Estou, sim, revisitando os mapas... Quando proponho uma mistura de todos os mares para se formar um desenho, dissolvo as fronteiras e crio uma nova superfície que só é possível quando ocorre uma associação – junção – de todos os oceanos. Aí a água entrelaça tudo. Principalmente no desenho que faço sobre um globo (Globo, 2005), onde primeiro apago a terra e a cubro com o nome dos mares, deixando as fronteiras submersas. Você conhece todas as cidades que retratou? RR – Não, algumas até conheci posteriormente à feitura do mapa, como Roma, que visitei ano passado. Mas algumas sim. Isso é bem casual. Agora há pouco fiz Pequim e Moscou, cada desenho é tão diferente do outro, a maneira de se pensar a cidade varia muito, os momentos da história daquela cidade são revelados pelo seu mapa, é isso que me interessa ao observar como se configura cada desenho.

Em alguns mapas que consigo fazer bem grandes, por exemplo, é possível abarcar períodos distintos da mesma cidade. No mapa do Rio, um dos que mais gosto, temos muitos elementos diferentes. São montanhas, lagoas, favelas. O desenho ganha muitas texturas.

a maior dificuldade é de apreender os nomes, são muitos, e eu acabava tendo de ir lendo para escrever, daí se perde a fluidez do desenho. GF – Na entrevista com a Anna Manarino

GF – É verdade. É interessante porque, por exemplo, quando você faz o trabalho com os nomes do poema do Carlos Drummond (Quadrilha) – podemos pensar, nessa identificação, também em um mapa... RR – É, quase como um rio que vai desaguando em outro e se soma a outro...

e a Camila Maroja1, você reflete sobre a questão da palavra – da linguagem como aquilo que pode ter várias imagens. Como é essa relação para você? RR – No início, isso era uma constante. Nós falamos há pouco sobre a influência da arte conceitual... Uma artista que me interessou por um bom tempo foi a Yoko Ono. Em um de seus trabalhos ela usa a palavra como ponto de partida – no caso, etiquetas com proposições –, ao invés de realizar o objeto. O espectador é quem se encarrega de realizar mentalmente o objeto, a paisagem... Essa potência da palavra aí evidenciada sempre me interessou. Trabalhei algum tempo apenas com o texto, experimentando a elasticidade das palavras em vários suportes, pesquisando sobre essas conexões provocadas pelas palavras – essas pontes que vão se estabelecendo. Mas desde os trabalhos com o mar, inseri outros elementos. Desde então tenho focado muito no poder da narrativa, ainda que o texto não esteja em primeiro plano, mas dividindo espaço com a imagem, ou até apenas sugerido por ela. Mas sempre presente, como ativador e estruturador

E os rios, você já fez algo com eles também. RR – Fiz sim, alguns desenhos. Mas

1 Manarino, Anna e Maroja, Camila in: Rosana Ricalde: Depoimento Compartilhado – Rosana Ricalde, 2009

GF – Interessante que você de certa maneira cria uma relação com a cidade mesmo sem conhecê-la. RR – É, acabo conhecendo a cidade pelo seu desenho, apreendo esse desenho. Algumas vezes depois de ter o mapa pronto no ateliê, me pego sem saber ao certo de onde é. Daí vou percorrendo o desenho até chegar a alguns pontos “turísticos” e acabamos descobrindo qual é a cidade.

Você consegue reconhecer os lugares? Roma, por exemplo, você já tinha feito o mapa... Quando você chega, reconhece o lugar? RR – No caso de Roma, em especial, isso foi bem fácil, pois a cidade tem muitas referências. GF –

GF –

GF –

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do pensamento. Ultimamente, tenho pensado muito em como organizar minhas exposições, em como um trabalho dialoga com o outro, formando uma narrativa, cada um se apoia no outro oferecendo informações, para no total contarem uma história. GF – De certa maneira é como se fosse uma ficção? Não é, digamos, simplesmente juntar os trabalhos... RR – Muitos trabalhos vão completando o outro, conduzindo o outro.

Não é um assunto em si, mas vejo que ocorre em algumas ocasiões. Acredito até que algumas afinidades e interesses da pesquisa talvez sejam derivados dessa memória desconhecida que carregamos, não acho que seja por acaso. Nesse meu interesse pelos mapas, atlas ou pelos dicionários – vejo como uma maneira de me localizar no mundo, entender a minha história, expandi-la.

RR –

GF – Onde

você identifica isso? Nesse trabalho que estou fazendo agora – utilizando os desenhos Mehendi, os tapetes e o livro As Mil e Uma Noites – por exemplo. É um interesse por uma cultura distante, que aparentemente não tem muita relação com a minha história, mas acredito que sempre seja uma busca por respostas que acabam relacionadas à memória, ainda que a uma memória desconhecida.

RR – GF – Gostaria

de perguntar sobre a presença da memória no seu trabalho, além do mapa de Natividade. RR – Vejo que vão surgindo algumas referências sim, algumas vezes primeiramente de modo inconsciente. Talvez até essa relação com elementos da natureza estejam ligadas à minha infância, onde eu não estava cercada de brinquedos. As brincadeiras eram no quintal, nas árvores, nos morros. Eram brincadeiras que estimulavam muito a criatividade, as coisas não estavam prontas. Tenho, por exemplo, uma lembrança forte de observar o céu, em lugares com pouca ou sem nenhuma luz. Era algo muito exuberante, que ficou impregnado na minha ideia de céu. Acabei fazendo um trabalho onde desenho constelações, cheguei aí pelas histórias das figuras mitológicas, mas também por conta dessa imagem que trago comigo. GF – Às

vezes você se pergunta se tem alguma coisa da memória?

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O trabalho, me parece, passa muito isso. Você tem viajado muito para o exterior... RR – Agora um pouco menos, tenho dois filhos pequenos... e também um pouco por conta da crise na Europa e nos Estados Unidos. O número de projetos fora diminuiu bastante... Mas sim, participei de diversos projetos, residências fora. Quando não, eu mesma invisto nisso, faço ao menos uma viagem a cada dois anos, uma residência fora. Para mim é muito importante viajar, ver coisas novas, me distanciar da rotina do GF –

ateliê e abrir novas possibilidades de resolver os trabalhos. GF – Você

começou a viajar quando? primeiro essa viagem para Lisboa, logo que terminei a faculdade. Depois uma residência em Paris – o Felipe ganhou uma bolsa do Itaú Cultural no projeto Rumos. Fui com ele e ficamos quase três meses. Já fui para San Diego, Tijuana, Cidade do México, Rotterdam, Suzak e São Tomé, sempre em residências. O bom de sair assim é me permitir o ócio, um tempo para contemplar, o que no dia a dia tenho muita dificuldade em fazer. Foram viagens a trabalho, mas estava fora do ateliê, então o tempo é bem diferente.

RR – Fiz

GF – E

o ócio é importante. é como um período para decantar as ideias. RR – É,

Como surgiu a ideia da galeria Cosmocopa? Quanto tempo durou? RR – Era uma ideia antiga. Desde que começamos, Felipe e eu, a comercializar nosso trabalho em outras galerias, percebíamos coisas que podiam ser feitas. Sentíamos falta de várias coisas e até em relação à apresentação do trabalho. Esse foi um motivo para pensarmos em abrir nossa própria galeria. Mas já nessa época, entendíamos que era preciso termos algumas coisas conquistadas, nossa carreira deveria estar mais solidificada e pensávamos que seria bom termos também um pequeno acervo que nos desse um suporte. Daí começamos nossa coleção, GF –

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aproveitando todas as oportunidades de compra de trabalhos que estivessem ao nosso alcance. E num dado momento, mais até por conta do Felipe (eu fui mais por apoio à ideia), decidimos que era a hora. Foi uma iniciativa mais da parte dele (além de eu ter um trabalho que me consome muito tempo em todas as suas etapas), me preocupava um pouco assumir a responsabilidade com outros artistas, de ter esse compromisso com suas carreiras. E com essa decisão dele que já havia inclusive tomado a iniciativa de ficar sem galeria, acabei seguindo e fazendo parte da sociedade. GF – Você

trabalhava com qual galeria? No Rio, com a Arte em Dobro, e em São Paulo com a Baró. Mas, mesmo de fora, estava participando de todo o processo de idealização e implementação da Cosmocopa, não fazia sentido eu não me associar. Foi uma boa experiência, ainda que tenhamos encerrado as atividades, vejo o saldo como positivo, e nada nos impede de retomar esse projeto, de termos nossa própria galeria outra vez, mas talvez num outro formato. Hoje fala-se muito em mercado, mas acho que essa expectativa trouxe uma acomodação por estar dentro ou até fora do mercado. Em geral, o artista tem outro emprego que permite seu sustento e que ele possa também através desse emprego custear sua produção; daí ele não precisa se preocupar com a venda. Ter a galeria

foi tentar mostrar para nós mesmos que podemos trilhar e criar novos caminhos criativos. Queríamos entender esse aspecto do, diríamos, escoamento do trabalho e também tentar entender como isso se dá. Sempre administramos de perto tudo que envolve nosso trabalho, nunca fomos de delegar e ficar só com a parte de criação. Então foi bem natural ter a galeria, tanto quanto foi editar, organizar exposições, ter essa produção em dupla. Foi mais uma etapa. E teve também essa experiência de mostrar o trabalho de outros artistas, que acreditamos e admiramos. Não dá para dizer que foi fácil, claro que é desgastante acumular funções, mas acho que ganhamos muito com isso.

E esse jogo por posições no mundo da arte é muito pesado, pois ser poderoso pode abrir muitas portas, se você for um galerista, pode usar essa moeda de troca. Mas eu acredito, mesmo, no trabalho. Sei que é até ingênuo, pois infelizmente esse é um mundo de interesses, apadrinhamentos e relações. Mas prefiro me ausentar e seguir meu caminho, ainda que por pensar assim abra mão de algumas coisas... Bom, a experiência da galeria também nos fez ver que a maioria dos compradores sabe o que quer, por mais que tentemos mostrar além do que ele já foi procurar, é difícil, ele já tem o seu foco. São muitos fatores, e não apenas o trabalho da galeria, que levam um artista a ter mercado.

GF – Agora há pouco você estava falando que às vezes as galerias dão a entender que elas fizeram tal e tal pessoa comprarem, e que a maioria das pessoas já chega com uma indicação muito clara do que querem.... RR – De certo modo é todo um jogo... Agora há pouco mesmo vi no Mapa das Artes uma lista com as cem pessoas mais poderosas no mundo da arte. Às vezes o lugar das coisas está invertido, a importância das coisas está invertida... E parece que a obra ou artista tem menos importância dentro desse jogo. A mim, sinceramente, pouco importa quem é ou deixa de ser o mais seja lá o que for. Não trabalho para isso. Claro, dou importância que comprem meu trabalho, mas não vou me deslumbrar porque é o fulano quem comprou, não é para isso que decidi ser artista.

GF – E a sua relação com o mercado? Você já esteve em várias galerias. RR – Já estive em várias galerias – para mim sempre funcionou por um tempo, mas em geral acho que acontece um esgotamento da cartela de clientes daquela galeria. É uma relação muito delicada, não sei, acho que é preciso achar seu par, e às vezes isso pode demorar a acontecer. Essa relação lida ao mesmo tempo com dinheiro, poder e

RR –

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vaidade, coisas chatas, perigosas. Mas acho que temos muito a avançar, tudo ainda é muito informal, muito baseado nos afetos e acordos de cavalheiros. Só que isso também abre margem para fantasmas. É difícil agir com profissionalismo, às vezes se é mal interpretado. Eu sou uma pessoa bem prática, não aguento hipocrisia, só que no nosso meio é difícil ser franco, você acaba sendo mal interpretado... Mas falando do mercado – ainda estamos fortalecendo nossa base. O mercado é incipiente, e poucos são os colecionadores. A maioria das pessoas que compram obras de arte não as adquire com o intuito de formar uma coleção. Nossas instituições não têm acervos próprios, não compram. Isso começa a acontecer bem ao longe. É algo que acho muito marcante fora, pois quase toda cidade tem um museu com uma coleção, aqui isso é raro. Ficamos muito dependentes de coleções particulares que podem envolver inúmeros interesses. Mas já melhorou muito. Apesar das dificuldades, vivo quase que exclusivamente da venda do meu trabalho já faz alguns anos. O que para mim é bom, pois posso me dedicar exclusivamente à minha pesquisa. Mas não é fácil como pode parecer. Você tem de ser muito centrado e organizado. Alguma galeria já pediu a você algum tipo de trabalho específico, por exemplo? RR – Sinceramente nunca me aconteceu de pedirem para eu fazer desse ou de GF –

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outro modo. Meu trabalho é muito variado, minha produção é extensa. Mas claro, alguns trabalhos, sei lá porque, vendem mais. Como falei, sou prática, o que posso fazer para facilitar essa venda, desde que não interfira no conceito do trabalho, eu faço. Sou exigente com o material que pode me dar suporte na execução de uma ideia, e fico atenta aos detalhes nessa execução. Procuro facilitar a exibição do trabalho, desde que isso não vá de encontro com a ideia primeira. Quero que o colecionador ou comprador veja o trabalho e que questões de apresentação não interfiram, não sejam empecilho para a aquisição da obra. Mas se tem uma coisa que me incomoda é a compra de um trabalho como um investimento financeiro. Quando se compra um trabalho, é um investimento sim. Da mesma maneira que adquirimos um livro, fazemos uma viagem. É um investimento naquela ideia, na convivência com aquela obra, com o pensamento daquele artista. É acreditar no poder de transformação-reflexão contido naquele trabalho. Se a obra vai valorizar ou permanecer por séculos são questões à parte. GF – E sua relação com a arte internacional? Você é de uma geração em que a arte brasileira já era mais aceita lá fora. Como é sua experiência? RR – Já participei de várias coisas fora. Alguns projetos de artistas, residências, e algumas exposições institucionais. Mas tenho muito ainda a conquistar. Esse período de crise econômica,

como dito, fez com que muitas coisas fossem interrompidas. Outra questão que dificulta é a burocracia para o envio dos trabalhos para fora do país. Mas obviamente existe um interesse crescente na produção brasileira e também em estabelecer vínculos com nosso país. Nossa produção demonstra um frescor e até há pouco as notícias a respeito do nosso avanço, do nosso mercado, eram de fato tentadoras. GF – E o convite para o inSite, como foi? É um projeto importante. RR – Esse foi um projeto muito legal. Muito sério e que o foco não era necessariamente um trabalho final. Eles propunham que os artistas pudessem ter sua própria experiência com Tijuana-San Diego. O curador da edição de que participamos foi o Oswaldo Sanchez. Ele veio ao Brasil e, através da Marisa Flórido, contatou diversos artistas que na época tinham trabalhado com intervenções urbanas. E nós (eu e Felipe) fomos selecionados para realizar um projeto em dupla. Durante dois anos estivemos envolvidos com o inSite, fomos cinco vezes a essa fronteira. Nesse ínterim aconteceram muitas atividades interligadas ao trabalho final dos artistas. Participamos de palestras, encontros com arquitetos, antropólogos, diretores de empresas locais, associações de moradores. A ideia era que de fato pudéssemos entender da maneira mais abrangente possível o que se passa naquele local. Acabamos por escolher Tijuana para realizarmos nosso trabalho.

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A experiência de cruzar a fronteira foi bastante desconfortável, e percebemos com isso que nos identificávamos muito mais com o lado mexicano, e que poderíamos falar com mais propriedade estando ali. O resultado foi a obra que intitulamos de Hospitalidad – Hospitality, ancorada no conceito desenvolvido por Jacques Derrida no livro de mesmo nome. Pintamos toda a ponte México, que de certo modo faz a ligação simbólica entre as duas cidades. GF – E

o contato com os artistas? Esses projetos que permitem o contato mais duradouro com os artistas são sempre muito ricos. Nesse caso eles também propunham o contato com artistas que não estavam na seleção, convidavam artistas de Tijuana e San Diego para serem nossos anfitriões, e daí também pudemos tirar bastante. Já fiz diversas residências, e isso é o lado mais legal, mais até do que produzimos ali. Esses laços, que nem sempre vão durar, mas o que trocamos ali, permanece. RR –

GF – Não

teve mais nenhuma edição do inSite, não é? RR – Acho que não. Era um projeto bem ambicioso, que propunha de fato uma reflexão que envolvesse toda a sociedade local. Eram muitos temas a serem tratados. Envolvia gente de todo o mundo. Eles não tinham um apoio governamental, os organizadores é que batalhavam pela realização do projeto. E mesmo sendo algo grandioso, eles

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sem dúvida enfrentaram problemas financeiros com essa crise americana.

futuro mais distante... sair da cidade grande e poder ter mais espaço...

GF – É

GF – E Tijuana é uma cidade interessante? RR – Muito. Sinceramente, como artista, achei que lá tínhamos muito mais elementos para explorar do que em San Diego. Tudo é muito estranho, o modo como esse sonho americano está ali perto, ao alcance... Nós ficávamos num hotel bem próximo aos portões da fronteira, o engarrafamento começava mais ou menos às 4h da manhã, com as pessoas que iam trabalhar de carro e que teriam de esperar pela averiguação dos documentos. Isso é uma rotina. E tem também a fila de pedestres, que durante quase todo o dia é imensa. Do outro lado, os portões com fluxo livre, para os que vêm dos EUA e querem entrar em Tijuana. É uma cidade movimentada, todo dia chegava muita gente, gente simples, disposta a tudo para atravessar a fronteira pelo deserto. Esse sentimento, esse desejo, fica no ar. Fica marcado nas pessoas. É muito estranho tudo que se imagina ter do lado de lá e não poder ultrapassar um simples portão. Enquanto na contramão, muitos americanos cruzam a fronteira para consumir álcool, remédios, ou simplesmente para se divertir de maneira mais descontraída.

GF – Vocês

GF – Como

GF – E quanto a vocês se mudarem para

Rio das Ostras e construírem casa, ateliês? RR – Era também um projeto para um

são do Rio?

RR – Somos de Niterói, vivi muito tempo

em Natividade e depois nós fomos viver no Rio, onde ficamos dez anos. Vivíamos em Santa Teresa e tínhamos ali nosso ateliê. Mas depois de dois assaltos repensamos várias coisas e meio que num impulso decidimos mudar de vida. Não precisávamos estar todo tempo no Rio, e viver num lugar menor com a possibilidade de ter mais espaço foi decisivo. Claro que aqui é mais complexa a questão de termos interlocutores, esse convívio com outras pessoas da área. Mas temos um ao outro, estamos sempre discutindo e vendo o trabalho do outro. O ganho foi imenso. Aqui pudemos planejar um espaço adequado às nossas necessidades, tanto de trabalho, de pesquisa e armazenamento das obras. Eu percebi uma mudança grande depois de ter vindo para cá, onde tenho luz natural e um contato maior com a natureza. Prezo o silêncio que tenho aqui, que me permite ficar concentrada, imersa no trabalho. Trabalhei um bom tempo num subsolo, e quando vim pra cá, nossa, senti uma diferença em ter horizonte, o que afetou meu trabalho diretamente. Aqui se tornou possível investir em trabalhos como esses dois painéis de seis metros cada... Um consegui terminar, o segundo foi interrompido por outros projetos e está aí me esperando...

RR – É,

da série Mares? mas preciso retomá-lo.

é a relação com a imagem? Ela está surgindo através dos desenhos dos tapetes? RR – Trabalho muito com a repetição do desenho. O que para alguns poderia parecer algo puramente mecânico, considero apreender a imagem. Nessas últimas obras, tenho reproduzido diversos desenhos, mesclando padrões de tapetes, desenhos Mehendi... Esse repetir, repetir vai me dando de certo modo uma entrada nessa linguagem. Começo a entendê-la como um texto. Funciona como um mantra que vou repetindo até que aquele conteúdo seja absorvido. A imagem começou a surgir na minha produção já faz um tempo. Acho mesmo que foi com os mares; mas como eles eram feitos com seus nomes, essa leitura deixava menos evidente o desenho. Nesses tapetes o processo é um pouco inverso, me aproprio de um desenho partindo do princípio que nele está contida uma história. De uma região, tribo e, por fim, de alguém que o teceu. Fragmento essa história e faço a associação dela com outros elementos, recontando histórias. GF – E o azul presente nesses e nos outros trabalhos? RR – De fato, por questões diversas é a cor que predomina no meu trabalho. No caso dos tapetes, é algo até bem antagônico, pensando que o azul provavelmente não será visto no deserto,

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apenas no céu. Seria muito mais razoável que eu usasse tons terrosos. Mas eu quis fazer referência à pedra Lápis-lazúli, com a qual se preparava o azul. É uma pedra encontrada no Afeganistão e tem um lado simbólico. Nos contratos com os artistas no período do Renascimento, contavam o quanto seria usado de lápis-lazúli, e outros materiais, nas pinturas para estabelecer os preços. Ainda sobre a questão da linguagem: a tua linguagem vem muito dos livros ou dos nomes, também dos manifestos, basicamente isso. Nos livros que você utiliza é uma linguagem que não se chega a ler. Como isso se passa? RR – Vejo até no que estou fazendo agora, que meu interesse está nessas pequenas histórias que os livros destrinchados podem me dar. É quase mostrar suas “entrelinhas”. Desmancho o texto e o remonto, por exemplo, na forma de um mapa. Quando alguém vir o trabalho, acabará lendo trechos que se destacarão diante de seus olhos. Esse deslocamento que permite que o texto se reconfigure através do desenho é um dos meus interesses. Criar um jogo infinito entre a palavra e a imagem... Quando essas palavras saem do seu contexto de livro e ganham autonomia no desenho, elas também adquirem outros sentidos de acordo com o leitor da obra. Certa vez fiz um trabalho, Corrente de Palavras (1999), em que digitei a esmo palavras que me vinham à mente, depois, com elas, fiz elos que se uniam GF –

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a outros, formando uma enorme corrente. O público da exposição podia manipular essa corrente e de fato criar elos com essas palavras através da leitura delas em série, dando sentido àquelas frases que também surgiam de forma particular para cada leitor. Cada um criava suas conexões. Gosto da ideia de o trabalho ser uma espécie de livro às avessas, um livro reescrito a partir de fragmentos de livros. Escrito por mim e pelo público que vai selecionando os trechos dentro do desenho ou da escultura, instalação. Dali ele leva a minha história, a sua e a do autor do livro. GF – Como

é a narração para você? Seria exatamente essa coisa não linear, embora da narração? Comanda a ficção? Como entra essa sua narração, por exemplo, na leitura de As Mil e Uma Noites? RR – Meu processo de trabalho se dá muito assim, ter contato com um determinado autor ou texto, e transformar essa experiência num trabalho... Estou sempre à procura desse encontro, que me trará ideias novas. Muitas vezes é um título que me desperta e abre infinidades de portas. exemplo, no As Mil e Uma Noites que estava na exposição “Poemas Pendurados”, na Laura Alvim... RR – Esse livro para mim traz muitas histórias fascinantes, mas a mais fascinante não é a que virá a cada noite, e sim a da própria Sherazade. Então temos ali a história dentro da históGF – Por

ria. Essa estratégia traçada por ela de seduzir o rei através do seu poder de narrar é o que me capturou. A crença na narrativa para garantir sua sobrevivência. Acho que estou à procura disso, seduzir o público com as histórias que vou revelando... Esse livro foi fonte de vários trabalhos. A narração de Sherazade é, realmente, maravilhosa. Em termos de temporalidade é incrível – às vezes, em duas páginas você consegue viver uma infinidade de coisas. RR – Ela cria um labirinto, vamos nos perdendo dentro das histórias, que vão sempre trazendo outra e mais outra. Fiz duas obras com isso. O Labirinto e o Novelo – Fio de Ariadne. A cada amanhecer ela aponta uma nova direção, ela nos faz entrar e nos perder em seu tempo e espaço. Trata-se aí também da linearidade do livro. Podemos ler essa obra a partir de qualquer ponto e relê-la, dando voltas em seu tempo. GF –

GF – Como você vê a situação do artista hoje, até pela sua experiência com a Cosmocopa? RR – Em relação às minhas expectativas na época em que concluí a universidade de Belas-Artes, acho boa. Eu

não tinha nenhuma perspectiva nessa época, a possibilidade de me manter como artista era bem remota. Não existia uma cena artística estabelecida. Era uma espécie de deserto. Fazendo esse tipo de comparação, atualmente, os artistas têm um horizonte vasto pela frente. A começar pela formação. Hoje temos diversos cursos de graduação, pós, mestrado, doutorado na área de artes. O acesso a livros, à informação é outro, muito mais democrático e barato. Toda essa facilidade tem um lado negativo, a ansiedade que provoca. Você tem de saber o que acontece, tem de estar ali e acolá... o que acaba por te lançar, muitas vezes, como um indivíduo imaturo no circuito. Aumentou de uns tempos para cá substancialmente o número de artistas, de galerias, de compradores. Isso também aumentou a necessidade de pertencer. Só que se você fica muito ansioso por isso, pode não ter o tempo para errar, para pesquisar, tudo tem de ser logo o trabalho da sua vida. Pensando no acesso, hoje temos ao nosso dispor muito mais ferramentas. Cresceram também o número de bolsas, prêmios, projetos remunerados, mas ainda temos muito a conquistar. Com a facilidade de circulação da informação permitindo que os artistas estejam a par do que acontece no circuito da arte no mundo, acredito que fica mais fácil reivindicar transformações e profissionalização no nosso circuito, o que vai caminhando.

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Ainda sobre os artistas, o Ricardo Basbaum fala do artista em trânsito. Do artista exercendo várias funções, como curador, crítico... Vocês tiveram a experiência da galeria. Essa situação de trânsito, você acha que é comum hoje o artista como professor, produtor? RR – Hoje, de maneira geral, não existe muito espaço para sermos uma única coisa. Todas as profissões exigem mobilidade. Como artista, até pela falta de estrutura no circuito, somos obrigados a atuar em várias frentes, de maneira múltipla. Acabamos adquirindo diversas competências para podermos realizar nossos projetos. GF –

GF – Ricardo

fala dessa transição como uma função também do trabalho de arte, de incorporar essas diversas atividades... RR – De fato, não tem muito espaço para o sujeito ser somente artista, ele precisa administrar, produzir, editar, montar uma exposição, fotografar... Mas não sei se vejo isso como parte do trabalho do artista, no meu caso certamente não. No nosso caso, que sempre fizemos tudo isso e acabamos por ter também nossa própria galeria, foi importante para aprendermos um pouco também desse aspecto do trabalho, mas dizer que isso teve alguma interferência ou fez parte do trabalho, definitivamente não. Outra questão também é poder e saber falar do trabalho, é difícil se esquivar disso hoje. GF – Ter

de delegar... estar apto. Sinto necessidade

RR – Não

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disso. O crítico, o curador, o historiador dão uma imensa contribuição ao trazerem sua visão da obra. Eles falam daquilo por outro prisma, que não é o do artista, eles podem fazer essa ponte com o público. Mas acho importante o artista poder falar de sua experiência, saber se colocar, conceituar e contextualizar seu trabalho. Algumas coisas só ele pode revelar.

GF – Mas você acha que ainda existe crítica, no sentido de julgamento? RR – Acho que praticamente não. Não há mais espaço para isso. Primeiro porque a maior parte do espaço destinado à cultura é publicitário... e aí não cabem opiniões. Nos jornais o espaço para falar de exposições é muito pequeno. É difícil utilizá-lo para fazer uma crítica.

GF – E

GF – Ele pode acrescentar, mas o julgamento... RR – Ele em geral contextualiza, interage com o trabalho do artista, mas não emite claramente sua opinião a respeito dele. Sinto falta disso, mas entendo que nos dias de hoje, ao dar sua opinião, pode-se correr o risco de parecer reacionário. Olha, mesmo que o cara tenha uma opinião desfavorável sobre aquilo, talvez ele prefira se abster de pronunciá-la. Tudo muda tão rápido, tudo é tão subjetivo, que fica mesmo difícil dizer se algo é ou não bom. Ter poder e coragem para dizer isso.

sua relação com os curadores? que seja boa... Eles podem apontar direções e facilitar o entendimento do vocabulário de um determinado artista. É alguém capaz de formular um discurso sobre o trabalho, de fazer conexões e associações daquela obra no tempo e no espaço. Mas, sinceramente, sou uma pessoa rebelde e em geral quando chega a hora de organizar uma exposição, já tenho aquilo tudo planejado na minha mente. Tenho dificuldade de dividir e me abrir a outra opinião. Até gostaria de dividir mais vezes essa concepção com um curador, acho enriquecedor. As experiências que tive foram muito boas. Em galerias comerciais tem sido bastante comum os artistas convidarem curadores, mas tenho algumas ressalvas. Tenho muito medo de criar uma saia justa.

RR – Espero

GF – E

a crítica? Eu sinto falta, é ótimo ter um retorno do público. Não tenho do que reclamar quanto a isso. Mas faz falta a voz do crítico. RR –

GF – Mas

também a crítica de arte mudou muito. Você pega uma crítica de teatro, tem a crítica da iluminação, do figurino, do texto, direção, atores... É compartimentada. Antes também era possível em artes plásticas se discutir formalmente questões de vibração da cor, do desenho. Só que isso se foi, então fica muito difícil. São muitas as relações que se pode tecer... RR – Às vezes o espaço da dúvida é muito grande. Hoje as relações estão

muito presentes, não se pode julgar ou analisar a obra isolada do seu contexto. E esse contexto pode ser bem vasto... GF – Às vezes você pode até falar da montagem, por exemplo, mas certamente é bem mais difícil. RR – Como existe a vontade de pertencer por parte dos artistas, acho que o crítico também sofre o medo da exclusão, de se expor ao ridículo. GF – Hoje

também você se expõe mais. Numa curadoria, num livro, até mais que antes. Mas no enfrentamento do trabalho, a crítica, a meu ver, se perdeu. Se você vê as críticas do Mário Pedrosa, por exemplo, são críticas onde ele se expõe. RR – Mas hoje tudo está permeado pelas relações, pelos afetos. E tem o medo de se comprometer, está tudo tão interligado... Algo de que sinto falta é uma disponibilidade maior por parte de curadores e críticos de ir a campo sem se contaminar com os sistemas viciados da arte. Talvez eu seja dura no que vou dizer, pois sei que as dificuldades são muito grandes. Se já são para os artistas, mais ainda para esses outros profissionais, que acabam exercendo também inúmeras funções para se manter... Mas vendo de fora, me parece que falta oxigenação nas curadorias, principalmente nas grandes mostras. Os nomes se repetem e se repetem, e isso em qualquer lugar do mundo. Às vezes parece que fazemos parte de uma aldeia da arte. Tudo bem previsível. Por

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isso, dentre outras coisas, quero criar um público para o meu trabalho, pessoas que conheçam, acompanhem e sejam capazes de entrar no trabalho. E me esforço para isso, para ter essa independência do sistema. Acredito que é a melhor maneira de se manter na história, é fazendo parte do imaginário do público, e não necessariamente estando nessa ou naquela exposição. Olho para o seu trabalho e só me vem a imagem dos caligramas... Como entra o desenho no seu trabalho? RR – Tenho um imenso prazer em desenhar. Gosto de pensar que o meu trabalho se constrói com poucos e singelos elementos. Isso me permite trabalhar em qualquer lugar e situação. Em geral me aproprio de desenhos que se associem aos textos que estou lendo. GF –

Dos artistas que você admira, quais seriam suas referências? RR – Nossa, pergunta difícil, admiro muitos artistas, mesmo os que não são necessariamente referência. É que essas referências também vão mudando. O Waltercio Caldas é um artista que desde o meu começo sempre foi uma referência. Seu trabalho me causa um estranhamento muito grande, eu gosto desse estranhamento que ele proporciona. A elegância, a precisão e clareza com que ele arranja suas esculturas, seus desenhos, sempre me impressionaram. A Lygia Pape, também, por um aspecto bem distinto. Alguns trabalhos seus me mostraram algumas GF –

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soluções. Algumas obras foram feitas com materiais muito singelos, simples mesmo, mas carregados pela potência das associações imagem/palavra. Mira Schendel, Cildo Meireles, Tunga, Ernesto Neto... Alguns artistas têm obras que admiro, ou algumas que eu gostaria de ter feito, ainda que sua linguagem seja bem diversa da minha. Alguns da minha geração, outros um pouco mais velhos ou mais novos, como o Felipe Barbosa, o Alexandre Vogler, Leila Danziger, Brígida Baltar, José Rufino, Sandra Cinto, Rivane, Rodrigo Oliveira, além de muitos outros colegas. Nem teria como mencionar todos, pelos motivos mais distintos. GF – E

entre os artistas internacionais? São vários momentos que vamos passando. Teve uma época em que eu era muito ligada na obra da Jenny Holzer, mas passou. Uma artista que também me inspirou muito foi Yoko Ono, algumas de suas obras, como a Árvore dos Desejos e Instruções, foram muito marcantes, daquelas obras que eu gostaria de ter feito.

RR –

parto e que acabam abarcando outros elementos que vão se acrescentando. É mais um meio a que, caso seja o mais adequado para realizar uma ideia, recorro. Mas em geral está mesclado ao desenho, pintura, recorte. Como, por exemplo, no Mar de Mármara, foi a melhor forma de registrar a experiência que tive, mas acabei cobrindo a imagem com o desenho feito com as palavras. Em geral, acabo privilegiando o desenho, não por uma questão de hierarquia, mas sim de afinidade. A ideia procura o seu suporte ideal e é ela quem determina como será realizada. Confesso que a rapidez do click talvez seja um distanciador, meu processo de trabalho tem um passo a passo do qual seguir desenvolvendo lentamente um desenho faz parte, é como ler um livro. Ele tem seu próprio tempo, por isso a minha preferência.

GF – Fale

um pouco dessa experiência... Foi numa viagem à Turquia, em 2010, quando fizemos muitos passeios e dentre eles um pelo Bósforo. Mas a essa vivência também sobrepus a leitura do livro Istambul, que descrevia a cor da cidade, do céu, e do próprio Bósforo. Foi uma leitura que me envolveu na cidade e me apresentou alguns de seus recantos. Essa viagem foi um divisor de águas no meu trabalho, marca muitas mudanças. O fato de ver de perto os ornamentos feitos com a escrita, de forma tão plena, foi muito impactante. Ainda que eu tenha vivido superficialmente por ter tido uma experiência como turista, esses elementos do oriente acabaram impregnando meu vocabulário. E estão ecoando agora, alguns anos depois desse encontro.

RR –

Sobre a fotografia: você a utiliza como fotografia ou como meio de reprodução? Ou ela é mesmo mais documento? RR – Como meio de documentação na maioria das vezes. Algumas obras que se adequavam à fotografia, sim, reproduzi, por ser algo da própria fotografia. E outras vezes como a própria obra. Em geral, são fotos de viagem de onde GF –

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Fio de Ariadne 2011 / Novelo feito com o livro As Mil e Uma Noites recortado em linha / 30 cm de diâmetro

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As Mil e Uma Noites

(detalhe)

2012 / Instalação feita com o livro As Mil e Uma Noites recortado, onde fica em destaque a última frase de cada amanhecer / Dimensões variáveis

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As Mil e Uma Noites 2012 / Instalação feita com o livro As Mil e Uma Noites recortado, onde fica em destaque a última frase de cada amanhecer / Dimensões variáveis

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A Palavra é Prata o Silêncio é Ouro 2012 / Pulseira metade feita em ouro e metade em prata com as palavras Silêncio e Palavra em alto relevo/ 10 cm de diâmetro / Realização em parceria com Alessandra Schiper – Atelier Schiper

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Histórias da Palma da Mão 2012 / Desenhos inspirados nos Mehendis – sobre papel vegetal e vidro / 46 x 37 cm

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Histórias da Palma da Mão 2012 / Desenhos inspirados nos Mehendis – sobre papel vegetal e vidro / 46 x 37 cm

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Histórias da Palma da Mão

Histórias da Palma da Mão

2012 / Desenhos inspirados nos Mehendis – sobre papel vegetal e vidro / 46 x 37 cm

2012 / Desenhos inspirados nos Mehendis – sobre papel vegetal e vidro / 46 x 37 cm

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Histórias da Palma da Mão 2012 / Desenhos inspirados nos Mehendis – sobre papel vegetal e vidro / 46 x 37 cm

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Histórias da Palma da Mão 2012 / Desenhos inspirados nos Mehendis – sobre papel vegetal e vidro / 46 x 37 cm

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Histórias da Palma da Mão

Histórias da Palma da Mão

2012 / Desenhos inspirados nos Mehendis – sobre papel vegetal e vidro / 46 x 37 cm

2012 / Desenhos inspirados nos Mehendis – sobre papel vegetal e vidro / 46 x 37 cm

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Istambul CĂŠu Azul 2012 / Pintura em guache sobre papel / 70 x 100 cm

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2012 / Pintura e colagem sobre fotografia (elementos recortados e pintados – colados em fotografia do estreito de Bósforo) / 70 x 100 cm

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Mar de Mรกrmara

Mar de Mรกrmara

2012 / Fotografia do Mar de Mรกrmara e desenho sobre vidro feito com o nome dos mares / 35 x 55 cm

2012 / Fotografia do Mar de Mรกrmara e desenho sobre vidro feito com o nome dos mares / 70 x 100 cm

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Liberdade 2010 / Cerca de 70 dicionários de diversas épocas e idiomas onde a palavra Liberdade foi retirada – apresentação sobre mesa de madeira / Painel com as palavras Liberdade – retiradas dos dicionários / Painel 100 x 100 cm / Mesa dimensões variáveis

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Vistas da exposição Histórias da Palma da Mão Galeria 3+1 / Lisboa / 2012

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Labirinto 2011 / Desenho de Labirinto feito com o livro As Mil e Uma Noites / 80 x 80 cm / 150 x 150 cm / 80 x 80 cm

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Labirinto Labirinto 2011 / Desenho de Labirinto feito com o livro As Mil e Uma Noites

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2011 / Desenho de Labirinto feito com o livro As Mil e Uma Noites

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Vistas da exposição Poemas Pendurados Casa de Cultura Laura Alvim / Rio de Janeiro / 2013

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Contrapoemas 2004 / Poema de Manuel Bandeira Versos Escritos N’Água e poema construído com palavras antônimas recortados em vinil preto e branco adesivados sobre vidro / Casa de Cultura Laura Alvim

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Tapete Persa 2013 / Desenho de tapete Persa feito com o livro As Mil e Uma Noites recortado / 150 x 150 cm

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Tapete Persa 2013 / Desenho de tapete Persa feito com o livro As Mil e Uma Noites recortado / 60 x 60 cm

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Tapete Persa 2014 / Desenho de tapete Persa feito com o livro As Mil e Uma Noites recortado / 100 x 100 cm

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Vistas da exposição Poemas Pendurados Casa de Cultura Laura Alvim / Rio de Janeiro / 2013

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páginas 90 e 91

Lápis-lazúli Vistas da exposição Poemas Pendurados Casa de Cultura Laura Alvim / Rio de Janeiro / 2013

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2013 / 56 Fragmentos de desenhos de tapete Persa feitos com pintura guache e desenho grafite sobre papel / 27 x 35 cm cada folha

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PenĂŠlope 2013-2014 / Desenho em grafite e lĂĄpis aquarela sobre papel / 70 x 100 cm

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Penélope 2013-2014 / Instalação com desenho em grafite e lápis aquarela sobre papel / 55 folhas / 24 x 32 cm cada folha

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Penélope

(detalhe) 2013-2014 / Instalação com desenho em grafite e lápis aquarela sobre papel / 55 folhas / 24 x 32 cm cada folha

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Cartas Sobre o Amor 2013 / Duas cartas de amor sendo escritas no mesmo papel por 2 máquinas de escrever / Carta de George Sand para Pietro Pagello e de Lady Mary Pierrepont para Edward Wortley Montagu / Dimensões variáveis

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Quadrilha 2007 / Instalação com 21 fotografias com os nomes do poema Quadrilha de Carlos Drummond de Andrade / Dimensões variáveis

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Invenção da Solidão 2012 / Livros de diversos autores (que em algum momento tratam da solidão) abertos em caixa de madeira com tampa de vidro. Sobre os vidros foram feitos desenhos automáticos, velando parte do texto, deixando à mostra apenas os trechos referentes à solidão / Dimensões variáveis

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Anel Anil 2014 / Anel em ouro 18k com pedra de anil dentro / Realização em parceria com Alessandra Schiper – Atelier Schiper

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Vistas da exposição Lápis-lazúli / Sergio Gonçalves Galeria / 2014

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S. Título 2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2013 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm cada pintura

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S. Título 2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2013 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

S. Título 2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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Lápis-Lazúli 2013 / Pintura acrílica sobre tela / 81 x 170 cm

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S. Título 2013-2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2013-2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2014 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2013 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. Título 2013 / Pintura acrílica sobre tela / 80 x 80 cm

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S. TĂ­tulo 2013 / Pintura acrĂ­lica sobre tela / 80 x 80 cm

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Vento no Deserto

(detalhe)

pรกginas 133 e 134

Vento no Deserto 2014 / Pintura guache sobre papel / 96 x 160 cm

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Vista da exposição A Palavra é Ouro Galeria Andres Thalman / Zurique 2014

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Vistas da exposição A Palavra é Ouro Galeria Andres Thalman / Zurique 2014

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Atlas Marco Polo

Mapa-múndi

2009 / Atlas com rotas de navegação imaginárias feitas com tiras do livro As Viagens de Marco Polo / 45 x 70 cm medida do atlas

2011 / Mapa-múndi feito com planos de diversas cidades de cada continente, desenhadas com frases do livro As Cidades Invisíveis / 300 x 600 cm

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Vista da exposição Aurora / Paço Imperial Rio de Janeiro / 2012

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Vista da exposição Aurora / Paço Imperial Rio de Janeiro / 2012

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Aurora 2012 / Livro A Odisseia perfurado até o trecho que fala da Aurora, com lente em forma de esfera que amplia o texto; o livro fica recoberto por estrelas em tons de azul / Dimensões variáveis

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SOBRE SUA PRÓPRIA FACE NUM ESPELHO “Oh face estranha aí no espelho! Companheiro libertino, sagrado anfitrião Oh meu bufão varrido pela dor, Que responder? Oh vós miríade Que labutais, brincais, passais, Zombais, desafiais, Vos contrapondo! Eu? Eu? Eu? E vós?”

Narciso 2004 / Poema de Ezra Pound escrito em espelho retirando o aço – montagem com outro espelho atrás / 100 x 70 x 5cm

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Mar da Lua 2011 / Pintura e desenho sobre tela onde sĂŁo escritos os nomes dos mares da lua / 200 x 200 cm

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Mar da Lua 2011 / Pintura e desenho sobre tela onde sĂŁo escritos os nomes dos mares da lua / 200 x 200 cm

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Mar da Lua 2012 / Pintura e desenho sobre madeira onde sĂŁo escritos os nomes dos mares da lua / 100 x 100 cm

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Mar da Lua 2012 / Pintura e desenho sobre madeira onde sĂŁo escritos os nomes dos mares da lua / 150 x 150 cm

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páginas 156 e 157

Constelações 2012 / Mapas celestes imaginários / Pintura e desenho sobre madeira / 40 cm de diâmetro / 50 cm de diâmetro / 60 cm de diâmetro / 70 cm de diâmetro

Pássaros 2011 / Desenho de pássaros sobre diversas folhas de papel vegetal, montagem em backlight / Estudo

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Ulisses e Calipso 2012 / Desenho em grafite sobre papel pintado / 20 x 15 cm cada desenho

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Vista da exposição Aurora / Paço Imperial Rio de Janeiro / 2012

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Mapa-mĂşndi 2011 / Mapa-mĂşndi feito com planos de diversas cidades de cada continente, desenhadas com frases do livro As Cidades InvisĂ­veis / 300 x 600 cm

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Rio de Janeiro Desenho do mapa de parte do Rio de Janeiro feito com tiras do livro As Cidades Invisíveis / 177 x 90 cm

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Rio de Janeiro

México

Desenho do mapa de parte do Rio de Janeiro feito com tiras do livro As Cidades Invisíveis / 173 x 129 cm

Desenho do mapa de parte da cidade do México feito com tiras do livro As Cidades Invisíveis / 82 x 195cm

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Veneza 2013 / Desenho do mapa de Veneza feito com tiras do livro As Cidades InvisĂ­veis / 100 x 200 cm

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Lisboa 2008 / Desenho do mapa de Lisboa feito com tiras do livro As Cidades InvisĂ­veis / 150 x 178 cm

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Rio de Janeiro 2012 / Desenho do mapa do Rio de Janeiro feito com tiras do livro As Cidades InvisĂ­veis / 200 x 300 cm

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Montagem de Rio de Janeiro

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As Cidades invisíveis 2011 / Instalação feita com planta da cidade de Lisboa (desenhada com o livro As Cidades Invisíveis), a planta tem o desenho atual da cidade, saindo de um mapa antigo / 200 x 300 cm

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Constelaçþes 2009 / Papel pintado e perfurado, montagem em backlight / 100 x 1550 x 20 cm

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Possa eu contar em veros versos vários, no jargão da jornada, como dias duros sofrendo suportei. Terríveis sobressaltos me assaltaram e em meu batel vivi muitos embates, Duras marés, e ali, noites a fio, em vigílias sem-fim fiquei, o barco rodopiando entre os recifes. Frio-aflitos os pés pela geada congelados. Granizo – seus grilhões; suspiros muitos partiram do meu peito e a fome fez feridas no meu brio. Para ver Quanto vale viver em terra firme, Ouçam como, danado, em mar de gelo, Venci o inverno a vogar, pobre proscrito, Privado de meus companheiros; Gosma de gelo, granizo-grudado, Sem ouvir nada além do mar amargo, A onda froco-fria e o grasnido do cisne No meu ouvido como um gruir de ganso, Riso de aves marinhas sobre mim, Pés d’água entre penhascos, contra a popa, Plumas de gelo. E às vezes a águia guaia Com borrifos nas guias. Nenhum teto Protege o navegante ao mar entregue. É o que não sabe o que vai em vida mansa, Rico e risonho, os pés na terra estável, Enquanto, meio-morto, mourejando, Eu moro em móvel-mar.

O Navegante 2005 / Poema O Navegante escrito em areia, cada verso em uma garrafa / Dimensões variáveis

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“O Navegante” pertence ao domínio oral anglo-saxão, com texto fixado por um monge no século X. Ezra Pound, que verteu um grande trecho da obra para o inglês, disse em O ABC da Literatura que realizou a tradução “para que possam mais ou menos ver onde a poesia inglesa começa”.

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Mares do Mundo 2011 / Caneta sobre papel pintado com aquarela Desenho sobre 90 folhas de papel aquareladas. O desenho ĂŠ feito com os nomes dos mares escritos repetidamente / 200 x 300 cm

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Mares do Mundo 2014 / Pintura e desenho sobre tela / 110 x 140cm

Mares do Mundo 2013 / Pintura e desenho sobre tela / 150 x 100cm

Mares do Mundo 2013 / Pintura e desenho sobre tela / 100 x 150cm

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“...Não existe terra, existem mares que estão vazios. Dentro de mim, vão nascendo palavras líquidas, num idioma que desconheço e me vai inundando todo inteiro...” Mia Couto – O Fio das Missangas

Conchas 2011 / Desenho em grafite sobre papel pintado / 21 folhas / Dimensões variáveis

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Conchas 2011 / Desenho em grafite sobre papel pintado / 21 folhas / DimensĂľes variĂĄveis

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Tsunami 2011 / Desenho em grafite sobre papel pintado / 32 x 168 cm

Tsunami 2011 / Desenho em grafite sobre papel pintado / 150 x 180 cm

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Tsunami

Os 7 mares

2011 / Desenho sobre as duas faces de caixa de acrĂ­lico / 50 x 100 x 7cm

2010 / Fotografias da areia de 7 praias, utilizando moldes infantis para fazer esculturas na areia / 20 x 30 cm cada foto

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páginas 198 e 199

Conchas 2010 / Desenhos de conchas em diversas cores sobre papel vegetal sobreposto, montagem em backlight / 50 x 100 cm

Marítmo 2012 / Pintura e desenho sobre tela, o desenho é feito com o nome dos mares / Tríptico com cada módulo medindo 150 x 100 x 5 cm

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Mares do Mundo 2011 / Caneta sobre papel / Desenho sobre 72 folhas de papel feito com nomes de mares escritos repetidamente / 256 x 216 cm

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Mares do Mundo 2011 / Caneta sobre papel / Desenho sobre 81 folhas de papel feito com nomes de mares escritos repetidamente / 288 x 216 cm

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Globo Mar Montagem Mares do Mundo

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2005 / Globo pintado e recoberto por desenho feito com o nome dos mares escritos / 40 cm de diâmetro

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Mar do Japão 2009 / Série de desenhos inspirados em padronagem japonesa, as linhas são feitas com o nome dos mares / 67 x 92 cm cada módulo

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Mar Azul 2009 / Desenho sobre 12 folhas de papel aquarelado, feito com o nome dos mares utilizando canetas de diversos tons de azul / 100 x 100 cm

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Mares do Mundo 2009 / Caneta sobre papel pintado com aquarela / Desenho sobre 4 folhas de papel aquareladas feito com nomes de mares escritos repetidamente / 32 x 96 cm

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Mares do Mundo Mares do Mundo 2011 / Pintura e desenho sobre tela, o desenho ĂŠ feito com nomes de mares escritos repetidamente / 200 x 600 cm

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2009 / Caneta sobre papel pintado com aquarela / Desenho sobre 25 folhas de papel aquareladas feito com nomes de mares escritos repetidamente / 175 x 135 cm

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Globo Marco Polo

As Viagens de Marco Polo

2007 / Globo recoberto com linhas do livro As Viagens de Marco Polo / 40 cm de diâmetro

2009 / Desenho feito de livro de mesmo nome recortado em uma linha contĂ­nua / 150 x 150 cm

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Vistas da exposição Mundo Flutuante / Baró Cruz São Paulo / 2009

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Rede 2002-2005 / Rede construída com peças de porcelana e aros de chaveiros. A malha da rede foi feita com o nome de cada pessoa que entrou na sala onde a obra foi exposta durante a I Bienal Ceará América – outros nomes foram acrescentados durante a abertura da mostra Homo Ludens / Dimensões variáveis

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Cidades e a Memória 2006 / Planta de memória da cidade de Natividade desenhada sobre papel. O desenho da planta foi feito atravÊs da lembrança sobre cada morador da cidade / 100 x 300 cm

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Vista da exposição Exercício da Possibilidade / FUNARTE Rio de Janeiro /2005

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Labirinto Dada

Manifesto Antropófago

2003 / Jornal com o texto do Primeiro Manifesto Dadaísta impresso com o sentido do dicionário de cada palavra deste / Tiragem de 10.000 exemplares

2002 / Manifesto Antropófago escrito em vinil adesivo ao contrário num espelho de frente para outro espelho / 130 x 90 cm cada espelho

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Manifesto Visível

Leitura Dinâmica

2004 / Manifesto Ruptura sobreposto à obra Ideia Visível (de Waldemar Cordeiro) / Impressão sobre papel / 100 x 80 cm

2003 / Estatística das letras empregadas na escrita do Manifesto Neoconcreto / Impressão sobre papel / 100 x 80 cm

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Sopa de Letras

Manifesto Objeto 2004 / O Objeto (escrito por Waldemar Cordeiro) sobreposto à imagem A mulher que não é B.B. (obra de Waldemar Cordeiro) / Impressão sobre papel / 100 x 80 cm

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2004 / Performance realizada na trienal Poligráfica de San Juan, Porto Rico. Foi feita uma distribuição de sopa de letras (macarrão de letrinhas) e de um caça-palavras (sopa de letras na língua espanhola) em que o público podia encontrar todas as palavras do Manifesto Antropófago

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Manifesto de Verbos Deglutição do Manifesto 2003 / Manifesto Antropófago escrito apenas com vogais / Impressão sobre papel / 100 x 80 cm

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2003 / Manifesto Antropófago sem espaços entre as palavras e com os verbos que surgem após essa junção das palavras colocados em negrito. Impressão sobre papel / 100 x 80 cm

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Organização: Rosana Ricalde Textos: Glória Ferreira Projeto Gráfico: Disarme Grafico – Bruno Ventura e Daniel Ventura Fotografia: Felipe Barbosa; Fabio Cancela (p. 109); Rodrigo Oliveira (p. 18) Diretora Editorial: Rosangela Dias Editor: William Oliveira Editora-assistente: Beatriz Dinis Agradecimentos: Felipe Barbosa, Aurora Ricalde, Benjamin Ricalde, Anna Irene Ricalde, Rosangela Dias, Glória Ferreira, Alessandra Schiper, Atelier Schiper, Lin Lima, Thabata Castro, Teresa Gonçalves, Sergio Gonçalves, Fernando Grosso, Sheila Cabo, Marisa Flórido, Anna Manarino, Camila Maroja, Cassundé, Fernanda Lopes, Fabio Cancela, Bruno Ventura, Carina Thalman, Marcus Pacini, Luciano Vinhosa, Rodrigo Oliveira, Lourdes Souza, Nei Souza, Jorge Viegas, James Steele, Jozias Benedicto, William Dias, Selene Wendt, Mariana Bretas, Leo Costa, Guilherme Bueno, Isaias Caetano, Vanderleia Lima, Marisa Calage, Galeria 3+1, Galeria Emma Thomas, Galeria Andres Thalmann, Sergio Gonçalves Galeria, Galeria Murilo Castro e a minha família e aos muitos amigos que dedicaram seu tempo a olhar, discutir e divulgar o trabalho.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ R375e Ricalde, Rosana, 1971 Entre imagem e linguagem / Rosana Ricalde, Glória Ferreira. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Apicuri, 2015. 232 p. : il. ; 23 cm. ISBN 978-85-8317-034-1 1. Artes plásticas. 2. Artes. 3. Artistas. I. Ferreira, Glória. II. Título. 14-17853 CDD: 709.04 CDU: 7.036 17/11/2014 17/11/2014

Copyright © 2015 © O autor por seus textos © Os fotógrafos por suas imagens © O artista por suas obras Todos os direitos desta edição reservados à Moreira Dias Editora Ltda. – Editora Apicuri Rua Senador Dantas 75, sala 2702, Centro Rio de Janeiro, RJ – 20031-204 Telefone (21) 2524 7625 editora@apicuri.com.br | www.apicuri.com.br

1a edição – Abril de 2015 Impresso em Gold East Matt 157g/m2 e R.E. Thai woodfree 120g/m2 Fonte: Scala Sans e Telegramo Impresso na gráfica Toppan, China

Realização:

Produção:

apicuri.com.br

sergiogoncalvesgaleria.com studiobarbosaricalde@gmail.com

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Apoio:


ISBN 978-85-8317-034-1


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