04 . 10
NR 03
Ano: 2010 . nr 03 . Mês: Abril . Mensal . Director: António Serzedelo . Preço0,01 €
A Visita do Papa
PÁGS. 8 e 9
PÁGS. 2 e 3
É um daqueles acontecimentos que faz parar Fátima e visitas papais servem, hoje, para superar o País. Um país já muito lento pela inacção e a falência do catolicismo enquanto doutrina para a pela incriatividade. E que faz deste pequeno Salvação (em que já ninguém acredita, suplantado território o centro do mundo, para compensar progressivamente pelo cristianismo evangélico). O a sua situação de periferia e de insignificância catolicismo deixou de ser uma praxis espiritual, na globalidade. bíblica, apontada para o pós-morte. Tende a A atitude perante o Papa é um acto de adoser, apenas, uma referência cultural que se ração. Queiram ou não os teólogos católicos, assume numa identidade exteriorizada o Papa passa por ser um ente divino. Os em monumentos. A prócatólicos veneram o Papa como um deus pria Igreja só já conseEntrevista gue afirmar-se com vivo. Seja ele um mortal e um pecador (como qualquer humano), os fiéis reseressas referências, a Maria vam-lhe as atitudes devidas a um deus das Dores obliterando o que incarnado. Segundo um dogma de 1870 ele ela própria estaMeira é infalível. Auto-proclamado infalível. beleceu como Junte-se a isso o fenómeno Fátima, o práticas «indissítio da Terra escolhido pela «Mãe de Deus» pensáveis para a Salvação» que para aparecer (nas simbólicas humanas, a são os Sete Sacramentos. «Mãe de Deus» está acima de Deus), e temos Nos princípios dos anos 70 dois traços culturais típicos do catolicismo do séc. XX, 90% dos portuguemediterrânico, da área cultural que os anglosses declaravam-se «católicos» e saxões abreviam em pigs (Portugal, Itália - ou cerca de 65 % praticavam os Sete a Irlanda, a católica por excelência - Grécia Sacramentos. Nos anos 80, cerca e Espanha). Podíamos acrescentar Marrocos. de 80% declaravam-se católicos A religião desta área cultural é exteriorizada, mas, só, entre 15 e 20 % praticavam. visualizável, multitudinária, massificada pela Hoje, os praticantes situam-se entre imitação, regida por infalibilidades e pela espeos 10 e 15 %. E temos uma classificação rança em messias providenciais. tipicamente portuguesa: «católicos não O Papa e Fátima são, hoje, dois símbolos do praticantes», quer dizer, segue-se um catolicismo, mas que - tendo em conta os textos líder sem aderir a uma doutrina. Hoje, sagrados fundadores do cristianismo compaa Igreja vocaciona-se para a defesa de rados sociologicamente com as práticas - difi«valores»... mas só de alguns valores - os cilmente se coadunam com a filosofia religiosa da «família tradicional» e pouco mais. da origem que é alheia àquele tipo de O catolicismo era uma «reliculto e a qualquer chefia infalível. gião sociológica», uma justifiNão há A visita do Papa tem mais impacto cação para a defesa da Cultura. maçãs em Portugal do que em qualquer país Este pressuposto desapareceu. podres no Mas persistem outros traços culdo mundo, já que é mal vista nos paífundo do ses anglo-saxónicos e nórdicos que turais ancestrais: a divinização cesto são cristãos protestantes. Uma visita do líder, a demissão do indivíduo à Itália não faz sentido porque é lá face ao «todos», a condenação das que ele reside. Na Irlanda, enfrentaria a popudiferenças, a exteriorização religiosa verlação cristã-protestante. A visita à Grécia será sus espiritualidade... Assim, Fátima conta apenas diplomática porque os gregos, católisobretudo porque «junta muita gente» e cos ortodoxos, seguem os respectivos «papas» segue-se o Papa porque é um chefe, e locais ou metropolitas. Em Espanha, uma visita «carismático» (bonito, etc), e porque do Papa provoca uma dor de cabeça à Igreja «arrasta multidões» (as multidões e ao Estado dada a capacidade de rebeldia e comandam o indivíduo). Mende contestação dos espanhóis. Em Portugal, o sagens para a Salvação pósPapa está como que em casa. Os portugueses morte que era o objectivo são seguidistas em deterimento da reflexão do catolicismo: zero. individual e da inovação; privilegiam a exteMoisés Espírito Santo riorização da religião em deterimento da espiProf. Cated. da UNL ritualidade; a salvação vem-lhes pelo conforSociólogo das mismo; votam como lhes mandam; idolatram Religiões os ricos que os sugam; atropelam-se para ver o cacique bem-falante que lhes mente; admiram os grandes ladrões e os corruptos porque «são espertos». Demitem-se face aos poderosos. São subservientes por opção. Em suma: já são «papistas» por cultura, papistas «avant la lettre». Daí que ver o papa- paradigma, o do antigo Império - o infalível pela via dum decreto - é o máximo.