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Uma andorinha pode fazer a Primavera

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Como nos mostra o artigo Ser imigrante em Portugal, de Elisson S. de Jesus, essa atitude defensiva criou um sistema em que quem v e m

de fora precisa de ter documentos para obter trabalho e de ter trabalho para obter documentos. Com a inserção social dificultada, aumenta a vulnerabilidade destas pessoas face a indivíduos pouco escrupulosos que saibam como tirar partido da “pescadinha de rabo na boca”. Num mundo como o actual, é preciso reflectir cada vez

mais sobre esta temática pois, como nos diz Adel Sidarus no texto Europa aberta, Europa solidária: «Na hora global só existem soluções globais! Não há direitos humanos, se faltarem a populações inteiras do globo os meios de exercerem e alcançarem esses direitos – a começar pelo direito ao pão, à saúde, à educação, a u m a vida minimamente digna». Preocupada com a questão no seu território,

Olhares sobre a biodiversidade

a União Europeia (UE) declarou 2010 como o Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social (www.2010againstpoverty. eu), com o objectivo de alertar consciências e renovar o compromisso político comunitário

na luta c o n tra estes problemas, uma vez que as estatísticas indicam que quase 80 milhões de euro-

peus vivem no limiar da pobreza, ou seja, vivem num clima de insegurança e sem aquilo que a maioria das pessoas dá como garantido. Na região de Setúbal, a pobreza e a exclusão social são realidades de todos os dias, como realçou em entrevista Constantino Alves, pároco de Nossa Senhora da Conceição. Preocupado com a juventude desocupada e em risco de ser seduzida pela marginalidade, o padre

ASTROLÁBIO

critica a quase ausência de parcerias e sublinha que já há quem diga que o excesso de instituições de apoio nos bairros desfavorecidos torna as pessoas passivas e destrói dinamismos e redes de solidariedade entre vizinhos, criando uma cultura de dependência que prejudica a emancipação individual.

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Sensatamente, o povo diz que «uma andorinha não faz a Primavera», querendo transmitir a ideia de que devemos recolher mais do que um pequeno indício antes de afirmar que estamos à beira de uma grande mudança. Por isso, confesso que não liguei muito quando as andorinhas que habitavam uma caixa de persiana em minha casa decidiram migrar para outras paragens, semanas antes da chegada do tempo frio. Não sei quem lhes faz a previsão meteorológica, mas o certo é que, ao longo dos últimos anos, caracterizados por Invernos amenos, elas tinham adoptado aquele espaço como morada permanente, levando-me a pensar que as alterações climáticas as haviam tornado sedentárias, apesar das asas que lhes permitem voar para qualquer local, sem a exigência de mostrar vistos ou passaportes à entrada ou obter autorizações de trabalho e de residência nos sítios para onde migravam. Vantagens de se s e r ave e de ganhar o céu em vida. Sorte idênt i c a não temos nós, seres humanos, que ao longo de séculos inventámos fronteiras, burocracias e outros obstáculos para nos protegermos de eventuais ameaças externas.

NR 01

Ano: 2010 . nr 01 . Mês: Fevereiro . Mensal . Director: Luís Humberto Teixeira . Preço0,01 €

às relações sociais entre seres humanos. E estende-se às páginas deste mensário. Ao estar aberto à colaboração dos seus leitores, O SUL – Jornal Cultural e de Debates pretende contribuir para diversificar os temas discutidos no espaço público e o número de vozes que sobre eles se pronunciam, procurando sempre que tal ocorra de forma construtiva e sem aumentar o ruído instalado. Acreditamos que este jornal é um indício de novos tempos que se avizinham, é uma andorinha que, não fazendo sozinha a nova estação, poderá contribuir para que ela surja em breve. C o m o cantava José Afonso no seu Coro da Primavera, de 1971: «Ouvemse já o s rumores, ouvem-se já os clamores, ouvemse já os tambores».

Ser imigrante em Portugal

Consciente do que está mal, Constantino Alves tem, contudo, esperança num futuro melhor e, para combater o racismo latente na sociedade, usa a igreja como laboratório de interculturalidade e participação de todos. Afinal, é a existência de variedade que torna o mundo num lugar mais valioso e cumpre-nos a todos pugnar pela salvaguarda das diferenças que nos enriquecem. Esta ideia, presente nos artigos de Antunes Dias, Rute Vieira e Lurdes Soares sobre o Ano Internacional da Biodiversidade, aplica-se tanto aos ecossistemas naturais como

Luís Humberto Teixeira luis.teixeira@jornalosul.com

DIÁRIO DE BORDO 2-3 . Constantino Alves, padre e vigário forâneo de Setúbal

6 . O consumo de animais na alimentação contemporânea

10 . Rituais, devoções e manifestações de culto na Palmela do séc. XVI

13 . Raquel Mendes, vencedora do Resarte 2009

4 . Ser imigrante em Portugal

7 . Uma lição a aprender com Timor

4 . Solidariedade para com os trabalhadores da Limpersado- Portucel

8 . Biodiversidade e sua importância

11 . A placa epigráfica árabe encontrada na Gruta 4 de Maio

14 . VI Encontro sobre as Ordens Militares de Palmela

12 . Livros, conspirações e revoluções

14 . Desafios para as próximas edições

12 . Silêncio e tanta gente

15 . Os círculos de uma gata

5 . Europa aberta, Europa solidária

8 . Bio adversidades 9 . Um olhar sobre a biodiversidade


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02 NA VIGIA

Constantino Alves, padre e vigário forâneo de Setúbal

«Preocupa-me a juventude

O SUL – Em Maio passa- nentemente relembradas, pois do, incidentes na Bela Vista o que se faz é tão pouco que colocaram a sua paróquia se perde perante aquilo que nos media. Como observou há para fazer. Preocupa-me a juventude o tratamento mediático dos desocupada, que não estuda, acontecimentos? Padre Constantino Alves nem faz formação profissional, – Os media tiveram um papel nem trabalha, tornando-se viimportante para dar a conhe- veiro fértil para as tentações da margicer as problenalidade. máticas exisHá muita gente que Isto é pertentes. Porém, petuado h o u v e u m a desenvolve verdadeiros sofreguidão laços com os outros, sem li- pela inexistência doentia pelo gar às diferenças de origem, de uma lado maldoraça, língua e cor política so dos aconde juventecimentos, tude que parecia que aposte nos estavam ávipróprios dos por mais jovens tiros e carros a arder para terem notícia. como mediadores entre eles, Isso levou as pessoas a terem, para encontrarem os próprios perante eles, uma atitude de caminhos e alternativas de suspeição. Salvo honrosas ex- vida. Eles são muito capazes cepções, todos abandonaram de se organizar desde que o bairro e deixaram para trás lhes sejam dadas condições as questões que deveriam ser para tal. O Bairro da Bela Vista e os debatidas. envolventes – e isto é uma deS – E que questões são núncia que faço – não foram contemplados na 4ª Geraessas? P. CA – Esta nova crise ção do Programa Escolhas, veio aumentar a pobreza e a apesar de terem concorrido exclusão social. Isso nota-se pelo menos três projectos, um nos bairros degradados onde, deles o da paróquia, que funapesar de organismos nacio- cionava há sete anos. Depois nais e locais terem gasto rios queixam-se! Aqui vinham de dinheiro em estudos que centenas de jovens, ocupar apresentaram conclusões as tardes a estudar, a utilizar cientificamente credíveis, os computadores... Preocupam-me ainda os nada sobeja... Nada sobeja! Só ficam promessas perma- idosos com magras reformas

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LEONARRO SILVA

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NA VIGIA 03 desocupada» e carências básicas e a falta de uma política de habitação social. A não construção de mais fogos faz com que as pessoas se amontoem, faz com que os jovens que querem constituir família não tenham possibilidade de o fazer. Preocupa-me também as crianças de famílias vulneráveis e fragmentadas e que não haja trabalho político que leve as pessoas a uma cidadania activa, que as leve à sua emancipação. Estranho que os partidos políticos não tenham uma intervenção organizada nestes bairros para neles desencadearem acções de transformação. Só aparecem nas campanhas. E preocupa-me muito o desemprego e o trabalho precário. S – Foi devido a essa sua preocupação que, durante a procissão pela Paz, se rezou pelas mães grávidas em risco de perder o emprego e pelos

dos por aquilo que é comum. Formar na acção!

P. CA – Existem expressões jovens precários? P. CA – Essas são realidades de racismo não assumido, mas muito flagrantes nos nossos visível. As várias etnias têm bairros e a Igreja deve preo- culturas muito fortes e tendem a fechar-se cupar-se com sobre elas os problemas Quando há picos mesmas. das pessoas, de violência, os ministros Porém, mais assim como importante, a l e g r a r - s e aparecem, reúnem-se também c o m a s u a com as mais diversas há muita f e l i c i d a d e . organizações e escutam gente que O culto não as propostas e medidas desenvolve deve ser pie- urgentes para políticas de verdadeiros tista e etéreo, juventude, requalificações laços com ele tem por os outros, finalidade a urbanísticas e acção sem ligar às pessoa hu- cultural. Mas, passados diferenças mana, a sua esses momentos, tudo de origem, d i g n i d a d e , regressa ao mesmo raça, língua denunciando e cor. Na patodas as exróquia, tenclusões e assumindo um compromisso tamos promover não apenas pela libertação das pessoas, a tolerância, mas a construção em conjunto. Esta igreja assim como Jesus fez. é um laboratório de interculS – Sendo esta uma pa- turalidade e de participação róquia pluricultural, nota a de todas as pessoas, há um assumir de identidade de toexistência de racismo?

S – E da acção das organizações não governamentais? P. CA – Numa análise superficial, há muito trabalho

operário apresenta-te à Igreja para que te faças Padre, e a Igreja devolve-te ao mundo operário para aí anunciares a boa nova da libertação de Jesus Cristo». Eleito delegado sindical pelos companheiros, nunca foi alinhado partidariamente para não criar divisões e poder ajudar a todos. Recu-

sou cargos de direcção para permanecer ligado à base e trabalhar directamente com as pessoas pelos seus direitos. Há 10 anos, quando o Padre Horácio Noronha foi para assistente nacional da Liga Operária Católica, Constantino Alves sucedeu-lhe como pároco de Nossa Senhora da

S – Que balanço faz da intervenção do Estado nestes bairros? P. CA – Apesar de haver medidas positivas no ensino e na inserção social, sinto um défice do Estado no que respeita ao desenvolvimento de políticas específicas para os bairros ditos problemáticos. Quando há picos de violência, os ministros aparecem, reúnem-se com as mais diversas organizações e escutam as propostas e medidas urgentes para políticas de juventude, requalificações urbanísticas e acção cultural. Mas, passados esses momentos, tudo regressa ao mesmo.

feito: desportivo, social, apoio a idosos e crianças. Nota muito positiva para o trabalho com imigrantes e com crianças. Mas existe uma dificuldade de conjugação de esforços entre as várias instituições, de trabalho conjunto, com uma estratégia e objectivos comuns. Há quem diga que a Bela Vista estaria melhor se não tivesse tantas instituições, pois, segundo quem o diz, estas trouxeram passividade às pessoas e destruíram dinamismos e redes de solidariedade entre vizinhos, criando uma cultura de dependência. É de realçar que quase todos os técnicos das instituições não vivem no bairro e, quando terminam o horário de trabalho, vão-se embora e não chegam a comungar verdadeiramente a vida das pessoas. Leonardo Silva leonardo.silva@jornalosul.com

O padre-operário Nascido em 1948 em Castelo de Paiva, Constantino Alves formou-se em Teologia pelo Seminário Maior do Porto, em 1974. Após a Revolução, participou em projectos de alfabetização, teatro popular, cinema nas ruas e num jornal jovem, e, em 1978, rumou a Sul para concretizar o sonho de

ser operário. Foi servente num estaleiro de reparação naval no Barreiro, tirou o curso de fresador mecânico em Coimbra e trabalhou em empresas da Amadora e de Setúbal. Em 1980 foi o primeiro padre ordenado por Dom Manuel Martins, com as seguintes palavras: «O mundo

Conceição e deu continuidade ao trabalho deste, desenvolvendo a participação dos leigos na vida activa pastoral e dinamizando um serviço de acolhimento e solidariedade para com os mais pobres. É ainda capelão do Hospital do Barreiro e vigário forâneo de Setúbal.

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13 de Fevereiro 2010

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14 de Fevereiro 2010

Menu Fadista

Menu S. Valentim

Camarão ao alhinho

Champanhe da Paixão

Bacalhau Dourado sobre cebola e Pimentos com Batatinha no Forno Acompanhada de Gomos de Tomate e Orégãos ou Cabrito no Forno à Padeiro com Batatinha no Forno e Paprika Acompanhada de Espinafres Salteados com Azeite

Salada Amorosa com Frutos Tropicais e Champignons

Crepes com Gelado e Chocolate Quente

Ode ao Silêncio com Pétalas de Rosa

Inclui águas, sumos, vinho branco ou tinto e café, até ao final da refeição

Rua Plácido Stichini, 3 Setúbal . 93 323 89 94 . 91 361 78 29

Lombo Ladeado de Bacon e Forrado de Foie Gras ou Ananás Gratinado com Gambas e Arroz de Açafrão com Romã

Sangria do Amor Sumos, Águas e Cafés

Horário: Terça-feira a Domingo das 19h às 24h


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04 NA VIGIA

PATRÍCIA TRINDADE COELHO

Ser imigrante em Portugal

Recentemente, Portugal foi eleito o país da União Europeia que acolhe melhor os imigrantes. Mas acolher não é o mesmo que tratar bem. Não basta apenas abrirmos a porta de nossa casa e abandonar o visitante na sala. Certa vez, ouvi do pai de um amigo brasileiro, residente em Portugal há 10 anos, que o imigrante para sobreviver tem de matar um leão por dia nessa selva em que se aventura com o objectivo de ser feliz. A caminhada não é fácil, principalmente para quem está em situação ilegal, desprovido de um pedaço de

papel que lhe dê o direito de buscar estabilidade. Estar ilegal é ter de encontrar um tecto, muitas vezes dividindo casa com estranhos que têm hábitos aos quais não se estava habituado no país de origem. É procurar trabalho todos os dias para se alimentar. É ter de passar por maiores burocracias para aceder aos serviços médicos, judiciários, sociais. É provar sempre que se é boa pessoa e ter de carregar nas costas estereótipos embutidos nas cabeças dos outros. Tudo isso sem condições e documentação alguma, à mer-

cê da exploração dos empregadores, que lhes dão muitos afazeres, pouca remuneração, péssimas condições de segurança e/ou higiene, mau tratamento, discriminação, que lhes negam direitos outrora adquiridos para toda a massa trabalhadora. No universo dessas pessoas é proibido ficar doente, pois a falta de acesso ao sistema de saúde faz com que se gaste muito dinheiro nas farmácias e hospitais. Para comprar um medicamento, o indivíduo deve-se mentalizar que irá abdicar de algo naquele mês – seja uma roupa nova, um

momento de lazer, uma comi- na, uma galinha dos ovos de da com maior qualidade, um ouro, passa a ser chamado mimo ou um cartão telefónico de ladrão, louco, malandro, para ligar a família que ficou vagabundo e é-lhe desejado o pior. no seu país natal. Uma vez com o contrato Muitos acabam por se acomodar com essa triste realida- assinado e devidamente insde, tornam-se reféns do ciclo crito na Segurança Social, pere não perspectivam melhorias de-se dias de labuta – que na em suas vidas. Se acovardam, maioria dos casos não serão escondidos na simples con- pagos, mesmo com a justifidição de ter o dinheiro para cativa apresentada ao patrão pagar as contas no fim do mês – para tratar dos documentos e, se tiverem uns trocos para exigidos para efeito de legalicomprar umas cervejinhas – zação. Depois de adquiridos que devem ser consumidas os documentos, agenda-se um em casa por causa do SEF, que dia de apresentação ao SEF, condiciona os passos desses onde por certo o imigrante irá pagar uma mulcidadãos, praticamente pondo fim A caminhada ta por ter ficado ilegal durante à sociabilização – não é fácil, prindeterminado fica tudo “aparenperíodo. O vatemente” bem. E se cipalmente para lor dessa multa a batalha é árdua quem está em chega a atingir para uma pessoa, situação ilegal, valores acima como será para desprovido de um de um ordenaquem é responpedaço de papel do mínimo, fora sável por outra(s), que lhe dê o direito o dinheiro gascomo mulher e de buscar estabili- to nos outros filho(s)? documentos e Até que chega o dade. perdido com a momento do basta! não ida ao traO primeiro passo balho. para mudar esse Quando fica por fim em ciclo vicioso é ter um contrato de trabalho, o que às vezes posse do “papel” que o torna leva anos a conseguir, pois mais visível para a sociedade, muitas entidades patronais na maioria das vezes o iminão colaboram. Compreende- grante deixa a condição de se, pois se o fizessem perdiam sub-subemprego e passa a as suas fábricas de fazer di- viver no subemprego. E a luta nheiro, os seus neo-escravos. continua, só que em condições Alguns patrões até começam parecidas à dos portugueses a adjectivar negativamente o mais desfavorecidos. trabalhador por este almejar um futuro melhor para si. Elisson S. de Jesus (Bob), Aquele que era uma máquiex-imigrante ilegal

RUI DAVID

Solidariedade para com os trabalhadores da Limpersado - Portucel Os trabalhadores da Limpersado, que prestam serviço na Portucel, cumpriram, ao longo de Janeiro, uma jornada de 5 dias de greve, pelo pagamento dos subsídios de férias e de Natal de 2009. Já tinham realizado 2 dias de greve em 23 e 24 de Dezembro. A greve teve o propósito de denunciar a situação à população, bem como ao Governo Civil. Os trabalhadores, na sua maioria, auferem salários miseráveis de 470 euros/mês. Uma empresa como a Portucel, S.A., pertença de uma elite eco-

nómica (faz parte do selecto PSI 20 do país), com lucros admiráveis e louváveis, que honram Portugal, vê a sua imagem pública na lama, ao permitir este tipo de exploração sobre pessoas, ilegal e indigno de uma empresa modelo. Faz lembrar outros tempos e outras latitudes. O SUL solidariza-se com os trabalhadores da Limpersado, pois a dignidade do trabalho e do trabalhador são garantes essenciais do Estado de Direito. O Sul


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NA VIGIA 05

Europa aberta, Europa solidária A Europa está em constru- tura das populações imigração! E esta construção deve das, de etnias e religiões tão ser de todos nós e não apenas diversas, que vivem no meio de cúpulas cujas intenções de nós e partilham as nossas e propósitos não são nada angústias e esperanças... Temos de assumir também transparentes. Como cidadão português e os legados antigos, sobretueuropeu (“adoptado”, pois sou do quando estes continuam vivos em povos de origem egípcia), vizinhos, como apraz-me partilhar Será que é o caso do lea perspectiva que vamos continuar a gado árabe e me move há mais tolerar a existência islâmico! Com de quatro décadas a Primavera de de vida e de inte- de largos milhões gração europeias. de cidadãos pobres Abril, Portugal tem redescoEstudei em vários e marginalizados berto progrespaíses europeus, sivamente essa depois de o ter feivertente, longato no Egipto e no Líbano, e vim instalar-me em mente recalcada. Mas é a nível Portugal, já com uma família europeu que devemos lutar luso-egípcia, dois anos depois no sentido de uma reconciliação histórica: ela toda deve da Festa de Abril... Pugnei sempre por uma tanto à civilização árabe! O Europa aberta. Aberta de recente lançamento da União mente e de coração, e de fron- pelo Mediterrâneo deve inteiras também! Aberta a nível cluir impreterivelmente essa interno ao mesmo tempo que dimensão essencial, sob pena de vermos a cooperação poexterno. A nossa Europa encerra lítica e económica desembouma grande riqueza humana car num impasse. Quanto me e cultural! Mas esta riqueza agradou nesse sentido o livro é ainda uma potencialidade Périplo – histórias do Medique dará os seus frutos se for terrâneo, de Miguel Portas e plenamente respeitado e as- Camilo Azevedo, falando-nos sumido o património material dos povos vizinhos da outra e imaterial das várias culturas margem! Queremos, pois, uma Eunacionais, regionais e locais, incluindo as culturas ditas po- ropa “solidária”, em particupulares, cheias de sabedoria lar neste momento de crise. E ancestral e impregnadas por aqui também uma solidarieum sentido de identidade pro- dade entre todos os estratos funda e valiosa. O mesmo se populacionais, com uma atendeve dizer em relação à cul- ção especial para os pobres e

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os excluídos. Será que vamos vários horizontes têm vindo a continuar a tolerar, numa Eu- demonstrar como a dinâmiropa que se diz humanista e ca do consenso e da partilha democrática, a existência de beneficia melhor o capital e largos milhões de cidadãos a sociedade. O livro do meu colega e pobres e marginalizados? A Crise veio bater às nos- amigo Manuel Couret Bransas portas e parece querer co, Economics Versus Human demorar-se. A “abertura da Rights (Routledge, 2009), mente” anteriormente referida por exemplo, analisa como aplica-se também à criativida- o economicismo estreito e a de e à imaginação necessárias ganância capitalista se revepara sairmos dela. Temos de lam a prazo contraproducensaber tirar as devidas ilações tes, enquanto o respeito dos e não remendar apenas, dei- direitos do trabalho e a visão xando tudo na mesma. Para solidária, à vez nacional e intal, impõe-se libertarmo-nos, ternacional, podem garantir, em primeiro lugar, dos dog- ao mesmo tempo, o bem-estar mas economicistas fabricados de todos e o rendimento senpara servir o capital e não o sato do capital. Precisamos, com urgênHomem. Imaginar, de seguida, cia, de congresoluções novas e gar esforços rasgar caminhos A dinâmica num espírito novos r umo a do consenso e da de solidarieuma economia dade, unindo justa, distributiva partilha beneficia os grandes ese equilibrada. Um melhor o capital e tados e os mais outro mundo é pos- a sociedade pequenos, os sível. detentores do O que é essa lógica que veda aos jovens o capital e as forças produtivas, acesso ao primeiro emprego os trabalhadores nacionais e e empurra outros milhões de os imigrantes, os governantes cidadãos para o desemprego, e tecnocratas e os povos que tirando-lhes a dignidade do eles devem servir. Mas não nos esqueçatrabalho e o ganha-pão honroso, ao mesmo tempo que ela mos também da imperativa clama para mais horas e anos solidariedade entre o Norte de trabalho? Ao contrário dos abastado e o Sul desfavoreciarautos do neo-liberalismo e do. Na hora global só existem dos promotores do mercado soluções globais! Não há dilivre (essa verdadeira arma reitos humanos, se faltarem a de destruição maciça!), vozes populações inteiras do globo abalizadas de economistas de os meios de exercerem e al-

cançarem esses direitos – a começar pelo direito ao pão, à saúde, à educação, a uma vida minimamente digna. Perante o alargamento do fosso que separava as nações do primeiro mundo do terceiro, essas comprometeram-se mais do que uma vez, nas décadas de 70 e 80, a conceder um por cento do seu PIB aos países subdesenvolvidos. Nenhuma alcançou esta meta, nem de perto! A Suécia dos tempos do “socialismo humano” foi a única a ir até aos 0,7%, e isso apenas durante alguns anos. Coisa análoga está a passar-se com o tão apregoado Objectivo do Milénio das Nações Unidas, que visa acabar com a pobreza mundial até 2015. Ainda antes da presente Crise, todos os peritos alertavam, ano após ano, que as metas definidas não eram cumpridas. O que vai acontecer agora com esta crise, que atinge prioritaria e profundamente os países em desenvolvimento? Intolerável! Inumano! Contra natura! Temos de reagir! Temos de pedir contas aos nossos dirigentes e exigir deles, com base nos pressupostos aqui expostos, uma mudança radical de rumo. Para o nosso próprio bem e a paz universal. Adel Sidarus, professor universitário aposentado

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06 NA VIGIA

A nova economia global impõe significativas alterações à indústria alimentar dado o aumento do consumo de animais, tendo em vista não só a manutenção da competitividade mas até a sua própria sobrevivência. Por seu lado, as alterações ocorridas no estilo de vida dos consumidores criam novos requisitos aos alimentos, nomeadamente no que se refere à sua versatilidade, conveniência de utilização, satisfação de consumo e segurança. Estas características são, cada vez mais, de grande importância para o consumidor, verificando-se que, à medida que a concorrência aumenta, cresce igualmente a exigência do consumidor: espera-se que o animal para consumo seja seguro, livre de microrganismos patogénicos, de resíduos e que tenha elevado valor nutritivo. Dada a premência de produzir mais, mais barato e melhor, esta indústria tem vindo a reconhecer a importância da implementação de sistemas de gestão dirigidos para a segurança e, simultaneamente, para a melhoria da qualidade e da produtividade. No que respeita à baixa de custo, tendo em vista a obtenção de preços competitivos, o comprometimento dos recursos necessários à implementação dos programas para a qualidade e segurança pode parecer contrário aos objectivos dos agentes económicos. No entanto, a necessária adaptação à mudança só é possível pela requalificação dos meios físicos e humanos, ou seja, a necessidade de qualidade e segurança do que se consome é a razão primária para o investimento, particularmente em programas de formação. Tudo o referido impõe que a indústria se torne proactiva. A importância de muitos destes “factores predisponentes” cresceu e os agentes económicos confrontam-se agora com o aumento da sua responsabilidade por imposição das leis mas, sobretudo, por pressão dos consumidores e dos meios de comunicação social. Na UE, apesar de algumas indústrias se terem anteci-

CARLA SANTOS

O consumo denaanimais alimentação contemporânea

pado à lei e tomado medidas um alimento fresco ou procesproactivas de autocontrolo, sado. Cada interveniente desta muitas permanecem ligadas cadeia deve estar determinado aos métodos tradicionais de para este objectivo, o que só inspecção, baseados na aná- é possível quando todas as regras são compreensíveis, lise do produto final. A qualidade de um alimen- estando bem especificadas to de origem animal depen- e registadas para cada uma das operade do efectivo ções, seja a cumprimento De grande imporprodução, de um cer to o procesnúmero de re- tância também é o facto samento, a gras, as quais de não deixarmos exembalagem, abrangem toda tinguir as nossas raças o armazea cadeia, desde autóctones, e promover o namento ou o sector primáa distribuirio, da produ- consumo destas ção. ção animal, Uma seaté à mesa do gurança consumidor. Ao longo de toda esta ca- da qualidade integrada, “da deia é preciso cumprir a re- quinta à mesa”, envolve a gulamentação eventualmente elaboração e a aplicação de existente, bem como as boas códigos e boas práticas, o práticas de produção. Apenas que seguramente implicará o cumprimento destas regras a formação e a qualificação do torna possível a boa qualidade pessoal que verifica os sistedo alimento, quer se trate de mas de autocontrolo para que

esteja atento a cada um dos pontos críticos da cadeia de produção. Não será surpreendente que instalações, equipamento e o layout das linhas de processamento também tenham um papel fulcral na qualidade do produto que chega ao prato do consumidor. Em produção animal há que seguir o código do bemestar animal, devendo haver o gosto pela natureza, algumas bases de etologia e genética e seguir cuidadosamente todas as regras de higiene e sanidade animal. O que se decide fazer com os conhecimentos, certezas ou teorias, que daí emanam, já entra no foro da bioética e, portanto, na ideia subjectiva quanto às nossas obrigações para com os animais. Deve-se assim fomentar junto dos produtores esta boa prática, comprovando com

dados científicos que elevado rendimento corresponde a elevado índice de bem-estar, tal como baixa produção corresponde a bem-estar reduzido, o que não significa que a discussão ética seja menos importante. De grande importância também é o facto de não deixarmos extinguir as nossas raças autóctones, e promover o consumo destas, pois são animais bem adaptados às nossas condições, criados quase sempre em sistemas de exploração em extensivo, vivendo em perfeita harmonia com a natureza, ou seja um sistema de exploração mais próximo do natural e de baixos custos de produção. As alterações dos hábitos alimentares, exigindo carne com menos gordura e o emprego crescente de gorduras vegetais, em detrimento das animais, provocaram um decréscimo destas raças e o cruzamento incontrolado com outras por parte dos criadores. E o êxodo rural levou a um aumento dos salários, tornando inviável a manutenção de muitas explorações tradicionais. Conjuntamente, a quebra de preços dos produtos florestais e a crescente mecanização, ditaram também esta regressão. A inversão das práticas agrícolas para sistemas de exploração alternativos com recurso a raças de maior rendimento e a introdução de novas variedades de trigo e outros cereais bastante mais produtivos tornaram-se, igualmente, num factor desfavorável. No entanto, alguns produtores mantiveram-se sempre fortemente empenhados em manter vivas estas raças, não deixando de ter nas suas explorações animais puros, com maneio muito tradicional, apesar do reduzido rendimento económico e da manifesta falta de apoios e interesse das instituições públicas e privadas. Deve-se assim preservar estes animais de grande valor, quer económico quer de património nacional, além de serem possuidores de carnes de elevada qualidade. Carla Santos, engenheira zootécnica


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ACTIVISMOS 07

Uma lição a aprender com Timor

minados países desenvolvidos estão a apostar em iniciativas idênticas como resposta aos desafios sociais e ambientais que agora encontram. As promessas de políticas de desenvolvimento social chocam com o animismo

das consciências, através de actividades contínuas de capacitação e de estimulação pessoal, permitindo que o orgulho de ser timorense seja mote para um Timor mais autónomo. Hoje, algumas organiza-

necessidades básicas de que cultural e social do timoTimor precisa urgentemente rense, exigindo na acção do com o planeamento de como desenvolvimento sustentável as gerações futuras poderão menos fundamentos e mais exemplos práticos. Exemplos erguer o país das cinzas. No entanto, o conceito de como a captura e utilização da desenvolvimento sustentável água da chuva, a produção de biogás para por vezes lecozinhar vanta interroSe aliarmos o forte (utilizando gações. Numa estrume de apresentação espírito comunitário de animais e de um projecto Timor à introdução de restos orde hortas e jar- tecnologias apropriadas gânicos), redins orgânicos e sistemas sociais mais duzindo asde uma orga- eficazes, Timor-Leste sim o abate nização local, pode tornar-se num modesmedido um timorense de árvores, perguntou-me: delo a seguir em futuros ou utilizar «Este tipo de planeamentos de comua composcoisas é uma nidades sustentáveis tagem para forma de olhar contrariar para o futuro o facto de o ou voltar ao passado?». Apreensivo com solo em Timor ser extremaa questão levantada, destaquei mente rochoso. Mas o maior que, curiosamente, os deno- trabalho a ser feito é a nível

ções locais fazem trabalho em favor do desenvolvimento sustentável e, tendo 50% da população menos de 20 anos, se aliarmos o forte espírito comunitário de Timor à introdução de tecnologias apropriadas e sistemas sociais mais eficazes, Timor-Leste pode tornar-se num modelo a seguir em futuros planeamentos de comunidades sustentáveis similares. Arduamente, a nação vai sobrevivendo no tempo, mantendo uma genuína vontade de ser feliz e de aceitar a dor que a história trouxe com esperança. Este exemplo é uma grande lição de humildade e esperança para a humanidade.

teimosamente vivem Timor como um gigante campo de treino) ou a forma como muitos estrangeiros em Timor levam uma vida completamente alheia à realidade do povo timorense. É crucial ouvir a voz do povo e equilibrar as

ANDRÉ MADEIRA

Em 2004, estava em Ma- Timor não se dá bem com as cau, terra testemunha da mi- diplomacias de quem vem de nha infância, quando nasceu fora, com promessas de deem mim o desejo de um dia senvolvimento. Foi importante este merguabraçar o país-irmão que é Timor. O povo maubere trans- lho e envolvimento na cultura pira cor, vida e uma beleza e costumes locais, de modo a rara, que contrastam com a diminuir as diferenças entre dor de um passado e presente críticos. Adepto desde 1998 de sistemas comunitários autosuficientes, inspirados por gentes e eventos alternativos em Portugal e em comunidades intencionais no golfo da Tailândia, tive a ideia de criar uma vila multifuncional onde a fusão da comunidade intencional e da tradicional pudesse acontecer em harmonia, aliada a um pequeno aldeamento turístico, onde o visitante participaria activamente nas lides diárias e os custos reverteriam para o seu desenvolvimento. Posteriormente, nasceu o projecto Raio de Sol, baseado na construção de um centro comunitário em Baucau, segunda maior cidade de Timor-Leste, emergindo daí a associação Naterra que, além de dar apoio na gestão do projecto, iniciou actividades de sensibilização em Macau com o objectivo de reatar a conexão com a natureza em centros urbanos, através da rentabilização de terraços para sistemas permaculturais, de modo a responder à falta de dois mundos tão distintos, espaços verde, e promovendo dando lugar a uma maior a educação ambiental junto aceitação e abertura por parte da comunidade, o que me perdas escolas e comunidade. A chegada a Timor trou- mitiu um maior conhecimento do povo e xe incertezas das suas nede como agir A forma ideal de cessidades. e a c t u a r, a o Idealmente, obser var um valorizar a cultura e o este deveria povo confuso, orgulho de ser timorenser o pricom medo de se passa por pequenas meiro pasmais uma vez coisas como um sorriso, so dado por ver a sua culquem vem tura ameaçada partilhar a comida ou de fora, mas pelos interesses dançar as suas músicas infelizmeneconómicos te a grande externos nos maioria dos recursos naturais do país. Na interacção estrangeiros não demonstra com os timorenses, apercebi- essa intenção. A forma como me de que a forma ideal de as operações de socorro e de valorizar a cultura e o orgulho manutenção da paz entram de ser timorense passa por mais parece uma invasão. pequenas coisas como um Sente-se a influência negatisorriso, partilhar a comida va das actividades militares ou dançar as suas músicas. das tropas australianas (que

André Madeira, consultor de sistemas de permacultura.


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08 ACTIVISMOS

Biodiversidade e a sua importância Costumamos definir o conceito de biodiversidade como o conjunto das diferentes espécies (dos reinos vegetal e animal), acrescido da variedade dentro de cada espécie e da variedade dos ecossistemas onde aqueles se desenvolvem. A biodiversidade é o resultado de milhares de anos de evolução das espécies e da sua adaptação às condições do meio pelo que, quando contribuímos para a extinção de qualquer delas (vegetal ou animal), estamos a eliminar, definitiva e irreparavelmente, todo um longo período evolutivo e, simultaneamente, a destruir potencialidades que poderiam ser de inestimável valor e benefício para a humanidade. Efectivamente, os outros seres vivos (animais e plantas) não são apenas as nossas fontes alimentares, uma vez que mais de 70% dos princípios activos dos medicamentos são extraídos de plantas e cerca de 90% são de origem biológica, como refere o cientista Jorge Paiva – que foi investigador do Jardim Botânico

da Universidade de Coimbra plantas porque estas não se e professor da Faculdade de deslocam por si para ocupaFarmácia daquela universida- rem novos nichos ecológicos de – na sua obra A Relevância e se diversificarem, pois dependem que os seus esporos, do Património Natural. sementes e frutos Sabemos que sejam transporas plantas estão A biodiversitados pelo vento, na base das capor animais ou deias alimen- dade é o resultado pela água. tares, porque de milhares de Fica claro que os animais não anos de evolução o património biosão autotrófilógico é efectivacos, ou seja, não das espécies e da mente essencial são capazes de sua adaptação às e indispensável à produzir maté- condições do meio sobrevivência da ria orgânica a espécie humapartir de comna neste planeta, postos inorporque sem os gânicos, como fazem as plantas através da outros seres vivos não sofotossíntese. Assim sendo, a brevivemos. Portugal, situado no extrechamada fitodiversidade é fundamental para a manu- mo sudoeste do Continente tenção da biodiversidade ani- Europeu e quase confinanmal, considerando-se também te com o noroeste de África, como um pré-requisito para apresenta condições únicas e determinantes para ser a respectiva evolução. A maioria da diversidade uma das regiões europeias biológica (biodiversidade) não de maior diversidade biolóé ainda conhecida, estando gica. Cumpre-nos a responinventariadas cerca de 3 mi- sabilidade da sua salvaguarda lhões de espécies, das quais efectiva e atempada. 2,5 milhões são animais e meio milhão são plantas. Há mais Antunes Dias, espécies de animais do que biólogo

LUÍS HUMBERTO TEIXEIRA

Bio adversidades decisão acerca de processos mudar esta realidade. E não é difícil, basta cada que causem impactes no ambiente. um em sua casa Se existir uma alterar hábitos Se existir uma consciência global de consumo de consciência global menos egoísta e água e energia, mais responsáreciclar, andar menos egoísta vel será mais fámais a pé, de e mais responcil impedir que a b i c i c l e t a , d e sável será mais biodiversidade não t r a n s p o r t e s fácil impedir que diminua e que topúblicos ou de a biodiversidade dos os seres vivos boleia, respeinão diminua e que possam coexistir tar e preservar em melhores conas paisagens todos os seres vivos dições, incluindo o naturais, com- possam coexistir homem, esse aniprar produtos em melhores conmal que até agora a l i m e n t a r e s dições é o único com cada época e, de pacidade racional preferência, comprovada em nacionais, e, muito importante, exercer o termos científicos. Já agora, se este jornal seu dever de cidadão participando nas consultas públicas depois de lido não for para de decisão dos processos de guardar ou para qualquer ouavaliação de impacte ambien- tra utilização, o seu sítio é no tal, nos dias abertos que algu- ecoponto azul. Obrigada! mas empresas promovem, nas sessões públicas municipais Rute Vieira, e em todas as acções particibolseira de investigação pativas de esclarecimento ou científica no LNEC

RITA OLIVEIRA MARTINS

O Ano Internacional da Biodiversidade tem como objectivo travar a perda desta até ao final de 2010. Mas o que é a biodiversidade? A biodiversidade engloba a variedade de genes, espécies e ecossistemas que constituem a vida no planeta. Nas últimas décadas temos assistido a extinções de espécies e destruições de habitats resultantes da construção desenfreada, dos sistemas de produção agro-pecuária intensiva, da exploração de pedreiras, da desflorestação e da sobre-exploração dos recursos marítimos e fluviais, da introdução de espécies exóticas, da poluição e, principalmente, das alterações climáticas globais. Um artigo publicado em 2004 na revista Nature sobre os possíveis impactes de alterações climáticas moderadas em milhares de espécies de seres vivos em seis zonas ricas em termos de biodiversidade

mostrou que 15 a 37% dessas espécies podem extinguir-se até 2050. Ora, infelizmente o denominador comum a todas estas causas é a acção abusiva e desequilibrada do homem sobre o ambiente, com a arrogância própria de quem pensa que é a Natureza quem o serve e

não o contrário. Provavelmente quem lê, e por vezes até quem escreveu este texto, tende a culpabilizar as grandes empresas e os governos por esta situação, esquecendo que cada um tem a responsabilidade, como cidadão e, acima de tudo, como habitante deste planeta, de


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ACTIVISMOS 09 Um olhar sobre a biodiversidade A escolha da Assembleiageral da ONU ao declarar 2010 como Ano Internacional da Biodiversidade coloca o tema da fragilidade dos ecossistemas e a destruição da biodiversidade nas agendas políticas e diplomáticas. Aguarda-se, com expectativa, que chegue a todos urgentemente a mensagem: ao actual ritmo de desenvolvimento e modo de vida a perda de biodiversidade atingirá contornos irreparáveis com profundas consequências para o mundo natural e o nosso bem-estar enquanto espécie. A consciência colectiva da velocidade a que se perdem espécies e da premente necessidade de tomar medidas com vista à sua conservação não é uma questão recente, pelo contrário, há muito que é invocada por investigadores e debatida nas conferências sobre ambiente e sustentabilidade. Em Junho de 1972, durante a Conferência de Estocolmo, a conservação da natureza, da vida selvagem e dos recursos genéticos foi identificada como uma área prioritária. Mais tarde, em 1992, na Conferência do Rio, foi apresentada a Convenção sobretudo nos últimos 50 sobre a Diversidade Biológica, anos, os ecossistemas mais rápida e extensivamente que assinada por 175 países. Desde então a perda de em qualquer intervalo de tempo equivalente biodiversidade na história da intensificou-se Humanidade em termos espaDesenganeme a natureza ciais e temporais, se os que julgam que não consetornando quase tudo se recompõe, ou gue repor-se insignificantes aqueles que ao ritmo a que algumas das destruímos. medidas toma- consideram que os Esta é a das com vista à “outros” é que são realidade a sua preservação. responsáveis. nível mundial Desenganem-se e se analisaros que julgam que tudo se recompõe, ou mos a situação em Portugal aqueles que consideram que apercebemo-nos que esta os “outros” é que são respon- não difere. Segundo o relasáveis. O Homem modificou, tório Millennium Ecosystem

Assessment, disponível em http://www.ecossistemas.org, «nos últimos 50 anos assistimos a alterações significativas nos ecossistemas portugueses impulsionadas por profundas modificações socioeconómicas. A economia aumentou mais de seis vezes, o número de agricultores diminuiu mais de 60% e a área agrícola reduziu-se em 40%. Ocorreu a intensificação agrícola e a florestação com monocultura de eucalipto, com impactes negativos na biodiversidade e nos serviços de regulação dos ecossistemas. Os nossos rios sofreram modificações dramáticas com a construção

de barragens e com o aumento mentos, são algumas das atida poluição proveniente da tudes de cidadania que devem agricultura e da indústria. O ser intrínsecas a qualquer ser problema das espécies exó- humano. Há que tomar consciência que os ticas invasoras problemas agravou-se nas ambientais ilhas e aumentou Ao actual das próximas a pressão sobre ritmo de desenvoldécadas e a os ecossistemas vimento e modo de consequente costeiros. Em degradação muitos ecossiste- vida a perda de bioda biodiversimas manteve-se diversidade atingirá dade só serão ou agravou-se o contornos irreparáminimizados nível de sobre- veis com profundas se cada um de c a ç a e s o b r e - consequências para nós, em partipesca». o mundo natural e cular, e a soConvém realciedade, num çar que a biodi- o nosso bem-estar todo, tomar versidade exis- enquanto espécie. uma atitude tente em Portugal mais pró-acContinental inclui tiva, colabomais de 3.000 espécies de plantas vascu- rativa e responsável. No seu livro Eco-inteligênlares, cerca de 400 espécies de vertebrados, e um número cia, Daniel Goleman alerta: desconhecido de espécies de «Compramos champôs coninvertebrados. Nos Açores e tendo químicos industriais que na Madeira existem mais de podem ameaçar a nossa saúde 1.700 espécies de organismos ou contaminar o ambiente. que não existem em mais ne- Mergulhamos para ver recifes nhuma parte do mundo (en- de corais, não tendo consciência de que um ingrediente do démicos). Num país em que a pro- nosso protector solar alimenta dução alimentar é deficitária um vírus que mata o recife. em 30% em relação ao con- Usamos t-shirts de algodão sumo, de acordo com dados biológico, mas não sabemos do Millennium Ecosystem que os seus corantes podem Assessment, uma maior fazer os operários correr o destruição dos ecossistemas risco de contrair leucemia». Neste alerta está implícita implica uma maior dependência face ao exterior. Contudo, a devastação da biodiversidiariamente ouvimos rela- dade e a consequente perda tos da destruição de fundos de qualidade de vida para o marinhos, comercialização ser humano. Que o Ano Inde espécies ameaçadas e em ternacional da Biodiversidade extinção; destruição de flo- contribua para uma sociedade restas através de incêndios, mais sustentável e com seres e não só; práticas agrícolas humanos mais respeitadores pouco ou nada sustentáveis e das espécies que connosco mais um rol de outras acções partilham o planeta e que que directa e indirectamente num todo formam a Biodicontribuem para a devastação versidade. dos ecossistemas. Respeitar as áreas proteLurdes Soares, doutoranda gidas, preservar espécies em em Estudos Avançados de Ecoloextinção, modificar comportagia Humana na FCSH-UNL

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10 PERIFERIAS Rituais, devoções e manifestações de culto na

Palmela do século XVI Hospital do Espírito Santo e na Âmbula do Peregrino encontrada nas escavações arqueológicas.

O Culto da Virgem O antiquíssimo culto de Nossa Senhora recrudesceu a partir do século XIII e teve como principais defensores os membros das Ordens Militares. As igrejas destas ordens O Culto de Santiago Em 1510, determinou o puseram-se sobre a invocação mestre D. Jorge que se deveria da Virgem, ainda que tivescelebrar e festejar, condigna- sem por orago outros Santos. mente, em todas as igrejas da No Sínodo de Braga de 1505 ordem, o dia do Apóstolo (25 estabeleceu-se que se deviam de Julho), assim como o dia celebrar todas as festas em da sua trasladação de Jeru- honra da Virgem. Mas se até ao século XIV salém para Espanha (30 de o culto mais notório foi o de Dezembro). Nas Disposições Gerais da Santa Maria, a partir daí ele Visitação mandava-se que em alargou-se ao culto da Anuncada ano, na véspera do dia de ciação e, também, a Nossa SeSantiago, o patrono da ordem, nhora do Rosário, da Graça, se fizessem varrer e paramen- da Estrela, de Tróia e da Atalaia - algumas tar as igrejas e rerepresentadas picar os sinos com Por Palmela nas duas igrejas grande solenidade; passava o Caminho de Palmela. fossem cantadas Esta devoas vésperas, assim de Santiago, proção ficou bem como a missa do veniente do Norte patente na dia, principalmen- de África, atestado te nas cerimónias nas camas do Hos- descrição das igrejas de Santa do convento, para pital do Espírito Maria do Casteque todo o povo Santo lo e São Pedro, fosse assistir. Manem que, bem à dava-se, também, que se fizesse procissão tão moda Tridentina, estas igrejas solene como a de Corpo de se foram cobrindo de altares e Deus e que as ruas por onde a imagens da Virgem Maria. Também não é de esquecer procissão passasse estivessem as confrarias, muitas delas em varridas e alumiadas. Também existiam as festas honra de Nossa Senhora. do bodo, onde se fazia correr um touro e no fim da corri- O Culto de São Pedro O culto de S. Pedro é, a da matava-se o dito, sendo um quarto do bicho dado ao seguir ao da Virgem Maria, pregador do dia e os restantes o mais praticado e, por isso, distribuídos pelo povo da vila, não é de estranhar que, numa terra ligada ao mar e em que a por amor de Deus. Por Palmela passava o pesca era parte integrante da Caminho de Santiago, pro- vida quotidiana, os habitantes veniente do Norte de Áfri- escolhessem para orago da ca, atestado nas camas do sua (segunda) igreja matriz

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PATRÍCIA TRINDADE COELHO

Com este breve texto pretendemos fazê-lo comungar do “Culto” a Santiago, Santa Maria, São Pedro e ao Espírito Santo e participar na “Festa”, ao partilhar todo o espírito ritualista destas manifestações que fizeram parte do quotidiano da Vila de Palmela no século XVI.

o santo padroeiro dos pescadores e primeiro patriarca da igreja. Devia-se guardar, jejuar e festejar o dia do Santo, que é a 29 de Junho. Há também referência à festa do Bodo no dia comemorativo do Santo.

outras por mandado régio ou do mestre da Ordem, como foi o caso de Palmela, em que D. Jorge determinou que se fizesse procissão solene em dia de Corpo de Deus, com as ruas por onde esta passava varridas e iluminadas.

O Culto do Santíssimo Sacramento A reforma tridentina vem consubstancializar o culto do Santíssimo Sacramento. Estamos perante o acto de fé, o dogma da transubstanciação em que o crente, ao receber a Eucaristia, acredita que está a receber o corpo e o sangue de Cristo. Assim como Trento tinha determinado que se fizesse a adoração de Cristo presente no sacrário, também o fez quanto à realização de procissões em honra do Corpo de Deus, muitas das vezes organizadas pelas confrarias de invocação do Santíssimo,

O Culto do Espírito Santo A Idade Média desenvolveu o culto do Espírito Santo, que conseguiu arrastar consigo todos os estratos sociais tornando-se na mais importante, senão a maior, devoção dos portugueses até aos nossos dias. Esta devoção tinha muito de popular e folclórico e, porque não, sobrevivências de cultos pagãos que a igreja, com os seus dogmas, não podia aceitar. Mas não acabou com eles. Antes converteu lugares, tempos e práticas em culto cristão. No século XIV e seguintes encontram-se ermidas, con-

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frarias, albergarias e hospitais, como é o caso de Palmela, a cujo Hospital do Espírito Santo será acrescentada a Igreja da Misericórdia. Este hospital tinha uma mera função assistencial a enfermos, pobres e peregrinos a nível dos primeiros cuidados de higiene, repouso e, se possível, cura. Pode dizer-se que a sua missão era fornecer luz, água, cama e roupa lavada. O culto do Espírito Santo manifestava-se tanto nas celebrações litúrgicas, em Seu louvor, como, também, em outras expressões de fé e devoção, que conduziam à realização de obras de arte. As festas do Espírito Santo eram comemoradas, por todo o país, entre Abril e Junho, a começar no Domingo de Páscoa e a terminar no Pentecostes, altura em que era distribuído o bodo. Para Palmela pouco há a acrescentar sobre esta devoção, mas a legislação eclesiástica obriga a que se guardem os dias de Pentecostes e da Santíssima Trindade e que nesses dias se faça jejum - quem o quebrasse ficaria sujeito a uma “multa” a ordenar pelo abade. As manifestações (inseparáveis) de Fé na Santíssima Trindade e no Espírito Santo, o seu culto e devoção, atingiram a sua expressão mais clara na construção de igrejas, capelas, hospitais e confrarias, que mais tarde se iriam transformar em hospitais da Misericórdia (caso de Palmela), erguidas para Lhe prestarem culto. Ficam, assim, aqui presentes alguns sinais de CULTO e FESTA da Palmela quinhentista. Regina Bronze, mestre em História Medieval

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PERIFERIAS A Placa Epigráfica Árabe

encontrada na Gruta 4 de Maio, na Serra da Azóia numa gruta de Sesimbra, e muito raro no Garb al-Anescondida provavelmente dalus (a área mais ocidental em meados do século XII, da Península Ibérica). O seu texto é de estilo num ambiente de cúfico, coerente guerra, obriga-nos O facto de com o que era a ser prudentes usado no sécuna apresentação esta placa ter sido lo XII, em conde hipóteses de escondida numa texto Almorátrabalho. O do- gruta pequena, vida. Segundo cumento sesim- de acesso difícil os arabistas brense é único em mesmo nos dias de consultados, o Portugal, porque texto será prosabemos exac- hoje, sugere que o vavelmente de t a m e n t e o n d e objectivo seria esta tipo magrebifoi encontrado e não ser encontrada no. qual o contexto Se o estilo envolvente. Em território português, só temos empregue no texto é coerente conhecimento, com base num com o usado no século XII, artigo do Arquivo de Beja, de o facto de esta placa ter sido um conjunto de placas em escondida numa gruta pequemadeira similares, em depó- na, de acesso difícil mesmo sito no Museu de Beja, mas de nos dias de hoje, sugere que o objectivo seria esta não ser proveniência desconhecida. encontrada. O perigo, na persEnquadramento Cultural: pectiva islâmica, provinha dos avanços e recuos portugueses Leitura Preliminar Estamos perante um acha- na serra da Arrábida, após a do que ainda está em fase de conquista de Lisboa em 1147. estudo. A ausência da tradu- Como hipótese de trabalho, ção do texto escrito na placa sugerimos que a data de é uma limitação por ora in- ocultação desta placa tenha contornável. A aparente au- ocorrido em 1165, ano que dois lados da mesma, e desen- sência de outra documentação representa a primeira convolve-se quase até à metade arqueológica associada, como quista do Castelo de Sesimbra inferior, deixando um espaço cerâmicas, é outra das limi- pelos Portugueses, ou pouco livre adequado para ser segu- tações sentidas para definir depois. A palavra de Deus é sagracronologicamente o achado. rado por ambas as mãos. Numa primeira fase, tive- da para o crente muçulmano, Segundo a leitura preliminar de Nicole Cottart, estamos mos de nos cingir à análise independentemente do suporperante um fragmento do Co- da tipologia do texto como te usado. É dever do crente rão. Na realidade, a placa deve meio para definir um horizon- impedir que os não crentes ser entendida como um fólio te cronológico coerente com tenham acesso a ela. O facdo livro sagrado e não como o observado. Depois, procu- to de o objecto portador de uma placa de madeira, porque rámos entender o contexto baraka/bênção estar oculto a estrutura gramatical contida do achado, numa gruta de é benéfico para a região enno texto é idêntica à encontra- tipo esconderijo, na conjun- volvente, porque mesmo que tura política da o território caia nas mãos dos da no Corão. Para cristãos, a palavra de Alá perépoca. esta arabista, estamite uma ligação “simbólica” No distrito mos perante uma Como hipóde Setúbal, a à terra do Islão na perspecplaca semelhante tese de trabalho, epigrafia islâ- tiva do crente islâmico. Proàs usadas nas Masugerimos que a mica era, até vavelmente, quem escondeu drassas e que até ao momento, a placa queria simbolizar a há pouco tempo data de ocultação conhecida em fuga de Maomé para Medina, eram utilizadas desta placa tenha Alcácer do Sal, que antecede o seu regresso no Norte de África ocorrido em 1165, Palmela e no triunfal a Meca. para ensinar o Co- ano que representa Seja como for, a placa perAlto da Queirão e a língua áraa primeira conmada/Palmela, maneceu estes últimos séculos be. Curiosamente, quista do Castelo tendo como su- escondida, numa região que o macro topónimo porte a pedra, a conseguiu manter o seu nome da região – Azóia de Sesimbra pelos cerâmica e res- de origem árabe, revelador do – correspondia a Portugueses, ou tos etiológicos. carácter sagrado que possuía locais onde um pouco depois O achado de nesses tempos conturbados professor de senSesimbra, além de Sesimbra. sibilidade religiosa tinha a sua congregação e en- de ser notável em variados aspectos, está num tipo de susinava a ler ou a escrever. António Rafael Carvalho, A presença desta placa porte completamente novo arqueólogo ANTÓNIO RAFAEL CARVALHO

Placa Epigráfica Árabe

A gruta 4 de Maio foi des- as medidas correctas, que coberta em 2008 e, como o no canto mais inacessível da seu nome indica, foi identifi- gruta surgiu, de forma inespecada nessa data, que corres- rada, uma placa em madeira, ponde ao dia do Senhor das preenchida com um texto em árabe. Refeitos Chagas, de muita da surpresa, devoção na vila de Estamos contactaramSesimbra. perante uma placa me de imediaDesde essa alsemelhante às usa- to, bem como a tura e até ao passado dia 21 de Ju- das nas Madrassas dois eminentes arabistas – Anlho de 2009, esta e que até há pouco tónio Rei e Nigruta, onde com tempo eram utilicole Cottart. muita dificuldade zadas no Norte de entra uma pessoa África para ensinar A Placa e de dificílimo o Corão e a língua A placa acesso, não pasdescoberta sava de mais uma árabe é de m adeicavidade natural ra compacta, localizada sob a serra da Azóia, junto ao Vale rectangular, com 58 cm de das Lapas, como muitas ou- comprimento por 15,5 cm de tras que perfuram os calcários largura e 1 cm de espessura. O topo superior e inferior estão da região. Apesar da ausência de ligeiramente arredondados. A documentação arqueológica metade superior encontraaté então patente, entendeu a se completa, provavelmente equipa da Carta Arqueológica consequência directa do amde Sesimbra apresentar um biente em que foi depositada. levantamento topográfico ac- Sugere que terá sido ligeiratualizado. Foi no âmbito desse mente danificada por acção trabalho, levado a cabo por do fogo. O campo epigráfico, que Rui Francisco e Miguel Amigo, no qual foi necessário desviar ainda não foi traduzido, inialgumas pedras para obter cia-se no topo da placa, nos


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CULTURA

Livros, conspirações e revoluções 2010 promete ser uma au- pesquisa, prometendo alterar têntica revolução no paradig- a tradicional visão sobre este ma da produção historiográ- período. Ainda mais recente, igualfica regional sobre os séculos XIX e XX. Recentemente, foi mente publicado pelo Cenpublicado o estudo e antolo- tro de Estudos Bocageanos, gia de Anita Vilar acerca de a quem felicitamos a intensa Mariana Angélica d’Andrade, actividade editorial, é Anarcosindicalistas a denominada e republica“poetisa do uma Setúbal agita- nos, Setúbal Sado”, onde na Primeira se dá a conhe- da e conturbada, ferviRepública, cer o percurso lhando de revolucionáde Álvaro de uma murios nas mais distintas Arranja, hislher influente áreas toriador de na sociedade créditos firsadina, na semados, que gunda metade de Oitocentos. Com este livro nos traz uma proveitosa leitutermina um longo silêncio so- ra, renovada, sobre as classes bre a participação feminina trabalhadoras setubalenses no na construção da sociedade período enunciado, se bem de então, que demonstra todo que estendendo retrospectium novo potencial campo de vamente a observação até à

segunda metade do séc. XIX e dilatando-a, evocando, no final, Jaime Rebelo, o “homem da boca fechada”. Muito em breve sairá Setúbal 1909, a cidade e o congresso do Partido Republicano, editado pela Câmara Municipal de Setúbal. Para além de retratar a exposição realizada no ano transacto na Biblioteca Municipal, conta com importante estudo de Carlos Mouro e Horácio Pena que, com sucesso, procura caracterizar a cidade de Setúbal nos últimos anos de Oitocentos e inícios de Novecentos a partir de uma matriz social e económica. Estes trabalhos vêm renovar, com novas leituras e a preços muito acessíveis, a visão de Maria da Conceição Quintas que, com um conjunto

de obras, havia praticamente às abordagens de tipo mateencerrado este tema desde os rialista contraporá uma persanos 90. Trazem, além de fres- pectiva positivista. Assim sendo, para os cura, uma visão coerente que amantes dimana das três da história obras – uma para os amantes local, 2010 Setúbal agitada apresenta e conturbada, da história local, 2010 inúmeros fervilhando de apresenta inúmeros lirevolucionários vros carregados de novas livros carregados de nas mais distinhistórias intensas, de novas histótas áreas, tais conspirações e revolurias intensas, como a polítide conspiraca, a educativa ções ções e revoe a cultural. luções, que Este aparente consenso será posto em nos obrigam a reflectir sobre causa, já no final deste ano, o colectivo urbano, antigo e pela jovem, mas expedita e actual, e promete polémicas resoluta, historiadora Danie- que muito se prolongarão la Silva, com a apresentação para além dele. da tese de mestrado sobre assistencialismo em Setúbal José Luís Neto, nos séculos XIX e XX, onde jose.neto@jornalosul.com

Silêncio e tanta gente : os extremos da arte começou pela pintura, mas o ingresso no curso de Escultura, que concluiu em 2009, fê-lo desenvolver o gosto por trabalhar os volumes, apesar de considerar que esse não é o caminho do futuro. «Cada vez mais vivemos da imagem e das artes digi-

Reflexão de um anjo, terceiro prémio Resarte 09, de João Lino

tais, de coisas mais efémeras. A escultura é o oposto disso: tem presença, é pesada, é algo concreto que não dá para gravar num CD e copiar. E embora pense que o caminho do futuro é o digital, a escultura é a minha forma de expressão, pois gosto de criar objectos físicos, andar à volta deles e tocar-lhes», afirma o escultor, revelando a sua atracção por «máquinas barulhentas» e pela «agressividade do ferro», que o desafia a «explorar o conceito de leveza», como se evidencia na peça Reflexão de um anjo (esboço), 3.º prémio do Resarte 2009. O trabalho com máquinas também não é estranho a Pedro Palma, que descobriu o seu talento para trabalhar vidro há alguns meses, depois de um professor dos Estados Unidos o ter convidado para o seu atelier em Nova Iorque. Na origem do desafio esteve um workshop de vitral, em que o artista norte-americano se manifestou surpreendido com o perfeccionismo do jovem setubalense no polimento das peças, tendo em conta o equipamento ao seu dispor. No que respeita a ferramentas e materiais, João Lino destaca que os custos eleva-

dos muitas vezes o obrigam a adaptar os projectos que idealizou ao orçamento disponível. Porém, não encara isso como um contratempo mas como um desafio: «Se as coisas não correm como estamos à espera, temos de

resolver, improvisar, fazer de outra forma e muitas vezes, acidentalmente, acabamos por descobrir algo novo. Porque é a criar que criamos”. Luís Humberto Teixeira luis.teixeira@jornalosul.com

FOTO: EURICO

Pedro Palma e João Lino são dois artistas de Setúbal que têm em comum a passagem pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e distinções nas duas edições do concurso de artes plásticas Resarte. A frequentar o 4.º ano de Pintura, Pedro Palma recebeu o 2.º prémio em 2009, com o quadro Lisboa, tela de homenagem à cidade que lhe abriu «horizontes mentais, tanto na faculdade como na vida boémia», mas que também o fez conhecer a solidão. «Em Setúbal não precisava tanto dos extremos: estar sozinho ou sempre com amigos. É uma cidade onde vivo com mais estabilidade. Mas Lisboa para mim é 8 ou 80 – ou estou na vida boémia ou tenho de me isolar, descansar e desligar o botão», revela, explicando que «se tivermos uma relação completamente extrema, se soubermos muito bem o que é a vida e o que é a morte, o que é a boémia e o que é a solidão, encontramos uma noção de meio-termo muito interessante, composta pela união de experiências opostas». Igualmente «adepto dos jogos de extremos e dos contraditórios», João Lino

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Lisboa, segundo prémio Resarte 09, de Pedro Palma


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CULTURA 13 Raquel Mendes, vencedora do Resarte 2009

«Sou uma artista ausente» mercial. Depois fui para países frios porque neles se Lisboa, para a Faculdade de trabalha mais. Como não há Belas Artes. Aí surgiu a opor- bom tempo, ficamos em casa tunidade de fazer um Eras- e concentramo-nos no que mus na Noruega, onde tinha temos a fazer (risos). Mas não de desenvolver um trabalho é só isso. Identifico-me com a que pudesse tracultura desses zer de volta para países porque, Quando se Portugal. Só que quando alguém vive da arte, criama minha especialidiz que é para dade era pedra... e -se expectativas no fazer, é mesmo como não ia trazer público. para fazer. Não pedra da Noruega, há um “diz que a fotografia apadisse”, um “vareceu como uma mos ver como solução viável. E é”, que nos faz gostei tanto de gastar muita trabalhar a imaenergia em coigem que comecei a dedicar- sas mínimas. Lá, tomam-se me mais a isso. A escultura foi decisões e, se está dito, está ficando para trás. dito, não é preciso relembrar todas as semanas o que ficou S – Desistiu da escultura? combinado. Se posso trabalhar com RM – Em termos artísticos, concebo primeiro a ideia e de- essas pessoas e estar nesses pois penso na melhor manei- sítios onde me dão melhores ra de a concretizar: pode ser condições de trabalho, porem madeira, em fotografia ou que não hei-de ir ter com até em pedra, pois não ando eles? Não sou masoquista, a fugir dela. Mas trabalhar a trabalho onde me deixarem pedra exige um investimento trabalhar. muito forte num espaço, pois S – E consegue viver só do há barulho, há poeiras... não é algo que se possa fazer na trabalho artístico? RM – Nunca me vi obrigaragem de um prédio. Isto para dizer que não desisti da gada a sobreviver através do escultura, apenas tenho tido meu trabalho artístico e não sei se gostaria ultimamente mais de passar pela ideias bidimensioUltrapassar experiência nais, na área do obstáculos dá-nos de tê-lo como vídeo e da fotouma dinâmica que principal fonte grafia. depois torna as de subsistência. Quando se vive S – O seu cur- coisas mais da arte, criamrículo já tem al- frequentes, mais se expectativas guma extensão, naturais, cada vez no público, que com experiências menos impossíveis. depois procuna Noruega, Esra determinacócia e Islândia. do tipo de traComo surgiram balhos pelos estas oportuniquais somos dades? conhecidos. RM – Um currículo constrói-se com persis- Se estivermos dependentes tência. Ultrapassar obstáculos disso para viver, se calhar até dá-nos uma dinâmica que cedemos e acabamos por fadepois torna as coisas mais zer sempre o mesmo. Quando frequentes, mais naturais, não dependemos disso, temos cada vez menos impossíveis. liberdade total para arriscar Em Portugal nunca consegui coisas novas, experimentais, bolsas, mas lá fora as coisas que o mais certo até é darem aconteceram, talvez porque há para o torto mas, ainda assim, mais apoio às artes e transpa- queremos experimentar. E eu rência em todos os processos. não gostaria de prescindir Na Islândia nem a língua foi dessa liberdade. uma barreira, pois tudo se processou em inglês. Luís Humberto Teixeira Tenho um fascínio pelos luis.teixeira@jornalosul.com

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s/ titulo, primeiro prémio Resarte 09, de Raquel Mendes

«Andava de carro à procura de uma casa abandonada, que tivesse o tecto a ruir, quando descobri este apeadeiro na Linha do Sado, não muito longe das Pontes. Não tendo o tecto em ruínas, ele apresentava outros aspectos que me cativaram. O dia da fotografia foi um dia de mudanças, em que coloquei lá a mobília e as personagens. São uma mistela de gente disponível: a protagonista é uma amiga e a família que lá está não é a dela nem a minha – é a de outra amiga nossa. Já o retrato de casamento sobre o móvel é dos meus pais. No fundo, a casa degradada surge como uma pista daquilo que não se diz, revelando as tensões internas. Vicia o ambiente para que o observador, mais do que perceber o que vê, sinta o que vê».

Raquel Mendes

Entre as 44 obras que con- 40 exposições e o primeiro correram ao concurso de artes prémio de Fotografia Jovens plásticas Resarte 2009, uma Criadores 2005. fotografia da setubalense O SUL – Como surgiu esta Raquel Mendes destacou-se participação no e valeu-lhe os Resarte? 500 euros do Tenho um Raquel Menprimeiro prédes – Soube do mio, atribuídos fascínio pelos Resarte num bar, pela Câmara países frios porque em Agosto. Como Municipal de neles se trabalha nunca tinha feito S e t ú b a l . L i - mais. nada na minha cenciada em terra – sou uma Escultura pela artista ausente –, Faculdade de decidi participar, Belas Artes da mais para ver Universidade de Lisboa e mestre em Artes como é que as pessoas reVisuais pela Glasgow Scho- agiam ao meu trabalho e se ol of Art, da Escócia, Raquel identificavam, ou não, com Mendes tem, aos 32 anos, um ele do que com a ambição de currículo onde figuram quase ganhar, até porque acredito

que os prémios dificilmente abrem portas. S – Ter uma ligação à terra onde cresceu é importante para si, enquanto artista? RM – Nunca o pensei dessa forma, nunca foi uma posição. Mas é onde vivo e tenho todo o gosto em identificar-me com a cidade sem ser apenas através de uma relação nostálgica, que deriva do facto de só ter memórias antigas das ruas por onde passo, dado que agora a minha vida se faz mais fora de Setúbal do que dentro. S – Mas foi em Setúbal que começou o gosto pelas artes... RM – Sim, na Escola Co-


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CULTURA

VI Encontro sobre Ordens Militares em Palmela Freires, Guerreiros, Cavaleiros O VI Encontro sobre Ordens Militares, vai decorrer em Palmela entre 10 e 14 de Março, sob o tema Freires, Guerreiros, Cavaleiros. Com um conjunto de sete dezenas de oradores, provenientes de algumas das mais prestigiadas universidades do mundo, o Encontro, promovido pela Câmara Municipal de Palmela, permitirá actualizar

o conhecimento que temos, hoje, sobre o papel dual destes homens que, um pouco por todo o mundo, se dedicaram, simultaneamente, à fé e à guerra. Além das comunicações, o programa integra um conjunto de momentos de interesse geral. São exemplo uma sessão-debate sobre Ordens Militares e Literatura Actual,

com a presença de historiadores, escritores e editores portugueses e espanhóis; a apresentação do Dictionnaire Européen des Ordres Militaires au Moyen Âge, pelos Professores Doutores Nicole Bériou e Philippe Josserand, coordenadores da obra, que contou com a participação de especialistas portugueses; e o lançamento do livro Ordens Militares

e Religiosidade, que compila os textos apresentados no 9º Curso sobre Ordens Militares, com apresentação pelo Professor Doutor José Mattoso, a quem é dedicada a edição. Mesas-redondas, debates, visitas de estudo, animação musical e a assinatura de um conjunto de acordos de colaboração entre o Município de Palmela e vários municípios

e instituições com ligações às Ordens Militares em Portugal são mais alguns dos pontos de interesse do programa, que conta com oradores de Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, Hungria, Brasil e Estados Unidos da América.

para passar a sê-lo?

quê tanto desassossego em torno dele?

Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago

Desafios para as próximas edições O Sul é um jornal aberto à colaboração de todos, acolhendo artigos de opinião, reflexão ou análise, reportagens, entrevistas ou textos de divulgação científica, que serão lidos pela Direcção e pelo Conselho Editorial, estruturas cuja função é seleccionar o que será publicado online e/ ou em papel. São aceites todos os contributos, sem restrições temáticas, mas como sabemos que às vezes o mais difícil é decidir sobre o que escrever, avançaremos em cada edição com sugestões de temas para as edições seguintes. Seguem abaixo os nossos desafios para os próximos números. As sugestões são meramen-

te indicativas e os ângulos de abordagem dependem da criatividade de cada um. Edição n.º 2 Entrega: até 26 de Fevereiro Sai em meados de Março Mulher – Catalogadas como “sexo fraco” durante séculos, as mulheres têm hoje um papel cada vez mais relevante. Escreva-nos com o seu ponto de vista acerca dos custos individuais e sociais desta ascensão, recorde sufragistas como Ana de Castro Osório ou conte-nos histórias de outras mulheres, reconhecidas ou nem por isso. Teatro – Em Março celebrase o Dia Mundial do Teatro,

uma arte milenar que continua a atrair espectadores. Se a vida é um palco em que todos desempenhamos um papel, terá qualquer um capacidade para ser actor? E como pode uma arte que vive da presença física competir com o apelo de novos mundos virtuais à distância de um clique? Ecologismo – Há 25 anos teve lugar em Tróia o primeiro Encontro Nacional de Ecologistas. Esteve lá e gostaria de recordar algum episódio curioso? E o que pensa da evolução do movimento ecologista e da implantação destes ideais na nossa sociedade? Se ainda estamos longe de ser uma civilização sustentável, o que podemos todos nós fazer

Edição n.º 3 Entrega: até 26 de Março Sai em meados de Abril Precariedade – A Constituição da República Portuguesa defende a segurança no trabalho, mas cada vez se respeita menos este direito. Que medidas podem ser tomadas para inverter esta situação, tanto a nível legal como de organização dos trabalhadores? Lusofonia – «Minha pátria é a língua portuguesa», afirmava Bernardo Soares, semi-heterónimo de Fernando Pessoa. Se assim for também para nós, o que significa o novo acordo ortográfico? E por-

Religião – Se o que faz a religião é a prática, fará sentido alguém afirmar-se católico (ou muçulmano, ou judeu) não praticante? E como são hoje vistas as efemérides religiosas? E a fé individual?

Os artigos devem seguir as normas para envio de contributos indicadas abaixo e ser enviados para o e-mail colabore@jornalosul.com. Caso não tenha possibilidade de usar este meio de comunicação, contacte-nos através do telefone 963 883 143 para, em conjunto, encontrarmos uma solução.

FICHA TÉCNICA: Propriedade e Editor: Prima Folia - Cooperativa Cultural, CRL Morada: Largo António Joaquim Correia, n.º 7 1º Dto - 2900-231 Setúbal Director: Luís Humberto Teixeira Subdirectores: José Luís Neto e António Serzedelo Consultor Especial: Fernando Dacosta Conselho Editorial: Anita Vilar, Hugo Silva, Leonardo da Silva, Maria Madalena Fialho e Patrícia Trindade Coelho Directora de Arte: Rita Oliveira Martins Consultor Artístico: João Raminhos Sede de redacção: Rua Deputado Henrique Cardoso, 30-34 - 2900-109 Setúbal E-mail: info@jornalosul.com Site: http://www.jornalosul.com Nº ERC: 125 830 Depósito legal: 305788/10 Periodicidade: Mensário Tiragem: 6.000 exemplares Tipografia: Tipografia Rápida de Setúbal Morada da tipografia: Travessa Jorge d'Aquino, 1 r/c - 2900-389 Setúbal

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ENSAIO 15 Os círculos de uma gata

sobre aqueles que não podem para lá do medo e do ódio, se dela fugir, discursos alarmis- percepciona uma longa sucestas de sofreguidão securitária, são de eventos, em que tudo para fazer zumbir estrondosa- o que aconteceu e acontece mente o chicote sobre todos, obedece a um padrão peralgozes e vítimas, apelando feito, que a tudo e todos liga, à conformidade do seu esta- do qual não podemos fugir, do. Anuncia-se um terramoto pois os artistas usam mentiras social, não menos doloroso apenas para revelar verdade. e real que um terramoto ge- Assim, o OE de hoje é igual aos de sempre, visa impor ológico. Poucos demonstram uma obediência e medo, com vista percepção tão aguda desta a assegurar a continuidade do nossa realidade como um jo- bem-estar das elites, mas não vem artista plástico, de nome apaga a memória de um povo, Francisco Noá. Indivíduo ta- que sabe que nada deve ser lentoso, sombrio, adoptou celebrado quando ainda está uma estética neo-gótica, en- por cumprir. A liberdade poquanto espera pela invenção lítica é mais que um voto em da cor no mundo ou que um urna. É corolário de todas as dia o sol desponte no Poen- outras, adicionado às esquecite. A sua obra é perturbadora, das igualdade e fraternidade, interpelante, artificializa e de- colocadas no arquivo-morforma a natureza sob o pris- to pelas elites governantes. Esta elite em ma da periferia. nada difere da As flores são tão (...) tudo o que outra, que decinzentas e secas aconteceu e aconturpou o repto quanto os edifícios de igualdade e indiferenciados tece obedece a um fraternidade de dos bairros-dor- padrão perfeito, S. Francisco sémitório. Nela se que a tudo e todos culos antes, até transporta dimen- liga. porque as elites são interiorizada usam parcelas e aterradora da paranóia colectiva, pelo que de verdades imperfeitas para cada peça, visceralmente or- dizer as suas mentiras. A estugânica, agride com violência, pidez dos povos não devia ser tal e qual como a realidade dada como adquirida. O Haiti social suburbana de onde des- não recebe caridade, antes coponta. Noá abraça a violência bra dívida bissecular do seu que perpassa as diferentes di- contributo universal – a ideia mensões da pólis suburbana, de que todos nascem livres e mas não só, não lhe basta. iguais, ideia de nação nascida Desconcertante, ultrapassa de uma revolta de escravos, espaço e tempo, transmuta na qual ensinou a França em a guerra colectiva e interna particular, e o mundo em genuma linguagem universal, ral, a praticar a sua própria pois com a violência vem revolução. O poeta Pessoa também uma esperança hu- anteviu que a generosidade manista pungente. Alquimista, lusa se difundiria no mundo, demonstra que para além das após as difíceis convulsões de actuais circunstâncias está o a transformar numa civilizapotencial de transformação ção espiritual. A gata, qual piindividual e social numa su- tonisa e heterónima, tal como peração feita de beleza sim- nós sofreu, penou, mas resples, ao alcance de cada um. suscitou, vivendo feliz agora Para lá das probabilidades, numa família que adoptou e ou do negativismo que tolda a ama, contente com as vidas os horizontes, no campo das que lhe sobram. Das vítimas relações imperceptíveis, há da sua Paixão, aqueles que a uma centelha de espírito em queriam esfolada no chão, todos nós, individual e co- esquecimento, nada ficou na lectivamente, que nos revela memória. Eis o que se revela mais do que somente simples nas pinceladas largas e seaglomerado de carne e ossos; guras de Francisco Noá. Esta como nos segreda no título de arte não é do atelier, é sim das uma das suas obras: O fluxo trincheiras da periferia. do nosso sangue move as estrelas! José Luís Neto, Estranha sensação em que, jose.neto@jornalosul.com

Os tempos que vivemos, tal-qualmente tantos outros, deixam encruzilhadas e ocultam conexões misteriosas que só estão ao alcance de paranóias ou, em alternativa, desvelam o sentir da essência das coisas e revelam o sentido de unidade que se esconde por detrás da confusão geral aparentemente aleatória. Assim, uma gata preta foi atropelada numa via de Setúbal e cambaleava em círculos fatais, cuspindo dolorosamente sangue no alcatrão, enquanto um grupo de adolescentes esperava calmamente que novo automóvel passasse para o golpe de misericórdia mortal. Um país das Caraíbas, pobre como muito poucos, é abalado por um terramoto brutal, sendo de calcular que cerca de 10% da população de Port-au-Prince tenha falecido. São Francisco de Assis, muitos séculos antes, viu-se finalmente entendido na sua mensagem de partilha quan-

do, farto de adulterações face como utopia cultural e civiao que dizia, fez um dos seus lizacional, cumprindo o dever mais célebres discursos, tendo de sentença após os diagnóscomo público uma multidão ticos críticos de Eça, Ramalho, de pássaros. Em Portugal dá- entre outros. Pessoa era seu se início às comemorações do nome. As incongruências deste centenário da república, pedindo aos portugueses que mundo duro, desapiedado, se lembrem da revolução, agressivo, não podiam ser mais claras. Tal mas pouco, pois é bem visível para convulsões nesta região, já bastam as do As incongruOrçamentos de ências deste mundo e s t a M a rg e m Sul, onde camEstado. A produro, desapiedapeiam os bairposta feita pelos do, agressivo, não ros sociais, o promotores das desemprego, a celebrações é: podiam ser mais precariedade, o «Lembrem-se da claras . endividamenrevolução que to insustenaqui nos pôs, mas não se recordem de uma nova, tável das famílias e a fome. pois de outra forma não vos Anunciam-se, com o OE podemos infernizar mais a novos estrangulamentos, vida!» Nisto, já há cem anos o agravamento dos fossos um poeta estranho, enfezado, sociais e o empobrecimento confessava que Portugal era geral destas populações da um país inviável e que urgia periferia. Antevê-se, consecumpri-lo, disseminando-o quentemente, o aumento da até se perder como realidade corrupção e da criminalidaadministrativa e sobreviver de. Decorrente, mais violência


ACADEMIA PROBLEMÁTICA E OBSCURA

a questionar desde 1721

Dia 12 de Fevereiro Sexta - feira às 22:00h Inauguração da exposição de pintura, intitulada Fragmentos do predicado, de Chona, que pretende focar a analogia de uma “oração” desfragmentada. Expressões de caos sem prenúncio, de sofrimento sem contestação, marcam o quotidiano, na consternação que se agita em espasmos de complacência. Um olhar dialéctico, oblíquo, que reconstrói as coisas sob diferentes ângulos. Chona

Dia 19 de Fevereiro Sexta - feira às 21h30 Palestra sobre Experiência de um Padre Sindicalista, por Constantino Alves. Entrada Livre!

Dia 20 de Fevereiro Sábado às 22:00h Concerto do Grupo João da Ilha. O Grupo João da Ilha apresenta um estilo próprio, integrando várias influências que começam na música Tradicional Portuguesa, passam pelo Jazz, atravessam a Pop, absorvem as Músicas do Mundo, e culminam numa sonoridade acústica, calma e sobretudo viajante! João da Ilha

Entrada 1€

Dia 26 de Fevereiro Sexta - feira às 20h Jantar Cultural sobre A importância da tomada de decisão, com palestra de Fernanda Rodrigues, Mestra em Gestão de Informação. Jantar – 10 Folias (8 Divinus)

Dia 5 de Março Sexta-Feira às 21:30h Palestra sobre A Mulher Autarca, por Graça Andrade. Entrada Livre!

Present Sky, pintura de Chona

ORGANIZAÇÃO:

RUA DEPUTADO HENRIQUE CARDOSO NR 34 , SETÚBAL . http://primafolia.blogspot.com . 96 388 31 43


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