Paradoxo do cotidiano II - Gerson de Sousa - PARTE 6

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Parte

Agradecimentos

Introdução

Justificativa

Metodologia

Capítulo 1 - TV

O desafio de lutar contra o tempo na produção de sentido

Capítulo 2 - TV

A produção de sentido do conhecimento

Capítulo 3 - Rádio

Os incômodos da paixão na prática vivenciada no Jornalismo

Capítulo 4 - Rádio

A subversão da linguagem poética na rotina jornalística

Capítulo 5 - Assessoria

A interrogação do eu provocado na produção de sentido

Capítulo 6 - Assessoria

A narrativa em tempos de consciência histórica

Capítulo 7 - On Line

A tensão da teoria na prática bruta do jornalismo

Capítulo 8 - On Line

Os dilemas da emoção na arte de interpretar a notícia

Capítulo 9 - Impresso

Narrativas da realidade: O gosto pelo Jornalismo

Capítulo 10 - Impresso

A maturidade da liberdade criativa na prática jornalística

Capítulo 11 – Considerações finais

Considerações finais

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Índice

Capítulo 10 - Impresso

Gleide Correa

A maturidade da liberdade criativa na prática jornalística

Osonho de infância de Gleide Correa era ser professora. No período em que tinha os seus 18, 19 anos, o Jornalismo sequer aparecia como possibilidade pra seguir como profissão. Entre o sonho e a realização de ser educadora infantil, 1985, e o término do curso de Comunicação Social, oJornalismo do Centro Universitário de Uberlândia (UNITRI), em 2004, há uma distância de duas décadas. É neste intervalo que o sonho de educadora se dissipa ao ponto de que a narrativa da memória no presente a considere como uma outra vida vivida, distante da atuação como editora de redação do Jornal Correio de Uberlândia.

O relato de Gleide Correa nos permite revisitar o conceito de alternação biográfica empregado pelo sociólogo José de Souza Martins2. O próprio sujeito, ao analisar a história vivida do passado, sente tamanha distância em relação ao presente, que o recoloca como em uma outra vida.

É preciso ter cuidado ao considerar o tema de alternação biográfica para compreender a narrativa de Gleide Corrêa. Primeiro porque, embora a própria entrevistada demonstre esse distanciamento de sentido da realidade, temos de considerar essa alternação como elemento analítico, para entender inclusive determinadas avaliações que percorre as preocupações da entrevistada. Segundo, porque a distância considerada do sujeito sobre si mesmo no passado, não pode ser critério para se desconsiderar que há interligação entre elas e que demarcam inclusive posições no presente. Então a pergunta que se efetiva logo no início é: de que forma a experiência vivida de educadora infantil demarca ou sinaliza elementos que permitem compreender Gleide Correa como profissional do Jornalismo?

Para que se articule essa resposta é preciso apresentar dois fatores históricos que anunciem a experiência vivida pela memória no passado. O primeiro é sobre os desejos vivenciados pela educadora na juventude em outras áreas. E, em seguida, como procedeu o contato com o Jornalismo como produção de sentido. E mais precisamente, quais foram os motivos que a conduziram para a tomada de decisão: vou fazer a graduação no curso de Jornalismo. O principal aspecto nesta análise é considerar como essa distância de duas décadas trouxe para a entrevistada um outro sentido interpretativo de sua própria formação.

É sintomático que em determinado momento da entrevista, a palavra empregada para a consciência de sua formação seja “maturidade”. É visível que ao destacar a maturidade, a entrevistada está deslocando para a experiência vivida como fator primordial a que o sujeito é levado ao conhecimento. A experiência, neste caso, é um termo substantivo. As duas décadas entre uma experiência vivida para outra permitiram problematizar a realidade social. No caso dela, a memória não só desvela como esclarece que o sujeito, mesmo em seu estado de tensão e crise, produziu um valor para os seus enfrentamentos e desafios.

Essa produção de valor nos coloca que se está ao contrário de considerar a experiência como gratuita. Ou se formos mais preciso: a enumeração do tempo de anos não indica, de forma automática, a produção de identidade do sujeito. Apenas que houve passagem de tempo. Neste reducionismo do vivido, o tempo, inutilizado para problematizar a experiência vivida, é deslocado como espaço a ser ocupado pelo sujeito no futuro. Como é possível entender essa distância na narrativa do tempo de memória do sujeito? Pode ser pelos fatores que ele passa a tornar relevante assim como a análise de si mesmo no processo.

Essas considerações demarcam que, para entender a Gleide Correa do presente é preciso compreender sobre os desejos vivenciados pela educadora na juventude em outras áreas. É

necessário nesse momento considerar que a juventude também tem seu aprofundamento na experiência vivida. E é esse mergulho inicial que atravessa a história vivida da entrevistada. Antes de decidir pelo Jornalismo Gleide Correa prestou vestibular para o curso de Letras e, em seguida, para Administração de Empresas. Estava em sua fase inicial da juventude, aos 18 anos. O sentido da memória justifica esses passos como uma tentativa de produzir o sentido da realidade.

Eu fazia um monte de coisa, eu comecei... é, aos 18 anos eu dava aula, na escola de ensino infantil. Então acho que fui levada a fazer Letras por conta das aulas, foi “ah, bom, vou seguir a carreira de magistério, é isso mesmo que eu quero e pronto” mas aí acabou que logo acabei desistindo do curso e acabei desistindo de dar aula. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

Qual o sentimento de você ter de desistir do seu sonho de infância pelo motivo de não encontrar sentido? Num momento anterior, a resposta acima Gleide Correa já havia alertado que a desistência do curso de Letras veio por falta de identificação. E, com a ausência da identificação, dissipa-se também a projeção de prosseguir a carreira na educação infantil. Aos 18 anos, a entrevistada se vê diante do primeiro dilema demarcado em sua história vivida.

Então, quando eu penso assim “ah, porque que eu resolvi fazer jornalismo”, eu não cresci, não fui uma menina que cresceu sonhando “ah, eu quero ser jornalista” coisa que as pessoas, todo mundo sonha “ah, que que você quer ser quando crescer?”. Eu enquanto criança eu queria, sempre quis, ser professora. “Quando você crescer o que você quer ser?”, “Eu vou ser professora”, mas aí essa mudança... (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

Entretanto, veio outra mudança. O principal sintoma em que podemos desvendar no processo de construção de identidade do sujeito vem em tentar compreender como ele vivencia os dilemas da experiência vivida. No caso de ser educadora, Gleide Correa

passa por uma situação de ruptura com o sonho da infância. Não se irá aqui aprofundar de onde surge a opção por ser professora, mas o elemento primordial é que no momento em que desiste, no momento em que não há mais identificação, há o primeiro processo de alternação biográfica. Do sonho de infância, da atuação de ser educadora infantil e do início da graduação em Letras. Todos esses fatores são então colocados a margem para que prossiga novo caminho.

O problema desse novo caminho é que o sujeito precisa sempre, em sua produção de sentido, encontrar no passado outros indicativos que demarquem no horizonte da sua história de vida. Mesmo que seja no horizonte da preocupação metafísica, mas no caso de Gleide Correa essa referência se localiza mais na experiência prática do presente da juventude, sem atribuir fato ao passado. Quando decidiu iniciar e, em seguida, desistir do curso de graduação em Administração de Empresa, Gleide Correa estava em sua primeira experiência em um Jornal.

Aí um ano depois eu já estava trabalhando num jornalzinho que tinha, um jornal aqui de Uberlândia que era aquele informativo comercial e diário, que era só de classificados, e aí... mas também, lá não é jornalismo, né? É um jornal mesmo de anúncio, então a minha função era só atender os clientes, receber os anúncios e passar pro pessoal que fazia a montagem do jornal. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A narrativa da memória de Gleide Correa nos indica que a área de Jornalismo entrou em sua vida como algo inesperado. Mais do que isso: surge no momento em que desiste materialmente de realizar o sonho de ser professora para se estabelecer como nova produção de sentido. E é assim em estado nu, sem as roupas do sonho, que a entrevistada, aos 19 anos, passa a construir essa nova narrativa biográfica. Qual era a sua concepção de Jornalismo? Se por um lado, o ser professora parece que a entrevistada esteja utilizando sua memória individual, por outro, no campo do Jornalismo não pode escapar da memória coletiva, porque é desse

encontro com o inesperado no presente que a leva a conceituar o sentido de algo que sequer tinha compreensão.

Da memória coletiva do passado, as referências precisam se tornar relevantes para produzir sentido no presente. Gleide Correa tinha alguma concepção sobre o Jornalismo quando teve seu primeiro contato com o trabalho? A resposta tem de ser buscada no interior dos dilemas do sujeito.

Eu não sou de Uberlândia. Eu nasci no interior, estudei em escolas de zona rural. Então, a gente não tinha muito essa visão, embora ouvia muito rádio e acompanhava as notícias por meio do rádio porque lá na roça nem TV não tinha, mas eu não tinha muito essa... pra mim assim, era algo que eu nem... ah, alguém tá falando aqui no rádio, está dando as notícias aqui, mas eu não tinha esse conceito, não sabia como que funcionava isso. E aí abandonei de vez a vontade, o sonho de dar aula e fui para o jornalismo. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A experiência do passado tornado relevante é somente como ouvinte em que mais a mídia se efetiva como sujeito do que esse processo de ser receptor. A referência superficial de quem veio e estudou e viveu na área rural está definido por este elemento: não sabia como funcionava isso. Gleide Correa não sabia o conceito de Jornalismo nem na memória coletiva da infância, nem nos primeiros anos em que esteve envolvida com o jornal. Mas uma coisa é taxativa: o movimento da experiência irrompeu com o passado e deslocou para outro horizonte o sonho.

Eu nem lembro mais de querer ser professora, não me arrependo nem um pouco “ai que pena não fui cedo” não, fiz uma escolha que eu não me arrependo dela em nenhum momento, quando eu fui trabalhar com esse jornal e depois em 1999 vim trabalhar no Jornal Correio (de Uberlândia), que também não era na área de jornalismo, mas até então eu não sabia o que é um jornalista, o que o jornalista faz, né, não tinha essa noção, talvez por conta da formação mesmo. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

Esse desconhecimento sobre o sentido da produção jornalística se efetiva como particularidade de Gleide Correa. É no momento em que se relacionará com essa área que sua experiência vivida irá atribuindo sentido. Por um lado, teremos de identificar como se constitui essa produção de sentido na prática da profissão para que somente duas décadas depois estudar sobre o conceito teórico de Jornalismo. Em 1991, a entrevistada passou a ser contratada pelo Jornal Correio de Uberlândia. 3 E embora havia uma relação próxima da redação, a atuação como diagramadora a conduziu para um outro embate sobre o sentido na realidade.

É preciso reconhecer que a decisão da entrevistada em fazer o curso de Jornalismo veio de um momento decisivo em sua vida. Trata-se do período em que o sujeito está diante de um determinado quadro: o trabalho que se faz no presente impossibilita que o eu possa construir uma identidade. Ou se preferirmos: o momento em que o sujeito se descobre que não é sujeito de seu trabalho. Ou que as determinações pelo qual está atuando o redefine por meio da rotina. É neste contexto que a memória coletiva de Gleide Correa demarca na narrativa o ponto de referência que a irá conduzir para o futuro.

Ah, me lembro direitinho assim, eu já estava no jornal já há bastante tempo. Aí eu fiquei, bom, ou eu vou fazer jornalismo e vou virar repórter: porque tudo que eu queria era ser repórter. Ou então vou mudar de ramo, porque não dá pra eu ficar mais a minha vida inteira diagramando jornal. Porque a diagramação ela é legal, mas ela é um processo muito técnico, e ela te permite pouca criatividade. Você tem uma página que você tem que fazer um desenho pra aquela página, mas você tem que respeitar o projeto gráfico do jornal. Então, se é para o factual, não dá muito pra você inovar, pra você “ah, peraí, então vou fazer uma página com uma foto de ponta-cabeça” não, você tem um padrãozinho que você segue, então foi muito dessa vontade de fazer algo diferente, de ter novas perspectivas que eu resolvi fazer jornalismo. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A frase que justifica o motivo que a conduziu para fazer o curso de Comunicação Social – Jornalismo em si já está permeado de crítica. A primeira é de ordem subjetiva: não dá para ficar mais a vida inteira diagramando jornal. Trata-se de um grito para si mesmo. E nessa exteriorização Gleide Correa passa a enfrentar o segundo dilema que era o de ser diagramadora e deixou de ter sentido, passou a ser uma atividade sem identificação. Para se manter no jornalismo, do qual não se efetivou como sonho de infância, a entrevistada passou então a construir esse desejo de se tornar repórter como ponto de projeção. Pois a decisão sobre a própria vida estava neste elemento: “ou me torno repórter ou mudo de profissão”.

Entretanto, temos de medir que a decisão de fazer o curso de jornalismo esteve estruturado nesta proposta de criar perspectivas no campo subjetivo e, porque não, no campo objetivo. A primeira crítica desferida por Gleide Correa ao Jornalismo veio do campo da diagramação. O trabalho em si mesmo é bom. O problema está em que se trata de algo muito técnico. O que implica esse tecnicismo? O termo mais doloroso apresentado pela entrevistada é a perda de criatividade. Se articularmos o conceito de criatividade com o de humanização da diagramação, teríamos de considerar que a crítica que se efetiva está calcada na objetificação. A página do jornal já tem um padrão daquilo que irá se desenhar. O sujeito que a desenha deve distribuir as imagens e os textos nas páginas conforme o projeto gráfico de cada jornal. Desse modo, isso significa seguir um padrão definido.

Em busca dessa nova perspectiva em ser repórter, de encontrar identificação subjetiva e objetiva, Gleide Correa inicia o curso de Jornalismo na Unitri em 2001. E se considerarmos que os acontecimentos passados já a levaram a uma compreensão dos dilemas sobre o que é o Jornalismo, por outro havia o fator idade. Há uma idade ideal para se fazer a primeira graduação? A resposta da entrevistada deixa claro que se fosse ontem, se tivesse iniciado o

curso com 18 anos, possivelmente teria desistido. O ponto forte é você iniciar um curso em que o principal ponto é a maturidade.

Eu costumo dizer que eu entrei na faculdade na época que as pessoas já fizeram doutorado, já fizeram pós doc. e eu estava entrando na faculdade, mas pra mim foi uma época muito boa, eu acho que entrei na hora certa e que tinha que ser mesmo naquela época e foi bem legal.

(Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

Gleide Correa entrou na universidade aos 34 anos. No ritmo rápido em que se está às vistas no tempo atual de fazer a graduação em quatro anos, mestrado em dois e doutorado em três ou quatro anos, a soma da entrevistada está correta. Um jovem que entra na universidade aos 18 e segue toda essa linha acadêmica, aos 28 já terminou o doutorado. E basta somar mais um para o Pós-Doc, que ainda está distante dos 34 anos. Por outro lado, quando Gleide Correa inicia sua formação já não está mais nua dos dilemas de ser jornalista. A experiência vivida e o dilema posto sobre encontrar no Jornalismo uma nova perspectiva de vida a leva a definir um horizonte de formação, que nem sempre o sujeito de 18 anos possui como problema existencial.

A primeira pergunta era sobre esse fator maturidade. Para Gleide Correa, a maturidade se tornou o elemento de força em sua formação? A questão é saber se do aspecto social, coletivo, a idade, esse enfrentamento de geração, se tornou fator positivo ao outro.

Então talvez tenha sido a questão de maturidade mesmo, mas começar uma faculdade aos 34 anos, a idade não foi problema em momento algum, tanto de relacionamento com a turma. Tinha um relacionamento super tranquilo. É claro que tinha divergências como acontece em qualquer ambiente mas o fator idade não influenciou assim, não foi algo que foi mais difícil, não, não teve. Pra mim, acho que a idade ela me deu... eu tinha uma maturidade que eu não tinha aos 19 anos, aos 18 anos, então eu estava muito mais consciente do que eu queria, do que eu precisava fazer e então, pra mim, o meu aproveitamento foi muito melhor. Talvez se eu tivesse feito jornalismo aos 18 anos, eu não teria tido a mesma consciência, o mesmo aprendizado que eu tive

começando aos 34 anos de idade, né? (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A maturidade lhe concedeu ter consciência dos desafios que a levaram no decorrer da formação em Jornalismo. Esse reconhecimento faz com que a entrevistada apresente, por meio da memória, uma primeira análise do que é o conhecimento. O aprendizado não se faz de forma unilateral ou, se preferirmos, colocando a sua história de vida como dissociada do processo educativo. Ainda mais quando a experiência vivida se efetiva como problema teórico e como método para a produção de identidade.

Gleide Correa é enfática ao revelar que em nenhum momento teve alguma indefinição se deveria prosseguir o curso de Comunicação Social – Jornalismo na Unitri. Os semestres lhe possibilitaram reforçar a convicção de que queria ser repórter. Mais precisamente: repórter de impresso. E durante a entrevista, em meios aos risos, ela relembra como essa definição de ser repórter de jornal impresso a conduziu a uma nova realização profissional.

Mas os risos são assim desfeitos em determinado momento em que a realização do presente se defronta com os temores sentidos do passado. A decisão de fazer o curso de Jornalismo, para deixar de ser diagramadora para repórter, redefiniu o sentido da perspectiva do curso. Gleide Correa já tinha conhecimento de como funciona a profissão. Então a expectativa deixa de ser no conflito objetivo, sobre o jornalismo, e passou a ser problema de ordem subjetiva. A frase em que pronuncia “ou sou repórter ou mudo de ramo” ecoou como elemento de problema metodológico e teórico. E, antes da experiência vivida apresentar outros resultados do qual a memória agora testemunha, sobreveio o medo e a insegurança.

Minha expectativa ela foi além do que eu esperava, porque como eu já trabalhava aqui no jornal, então eu já conhecia, já convivia com essa rotina de jornalista e tudo. Mas eu sempre tinha aquele medo, aquela insegurança de assim “se eu vou conseguir”, “será que eu vou dar conta? E aí, a hora que eu estiver lá fazendo uma matéria eu vou

conseguir fazer igual meu colega está fazendo? Não vou dar conta, não vou saber o que perguntar”, aquelas coisas todas e felizmente eu acho que, em função de muito trabalho mesmo, eu sempre digo que as coisas nunca caem de graça pra gente, de estudo mesmo, de batalhar, ir atrás, acho que consegui fazer um trabalho como repórter razoável. Claro, sempre tem muito a melhorar, muito a aprender, mas consegui fazer um trabalho que eu avalio que foi razoável. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

O paradoxo da angústia de Gleide Correa está na incerteza da certeza de sua própria decisão de cursar Jornalismo. A crítica, como diagramadora, de que o projeto gráfico do Jornal impossibilita o processo de criatividade, porque já está definido como padrão. O diagramador executa um trabalho técnico de organização de imagens e textos, sem que consiga efetivar a individualidade neste processo. Para atingir essa individualidade, essa criatividade, a entrevistada decidiu arriscar neste projeto de ser repórter. Mas é justamente no momento em que se posiciona, que o temor de se irá conseguir fazer mesmo o jornalismo lhe tomou de assalto. Poderíamos traduzir a pergunta “será que vou saber o que perguntar ao entrevistado?” como: será que tenho criatividade suficiente para que eu possa ser jornalista? Como se sabe, o desejo de ser nem sempre acompanha o temor de desistir.

Para que esse caminho não fosse levado à desistência era necessário trabalhar, batalhar, ir atrás para atribuir sentido ao aprendizado e o transformar no que se fundou como conhecimento conceitual. Ainda mais quando se compreende que Gleide Correa teve toda a sua formação de Ensino Fundamental e de Ensino Médio na zona rural. Por isso, é que o termo que ela define sua formação teórica é a persistência. E se estendermos a persistência para o relato anterior, chegaríamos a interpretação que a entrevistada precisou ultrapassar os seus próprios limites para que se chegasse a um resultado de formação que ela classifica como razoável. Eis o teor da afirmação: as coisas nunca caem de graça.

“Porque eu acho que tudo que a gente se propõe a fazer, se você não tem persistência e não persegue tudo aquilo, todos os caminhos que precisam ser percorridos, você não vai conseguir ter um bom resultado no final”. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A persistência pode ser localizada como uma resposta à angústia de Gleide Correa no temor de saber se conseguiria realizar o trabalho jornalístico. Talvez soe surpresa para alguns ao rever que, o desafio para a entrevistada não se apresenta de forma prática. A entrevistada já estava acostumada com o processo da redação e apresentava crítica inclusive da rotina com que as coisas se moviam. Se considerarmos este quadro, teríamos então de deslocar que o quadro de preocupação estava mais premente na ordem teórica. A interpretação aqui a ser realizada é que a dúvida teórica nesse processo sobre “o saber o que perguntar ao entrevistado” está mais articulada em uma posição do método, que define o enfoque da entrevista, do que de procedimento de listar perguntas. E não será esse o fator adicional que Gleide Correa busca como atributo de valor para o ser jornalista?

Ao ser questionada sobre a memória de formação teórica de quais disciplinas a marcou ela faz esse contraponto entre o desvelar da teoria e as da prática, esta última com quem já havia produzido uma leitura por meio da experiência vivida. A questão apresentada para a entrevistada é se tem alguma disciplina que a marcou em sua graduação. A resposta vem em tom de esclarecimento:

Das disciplinas que mais, que assim, que eu me lembro, talvez pelo contexto, pelo professor, por tudo, era a disciplina de Realidade Política, que era um tema que acabava que a gente tinha boas discussões, bons debates. Que isso eu acho que fez uma diferença na minha formação que a gente acaba que faz uma discussão mais ampla, mais geral. As disciplinas mais práticas, por exemplo, as disciplinas de rádio, as disciplinas de telejornalismo e mesmo de impresso, claro que elas agregavam mas era algo que eu já estava mais familiarizada, por trabalhar no jornal já há bastante tempo. Eu já tinha uma certa familiaridade porque também já convivia com pessoas que

trabalhavam em TV, em rádio. Então elas não foram assim algo desconhecido pra mim. Como eu já tinha bem essa familiaridade, claro que elas sempre acrescentam, mas não foram algo assim “nooossa, então é assim que faz TV, é assim que faz rádio”, não, eu já tinha essa noção. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

As boas discussões, os bons debates são pontos essenciais para dirimir as dúvidas e ir se afirmando neste processo de construção de identidade. São esses pontos que qualificaram a formação de Gleide Correa e reverbera como imprescindível para responder sua principal indagação: “saber o que perguntar”. Uma olhar pouco mais profundo sobre essa indagação nos levaria a afirmar que o tema da Realidade Política lhe possibilitou não só saber o que perguntar, mas de qual lugar do conhecimento se efetiva a realização da pergunta.

Poderia recair numa armadilha em considerar que somente as boas discussões seriam suficientes para esse processo de aprendizado. Entretanto, as indagações de Gleide Correa nos impulsiona para outro posicionamento que nos permite entender outra dimensão do que consiste estudar com persistência. Se a memória coletiva elege a disciplina Realidade Política como referência, a entrevistada entoa que se trata de exceção. Eis o tom que percorre a resposta sobre a análise de sua formação teórica. E então se dispara o questionamento: você considera que a forma como é trabalhado o ensino em jornalismo possibilita ter uma construção crítica?

Não, não, ela não possibilita a formação teórica, eu não posso dizer de outras faculdades porque eu não conheço a grade curricular delas, mas a formação da Unitri deixa bastante a desejar. Se a gente não complementa isso, você realmente sai com muita deficiência, muita mesmo. Então quem ficar só na grade curricular vai ter mais dificuldade quando chegar no mercado de trabalho, porque não tem esse embasamento. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A preocupação latente de Gleide Correa está em quem irá para o mercado de trabalho sem ter o conhecimento teórico suficiente. É o que está premente em ter mais dificuldade quando tiver de ir para a realidade social. Ou terá dificuldade sobre o que perguntar ao outro. E assim a entrevistada relata que participou de um grupo de estudos que passou a questionar e exigir questões mais profundas nas aulas teóricas. E uma delas, da qual menciona, é da disciplina de Teorias da Comunicação. Ao se recordar das aulas, a memória desvela o movimento que o sujeito fez no passado para se tornar sujeito.

Então, ela precisava, em Teoria da Comunicação... a gente estava muito, muito superficial, sabe? Tinha pontos que a gente precisava e que poderia ter sido melhor aprofundado e que a gente fez isso em separado, pra poder ter essa, esse ganho mais de conhecimento, de aprendizado. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A orientação subjetiva diante do quadro da sua história de vida era buscar complemento para suprir também as deficiências de formação de Ensinos Fundamental e Médio. E quando o sujeito toma consciência dos seus próprios limites ele faz um movimento dialético para que consiga compreender a realidade social. A solução encontrada por Gleide Correa, ao revisitar pela memória, é recorrer aos próprios sujeitos professores para que indicasse de onde retirar determinadas concepções que a levariam ao conhecimento.

Eu fui atrás dos próprios professores pra que eles me dessem caminhos. Peraí olha isso aqui pra mim, onde mais eu posso aprofundar as coisas sobre esse assunto? Porque eu preciso saber mais sobre isso. Sem entrar na questão “ah, o que você tá me ensinando aqui tá pouco” não, eu preciso de mais. E aí fui buscando. A gente tinha um grupo de estudos, que a gente estudava muito juntos e a gente buscava isso sabe? Aí acabava que um ia ajudando o outro e a gente lia, fazia as resenhas, compartilhava tudo pra poder conseguir superar, suprir essa carência que a gente encontrava nas disciplinas. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A insistência em desenvolver esses parágrafos sobre os dilemas teóricos de Gleide Correa está sustentado em dois fatos primordiais. O primeiro é que a experiência vivida lhe possibilitou considerar que a parte prática na universidade foi boa, a partir das orientações dos professores, mas não causou surpresa. O segundo é que toda essa crítica que se efetiva no ensino teórico da universidade está alicerçada nesta busca subjetiva, que toma corpo coletivo no grupo de estudos, de aprender para saber o que perguntar. E mais uma vez, temos de esclarecer que é na prática onde nasce o problema teórico conceitual de Gleide Correa.

Ao ser indagada para narrar algum fato que tenha se defrontado, como repórter, com sua deficiência, a entrevistada cita a área Política. Hoje a memória revela que naquele momento do passado não estava pronta para que pudesse pegar qualquer matéria.

Eu me lembro que no meu primeiro mês que eu estava no jornal eu fui cobrir a câmara e era um assunto que eu não estava totalmente familiarizada. E aí assim, eu tinha todo o suporte do editor, que me orientava e me conduzia, “deve ser discutido isso e isso, você precisa ficar atenta a isso e isso”. Não vou me lembrar, isso foi em 2005, não vou me lembrar o que exatamente, nem qual era a sessão do mês, mas lembro que era o mês de março, mas… Enfim, eu não podia simplesmente pegar a pauta aqui e ir pra lá sozinha, sem essa orientação, que eu ia ter certamente muito mais dificuldade. Muito mais. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

E a outra pergunta se torna inevitável: qual é esse sentimento que toma força no sujeito que está no mercado de trabalho e toma consciência de que não está preparado para a atividade que irá fazer naquele momento?

Nossa isso é péssimo. Você pensa assim “caramba, onde que foi que eu errei? Onde que eu esqueci de prestar atenção nisso?” Isso acontece. Ia e voltava e o editor fazia uma perguntinha básica? “Opa, peraí, esqueci, isso eu não sei”. Então aí você fala “caramba, isso eu deixei passar”. Isso acontece. Isso aconteceu já. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A revelação do testemunho assim se materializa com os dilemas da prática. Num primeiro momento, a memória de Gleide Correa efetiva a disciplina de Realidade Política como referência de sua formação. E justifica que se recorda porque aconteceram nas aulas boas discussões que se traduziram em conhecimento diante de seu aprendizado sobre Jornalismo. Mas com mesmo ímpeto, a memória eleva para a superfície da consciência também outro fator decisivo: a cobertura de política em que o eu, de repórter, esteve totalmente dimensionado ao conhecimento do editor. Sem a orientação dele, a entrevistada ficaria completamente perdida. E esse sentimento de se descobrir despreparada diante de uma profissão que exige responsabilidade social, ela traduz como péssimo.

Existe alguma ligação entre esses dois pontos para serem estabelecidos de ordem hierárquica como referência na construção

de identidade do sujeito por meio da memória? A resposta parece atravessar a preocupação da prática. Os indicativos já tornam precisos. Gleide Correa tem consciência de que sua formação escolar inicial tem problemas de ordem teórica. E quando decidiu optar por fazer o jornalismo estava diante deste quadro, em que a universidade se apresenta como o espaço e tempo para lhe dar essa base. Mas os dilemas na universidade também a remeteram para um caminho preciso: é preciso fazer com que o conhecimento atinja o mesmo patamar de esclarecimento das disciplinas como Realidade Política para que o sujeito jornalista não atravesse o péssimo sentimento de se descobrir despreparado.

Mas em determinado momento a entrevistada relativiza essa missão teórica da universidade para deslocar para outra ponta: é o mercado que tem essa missão de formar o jornalista. É claro que aqui a entrevistada está distante de afirmar que Teoria é desnecessária. A teoria é importante para saber o que perguntar. E é por isso que ela remete a importância do estágio. Diante deste quadro de dilema que é importante entender qual a concepção de Jornalismo formulado por Gleide Correa neste paradoxo instaurado entre a teoria e a prática da academia e do mercado. A resposta caminha no sentido de desvelar o sentido produzido depois de anos de profissão.

Pra mim jornalismo é a profissão mais apaixonante do mundo. Mais estressante, mais cansativa, mais mal remunerada, mas, é a mais gratificante. Sabe, é onde ela te permite a contar as histórias e principalmente a ter um olhar. Porque assim, a gente é muito privilegiado porque a gente está no meio dos acontecimentos na hora em que eles estão acontecendo. Então isso pra mim não tem… Eu não vejo nenhuma profissão que te dá essa oportunidade e que exige que você esteja atento pra ver todos os lados daquela notícia, daquele fato, daquele acontecimento. Então eu defino isso. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

Esse é o sentido encontrado por Gleide Correa em contraponto ao padrão, o cerceamento da criatividade identificado pela estrutura do

projeto gráfico durante o seu trabalho como diagramadora. Ser jornalista é ser um sujeito privilegiado por estar no meio dos acontecimentos no momento em que eles estão acontecendo. E este movimento exige atenção que as histórias a serem narradas ao público estejam devidamente efetivadas por esse olhar. Ao contrário da estrutura do projeto gráfico, a responsabilidade do jornalismo está estabelecida de que o aprendizado é todo dia. Por isso a prática é uma formadora.

A partir do momento que você acha assim “não, pronto, eu já sei tudo” é porque tem uma coisa muito errada. Você nunca sabe muito, nunca. Então desde uma abordagem diferente que eu posso fazer, o desafio do jornalismo é justamente esse, é você pensar na mesma pauta, mas com um gancho diferente. “O que eu posso fazer diferente? O que eu posso fazer de melhor?” Então é esse aprendizado, essa formação ela é contínua. Não dá pra parar “ah, não, já tem dez anos, então ó, posso cruzar o braço que já sei tudo”. Nunca. Aprendo todo dia com esses meninos novos que tão chegando aí. Então é essa luta diária.

(Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

O desafio do jornalismo que a levou a formular a pergunta: “O que eu posso fazer diferente? O que eu posso fazer de melhor?” é a saída encontrada por Gleide Correa para transformar o negativo da angústia do passado em positivo estímulo para viver o presente. Trata-se de como o sujeito em meio a esse processo de produção de sentido consegue em um período de duas décadas, ir atravessando seus dilemas em meio a tensão e conflitos. Aprende-se quando está na rua entrevistando. E quando se é editor, aprende-se com os novos estagiários que estão enfrentando os dilemas da rua.

Poderia se objetar aqui que a tensão desvelada a todo momento até aqui de Gleide Correa está somente na ordem subjetiva. E esta objeção tem sim razão. E também uma justificativa: fomos levados para essa ordem subjetiva no momento em que a entrevistada recorre para suprir as carências teóricas de sua formação, sem que nos levasse a discutir sobre as disciplinas técnicas. Ao afirmar a

narrativa por esse caminho, chegamos então em outro lugar que exige a retomada da articulação do subjetivo e o objetivo.

E o problema tem de ser apresentado sem rodeios: o repórter, ao contrário do diagramador, é livre para materializar os seus desejos e criatividade no exercício da profissão? Não teria também o repórter que se recorrer a uma estrutura já definida sobre o que é notícia, ao manual de redação, em que a liberdade voltaria a ser dimensionada por outras questões? E em que medida essa liberdade do sujeito que escreve pode ser dissociada da ideologia da empresa que o contrata?

É com esse teor que a entrevista perpassa agora para o debate objetivo, a ter início com o principal dilema: se o ponto importante de ser jornalista é contar histórias, é preciso entender qual dimensão de história perpassa pelo conhecimento da entrevistada. E em que medida ao ser desvelada a determinação daquilo que se escreve, de que forma essa concepção de Jornalismo pode sofrer abalo no futuro. Para isso é necessário revisitarmos a concepção de Jornalismo exteriorizada por Gleide Correa. Pois se por um lado, há o elemento dito positivo, “Jornalismo é a profissão mais apaixonante do mundo”, há o dito negativo: “Jornalismo é a profissão mais estressante, mais cansativa, mais mal remunerada”. Se atentarmos para o negativo atravessado pela entrevistada, entendemos que se trata de elementos objetivos na qual o sujeito se defronta em conflito e estado de tensão.

Essa identificação estabelece outro peso para o fator que será discutido a partir daqui. O debate é que ao considerar que o jornalista está sempre em um local privilegiado para narrar, qual a consequência de esta narrativa ser submetida à determinação econômica e ideológica da empresa? A resposta a essas interrogações agora são deslocadas para a análise de Gleide Correa. A construção da pergunta perpassa pelos três fatores importantes. O primeiro: o repórter sabe pra quem ele escreve? E ele escreve pra o leitor, ele tem essa dimensão do leitor? Segundo fator: Ou escreve

às vezes muito mais pro seu ego, pro seu posicionamento? Terceiro fator: Ou ele escreve muito mais pra ideologia da empresa onde ele está?

É claro que o que mais marca é a linha editorial da empresa. Não tem jeito. Por mais que eu queira escrever de uma determinada forma, mas eu vou ter que seguir a linha editorial da empresa, não tem jeito. Então isso, se for pra pesar esses fatores, primeiramente é a linha editorial da empresa. Não tem como fugir dela. Não adianta eu querer fazer uma matéria criticando o governo Dilma, se a minha empresa é mais aliada ao governo Dilma, não vai permitir isso. Então, esquece, isso não vai acontecer. Então, primeiramente eu tenho que seguir a linha editorial da empresa. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A resposta da entrevistada demarca o primeiro sentido hierárquico para a qualificadora objetiva da produção jornalística.

o momento em que a liberdade subscrita na criatividade do jornalista é posta em confronto com a estrutura de determinação do Jornalismo. É preciso seguir a linha editorial da empresa. Embora essa afirmativa seja plausível, por se tratar de uma empresa que possui como meta a obtenção de lucros, o fato importante é considerar qual a intensidade atinge e redefine o sujeito jornalista. Pois embora se trata de empresa, o jornalista produz matéria para o público, como se pode perceber pela defesa de Gleide Correa. E, assim, surpreende a continuidade da resposta de Gleide Correa. Na ordem hierárquica, ela analisa e problematiza que o público vem depois da ideologia da empresa e do ego do jornalista.

Tirando a linha editorial, muitas vezes o repórter esquece que ele está escrevendo pro leitor. Ele escreve muito mais pra ele, pra seus pares, do que para o leitor. Porque quando você está escrevendo pro leitor, você tem que perguntar “e eu com isso?”, “o que isso tem a ver? E aí, o que isso vai me interessar?”, né? Se colocar no lugar do leitor pra saber “e aí, o que isso que você está dizendo aqui me interessa?”. Então, às vezes, ele esquece um pouco disso. Por isso às vezes falta um pouco de aprofundamento, um pouco de apuração, na hora de você ir pra sua matéria, pra sua pauta, pra que você possa entregar mais pro seu leitor,

É

entregar mais algo que interessa a ele e não simplesmente um registrozinho do factual. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

“Muitas vezes o repórter esquece que ele está escrevendo pro leitor”. Quais as implicações para se pensar o sentido do Jornalismo ao considerar esse esquecimento do leitor? A frase em cima já funda um problema teórico para conceituar o jornalismo. E esse problema tem duas agravantes que se torna necessário levar em conta na análise. Primeiro, é porque é o momento da narrativa em que Gleide Correa reúne os seus conhecimentos teóricos e instaura um problema justamente na prática, lugar fundante em que defende como lugar da construção crítica do jornalista. Para quem considera que o constante aprendizado se efetiva na prática, considerar o esquecimento do leitor é sintomático.

A segunda agravante é que temos de revisitar o conceito de Jornalismo formulado por Gleide Correa para realizar o enfrentamento da frase. O termo gratificante que ela utiliza para demarcar o que é o Jornalismo está diretamente vinculada a essa possibilidade de estar em uma profissão que “permite contar as histórias e principalmente a ter um olhar”. Há uma distância entre contar as histórias a partir dos diversos olhares em contraponto ao fazer “simplesmente um registrozinho do factual”. E o sentido desta agravante está justamente em compreender esse estado de enfrentamento entre o cotidiano e a rotina da produção jornalística. Se muitas vezes ele esquece, podemos considerar que há outros momentos em que o jornalista lembra do leitor como referência.

A diferença entre o cotidiano e a rotina da produção jornalística pode ser entendida assim nesta concepção teórica. O jornalista quando estiver naquele momento privilegiado precisa pensar para além de si, da ideologia da empresa, e do simples registro do factual. Ele precisa tomar consciência de que sua responsabilidade social tem de ser materializada em sua projeção e identificação com o público. As perguntas a serem formuladas pelo jornalista, e apresentadas por Gleide Correa, parecem, num primeiro momento,

soar como da ordem subjetiva do jornalista: “e eu com isso?”, “o que isso tem a ver? E aí, o que isso vai me interessar?” Mas quando a entrevistada se posiciona de que é necessário o jornalista se colocar no lugar do leitor, para se alcançar a profundidade do saber, ela aposta no interesse público.

Eis aqui a primeira resultante do enfrentamento do sujeito jornalista em meio a determinação econômica. Mas o segundo problema, para além do esquecimento do público, é que o jornalista só lembra de escrever para si mesmo e para os seus pares. As consequências desse procedimento podem ser sentidas no complemento da frase de Gleide Correa: problemas de apuração, falta de aprofundamento, um registrozinho do factual.

Se as perguntas com interesse do leitor não são formuladas pelo jornalista, é porque ele não está cumprindo com o seu papel de ser jornalista. Ao ser indagada sobre o dia a dia de um jornalista, Gleide Correa defende que para se estar preparado para a profissão é preciso ter alguns procedimentos: ler os principais jornais do dia, preparar e estudar a pauta, entender os dilemas e verificar as angulações e produzir entrevista e texto tendo como referência o leitor. Mas nem sempre este caminho é cumprido. E aqui está a instauração da rotina no jornalismo.

Aí você pode me perguntar “mas isso acontece todos os dias?”. Não, infelizmente a maioria dos profissionais, não sei se por tempo ou porque, eles não fazem muito essa tarefinha de casa de ler, de saber que que está acontecendo, de estudar a pauta dele. Infelizmente isso não acontece, mas era o que devia acontecer. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

Infelizmente isso não acontece no dia a dia. Temos aqui um referencial suficiente para caminharmos para o outro debate: o sentido do valor histórico do jornalismo diante deste estado de conflito da determinação econômica e do questionamento da pragmática da atuação do jornalista, na ordem subjetiva. A

pergunta chave desta pesquisa então se exterioriza: Você considera que o Jornalismo tem um valor histórico e por quê?

Claro, ele tem valor histórico, porque é por meio do Jornalismo que a gente descobre, que a gente tem o registro de vários acontecimentos importantes que vão ficar aí marcados ou que já marcaram pra sempre. É preciso ter um cuidado de não achar que o Jornalismo é o quarto poder, como muita gente acha. Não. O jornalismo tem a simples função de mostrar os fatos, perseguir a verdade dos fatos a qualquer custo, e mostrar todos os lados. Se a gente for pegar pela história tem muita coisa aí mostrando, até na história atual recente que é contada pelo jornalismo. O jornalismo que vai lá, registra e mostra tudo isso.

(Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

Ao elencar o registro do fato como fator importante, a primeira indagação é se há um reducionismo aqui referente ao processo de produção jornalística. O segundo é sobre a distinção entre acontecimentos importantes que ficam marcados no registro do jornal e, em seguida, se torna história. Mas o mais importante é retornarmos para o estado de tensão e conflito da rotina jornalística e sobre o “muitas vezes” do esquecimento do leitor para indagarmos: será que o repórter tem consciência, no momento em que ele está produzindo a matéria, de que aquilo que ele escreve é histórico? No primeiro momento Gleide Correa retorna com uma afirmativa quase em tom interrogativo. “Ele, pelo menos, deveria ter essa consciência. É difícil falar assim ‘ah, todos os jornalistas têm consciência’, não sei.” (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

Mas o prosseguimento a conduz novamente para o valor da história da mídia para o registro.

A minha impressão é que na maior parte das vezes sim. Que ele tem essa consciência, porque ele sabe que aquilo que ele está escrevendo ali vai ficar registrado pra sempre. Que ali não vai acabar. Não vai acabar. Sempre, se você faz uma coisa, você descobre, tem um furo de reportagem bacana, aquilo ali vai ficar pra sempre, sempre, sempre, sempre, daqui 20, 30 anos, olha “essa história começou com a

reportagem de fulano de tal, que descobriu isso e isso e isso”. Então vai ser lembrado. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

A demarcação de que ele está escrevendo e ali vai ficar registrado nos obriga a fazer uma análise direta da crítica desferida por Gleide Correa sobre a necessidade de ir além do registrozinho do factual. E em meio ao contexto é preciso questionar se o valor histórico do Jornalismo está enquanto registro ou enquanto construção crítica. O que realmente efetiva o jornalismo enquanto histórico? Seria realmente o fato de que há 10 anos alguém possa tomar o documento? Ou podemos considerar que é o fato de que eu tenho consciência e escrevo uma matéria de certa forma que me leve a uma construção crítica sobre determinado tema?

Diante desse novo dilema, a entrevistada vai para o cerne das mudanças que podem ser provocadas pelo Jornalismo para além do registro.

O Jornalismo, por conta de matérias que foram veiculadas, ele provoca mudanças, então ele tem um valor crítico. Ele serviu para uma construção crítica. Ou que não provocou uma mudança, mas que levou a um debate, quando você pega por exemplo uma matéria, sei lá, que virou tema da redação do Enem, por exemplo. Tem um valor crítico grande aí, porque ou ela provocou uma mudança ou, no mínimo, ela suscitou uma discussão. Então pra mim isso é um valor crítico. Claro que tem o registro também, né, porque vai ficar o registro ali, mas eu analiso mais nessa questão desse registro crítico. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

O Jornalismo tem de ser analisado pelo seu valor crítico para entender esse sentido histórico. E que vai além do registro. Contudo, é possível identificar que as afirmativas não podem ser simplesmente enunciadas por uma concepção ideal sem que você recorra ao conflito instaurado na rotina do produzir o Jornalismo. E com esta complexidade no caminho de respostas, se define um último contraponto para esse sentido histórico. E assim temos de retornar a ideologia da empresa, ou mais ao ego do jornalismo,

tendo o público como última referência, para indagar: que tipo de história o jornalismo está narrando? A resposta tem de ser buscada neste contexto de tensão.

Nós muitas vezes… Porque assim, não dá pra você distanciar a linha da empresa. Não dá. Então assim, a gente está contando aquilo que a empresa nos permite contar,mas mesmo quando falta um pouco de aprofundamento, mas a gente está contando um fato real e sem deturpar. Isso, assim, eu falo claramente do Jornal Correio, a gente está contando a história como ela realmente acontece. Né, eu posso às vezes não noticiar um fato? Sim, as vezes eu vou não noticiar, porque a empresa assim quer. Mas eu jamais vou deturpar aquele fato “ah, eu vou contar que aconteceu dessa forma, mas aconteceu de outro jeito”, não… Eu tenho que relatar ele da forma como realmente acontece. (Entrevista, Gleide CORREA, Nov. 2015)

Os dilemas para a produção jornalística estão delineados na narrativa de Gleide Correa. Da dissolução do sonho de infância de ser professora, o Jornalismo surgiu primeiro por acidente e depois pelo desejo de ser repórter. A experiência vivida na prática da redação a conduziu para os contrapontos de ser sujeito jornalista. Por um lado, a estudante da zona rural passou a descobrir formas para aprofundar o conhecimento da realidade social diante dos limites da formação teórica universitária. Por outro, os conflitos para transpor os obstáculos da criatividade em ser diagramadora a levou a ter consciência da determinação na qual a produção jornalística está enredada pela ideologia da empresa. E tudo isso diante do seu conceito de que o valor maior de ser jornalista é este contar história, esse estar em um local privilegiado do qual nenhuma outra profissão possibilita.

Mas o esquecimento do leitor como referência é a turbulência da qual não se pode fugir ao enfrentamento do ser jornalista. Primeiro porque Gleide Correa estabelece a importância do trabalho do jornalista em levar esses fatos escondidos para a sociedade. Segundo, porque sem essa referência, o jornalismo está fadado a produzir matérias superficiais. Isso porque já parte-se do

pressuposto de que a narrativa histórica do jornalismo está diretamente vinculada àquilo que a empresa nos permite contar. Diante desse quadro problemático, a entrevistada explica que há uma diferença entre o deixar de contar e o deturpar o fato.

Essa diferença exteriorizada, longe de encerrar, somente agudiza o enfrentamento da determinação. Para que não seja objetificado pela estrutura, uma das alternativas parece estar na mudança de concepção teórica. E isso não pode ser realizado de vez em quando, mas todos os dias, da mesma forma que o estudo da pauta. É preciso restaurar o sentido do cotidiano, em meio a mecânica da rotina, para que a produção de sentido do leitor esteja como referência sobre de qual lugar nasce as indagações epistemológicas do sujeito jornalista. Assim, o Jornalismo quando não está reduzido ao registro factual, deve possibilitar um olhar crítico sobre a realidade para a produção do conhecimento. E só assim terá condições de olhar para o que produz como notícia e com o tempo poder analisar qual o significado que a produção jornalística está edificando como sentido da história.

Entre a liberdade para a criatividade subjetiva do jornalista e a determinação econômica da ideologia da empresa no jornalismo existe o conflito dialético. Gleide Correa testemunha que é imprescindível não deturpar o fato. Mas o valor da história exige outras indagações: quem terá condições de retomar o não dito pelo jornalista no cotidiano? Quem poderá ressignificar o outro olhar do fato, quando o jornalista esquecer do público? A pergunta e a resposta estão redefinidas na complexidade da experiência vivida de Gleide Correa, mas agora não se trata de colocar para si mesmo como um ultimato: ou o jornalismo ou mudo de ramo. É preciso ter maturidade para se atingir essa profundidade do dilema da profissão, para poder reconhecer na estressante rotina da produção jornalística o que significa de fato essa paixão que se transfigura no cotidiano da identidade do sujeito jornalista.

2 Martins, José de Souza. A aparição do demônio na fábrica: origens sociais do Eu dividido no subúrbio operário. São Paulo: Ed. 34, 2008.

3 O Jornal Correio de Uberlândia encerrou suas atividades em 31 de dezembro de 2016.

Capítulo 11 – Considerações finais

Considerações finais

Considerações finais

resultado deste livro pode ser destacado em quatro vertentes para entendermos o processo. A primeira vertente está inscrita no seguinte questionamento: em que momento da sua história de vida tomou a decisão de fazer o curso de jornalismo? O problema inicial conduz o entrevistado para o tempo da infância e da sua formação e principalmente os impasses para definir qual o curso iria entrar na graduação. As respostas mostram que boa parte dos 10 entrevistados só optaram pelo Jornalismo a partir da segunda ou terceira desistência de outro curso. E que direcionaram as ambições frustradas de outros cursos para a principal preocupação de estar formado em Jornalismo. Esse relato identifica o processo seletivo de valor que os sujeitos mergulham no tempo e no espaço universitário, em que os conflitos iniciais afluem como ingredientes para a produção de sentido acadêmico.

A segunda vertente está na memória de formação teórica. O que você recorda das aulas teóricas e das disciplinas práticas? Qual o olhar que se tem do mercado quando se está no processo de formação acadêmica? Essa questão levou os entrevistados a relatarem que a base conceitual não é o ponto forte das universidades enquanto sistematização de conhecimento. As lembranças percorrem um ou outro professor, mas pouco para efetivar a consistência de formação como pesquisador. Também as disciplinas práticas são denunciadas como mero produto de adaptação de mercado. Os testemunhos dos entrevistados revelam que trata-se de uma necessidade, pois a universidade deve preparar o aluno para o mercado de trabalho, no entanto as demarcações dessas aulas revelam que trata-se de contingência de reforço, no sentido behaviorista de comportamento, do que exercício prático que remete ao pensamento crítico da realidade. A prática em nome do mercado se esfacela no primeiro confronto do discente ao espaço que busca se readequar. Por isso, esse

O

relato vem mergulhado entre o desejo de querer mais prática, como se o despreparo fosse sempre considerado como insuficiente diante dos exercícios de reforço. A crítica que se pode efetivar a esse entendimento narrado pelos entrevistados é que há uma confusão entre o tempo acadêmico e o tempo do mercado de trabalho. Tem‑se a impressão de que se busca uma uniformização do tempo que poderia ser mais prejudicial do que levar a um aspecto construtivo do ser sujeito.

A terceira vertente está no ingresso do formando ou da atividade prática no mercado de trabalho. A questão de fundo: o mercado realmente forma o sujeito? Os dilemas dos entrevistados mostram um paradoxo: os primeiros anos levam a reconhecer que a contingência de reforço das disciplinas práticas dão pouca base para o percurso que ora se inicia. Porém, essa revelação se faz materializada no editor, ou mais precisamente, na figura que toma outra autoridade em substituição ao papel do docente. A crítica remetida ao diagnóstico fundado pelo editor é o elemento crucial que direciona a preocupação profissional do sujeito. É neste processo que o entrevistado reelabora sua proposta de vida, a partir dos traços em vermelho das correções, dos comentários do que falta em sua potencialidade para atingir o que se vislumbra como jornalismo. As entrevistas revelam que a superação a esse caminho está ora no entendimento funcional do trabalho do jornalista, ora na procura de reconstruir, e agora com novo olhar, a formação teórica na especialização. Mesmo nesta via há um paradoxo: A rotina e o sempre novo se tornam discursos para produzir sentido na vida que não escapam de uma colisão no presente. A rotina decreta em determinado momento que a exigência na quantidade de pautas e na velocidade da escrita levam a uma despersonalização ao ponto de não se reconhecer nas matérias. Sabe-se que não se escreve livremente. E o que predomina mais neste aspecto é a ideologia da empresa. Em segundo, o sujeito se refugia em sua autoestima quando revela

que escreve para se satisfazer os seus percursos teóricos e de conhecimento. A fragilidade está quando se exige a identificação do público com a pergunta: para quem se escreve? É neste momento em que a responsabilidade social do jornalismo se torna um problema a enfrentar na realidade, pois este aspecto revelador leva a outro ponto que tratarei na próxima vertente. Para fechar esse quadro, estamos diante do discurso do novo. O prazer de ser jornalista é que a cada dia se tem um entrevistado diferente, uma situação diferente e, porque não, uma emoção diferente por dia. O termo matar um leão por dia mostra esse inigualável momento em que o preenchimento das atividades do dia tem início com a incógnita de como se chegará ao fim da tarde. A quarta vertente tem peso complexo. A produção do jornalismo pode ter atribuído em seu sentido o status de história? Primeiramente, é necessário efetivar aqui a defesa da produção de sentido do jornalismo. Por meio do método de análise cultural e da teoria dos Estudos Culturais ingleses, a defesa é que o sujeito esteja com consciência de seu destino histórico quando efetiva uma parte do processo comunicativo. Mas as indagações no percurso do pensamento durante as respostas de nossos entrevistados demarcam que seja pela rotina, seja pela distração do novo, o jornalista poucas vezes tem consciência de que, no momento em que escreve o texto, está efetivando uma leitura histórica fundante para o seu tempo. O impasse está exatamente neste elemento: é possível remeter a produção do sujeito jornalista como história sem que ele tenha consciência de se estar fazendo história? Seria o jornal tornado história somente pela plataforma e por estar em um tempo distante da data do fato registrado? As respostas indicam que o jornalismo é história, mas os jornalistas não tem consciência de história. E ao considerar esse dilema vem outro problema: que tipo de história está sendo narrada pelo jornalismo, quando se perde o vínculo com o social em que ele está inserido?

A tônica das respostas é que a história que vem sendo narrada pelo Jornalismo é o da ideologia da empresa, ou aquilo que a empresa deseja deixar como dito ou visto. E aqui está uma parte do dilema existencial do sujeito jornalista: lutar para transformar uma realidade para que o jornalismo possa chegar ao outro, ao leitor, sem que este seja reduzido a mero consumidor de produto. Portanto, trata-se de uma luta pela Comunicação em seu processo. A lógica perversa deste processo está no diagnóstico de que com o tempo, o jornal será um documento histórico. Mas que histórias as novas gerações irão tomar como sentido dominante em sua leitura no futuro? E será que essas pessoas têm condições para escavar o solo conteudista e mergulhar nas disputas da redação e do social para entender a notícia para além do seu padrão informativo?

O principal aspecto da construção deste livro está em reconhecer os dilemas e os impasses que definem a construção da identidade do jornalista. É preciso dimensionar a força dos embates para se atingir um fundamento teórico: compreender pelo mundo da vida a importância de defender o processo comunicativo e o sujeito como produtores de sentido. O fator analisado não é situar a sociedade da informação, mas descobrir os caminhos desses sujeitos, que em determinado momento da história de sua vida passa a se denominar como jornalista, e por consequência passa a produzir sentidos em comunicação que permitem narrar a história micro e macro do país. A análise cultural leva a um redimensionamento histórico para pensar a própria atividade jornalística. Este livro é um trabalho sobre o jornalismo, mas sustentado na dialética de que a experiência vivida e a cultura, em que esses sujeitos se constroem no cotidiano, definem o movimento cíclico que denominamos conceitualmente de comunicação. A resultante de todo esse processo de entrevista como diálogo está em considerar, em seu profundo paradoxo, que há outros dilemas no sentido da

formação teórica e da praticidade do mercado que necessitam ser debatidos, a partir da análise da reformulação das estruturas curriculares dos cursos de jornalismo.

Este livro tem como compromisso social contribuir para a análise sobre a formação do jornalista e as implicações da cultura na produção de sentido da realidade no contexto denominado de pós-modernidade. Ao definir e entender essa responsabilidade social, as análises permitem identificar a responsabilidade do debate político-pedagógico das diretrizes do jornalismo. E, ao mesmo tempo, como a definição de caminhos pelas universidades estabelecem mais do que adequações à tecnologia ou de trocas simples de disciplinas: o que se efetiva é a construção da identidade do jornalista. Desse modo, o resultado deste livro tem pretensão de contribuir para a análise dialética da experiência vivida de homens e mulheres no cotidiano da Comunicação. Espera-se que as análises realizadas contextualmente, por meio dos Estudos Culturais, possam auxiliar na discussão dos rumos da formação do jornalista e da importância da formação teórica cultural para se efetivar o processo comunicativo.

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Table of Contents

1. Agradecimentos

2. Introdução

3. Justificativa

4. Metodologia

5. Capítulo 1 - TV

1. O desafio de lutar contra o tempo na produção de sentido

6. Capítulo 2 - TV

1. A produção de sentido do conhecimento

7. Capítulo 3 - Rádio

1. Os incômodos da paixão na prática vivenciada no Jornalismo

8. Capítulo 4 - Rádio

1. A subversão da linguagem poética na rotina jornalística

9. Capítulo 5 - Assessoria

1. A interrogação do eu provocado na produção de sentido

10. Capítulo 6 - Assessoria

1. A narrativa em tempos de consciência histórica

11. Capítulo 7 - On Line

1. A tensão da teoria na prática bruta do jornalismo

12. Capítulo 8 - On Line

1. Os dilemas da emoção na arte de interpretar a notícia

13. Capítulo 9 - Impresso

1. Narrativas da realidade: O gosto pelo Jornalismo

14. Capítulo 10 - Impresso

1. A maturidade da liberdade criativa na prática jornalística

15. Capítulo 11 – Considerações finais

1. Considerações finais

16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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