Almanautica 24

Page 11

Paralímpicos e surdocegos no mesmo convés

Belas marinas e clubes, altas taxas anuais para os associados, brilhantes veleiros e iates – parece que não só os deficientes mais também os brasileiros ordinários podem apenas sonhar com isso. Existe um caminho para esse esporte dinâmico, sentir a enorme felicidade de velas preenchidas e do vento no seu cabelo? Desde 2007 Miguel Ólio, instrutor de vela, dedica-se intensamente à organização de palestras e eventos esportivos dos quais participam navegadores profissionais e pessoas com deficiência através do seu projeto Sailing Sense, cujo foco é integrar os surdocegos com o esporte. Quando perguntei quantos eventos desse tipo ele já organizaou, ele me respondeu que mais de 30 e acrescentou que em 2014 cerca de 100 pessoas haviam participado. “Meu objetivo é dar uma chance às pessoas com deficiência para que elas possam experimentar este esporte maravilhoso que é a vela”, conta o Miguel com paixão e sinceridade. Domingo. De manhã, Everton, Renato,

MB

Honório Rocha, Luiz Gouveia e João Maranhão apresentam a vela Paralímpica aos surdocegos eu e Miguel saímos rumo ao clube náutico ASBAC, às margens da represa de Guarapiranga, subúrbio da metrópole. Chegamos numa marina pequena, onde os preparativos para o evento esportivo estão sendo finalizados. Três navegadores paralímpicos vieram promover este evento beneficente com suas experiências: Luiz Gouveia, Honório Rocha e João Maranhão, todos do Clube Paradesportivo Superação. Juntamente com Miguel, eles preparam os três barcos: Gaia, Pescador e Caçador. São veleiros Poli 19, especialmente adaptados e projetados na USP em São Paulo, oferecendo segurança e controle mais fáceis para os navegadores e tripulantes com deficiência. Sopra do sudoeste um vento fresco que levanta ondas pequenas balançando levemente o píer de madeira. Os navegadores, cadeirantes ou tem prótese de perna, habilmente sobem no convés do barco, içam

Marinha do Brasil DPEM No dia 1º de abril a Marinha do Brasil (MB) através de sua Diretoria de Portos e Costas emitiu circular (4/2016), sobre o Seguro de Danos Pessoais Causados por Embarcações ou por sua Carga, o conhecido DPEM. A nota esclarece que a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), informou sobre a atual inexistência de sociedade seguradora que comercialize o referido seguro após a Medida Provisória nº 719 (30 de março). A Susep trabalha junto ao mercado supervisionado e ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) na tentativa de retomar com a maior brevidade possível a oferta do DPEM. A previsão é que o valor suba dos atuais 18 reais para algo em torno de R$140 e que a oferta das seguradoras aconteça em 30 a 40 dias. O objetivo da mudança é viabilizar a comercialização do seguro com um valor condizente ao mercado. Em decorrência, a MB, por meio de suas Capitanias dos Portos, Delegacias e Agências, encontra-se desobrigada da cobrança do mesmo, por ocasião da inscrição, registro e ações de fiscalização nas embarcações, enquanto perdurar essa situação. Para efeito de indenizações o DPEM vigente, é válido. Para vítimas de embarcações não identificadas, ou que não possuam o DPEM, não há indenização nesse momento.

“Bahia”

O Navio Doca Multipropósito (NDM) “Bahia” foi adquirido pelo governo brasileiro em dezembro de 2015 na França, e agora está no Brasil. Em abril houve a entrega oficial com autoridades do governo do Brasil, do Embaixador da França e do Comandante da Marinha, Alte. de Esquadra Eduardo Bacellar L. Ferreira. O navio entrou em operação em 1998 na França. Tem capacidade para embarque e desembarque de tropas, materiais, blindados e helicópteros, dotado de complexo hospitalar de 500m² e 49 leitos. Pode ser disponibilizado em operações humanitárias. Trata-se de um navio recente, em excelente estado e completamente operacional, oferecendo ao Brasil uma nova capacidade de projeção e de transporte de tropas, de defesa de interesses econômicos brasileiros na Amazônia Azul.

as velas, que batem ruidosamente sob o vento, e colocam as alquilas nas suas posições. Sem respirar observo João, na cadeira de rodas, no píer, apertando com a sua mão a proa de um veleiro. “Parece que está tudo pronto para nosso evento e os tripulantes podem chegar”, fala alegremente Miguel. Por volta das 14h começam a chegar os 10 adolescentes com seus acompanhantes. Moças e moços, entre eles surdocegos e alguns com deficiência física e mental. Um pouco mais tarde numa sala do clube o Miguel, organizador, explica o programa do evento. Depois de cada sentença ele espera para que a intérprete possa traduzir para linguagem de sinais. No final presenteia os participantes com camisetas. Até esse momento poucos sabem ou entendem o que vai acontecer em breve. Eu também não consigo imaginar como vai tudo prosseguir... Navegadores bem humorados convidam os primeiros três tripulantes para subir no convés dos seus barcos. Nós prontamente os ajudamos a embarcá-los da maneira mais segura possível, o que não é um papel fácil por causa das ondas e do vento. Entro no veleiro Pescador como navegante-assistente e fotógrafo. O Luiz está atrás do leme, na minha frente está sentado o outro velejador, Honório. Ao seu lado Juliano, que começa a aventura com tensão. Solto o último cabo e zarpamos. Assim que o vento enche as velas o timoneiro Luiz distribui os comandos. Juliano tem que caçar ou soltar o cabo da buja. Para minha surpresa ele faz isso muito bem, apesar da cãibra na mão. “Aee, olha para ele, que marinheiro”, fala sorridente o Honório. No rosto dele observo uma grande felicidade, tão honesta e tão contagiosa! De repente toda a tripulação está sorrindo. A boreste passa o Caçador, onde está o

11

Miguel com seus tripulantes. Inesperadas rajadas de vento inclinam significativamente o lado do barco e os respingos de água molham todo mundo. “Essas rajadas são típicas na Guarapiranga, quase como no mar”, explica Luiz. Assim que passamos por uma boia amarela, o timoneiro grita “Bordo!” e nós mudamos a vela principal e logo depois

No final, a galera comemora um dia intenso e feliz a buja para o bombordo. Depois de várias voltas nosso veleiro retorna ao píer para substituirmos os tripulantes. Começa a chover levemente, mas parece que ninguém se importa. Toda a tripulação é trocada e nos rostos de todos se vê felicidade e gratidão. Por volta das 5 da tarde chega o último veleiro ao píer. Os timoneiros habilmente baixam as velas e saem do barco. Este pequeno evento deixa em nós sensações profundas verdadeiras. À primeira vista parece bem difícil organizar um evento como esse, o que é em grande medida verdade, porém, boa vontade em se dedicar por uma boa causa combate com facilidade os obstáculos. Aproveitando o contexto dos próximos Jogos Olímpicos e Paralímpicos no Rio de Janeiro exatamente este tipo de projeto pode e deveria inspirar outros clubes olímpicos ou paralímpicos. Onde há vontade, há um caminho! (Texto e fotos: Roman Nemec)


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Almanautica 24 by Ricardo Amatucci - Issuu