Revista Reação

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internacional

por Isabel Mcevelly

O Brasil na visão de quem hoje está de fora...

D

epois de ler o documento da apresentação do Scott Rains, fiquei com esperanças de que realmente as coisas possam melhorar no Brasil. Mas, na minha opinião as leis devem ser mudadas e respeitadas, antes mesmo de se começar a construir, ou reconstruir, acessos para pessoas com deficiências. Leis que antes de serem aprovadas ao léu, deveriam ser melhores examinadas. Se você não leu o que o Scott Rains disse na reunião do Comitê Brasileiro dos Direitos das Pessoas com Deficiência 2012, você deveria ler. Bom, a pedido do editor desta Revista que completa 15 anos de vida, e amigo Rodrigo Rosso, vou falar um pouco da minha história, para que vocês entendam a que me refiro. Comecei a desenvolver minha deficiência quando tinha apenas 4 anos. Tenho 3 diferentes diagnósticos: Poliomelite, Charcot Marie Tooth, e um terceiro que já nem me lembro mais o nome. Mas a maior parte de minha vida, ouvi dizer que havia tido Pólio e fiquei com algumas de suas sequêlas. Eu morava em São Paulo/SP. Aos 13 anos minha mãe faleceu, decorrência de um câncer de mama. Meu pai, hoje também já falecido, tinha mais preocupação com as bebidas e as mulheres do que com as 2 filhas que ele tinha. Acredito que somente quem tem um pai alcoólatra, sabe o quanto e

difícil. Mas não quero me aprofundar nesta parte. Meu pai não acreditava muito em escola. Para ele, mulher deveria saber cuidar da casa. Ajudar sua família, e os homens trabalhar. Eu e minha irmã sempre fomos muito amigas, e isso era uma coisa que minha mãe estava sempre nos falando: que éramos mais do que melhores amigas, éramos verdadeiramente irmãs ! Quando minha mãe faleceu, minha irmã e eu nos tornamos ainda mais unidas. Minha avó materna tentou nos trazer então, na época, para os Estados Unidos, mas ela acabou morrendo dois anos depois da morte de minha mãe. Infelizmente, um motorista bêbado causou o acidente que tirou a vida de minha avó, e também de uma de minhas tias. Quando eu tinha 16 pra 17 anos, uma tia foi ao Brasil e tentou nos trazer de novo para os EUA. Mas o Consulado negou a saída das duas do Brasil. Somente uma de nós poderia vir. Como eu estava em tratamento na ocasião para tentar uma cirurgia, fiquei no Brasil. Experimentei novamente a dor da perda, pois já não teria mais a minha irmã e amiga perto de mim. Não era fácil ouvir as pessoas dizerem que eu era diferente... Eu adorava dançar e não via minha deficiência, mas depois de tanto apontarem a minha deficiência, como algo que eu deveria ter vergonha, parei de dançar. Por mudar de uma casa pra outra, minha irmã e eu já havíamos perdido alguns anos de escola. E com os acontecimentos, e minha rebeldia juvenil, para chamar a atenção das pessoas, eu parei de estudar. E fiz isso por muitos anos... Então, trabalhava com meu pai, no bar que ele e minha mãe haviam conseguido com muito esforço. Com o passar dos anos, eu queria voltar pra escola, mas tinha vergonha, pois estava “velha” para isso. Meu pai acabou vendendo o bar, e quando foi fazer uma nova compra, ele levou um golpe. Perdeu todo o dinheiro que tínhamos. Eu então, precisava agora arrumar um emprego. Mas, por mais que tentasse, não conseguia, pois não tinha experiência ou mesmo estudos para conseguir alguma colocação. Coloquei então minha vergonha de lado e fui fazer o supletivo. Mas não era fácil, principalmente por que a escola tinha escadas e não havia sequer um corrimão. Fui pedir para a diretora instalar um, e o que ouvi foi que a escola não tinha verba e que eu poderia usar a “escada do meio”, que era apenas para os professores. Nessa época, eu pagava ônibus, e dava meu lugar para idosos e gestantes, ficava em filas, não usava nenhum dos meus direitos como PcD. Foi quando um grupo de estudantes da USP começou a ir


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