SIM! 90

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Arquitetura

decoração

Design

Arte...

Ano XIII Nº 90 distribuição gratuita W W W . R E V I ST A S I M . C O M . BR

MEMÓRIA

PRESERVADa




S I M ! 90

Diretor Executivo Márcio Sena (marciodesena@gmail.com)

50 RESTAURAR É PRECISO

pág.

lucas oliveira

Coordenação Gráfica e Editorial Patrícia Marinho (patriciamarinho@globo.com) Felipe Mendonça (felipe.bezerra@globo.com)

REDAÇÃO / DESIGN / FOTOGRAFIA Patrícia Calife (patriciacalife.sim@gmail.com) Erika Valença Beth Oliveira Edi Souza Germana Telles Raquel Monteah Diego Pires Micaele Freitas Sara Rangel

A R Q U I T E TO S E R E S TA U R A D O R E S P R E S E R VA M O PA S S A D O E A H I S TÓ R I A

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Rápidas As novidades da seção Fique por Dentro

lucas oliveira

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Greg Danilo Galvão Lucas Oliveira Victor Muzzi Arquiteto Colaborador Alexandre Mesquita (mesquitaita@gmail.com)

Projeto Museu Cais do Sertão Luiz Gonzaga

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Caleidoscópio e o Capibaribe

28 Expô

Arte Os mestres e a arte do restauro

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Delícias A delicada gastronomia de Mariana Parini

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pág.

Eliane Guerra (81) 9282.7979 (comercial@revistasim.com.br)

SIM! é uma publicação bimestral da TOTALLE EDIÇÕES LTDA

Capibaribe fotográfico

Redação R. Rio Real, 49 - Ipsep - Recife - PE CEP 51.190-420 redacao@revistasim.com.br Fone / Fax: (81) 3039.2220

Jardins lucas oliveira

Capa

Operações Comerciais Márcio Sena (marciodesena@globo.com)

lucas oliveira

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Revisão Fabiana Barboza (fabiana_barboza@globo.com)

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divulgação

Um passeio pelo Capibaribe

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detalhe sobre foto de danilo

O paisagista marcelo KozmhinskY passeia pelas ruas

galvão com o mestre restaura-

do poço da panela e apresenta a vegetação

dor irapuan do monte em ação

encontrada no caminho

Comercial R. Bruno Veloso, 603 - Sl 101 Boa Viagem - Recife - PE CEP 51.021-280 comercial@revistasim.com.br Fone / Fax: (81) 3327.3639 Os textos e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da revista.





EDITORIAL

O resgate do passado através das vivências, da arquitetura e da arte foi a tônica para esta SIM! 90. No Recife, não há como falar de restauração sem lembrar os antigos casarões e edifícios que caracterizam a paisagem urbana. Sendo assim, abrimos os projetos do Palácio do Campo das Princesas – sede do Governo do Estado – que passa por interferências para recuperação de estrutura, móveis e peças de decoração; do Forte das Cinco Pontas, que também foi requalificado para preservar a história do período da ocupação holandesa; do emblemático Chanteclair, edifício que traduziu o comportamento do início do século XX; e, para finalizar, um projeto residencial assinado pelo arquiteto Carlos Augusto Lira, cujo acervo preservado é enaltecido nos ambientes. Na sequência, a matéria de arte com os restauradores Cláudio Arnaud, especialista em escultura, vidro, cristal e metal; Hélio Barbosa e sua técnica de restauração, que possibilitou o uso das telas de Cícero Dias que adornam a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) e o Teatro Santa Isabel (Recife/PE); Iramaraí Freitas, integrante da equipe que recuperou o altar mor do Mosteiro de São Bento (Olinda/PE) e Irapuan do Monte, presente na requalificação da antiga Casa de Mestre Vitalino e seu acervo, que hoje é o Museu do Barro (Caruaru/PE). Ainda nesse contexto, ampliamos o assunto para o Rio Capibaribe, responsável pela identidade geográfica pernambucana. Razão para convidarmos o arquiteto e urbanista Jorge Eduardo Tinoco, para um passeio de catamarã, traçando um raio X sobre a paisagem às margens da capital. Também pontuamos o livro “Eu Capibaribe: o rio que termina onde a cidade começa”, que documenta os 250 km deste curso d’água. Por outra ótica, o fotógrafo Max Levay montou a exposição Freyre em Frames, em que apresenta um guia imagético do rio, com base nos textos de Gilberto Freyre. Em Jardins, Marcelo Kosminsky passeou pelo bairro de Apipucos, próximo ao Capibaribe, de olho na vegetação presente nas ruas. Por fim, o imponente projeto do Cais do Sertão, localizado no Bairro do Recife, marcante por sua proposta arquitetônica e cultural. Não perca tempo, leia a SIM! Patrícia Calife

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fotos : lucas oliveira

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1. A repórter Germana Telles posando de restauradora no Palácio do Campo das Princesas; 2. Beth Oliveira passeia com Jorge Eduardo Tinoco pelo Capibaribe; 3. Mozart Amorim apresenta seus trabalhos em Apipucos

ERRAMOS! TITA DE PAULA 1. Na página 56 da última edição da Revista SIM! (89), matéria sobre as jovens empreendoras da zona norte, o nome da empresária responsável pela Dona Jardineira está equivocado. O correto é Tita de Paula. 2. Ainda na mesma matéria, na página 61, produto 2, a grafia do selim inglês é Brooks. Além disso, a bike comum nas ruas de São Francisco é a bicicleta fixa e não a Caloi de 1980.

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fique por dentro Fotos: Divulgação

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A tendência no uso de tons azuis e brancos em objetos decorativos ganha evidência na CasaTua Presentes, deixando a casa mais alegre e sofisticada. Dentre as nuances do duo, o azul turquesa é o grande destaque, mas deve ser usado na dosagem certa para manter o equilíbrio na casa, ajudando a compor um ambiente mais convidativo. Na loja é possível encontrar o azul e branco em vasos e louças que proporcionam charme e estilo ao ambiente.

A empresária Margô Ferreira e a design de interiores Fernanda Farias acabam de inaugurar a Criativ Interior Design, loja exclusiva de papéis de parede tanto nacionais quanto importados da França, Alemanha, Argentina e Coreia. A loja traz linhas infantil e adulta para ambientes residenciais e comerciais, banheiro e cozinha. Dentre os destaques, o cobiçado 3D, em estilo capitonê, da Coleção Reallity.

Borboletas, corujas, arco-íris, flores e petit pois estampam sugestões para alegrar a casa. Especializada em fun design, a Ludi esbanja irreverência e criatividade em diversos produtos, como almofadas, canecas, bandejas para laptop, headphones, caixas de maquiagem entre outros. Os itens podem ser encontrados em mais de 2500 estabelecimentos, como papelarias e lojas multimarcas de presentes de todo o Brasil.

A novidade da A. Carneiro Home é a coleção de tecidos Bellerose, de design exclusivo. Os produtos possuem cores vibrantes e estampas listradas, geométricas e florais, tudo para ficar bem no clima primaveril. O produto tem 1,4cm de largura, 526g/metro linear e suas composições reúnem 53% poliéster, 45% viscose e 2% seda. Disponíveis nas lojas do Recife e de São Paulo.

CasaTua Presentes Fone: (81) 3040.1001 www.casatuapresentes.com.br

Criativ Interior Design Fone: (81) 3048.0288 criativ.id@hotmail.com

Ludi Presentes Fone: (48) 3205.6200 www.ludipresentes.com.br

A. Carneiro Home

Fones: (81) 3081 9192 e (11) 3060 9922 www.acarneirohome.com.br

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fique por dentro

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A cortina String Collection, linha Coulisse exclusiva para Uniflex, é a mais nova tendência em produtos para vestir janelas, espaços envidraçados e divisórias. Releitura das tradicionais cortinas de franja, ela tem tramas que filtram a luz delicadamente e criam privacidade. Produzida em 100% poliéster, é de fácil limpeza, basta um pano bem macio, seco ou úmido. O produto chega às lojas até o mês de dezembro. Inspirada na miscigenação cultural e étnica do povo brasileiro, a Todeschini criou os novos itens da coleção “Identidade”. Dentre eles, a Linha DNA, com frentes produzidas com OSB, que fazem referência a um aglomerado de madeira até então sem aproveitamento pela indústria. Por meio de um processo inédito de fabricação, resultam em peças únicas, formadas pela estética do material, que recebem acabamento acetinado nas cores turquesa, fendi, tomate (foto) ou ônix.

Uniflex Fone: (81) 3326.3731 www.uniflex.com.br

Todeschini Fone: (81) 3267.5740 www.todeschinicasaforte.com.br

Produzido em eucalipto e madeira de reflorestamento, o sofá retrátil da Incantum Móveis utiliza percintas elásticas italianas fixadas mecanicamente, molas bonnel, pocket ou nosag, resultando em um uso confortável, homogêneo e sem ruídos. O sofá tem mais de 140 opções de tecidos e possui uma ótima sustentação e resistência, proporcionando maior conforto e durabilidade. Para comemorar seus quatro anos, a Refinare anuncia as dez novas marcas que passam a compor o arsenal da loja. Destaque para os porcelanatos e mosaicos da Mosarte, com a coleção Arte Moderna que traz cores e movimentos significativos. Louças e acessórios da Zen Design, Banho Mais e revestimentos cimentícios da Palazzo e em couro, da Sadi, também estão entre as novidades.

Incantum Móveis Fone: (81) 3048.7758 www.facebook.com/incantum

lu c a s o l i v e i r a

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Refinare Fone: (81) 3031.6763 www.refinare.com.br


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A linha Oslo da Florense une a praticidade da montagem de seus elementos a um design moderno e harmonioso. O destaque vai para o banco da linha, com estrutura em madeira certificada de eucalipto e assento tramado em corda náutica. A linha completa é composta por sofás e poltronas que podem ser moduladas, com encostos e assentos estofados e base em madeira. Florense Fone: (81) 3302.3800 www.florense.com

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A Villa Naro acaba de incorporar uma linha licenciada de cadeiras, poltronas e banquetas assinada pelo renomado arquiteto, paisagista, escultor e movelerio Zanine Caldas. Conhecido como o mestre da madeira, Zanine foi precursor de um estilo arquitetônico único, integrado à natureza brasileira. Villa Naro Fone: (81) 3974.6400 www.villanaro.com.br

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A Casapronta apresenta a linha de poltronas Stressless, da fabricante norueguesa Ekornes. Os produtos têm qualidades como o giro de 360º, os sistemas de apoio lombar e o slip. As poltronas prezam pelo conforto, com um detalhe: os puffs que compõem a peça são independentes e indicados de acordo com o perfil de cada cliente. Todas elas possuem garantia internacional de dez anos.

Casapronta | Design e Interiores Fone (81) 3465.0010 www.casapronta.com.br

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d e ta l h e d a Foto d e M a x L e vay pa r a a e x p osi ç ã o r e c i f e – f r e y r e e m f r a m e s

CAPIBARIBE

especial

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O rio que nasce no Agreste pernambucano, atravessa o Centro do Recife e deságua no Oceano Atlântico faz grande contribuição na paisagem e, principalmente, no imaginário das pessoas. Assim é o Capibaribe, tão popular e enaltecido pelas artes locais, que serve de guia para esta edição da SIM! explorar o contexto de suas margens em busca das formas da cidade.

A bordo de um catamarã, a equipe percorreu os principais bairros da Região Metropolitana atenta às observações do arquiteto e urbanista, Jorge Eduardo Tinoco, que resumiu a situação atual dos monumentos históricos. O percurso também é conhecido pelos idealizadores da publicação “Eu Capibaribe: o rio que termina onde a cidade começa”, que promete resgatar história e informações desconhecida por muitos pernambucanos. O lado poético também serviu de inspiração para o fotógrafo Max Levay apresentar a exposição Recife: Freyre em Frames baseada no livro “Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife”, de Gilberto Freyre. É lá que ele revela pontes e outras estruturas presentes no rio e seu entorno. Em paisagismo, Marcelo Kozmhinsky passeia pelo bairro do Poço da Panela, tão próximo do Capibaribe, e repleto de áreas verdes. Na sequência, o Cais do Sertão, localizado exatamente no encontro do rio com o mar, um espaço grandioso que vem ganhando forma para contar a trajetória cultural do Estado e oferecer interação aos visitantes. São as histórias da capital pernambucana contadas em texto e imagem nas páginas a seguir.



especial

olhares de um rio Por: Beth Oliveira O Capibaribe conta a história arquitetôniFotos: Lucas Oliveira

ca do Recife através das suas margens

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ontes, casarios, edifícios e demais elementos urbanos refletem em sua estética a cultura, o passado e até mesmo o fragmento de um período histórico. Pensando na força da arquitetura para a construção do Recife, a Revista SIM! buscou referências da cidade a partir do rio Capibaribe. Esse curso natural de água liga alguns bairros e em seu fluxo narra tanto características de um tempo que se foi, quanto aponta para uma nova configuração visual da capital pernambucana.

A bordo do catamarã, a equipe da Revista fez o tour Recife e seus bairros junto com o arquiteto e urbanista pela UFPE, Jorge Eduardo Tinoco. Especialista em conservação e restauro de monumentos e conjuntos históricos (UFMG/1978) e atuante na área da preservação do patrimônio construído desde 1973, Tinoco tece comentários históricos e analíticos sobre as paisagens da cidade tendo o olhar do rio como ponto de partida.

O roteiro é um convite a desbravar a cidade que possui resquícios do passado e aponta para uma nova concepção em seu futuro. Segundo a diretora do Catamaran Tours, Juliana Britto, o trajeto segue até o bairro de Casa Forte. “A gente brinca de se perder e se achar no Capibaribe. O recifense passa pelas pontes e não percebe que ele está passando pelo rio. As pessoas se perguntam onde estão e começam a identificar os prédios, para localizar-se”, define Juliana.

Jorge Eduardo Tinoco Com formação em arquitetura e urbanismo pela UFPE, ingressou na área de patrimônio histórico ainda no segundo ano de faculdade. Trabalhou como desenhista no Plano de Desenvolvimento Local Integrado de Olinda e participou do início da Fundarpe em 1973, a convite do arquiteto José Luiz da Mota Menezes, diretor à época. É pós-graduado em conservação e restauro de monumentos e conjuntos históricos pela UFMG (1978). Teve uma empresa no ramo de engenharia e arquitetura. Desde 2003 integra o Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada.

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especial

percorrendo o rio Acompanhe o trajeto feito com Jorge Eduardo Tinoco

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Paço Alfândega

Escadarias DO Cais de Santa Rita

Mais atrás tinha a ponte giratória, onde entravam os navios. Era tudo área de porto, de transportes e com grande circulação de barcos. Nas décadas de 1930, 1940 e 1950, eles vinham de Cabedelo, de João Pessoa e Maceió e saiam parando pela Costa. Eu alcancei isso nos anos 1950.

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Vemos os restos das escadarias que eram desembarcadores, principalmente de pessoas. Tem uma foto muito bonita do navio de Dom Pedro estacionando e toda uma festividade recepcionando ele. O rio fazia parte da cidade, era indissociável.

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PaLAFITAS Já retirou muito, mas isso é uma característica de uma memória de um tempo. Me pergunto, isso deve ser preservado? Acho que não, e se for deve ser feito de uma maneira que não tenha esse tipo de ocupação. Mas, sem dúvida, essa é uma paisagem característica do final dos anos 30 e 40. Isso foi ocasionado pelas secas e pela queda da produção no Sertão, havendo essas migrações. Mas, esse é o reflexo de uma maneira de habitar. É uma forma de arquitetura, não deixa de ser.

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CASARIOS ANTIGOS Passando pela Jaqueira, Derby e Torre você vai ter construções voltadas para o rio. Provavelmente, a maioria dessas edificações é do século XVIII e XIX. A vegetação era pontuada pelos fundos de quintal, com pequenos cais de embarque e desembarque que dava para residências senhoriais abastadas. Aqui era também o caminho dos areeiros que traziam o material de Casa Forte.


O passeio No tour, é possível passar por 14 bairros do Recife e desbravar paisagens naturais e urbanas. Um guia vai narrando um pouco da história da cidade durante a rota que dura em média 2h15. Acontece apenas aos domingos, a partir das 10h. A empresa realiza há 25 anos passeios de catamarã no Litoral Norte e há 17 percorre o rio Capibaribe. Referência em atrativos turísticos, ainda promove eventos e recebe faculdades e escolas em tours educativos. Catamaran Tours Fone: (81) 3424.2845 www.catamarantours.com.br

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CASARIOS DA RUA DA AURORA AV. GUARARAPES | SÃO LUIZ

Nesse bloco era a antiga loja maçônica e no prédio vizinho a antiga Dropersa, que está bem estragado, foi onde morou o Barão de Souza Leão. Aí você pergunta porque em Paris deu certo e aqui não? Porque lá tem incentivo fiscal. E aqui você não tem o aspecto romântico da lei, do vamos preservar porque é bonito.

Esses estilos arquitetônicos convivem de uma forma desordenada. Aquela impressão de harmonia deixa de existir quando você tem uma arquitetura antiga e um amontoado de edificações como essa do São Luiz. Foram colocadas caixas num estilo que tinha certa personalidade. Entretanto você pode olhar uma ruína e ter um olhar bonito, romântico.

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PAREDÕES Não sou contra a verticalidade de áreas urbanas, mas contra ter que pagar por isso. Se esses prédios estiverem aqui, daqui a 60 ou 80 anos, estaremos falando sobre história. Será que vão estar preservados? O que vai responder são os materiais e as técnicas construtivas. Acredito que elas não durarão nem um século, porque têm prazo de validade, por incrível que pareça. Hoje eu vivo numa casa que tem mais de 350 anos.

Continua

www.revistasim.com.br

ARQUITETURA DA ANTIGA CENTRAL DA REDE FERROVIÁRIA Essa edificação inovou bastante na época em que foi feita. Isolada da paisagem, ela se destaca porque você consegue ver o movimento das formas, os materiais, as linhas. O diferencial daqui é o isolamento.

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livro

REGISTROS DO CAPIBARIBE Rio ganha publicação idealizada por Gisela Abad e Márcio Erlich Por: Edi Souza Fotos: Danilo Galvão | Divulgação

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rio urbano mais famoso de Pernambuco, já descrito em versos da literatura, está prestes a ganhar outra homenagem à altura. Trata-se da obra “Eu Capibaribe: o rio que termina onde a cidade começa”, concebido pela designer Gisela Abad e o arquiteto Márcio Erlich, com lançamento previsto ainda para o fim de novembro. O projeto surgiu quando no ano passado, quando a dupla trocava ideias sobre este curso d’água, constatando que muitos dos seus questionamentos estavam sem respostas. “Tínhamos um esterió-

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tipo que poderia ser desmistificado em uma publicação que não levanta bandeiras, mas informa e apresenta aquilo que muito pernambucano desconhece”, lembra Gisela. Para este trabalho foram convocados os fotógrafos Alexandre Severo, Beto Figueiroa, Eduardo Queiroga e Maira Erlich. Eles lançaram um olhar individual sobre o contexto de fauna, flora, homem e o próprio rio, criando um rico acervo de imagem. “Desde o início, pensávamos na palavra ‘esquartejar’, ou dividir em quatro, bem de acordo com o que o geógrafo nos passou sobre as diferen-

tes partes do Capibaribe”, acrescenta a designer. O escritor e professor Anco Márcio Tenório Vieira, o geógrafo Antônio Carlos de Barros Corrêa e o arquiteto e urbanista belga-suíço, radicado no Recife, Julien Chitunda, fizeram a contribuição textual. “Eles trouxeram aspectos como acidente geográfico, natureza, animais e literatura, de uma maneira bastante viva”, garante Márcio. O sentimento pelo rio é ponto de encontro dos envolvidos que, de alguma maneira, acumularam experiências com seu


Tínhamos um esteriótipo que poderia ser desmistificado em uma publicação que não levanta bandeiras, mas informa e apresenta aquilo que muito pernambucano desconhece Gisela Abad

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livro

trajeto. Gisela é pernambucana, morou fora por alguns anos e, há três décadas, retornou à cidade de origem. “Sou dos tempos da cheia, quando a água entrava na minha casa literalmente. Recordação que sempre levei comigo, como no tempo em que existia um clube na descida da ponte da Torre, onde se brincava carnaval à beira do Capibaribe”, revela. Márcio sempre morou na capital, mais precisamente no bairro de Santana, que margeia o protagonista do livro. “A minha infância, antes dos dez anos, foi de frequentar os

parques e praças. Depois disso, teve um hiato na vivência do rio e dos espaços públicos que lhe contextualizam. Já como arquiteto veio a vontade de tornar presente este curso d’água no debate do espaço urbano”, comenta Márcio. Os leitores que compraram o livro na pré-venda também demonstraram o seu afeto. Pelo menos 1400 pessoas que adquiriram a obra antecipadamente, ainda em confecção, garantiram a inclusão do nome em uma lista que fluirá pelo rodapé da obra, como se um rio fosse.

Eu Capibaribe Páginas: 144 Formato: 300 x 225 mm fechado e 600 x 225 aberto Leitura: bilingue Venda apenas por livrarias Fone: (81) 3268.5926 eucapibaribe@caleidoscopio.com.br

Foto d e M a i r a E r l i c h pa r a o l i v r o E u C a p i b a r i b e

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Foto d e A l e x a n d r e S e v e r o pa r a o l i v r o E u C a p i b a r i b e

Foi importante perceber que não se trata apenas de um curso d’água, mas de uma vida possível às suas margens, regida quase como simbiose

R e p r o d u ç ã o d a c a pa d o l i v r o E u C a p i b a r i b e ( f oto : m a i r a e r l i c h )

Alexandre Severo

Pude redescobrir a cidade através do rio, pois, como muitos, eu não era tão ligada a ele. Entender seu percurso e sua importância forma um cidadão Maira Erlich 25




expÔ

EXPOSIÇÃO

“Recife - Freyre em Frames” Inpirada no ‘Guia Prático, Histórico e Sentimental do Recife’, do sociólogo Gilberto Freyre, mostra fotográfica de Max Levay traz a diversidade de um Recife contemporâneo e nostálgico Por: Raquel Monteath Fotos: Acervo exposição | Lucas Oliveira

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cidade do Recife é um convite aberto a interpretações. Leituras e releituras são feitas a partir do seu cenário urbano, nostálgico e, essencialmente, antropológico. Foi a partir dessas referências que o sociólogo Gilberto Freyre resolveu mergulhar, em 1934, na produção do seu Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife, livro este que é revisitado quase 80 anos depois pelo fotógrafo Max Levay na exposição “Recife - Freyre em Frames”, que segue em exibição até o final de dezembro, no Centro Cultural Correios do Recife. “Minha intenção foi deslocar o olhar para ângulos distintos da cidade, de forma que fique estabelecido, para quem conhece o Recife, o jogo de adivinhar qual foi o local fotografado”, comenta Max, que passeou por locais como o mercado público de Casa Amarela, ruas do Centro da cidade como Aurora, Príncipe e Imperatriz, e que também seguiu o fluxo do rio Capibaribe em perspectivas incomuns, a partir da colônia de pescadores Z1, no bairro do Pina, e embaixo da ponte do Limoeiro, em um percurso feito todo a barco. “Falar do Recife e não falar do rio (Capibaribe) seria impossível. Ele faz parte da identidade. As pontes que cortam a cidade são várias, o rio é único”, afirma o fotógrafo. Mais de seis meses de pesquisa e execução e a mostra consegue ser uma síntese de várias nuances do Recife, que coexistem em um cenário urbano tão afetado pelas ações temporais, culturais e econômicas. “Gilberto era um visionário, um gênio, pois conseguiu

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MAX trouxe um novo olhar sobre o mesmo rio, desmistific ando a paisagem do cotidiano dos recifenses

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expÔ

o c a p i b a r i b e ta m b é m é u m r io h u m a n i z a d o ; d e l e , p e s c a d o r e s so b r e v i v e m c om a p e s c a

caminhar pelas ruas da cidade e escrever sobre ela, não apenas pelo viés histórico, mas em impressões sentimentais do ambiente”, opina Max. A curadoria da mostra é de Raul Lody, das Fundações Gilberto Freyre, no Recife, Pierre Verger, em Salvador, e do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza. Seguindo a febre imagética de aplicativos como o Instagram, a Mostra apresenta um mural com a hashtag #freyreemframes. “Fizemos este mural para que o público possa também tirar suas fotos da cidade. Acho bacana essa mudança que está acontecendo, afinal as ferramentas sempre estiveram aí e essa democratização de fazer imagens é bem vinda sim”, conclui Max. A releitura fotográfica da obra freyriana foi possibilitada graças ao interesse da Fundação Gilberto Freyre, Ministério da Cultura e Correios. Ao término de um dos espaços da Mostra, o público pode se deparar com os seguintes dizeres de Gilberto na parede: “Demorando no Recife, o turista não deixe de ir a Olinda, é a mãe do Recife. Podendo, vá também a Igarassu, que é a avó”, junto a um tríptico de fotos das três cidades.

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c o n s t r a s t e d e c o r e s n a c o lô n i a d e p e s c a d o r e s z 1 , n o b a i r r o d o p i n a , n o r e c i f e

Sessão Portrait traz um mural formado por diversos rostos de pessoas anônimas, que retratam a diversidade cultural e étnica presente na cidade

“Recife - Freyre em Frames”, de Max Levay Até 29 de dezembro de 2013 Terças, Quartas, Quintas e Sextas, das 09h às 18h | Sábados e Domingos, das 12h às 18h Centro Cultural Correios | Avenida Marquês de Olinda, 262, Bairro do Recife - Recife Fone: (81) 3224-5739

Fotos digitais em tamanhos 10 x 15 cm presas em aros de bicicletas. “A mobilidade já era uma questão discutida por Freyre. Ele costumava dizer que, para se gostar do Recife, é preciso andar por ela, e ele fazia esse percurso de bike, o que é bem contemporâneo ao atual momento da cidade”, afirma Max

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jardins

Marcelo Kozmhinsky Agr么nomo e paisagista www.raiplantas.com marckoz@hotmail.com (81) 9146.7721

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UM BAIRRO VERDE

F OTO : a c e r v o p e sso a l

Fotos: Lucas Oliveira

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assear pelo Poço da Panela nos revela inesperadas surpresas. Admirando a paisagem, encontramos ruas em pedra rachão, casarios antigos e casas modernas, árvores frondosas, muros com heras, flores e o rio Capibaribe que deleita os moradores e frequentadores dessa área. Rodeada por paisagens de edifícios que arranham o céu, o Poço continua com o ar bucólico para quem aprecia a

natureza e o campo. Muitas palmeiras Imperiais e de outras espécies são vistas nos jardins, que também abrigam composições de plantas tropicais. Elas são elegantes, marcantes e imponentes por seu porte, beleza e altura e estão tanto nos casarios como nas praças. Muitas árvores nativas e outras exóticas são encontradas nas calçadas e nos jardins das casas. Destacamos Ipês, Castanholas e Espatódeas. As flores coloridas das exuberantes Buganvílias

desabrocham com a chegada da primavera e transbordam de alegria os muros de algumas casas. Uma das referências é a presença maciça da Falsa Hera ou Unha de Gato (Ficus Pumila) que é plantada nos muros. Elas embelezam e fornecem uma visão maravilhosa das fachadas das casas, cobrindo completamente a superfície em muito pouco tempo. Uma dica é usar chapisco na parede para facilitar seu crescimento.

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jardins

De origem da China e do Japão, essa planta trepadeira lenhosa tem caules numerosos e delicados, muito ramificados e aderentes às paredes através de suas abundantes raízes adventícias, deixando os muros completamente cobertos de suas folhagens. A Hera se desenvolve bem no ambiente de sol, aceitando também a meia sombra, mas no verão precisa de bastante rega. O látex que possui faz com que seja conhecida como tóxica. Ela deve ser podada várias vezes por ano para impedir que seus caules engrossem e saiam da

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parede, perdendo aquela aparência de tapete vegetal. Durante o cultivo deve-se ter o cuidado de evitar que ela entre em frestas indesejadas e se torne um problema para quem não quer dar muita manutenção no jardim e, ainda, que invada o terreno ou casa do vizinho. No bairro, ainda, um frondoso Baobá espécie exótica oriunda da África – marca a paisagem e todo esse contexto torna o Poço da Panela um espaço verde cuja natureza deveria ser tombada como patrimônio da cidade a fim de preservar o valor inestimável do seu significado.





projetos

MAR E SERTÃO NO CAIS O sertão vai virar mar. É o que promete o Centro Cultural e Museu Cais do Sertão, que está ganhando forma e mudando o cenário no Bairro do Recife Por: Germana Telles Fotos: Danilo Galvão | Fred Jordão | Divulgação

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Assinado pela Brasil Arquitetura, o Cais do Sertão é parte do projeto Porto Novo, que requalifica e reurbaniza áreas nobres, antes ocupadas com operações portuárias, para dialogar e enriquecer as opções de lazer e turismo no Recife. O novo espaço convida a um mergulho nas mais diversas vertentes da cultura

nordestina e a um passeio por uma das mais arrojadas obras arquitetônicas em curso no País. Fazem parte do mesmo projeto o Centro de Artesanato de Pernambuco, o Terminal Marítimo de Passageiros e a reurbanização de todo o entorno – que prevê, ainda, a chegada de um Centro de Convenções, Cinema, Teatro, Hotel e Marina Internacional. Saiba mais nas páginas a seguir.

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projetos

N

o primeiro momento, a ideia era criar um museu em homenagem a Luiz Gonzaga no antigo Armazém 10, mas as intensas pesquisas comandadas por Isa Grinspum Ferraz (que também trabalhou na concepção do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo) ampliaram as possibilidades. Hoje, o projeto contempla, nos 7.500 m² de área construída, o museu e um centro cultural, oferecendo uma experiência acolhedora, de caráter intelectual e afetivo a todos os visitantes. De acordo com Marcelo Ferraz, arquiteto responsável, ao lado de Francisco Fanucci, o Cais do Sertão propõe o primeiro grande passo para reconectar o porto com a cidade. “É um equipamento de convivência que deve requalificar a região onde a cidade nasceu. Existem projetos que desaparecem na paisagem.

Este, ao contrário, foi desenhado para ser referência e, acima de tudo, uma construção a serviço do seu conteúdo”, explica. A obra de Luiz Gonzaga é o fio condutor da história contada pelo projeto, que se aprofunda na experiência da vida sertaneja, retratada em espaços que mesclam tradição e tecnologia, e nos quais os recursos arquitetônicos se incorporam à narrativa. Tudo minuciosamente pensado, para que o conteúdo coubesse perfeitamente nas edificações, divididas em dois módulos. Do piso à parede externa, inteiramente feita de cobogós, que reproduzem as ranhuras do solo rachado, a galhada da caatinga e o trançado das rendas (2). Para essa estrutura, foram necessários dois anos de testes até o desenho final. Serão usadas 2.200 peças de concreto branco, com 1,0 m x 1,0 m cada e pesando 200 quilos (3).

PER S PECT I VA D O P O RTO D O REC I FE . E M A M ARELO , á r e a o n d e e s tá s e n d o im p l e m e n ta d o o m u s e u c a is d o s e rtão

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O Cais do Sert찾o prop천e o primeiro grande passo para reconectar o porto com a cidade Marcelo Ferraz

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projetos

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Revisitando o Rei do Baião No primeiro módulo, que será entregue no mês de dezembro, ficará o museu – com acervo físico e intervenções tecnológicas – numa estrutura em concreto armado com 2000 m² e coberturas metálicas, mantendo as características do armazém originalmente existente no local. Este edifício possui uma estrutura diferenciada, que é uma grande marquise em concreto protendido, formando um vão livre de aproximadamente 25 m, com abertura circular na parte central. Esta abertura permitiu o plantio de um Juazeiro (4), transplantado da caatinga para receber os visitantes à entrada, que recebeu o nome de “Praça”.

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“A ideia da arquitetura subordinada ao conteúdo começa na sombra dessa árvore. As pessoas entram no museu passando por ela. Será um espaço de acolhimento e convivência”, diz Marcelo Ferraz. Ao entrar, o espaço reserva boas surpresas. O piso traz um sulco tortuoso (5), preenchido com seixos e com iluminação especial para reproduzir os caminhos do Rio São Francisco. Mais à frente, o “Útero” apresenta uma sala de espetáculo multimídia, numa estrutura elípitica, em metal, revestida com chapas de aço. O projeto contempla ainda mezaninos de concreto armado, com vãos livres e balanços, mantendo o térreo livre para que possa ser usado como área de exposições.

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Temas explorados Também no térreo do primeiro módulo, o visitante irá encontrar uma vitrine com objetos pessoais de Luiz Gonzaga, como sanfona e os trajes usados durante a carreira. O “Armazém”, batizado de “Mundo do Sertão” também faz parte desse primeiro módulo, apresentando sete territórios temáticos, com 70 m² cada, exibindo as principais dimensões da vida no sertão: Ocupar, Viver, Trabalhar, Cantar, Criar, Crer e Migrar (*ver detalhes no infográfico). Fechando a primeira etapa de visitações, a “Caixa” oferece três experiências audiovisuais. “Ói eu aqui de Novo” mostra a vida e obra de Luiz Gonzaga em vídeo. “A Língua do Sertão” traz um espetáculo de luzes e sons sobre o modo de falar sertanejo. A terceira inclui a expressividade da Literatura de Cordel, em versos e animação.

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projetos Centro cultural trouxe desafios Com uma área total de 5,5 mil m², o segundo módulo será entregue à cidade em 2014. O local foi planejado com três pavimentos, para abrigar auditórios, salas para oficinas, restaurante, café e espaços de ambientação. Executar o vão livre – com laje sem escoramento e distância de 56 m entre seus pontos de apoio – foi um dos grandes desafios da equipe de engenharia. Segundo o gerente de contrato do Consórcio Gusmão/Concrepoxi, Bruno Ventura, foram necessárias 214 estacas (dos tipos hélice e raiz) para suportar a carga do escoramento durante a concretagem. O espaço comporta, no primeiro pavimento, a administração, a “Rua do Cais”,

o “Imbalança”, o “Baião de Todos”, o “Aquário Discoteca”, as “Exposições Temporárias”, a “Galeria do Mar” e o auditório “É do Povo”, com capacidade para 270 lugares (*ver detalhes no infográfico).

O segundo pavimento trará área de quarentena de acervo, laboratórios para conservação e restauro de objetos, a Biblioteca e Midiateca, a Sala Multi-Uso e o segundo piso do auditório.

Existem projetos que desaparecem na paisagem. Este, ao contrário, foi desenhado para ser referência e, acima de tudo, uma construção a serviço do seu conteúdo Marcelo Ferraz

No terceiro pavimento, Jardim Sertanejo e Restaurante, com exposições fotográficas temporárias sobre a culinária sertaneja.

Museu e Cais do Sertão Luiz Gonzaga Av. Alfredo Lisboa, Armazém 10 Bairro do Recife Fone: (11) 3815.9511 www.brasilarquitetura.com

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Centro Cultural e Museu Cais do Sertão Luiz Gonzaga

Bairro do Recife, PE

10.238,50 m2 de área total

7.580,20 m2 de área construída

70 m de rio na área interna

Arquitetura e Expografia: Brasil Arquitetura | Autores: Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz | Curadoria e direção de criação: Isa Grinspum Ferraz | Realização Audiovisual: Camilo Cavalcanti, Carlos Nader, Leandro Lima, Lírio Ferreira, Marcelo Gomes, Paulo Caldas, Sérgio Roizemblit Artistas Plásticos: Cafi, Derlon Almeida, J. Borges, Luís Hermano, Miguel Rio Branco

Módulo 1 1

Praça – O Juazeiro e a Sombra

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Recepção | Acolhimento

Espaço de acolhimento e convivência

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A Coroa é o Chapéu, o Cetro é a Sanfona Vitrine com objetos pessoais de Luiz Gonzaga

Útero: o Sertão é o Mundo Sala de espetáculo multimídia. Experiência coletiva, com audiovisual, que sintetiza e expressa poeticamente a paisagem física e cultural do sertão.

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Armazém: o Mundo do Sertão Espaço expositivo que apresenta as principais dimensões da vida no sertão em sete territórios temáticos, cada um com 70 m². São eles: Ocupar:

Estações interativas contam a história da ocupação do sertão.

Viver:

Labirinto evoca a vida sertaneja. Filme com as casas e as comidas.

Trabalhar:

50 ferramentas de trabalho sertanejo, expostos com suporte museográfico. Instalação com imagens e sons da feira.

Cantar:

Como o sertão foi retratado na música e no cinema.

Criar:

Vitrines com objetos criados por artesãos sertanejos.

Crer:

Símbolos do fervor religioso do sertão.

Migrar:

Estações multimídia com depoimentos de migrantes, anônimos e famosos.

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A Caixa Três experiências audiovisuais: “Ói eu aqui de novo (vida e obra de Luiz Gonzaga em vídeo); “A Língua do Sertão (espetáculo de luzes e sons sobre o falar e o escrever sertanejos); e “Cordel, em versos e animação”.

Módulo 2

Mix Auditório, salas para oficinas, restaurante, café e espaços de ambientação e convivência.

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projetos

ESTÍMULO À ECONOMIA CRIATIVA e estimular a participação das pessoas no processo criativo. Por isso, fizemos um convênio com a Fundação Gilberto Freyre, que irá gerir essas produções. Esse lugar é um marco na revitalização do bairro e tem potencial para ser âncora de uma rede muito maior, avançando para o interior, mostrando o que se faz por lá, numa conexão com cidades como Salgueiro, Caruaru e Exú”, diz.

P

ara Felipe Chaves, secretário executivo de Políticas de Desenvolvimento em Pernambuco, implantar o Cais do Sertão é um desafio que abre inúmeras possibilidades. “Muito mais que apenas um museu, centro de cultura, lazer e entretenimento, o complexo se propõe a unir a memória às novas criações, em todas as esferas da arte, nos quatro cantos do estado. Abrir espaço de promoção à produção de artesãos, rendeiras, músicos, santeiros, pintores e escritores do Recife, do litoral, da mata, do agreste e do sertão”, pontua. Além disso, segundo o secretário, o novo polo de cultura e lazer pretende mostrar as inovações, sem esquecer tudo o que foi feito ao longo dos anos, por gente

Esse lugar é um marco na revitalização do bairro e tem potencial para ser âncora de uma rede muito maior, avançando para o interior, mostrando o que se faz por lá, numa conexão com cidades como Salgueiro, Caruaru e Exú Felipe Chaves

como Mestre Vitalino, Bajado, Luiz Gonzaga, Ascenso Ferreira, Lenine, Lia... E, a partir de então, gerar renda, aquecer o turismo e a vida do bairro que viu a cidade nascer.

Além disso, o secretário faz questão de ressaltar o projeto arquitetônico. “Temos aqui uma obra arrojada, principalmente no que se refere ao vão em concreto protendido do primeiro módulo – que se aproxima da complexidade que foi o projeto do vão do Masp (SP). Um desafio que se encaixou perfeitamente no Armazém 10”, destaca Felipe. Outro obstáculo vencido foi o tipo do solo sobre o qual os armazéns foram erguidos, muito próximo ao mar e com a existência de sítios de grande valor arqueológico no Bairro do Recife. “Na construção da laje foram necessárias mais de 200 estacas de sustentação, com reforço de concreto, para evitar que a construção cedesse. A fachada em cobogós, no segundo módulo, é outro ponto importante, com desenho especialmente criado para ele, aproveitando a ventilação e a iluminação natural. Tudo foi minuciosamente pesquisado para traduzir a alma sertaneja, com arquitetura e tecnologia de ponta, criando um polo irradiador de transformação”, conclui.

“Nosso maior desafio é dar o fluxo que um equipamento dessa natureza requer. Precisamos trabalhar muito bem a gestão Felipe Chaves Secretário Executivo de Políticas de Desenvolvimento Fone: (81) 3182-1700

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para não perder a

MEMÓRIA A identidade do Recife vem ganhando vida nova com projetos que restauram não só as edificações, mas o contexto histórico de objetos e elementos artísticos. Em termos de monumento, destacam-se construções como o Palácio do Campo das Princesas, ainda em obras, que promete reviver a memória pernambucana, com restauro completo de sua estrutura. O Forte das Cinco Pontas também passou por intervenções trazendo formas marcantes do projeto original. Além deles, o Chanteclair, que volta a ganhar destaque em sua imponência e riqueza no traçado. Já distante do Centro do Recife e reservado aos olhos da população, a casa de um colecionador de arte, no bairro de Apipucos, reúne um acervo preservado em toda sua essência.

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Redescobrindo

o Palácio

Sede do Governo de PE traz de volta sua essência histórica e arquitetônica

Por: Germana Telles Fotos: Lucas Oliveira

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s obras no Palácio do Campo das Princesas seguem em ritmo acelerado, na intenção de entregar o local completamente restaurado até o final de 2013. As equipes de trabalho se dividem para que nada arranhe o valor arquitetônico, paisagístico e histórico de um dos maiores patrimônios dos pernambucanos. O conjunto arquitetônico, erguido em 1840 — substituindo o antigo Palácio de Friburgo, construído por Maurício de Nassau, em 1637 — é formado por um edifício sede, três anexos e um quarto edifício, construído na década de 1940. Por trás dos prédios históricos, o jardim voltado para a foz dos rios Capibaribe e Beberibe e para Olinda também será restaurado, seguindo o traçado original do paisagista Roberto Burle Marx. O arquiteto Felipe Campello, responsável pela obra, conta que, antes do desafio do restauro começar a ser executado, foi necessário um exame minucioso dos aspectos históricos, sociais e econômicos que deram origem ao complexo, ao seu desenvolvimento, à sua atual descaracterização e ao seu significado para o ambiente urbano da praça da República. Depois, o projeto passou por um rigoroso mapeamento de danos, avaliando a retomada do seu traçado original, aplicando os critérios da carta de Veneza (1964). “Nesse caso, a restauração integral é executada quando há registros suficientes para tal. Só inserimos elementos contemporâneos quando esses registros estão irremediavelmente perdidos”, explica.

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Renovação Segundo Felipe Campello, o edifício-sede apresentava razoável estado de conservação, com descaracterizações pontuais, embora significativas. “A principal destas descaracterizações se localizava no final do corredor da ala direita. Foram construídas duas circulações verticais, escada e elevador privativo. Essas intervenções serão demolidas, resgatando o antigo trajeto, restaurando o piso em ladrilhos hidráulicos. Um novo elevador será construído, sem a indevida invasão da área da circulação resgatada”, diz.

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A cerâmica vitrificada e os pisos emborrachados estão sendo substituídos por mármore branco em toda a extensão do pavimento térreo e nas áreas molhadas do edifício. No primeiro e no segundo pavimento, todo o piso em assoalho está sendo restaurado — em madeira de lei, como jatobá ou freijó, pela grande dificuldade de aquisição nos dias atuais na opção clara e escura que reveste a maioria dos pisos superiores originais do complexo.


A escada do prédio anexo está sendo reproduzida em ferro e madeira, também em função da impossibilidade da contratação de mão de obra artesanal para a sua reprodução total em madeira. O prédio que abriga os serviços de manutenção, oficinas e garagens tem reintroduzidos os dois altos pavimentos em toda a edificação, depois da demolição das lajes e da escada em concreto construídas na segunda reforma na década de 1960. O piso, inadequadamente em cerâmica vitrificada, está sendo substituído por mármore branco.

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Acessibilidade Todo o conjunto arquitetônico foi munido de equipamentos que irão permitir completa acessibilidade. Elevadores, rampas de acesso com até 8,33% de inclinação, sanitários adaptados para o uso de portadores de deficiência, piso táctil nos principais acessos, rampas de ligação entre as vias internas e passeios públicos para a completa mobilidade. Elementos decorativos Além do conjunto arquitetônico, móveis, lustres e objetos de decoração também estão em processo de restauro. À frente de uma equipe de 50 pessoas, a restauradora Pérside Omena destaca a importância do trabalho feito no Palácio do Campo das Princesas. “A restaura-

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ção infelizmente existe porque não há conservação adequada. A gente tem que intervir para que a peça continue viva e outras gerações tenham o prazer de conhecê-la”, diz. Há um ano, a equipe da Griffo, empresa comandada por Pérside, está debruçada sobre vasto e rico acervo, com 99 telas, 32 acessórios de interiores (vasos, ânforas e jarros em cerâmica), 55 objetos de iluminação (lustres, arandelas, candelabros e castiçais), 24 esculturas em bronze, 297 peças de mobiliário do início do século XX, 26 utensílios de cozinha e mesa e 99 objetos de arte visual (estampas, desenhos e pinturas). A previsão é que os trabalhos sejam concluídos no próximo mês de dezembro.

A gente tem que intervir para que a peça continue viva e outras gerações tenham o prazer de conhecê-la Pérside Omena

GRAU - Grupo de Arquitetura e Urbanismo Fone: (81) 3268.5818 graurb.blogspot.com.br Grifo Diagnóstico e Preservação de Bens Culturais Fone: (81) 3242.6408





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Patrimônio vivo Forte das Cinco Pontas preserva a memória do Recife Por: Germana Telles Fotos: Lucas Oliveira

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O Forte de São Tiago das Cinco Pontas foi construído pelos holandeses, em taipa, para garantir o suprimento de água potável e impedir que inimigos penetrassem pelas áreas baixas do rio Capibaribe. Erguido no ano de 1630, o edifício foi tombado como patrimônio histórico em 1938 e, a partir de 1982, passou a agregar o Museu da Cidade do Recife. A reforma, restauro e requalificação do Forte trouxe de volta à cidade um espaço de valor histórico, cultural e arquitetônico. As obras incluíram restauro da cantaria, esquadrias e forros de madeira; instalação de sinalização bilíngue, melhorias na iluminação, acessibilidade física, reforma do estacionamento, recuperação das pedras do pátio, melhorias nos sistemas elétrico, hidráulico e climatização. “Requalificamos alguns espaços, adequando-os corretamente para as novas necessidades do Museu. Um dos critérios que adotamos foi a justaposição, de forma que se perceba os traços contemporâneos — ­­ pelo claro contraste entre o antigo e o novo — sem perturbar a leitura original do imóvel tombado. Esse é princípio adotado quando se trata de um patrimônio histórico que precisa passar por intervenções”, explica o arquiteto e restaurador Ronaldo L’Amour, responsável pela obra.

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Entre os exemplos apontados pelo arquiteto, está a parede do Café Burle Marx, numa antiga cela do Forte, que recebeu novo revestimento em metade da sua extensão, deixando a outra com o reboco original. “A medida garante a exposição do antigo e a manutenção correta nos trechos molhados (por onde passa a rede hidráulica que serve ao café). O ladrilho foi colocado sobre argamassa de cal e areia, onde assentamos a argamassa colante, possibilitando reverter a intervenção em restauro futuro, sem ferir a parede original ”, reforça. Seguindo a mesma orientação, as janelas receberam vidros nas esquadrias reversíveis, sobrepostos à grade existente. “Assim, foi possível a climatização, pre-

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servando as janelas antigas, garantindo a iluminação natural”, diz L’Amour. No pavimento térreo foram retirados acréscimos de reformas recentes, incompatíveis com a linguagem arquitetônica do edifício, para abrigar salas de exposição, depósitos e café. Grande parte do piso e do forro foram mantidos, por se tratar — como dito anteriormente — de um imóvel tombado. A escada de acesso ao pavimento superior foi modificada. Com a nova posição, a sala de exposições ganhou amplitude. O elevador de ferro, madeira e vidro foi instalado de modo a não ferir as paredes, dando a impressão de estar suspenso entre o piso e o teto.


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Recuperação das cantarias Todo o Forte das Cinco Pontas foi construído em alvenaria de pedra. Porém, apenas nas molduras das esquadrias esse material está exposto. No restante da edificação, as pedras estão revestidas com argamassa e pintura a cal. Nos locais onde a pedra está exposta, o material se desgastou devido ao contato com o sol, a chuva e a erosão marinha. Além disso, o Forte está em uma região onde há grande fluxo de veículos e pessoas, ocasionando o aparecimento de camadas de sujeira. O restauro deixou novamente aparentes os restos de corais e a cor original. A requalificação também contemplou nova pintura, higienização dos canhões, sala de reserva técnica, auditório (capacidade para 96 pessoas), recepção turística, centro de referência sobre a cidade do Recife, administração e oficina de museografia. O Museu da Cidade do Recife dispõe de aproximadamente 150 mil imagens, em seu acervo iconográfico, e relíquias que ajudam a contar a história da capital pernambucana — como objetos de uso pessoal dos holandeses, peças e portais provenientes de antigas residências e da Igreja do Senhor Bom Jesus dos Martírios, já demolida. Peças que, assim como a edificação, passaram por criterioso processo de restauro.

Museu da Cidade do Recife Forte das Cinco Pontas Fone: (81) 3355.3108

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O sobrado respira Degradação dá lugar à imponência dos tempos de glória do Chanteclair Através do antigo redescobrimos o novo, e assim trazemos de volta a nossa identidade Jorge Passos

Por: Germana Telles Fotos: Lucas Oliveira Acervo Jorge Passos

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pós sofrer sérios danos provocados pelo descaso ao longo do tempo, entrando em decadência, abrigando prostíbulos e chegando praticamente à destruição, o casarão do Chanteclair, construído no início do século XX, teve fachada e cobertura restauradas. O prédio, de propriedade da Santa Casa de Misericórdia, atualmente tem a cessão de uso da empresa Realises, que também administra o Paço Alfândega. Entregue à empresa Jorge Passos Arquitetura & Restauro, beirando às ruínas, o conjunto de seis edificações, oito módulos e torreão do telhado passou por sérias intervenções e “voltou a respirar”, como lembra Jorge Passos. No momento, aguarda execução de projeto para a construção de novas instalações internas.

Foto : Di v u lg a ç ã o

“Encontramos o local que ocupa uma quadra, entre o Cais da Alfândega, a Avenida Marquês de Olinda, a Rua Madre de Deus e a Rua Vigário Tenório — em completa degradação, morto. Mapeamos os danos e procuramos compreender suas dimensões palacianas, de traços ecléticos. Entramos apoiados em guindastes, porque os ferros decorativos oxidaram, expandiram de volume, deterioraram e colocaram a estrutura em risco. Foi um verdadeiro resgate”, lembra o arquiteto.

O CH a n t e c l a i r a n t e s d a s o b r a s d e r e s ta u r o , e m 2 0 0 1 . n a pá g i n a a o l a d o , d e ta l h e d a fa c h a d a c om p l e ta m e n t e r e s ta u r a d a

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Para trazer de volta a beleza original do fachada, foi preciso restaurar 106 janelas, 130 portas e 733 ornatos decorativos, medindo cerca de 3,8 m de altura, 60 cm de largura e 35 cm de espessura. Os 70 operários retiraram os elementos inutizados e trabalharam na fundição dos moldes, restaurando os adornos, com argamassa, cimento, cal e areia. Toda a cobertura, de telhas francesas, também passou por restauro, com análises químicas e físicas, para que a composição não sofresse alterações. No próprio canteiro de obras foram restaurados os tijolos maciços e regularizados os vãos das esquadrias interiores, de onde partiu todo o trabalho, enquanto o escoramento das lajes internas era aguardado.

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Di v u lg a ç ã o

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Para a cor, Jorge buscou máxima aproximação com o ocre original, completamente desgastado, utilizando o bege e o amarelo. “Hoje, podemos dizer que o processo de degrado do edifício Chanteclair está estancado. Fico muito feliz por ter contribuído para que isso fosse possível”, diz Jorge Passos, ressaltando a importância do projeto.

lu c a s o l i v e i r a

“O prédio, assim como todo o conjunto arquitetônico do Bairro do Recife, segue o ecletismo do final do século XIX, que só começou a ser valorizado no final da década de 1990, quando o poder público buscou a preservação. Recife é uma cidade fantástica, que merece esse presente. Através do antigo redescobrimos o novo e, assim, trazemos de volta a nossa identidade”, conclui.

no sentido horário, a partir do topo: o chanteclair no início do sÉCULO XX, em fotografia preto e branco; telhado original restaurado; os ornatos das fachadas são restaurados; E detalhes da fachada do prédio, que buscou em sua restauração o

Di v u lg a ç ã o

tom ocre original.

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Jorge Passos Arquitetura & Restauro Fone: (81) 3429.2466 www.jorgepassos.com.br





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Arte e história

em Apipucos

Casa preserva acervo valioso e bem cuidado pelo morador Por: Edi Souza Fotos: Lucas Oliveira

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escritório do arquiteto Carlos Augusto Lira projetou uma espaçosa casa no bairro de Apipucos, Zona Norte do Recife, atento à importância da coleção de arte mantida pelo morador. A necessidade de ordenar peças históricas preservadas em uma estrutura moderna permearam o trabalho programado desde a planta. O resultado foram ambientes amplos que agrupam objetos vindos de acervo familiar, antiquários e até de grandes leilões.

Parte do mobiliário tem mais de 100 anos de fabricação e, por isso, foi restaurado com acabamento minucioso. É o caso da extensa mesa de jantar e da cômoda de madeira Dom José próximo ao quadro da pintora francesa Rosa Bauneur. A peça, confeccionada fora do Brasil, levou 15 dias para eliminar os desgastes do tempo sob as mãos do restaurador Mozart Amorim, que há mais de duas décadas recupera objetos de todas as origens.

Nossa sorte foi lidar com itens únicos e de grande apelo histórico

Carlos Augusto Lira

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capa “Trabalho com este cliente há quatro anos. Restaurei as principais mobílias da casa, atento aos seus detalhes históricos. Assim, não se tornaram réplicas, mas originais renovados”, explica Mozart Amorim. No geral, foram indispensáveis os reparos em pintura, colagem e retirada de arranhões. Alguns móveis pertenceram à família que residia no antigo casarão da Rua Benfica, onde hoje funciona a Blue Angel Recepção, e traduzem o estilo de vida dos recifenses tradicionais. “Os pais deste cliente possuíam uma história forte de colecionismo, pois viajavam muito e adquiriam itens raríssimos. O filho conviveu com tudo isso e aprimorou o gosto por trabalhos importantes que o mundo dá”, resume Carlos Augusto.

Na sala principal, chama atenção o móvel desenhado pelo arquiteto, que abriga o acervo imponente da Companhia das Índias — trazido ao Brasil com a corte portuguesa. “São relíquias cuidadas por uma equipe específica no manuseio, capaz de manter a coleção em seu estado original, pois caracteriza o valor dessas peças”, completa o arquiteto. Intercalado a isso estão elementos como os marfins chineses do século XVIII e as esculturas de mármore adquiridas no escritório da Sotheby’s no Brasil. Já o oratório de madeira é um dos itens que representa esse gosto pelo passado e sua arte. “Ele possui uma pintura original, típica de quatro séculos atrás, que exigiu delicadeza no processo”, completa o restaurador.

Restaurei as principais mobílias da casa, atento aos seus detalhes históricos. Assim, não se tornaram réplicas, mas originais renovados Mozart Amorim

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À noite, a iluminação geral e pontual valoriza o ambiente ao mesmo tempo em que tira partido da coberta. Destaque para a imponência do lustre Baccarat e do candelabro de chão dos tempos do império brasileiro.

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capa Para Carlos Augusto Lira, que também reside em Apipucos, não haveria endereço mais significativo para a reunião de um acervo tão clássico. “As casas da Zona Norte têm essa característica de espaços amplos bem aproveitados. Nossa sorte foi lidar com itens únicos e de grande apelo histórico, de acordo com as necessidades do morador”. Em outra área da casa, um item também restaurado ganha destaque no ambiente. É o caso das duas cadeiras de barbeiro, garimpadas no interior do Estado, que exigiram o trabalho de colagem das partes quebradas. “Em termos de projeto, exploramos as cores que os objetos traziam, porque a madeira e a decoração falam por si. Precisávamos apenas vazar as paredes e obter uma estrutura ampla que dialoga com o jardim”, arremata Carlos Augusto Lira.

Carlos Augusto Lira Fone: (81) 3268.1360 www.carlosaugustolira.com.br Mozart Amorim Fone: (81) 8511.7619 | 3458.6798

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arte

Mestres da arte, herdeiros do tempo Por: Germana Telles Fotos: Danilo Galvão Lucas Oliveira Victor Muzzi Acervo Fundaj

Eles são observadores atentos, do tempo e das transformações que acontecem ao longo dos anos em obras deixadas como herança por artesãos e artistas. Analisam, avaliam, estudam e dissecam cada sulco e marcas deixadas por intervenções mal sucedidas e só então partem para o restauro, trazendo um novo respiro, rebuscando, devolvendo a beleza original a peças, objetos e telas. Compartilham a mesma paixão mesmo que por caminhos distintos, Claudio Arnaud, Hélio Barbosa, Iramaraí José Vilela de Freitas e Irapuan do Monte. Os quatro falam à SIM! sobre alguns desses resgates da memória, que deixam um legado cultural e histórico às futuras gerações.


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arte

claudio arnaud

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argentino Claudio Arnaud, está há 27 anos no Brasil e vem se dedicando há meio século ao ofício do restauro. Filho de um pintor de quadros, foi conhecendo aos poucos a pluralidade da arte, até chegar à possibilidade de renovar obras gastas pelo tempo. Durante todos esses anos, ferro, louça, bronze, madeira, pedra e vidro moldaram-se ao talento do restaurador. Com ar sério, sem meias palavras, Arnaud define a importância do olhar sobre o objeto. “É preciso grande responsabilidade. O mais bonito não é o fim,

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mas a percepção de que a peça existe — naquele ferro retorcido, pedaço de madeira ou vidro partido — e que, mesmo maltratada, pode ser restaurada”. Com esse olhar, chega a restaurar 2 mil peças por ano, em seu atelier, no Pina. Entre os trabalhos de maior destaque estão a participação no restauro do campanário, os portões (1) e as claraboias (2) da Faculdade de Direito do Recife. Também integrou a equipe que restaurou as esculturas do Teatro Santo Isabel (3), e recuperou dois lustres de 24 braços para o Sheraton Recife, em ferro forjado.

O mais bonito não é o fim, mas a percepção de que a peça existe e que, mesmo maltratada, pode ser restaurada

O que o entristece? “Ver as antiguidades desaparecerem. A grande recompensa é humanista, é sobreviver do que faço e ver que as pessoas gostam do resultado final. O reconhecimento, essa é a melhor recompensa”, encerra.


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Claudio Arnaud Fone: (81) 3465.7121

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hélio barbosa

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rinta anos de carreira e uma bagagem invejável deram a Hélio Barbosa Ferreira a certeza de que restaurar é uma profissão de alto risco, habilidade e frieza. “Restaurar é dar durabilidade e agregar sem ferir a obra original”, diz. Entre os principais trabalhos, participação no restauro dos paineis de Cícero Dias, na Secretaria Estadual da Fazenda de Pernambuco (Sefaz), os altares laterais da Igreja da Sé, ilhargas da Madre de Deus (pelo IPHAN) e capela-mor da Igreja Matriz de Marechal Deodoro (AL). Após a especialização — em 1998, em São Paulo — aprofundou ainda mais o

conhecimento. Restaurou 22 telas, atualmente expostas na Faculdade de Direito do Recife, e coordenou os trabalhos do acervo do Teatro Santa Isabel, no ano de 2006. Com tempo de estudo, avaliações repetidas e detalhadas, Hélio aponta a remoção como a fase mais complexa, numa obra que já sofreu alguma tentativa de reparo anterior. Testes minuciosos de pigmentação são necessários para chegar à certeza se houve ou não intervenção e que danos foram causados. “O primeiro cuidado que temos é com a obra em si. O restaurador não pode pensar que é um artista. Se houve o dano, é preciso interferir sem mudar a leitura da obra”, ressalta.

O restaurador não pode pensar que é um artista. Se houve um dano, é preciso interferir sem mudar a leitura da obra

Hélio Barbosa Fone: (81) 9945.5527


Revertendo a degradação O restauro dos paineis de Cícero Dias exigiram da equipe, da qual Hélio Azevedo fez parte, em 2002, paciência e perícia. Após a quase extinção – causada pela demolição de dois dos nove murais e da caiação sobre os sete restantes, em 1959 – a obra original (de 1948) teve sua primeira tentativa de restauro nos anos de 1980, numa parceria entre a Sefaz e o Museu do Estado. O trabalho durou quatro anos, chegando a remover até nove camadas de tinta das paredes. Nos anos 90, nova intervenção revelou que a superfície original havia sido lixada e encoberta por aplicação de argamassa. Na restauração de 2002 foi preciso reverter o processo de degradação, resgatar a expressão cromática, remover elementos espúrios, como as manchas causadas pelo acúmulo de fuligem urbana e o desgaste do tempo.

R e t r at o d o Co n s e l h e i r o J o ã o A l f r e d o r e s ta u r a d o p o r H é l io B a r b os a , n a F u n d a j . Pi n t u r a o r i g i n a l , e m ó l e o so b r e t e l a , c o r r om p i d a n u m a t e n tat i v a a n t e r io r d e r e s ta u r o . T e s t e s d e p i g m e n ta ç ã o c om p r o v a r a m a i n t e r v e n ç ã o m a l s u c e d i d a . c om p a r e d a e s q u e r d a p a r a a d i r e i ta o p r o c e sso d e r e s ta u r a ç ã o .

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arte

Iramaraí freitas

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destreza das mãos calejadas e o olhar de quem sempre está surpreso com o mundo, moldam a expressividade à flor da pele, de um artista que aperfeiçoou o ofício através da renovação de peças praticamente mortas, como quem realmente recria a vida. “Os objetos têm muito a contar. Basta saber esperar, tocar, observar. Eles sempre mostram quando estão prontos”, diz Iramaraí Freitas, sentado na cadeira feita de um tronco de Jatobá, plantada na sala da sua casa.

Tenho um suporte subjetivo, que é o tempo. Trabalho com material usado, desgastado. Espero que ele me diga algo, em cima desse meu suporte

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Entre as inúmeras peças que cruzaram o seu caminho estão os oratórios (1), o retábulo do altar-mor (2), o piso e o baldaquino do Mosteiro de São Bento (Olinda); e os altares laterais e frontais da Igreja do Rosário dos Pretos. O contato com o restauro veio em 2001, quando foi chamado pela coordenadora técnica da Fundaj, Pérside Omena, para participar da equipe composta por restauradores, marceneiros, entalhadores e auxiliares, que iriam restaurar o retábulo do mosteiro. Para recuperar a peça, a equipe filmou, fotografou, mapeou e documentou a estrutura de madeira. Depois refixou as folhas deslocadas, desmontou todo o encaixe, imunizou, retirou os cravos oxidados e limpou. Todo o trabalho foi acompanhado de perto por técnicos do Museu Guggenheim (Nova York), já que a reestruturação da obra foi necessária, antes da viagem aos Estados Unidos, para seis meses de exposição. “Foi uma entrega árdua e marcante, mas que me trouxe um olhar meticuloso e cuidadoso em tudo que eu faço”, afirma.

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Como pontos fundamentais no restauro, Iramaraí aponta a análise e a consolidação de cada peça. “Tenho um suporte subjetivo, que é o tempo. Trabalho com material usado, desgastado. Espero que ele me diga algo. Aprendi que a madeira tem o uso no tempo certo, na umidade certa, no posicionamento certo. Usando essa percepção e as técnicas, tudo flui”, conta.


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IramaraĂ­ JosĂŠ Vilela de Freitas

Continua

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Irapuan do Monte

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ão sou um semideus, mas gosto de criar. E restaurar também é trazer de volta a criação de alguém”, sentencia Irapuan do Monte. Aos 60 anos (42 dedicados à profissão), já foi encadernador e bombeiro hidráulico antes de conhecer os meandros do entalhe. Aprendeu a empalhar e passou a investir no ofício de esculpir bichos em pedra e madeira. Depois, partiu para os santos e personagens históricos. Levou os trabalhos para as galerias e foi chamado por Tereza Carmem Diniz para integrar sua equipe de restauração. Restaurou altar, púlpito e portas da Igreja do Espírito Santo e foi chamado pela Fundarpe para fazer parte do grupo de Nilce Fontes, na recuperação da sacristia, do claustro, a pinacoteca e a capela-mor do Convento de Santo Antônio.

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É preciso conhecer a técnica usada por quem criou a peça, a matéria-prima e como é possível trazer o objeto de volta sem descaracterizar Em seguida, ficou três meses debruçado sobre os utensílios da Casa do Mestre Vitalino e na restauração da edificação de barro, em Caruaru. De lá, partiu com Nilce e Isabel Bastos para os móveis e obras de arte do Museu do Estado, como o nivelamento e colagem do Oratório em Cedro (2) e o Palanquim da Igreja do Corpo Santo (4), demolida em 1913 no Marco Zero do Recife. Foi restaurador também no painel que reproduz a Batalha dos Guararapes (1), com Pérsida Omena, pela Fundaj.

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Tanta experiência lhe trouxe serenidade e intimidade no ofício. “O restauro exige atenção extrema e respeito ao trabalho já existente. É preciso conhecer a técnica usada por quem criou a peça, a matéria-prima e como é possível trazer o objeto de volta sem descaracterizar”. Atualmente, Irapuan perde a noção do tempo em sua oficina, onde restaura móveis antigos e domina, como poucos, a machetaria (mosaicos em madeira). Às vezes pode levar cinco meses, numa só peça, com esmero, cuidado e paciência. Avalia, limpa, faz preenchimento e fixação onde o cupim esculpiu galerias fatais, e orgulha-se em trazer de volta à vida. “Não rejeito. As coisas chegam aqui e eu enfrento. É regozijante. Objetos restaurados carregam vidas, histórias. Você pode comprar similares, mas o antigo foi do avô, da avó. Eles podem até não ser únicos, mas são raros”.

Irapuan do Monte Fone: (81) 8846.7419

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delícias

formas em evidência Doceira ressalta o lúdico e os detalhes em suas criações Por: Beth Oliveira Fotos: Victor Muzzi

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as mãos de Mariana Parini os doces ganham forma, colorido e significado. Chocolate, açúcar e leite condensado, por exemplo, transformam-se em elementos vindos da natureza ou do imaginário. “Adoro transformar um beijo de coco em rosto de urso ou um damasco em flor. Tem gente que olha a rosa de maçã e não sabe se é para comer”. Para este Delícias, a chef elaborou uma concepção visual diferente. O primeiro prato é fruto de lembranças da sua avó inglesa, que sempre preparava alguma guloseima. “Ela tinha muita habilidade manual e primava pelos detalhes. A flor de mamão verde fatiado é uma de suas receitas”. Aqui, o espiral e o movimento das formas se afina com o verde brando. A textura leve dessa composição também tem aprovação da chef. “O que mais me chama atenção é o fato de ser de mamão, que tem uma aparência grandalhona e desengonçada. O incrível é trazer para ele um formato bonito”.

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Dolce Vitrine Fone: (81) 3031 1112 marianaparini@hotmail.com


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Já na segunda receita, o chocolate branco recebeu um toque natural, tornando-se uma orquídea com detalhes em vermelho, criados com a manteiga de cacau tingida. “Gosto desse jeito meio disforme que ela tem. Sua beleza é irreverente porque não tem estereótipo, não é dividida em partes iguais e não respeita padrões estéticos. Além disso, tem nuances de tons diferentes na própria flor.” O processo criativo espontâneo de Mariana é refletido no resultado final de suas criações. “É o detalhe que muda tudo. Gosto de brincar de inventar, por isso, fazer um sushi de doce para mim é tão divertido. No meu sushi, a calda de

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chocolate representa o shoyo”, comenta ao apresentar o terceiro prato. Doces que fazem sucesso em sua loja, como o damasco recheado, o brigadeiro de romeu e julieta, o brigadeiro de cartola e a junção de damasco com goiaba, receberam nova identidade visual. Foi a beleza da cozinha oriental que serviu de ponto de partida para a montagem. Seguindo o conceito de que o ser humano é visual e é despertado pelos sentidos, a chef comenta que na arte da pâtisserie o que encanta é aquilo que engana o olhar. “Uma boa aparência aguça a vontade de degustar. O que dá vontade de comer é aquilo que enche os olhos”, divaga.

Na arte da pâtisserie o que encanta é aquilo que engana o olhar


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Para o último prato, a chef se inspirou na tradição e nas memórias coloniais, unindo o contemporâneo a ingredientes já consolidados em Pernambuco. O creme do queijo gorgonzola enaltece a cor intensa do mel de engenho. A sobriedade faz parte desta criação, que evidencia o diálogo entre os dois tempos. O suporte em vidro não só revela a imponência como deixa aparente o contraste de cores. Esse prato remete a um perfil diferenciado de suas elaborações, nele é possível combinar sabores do doce e do salgado e extrair a sinuosidade vertical. Segundo Mariana, a proposta foi preparar algo que trouxesse a lembrança dos engenhos e a presença cultural do açúcar em uma versão atual.

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