Epilepsia, convulsão, CNEP, Desmaio.
O que ela teve, Dr.? Hoje, pela tarde na unidade de Pronto Atendimento (UPA), atendi uma jovem de 16 anos que perdeu a consciência temporariamente e me comovi com a angústia dos pais em querer saber qual era o diagnóstico de sua filha. Isso me motivou a escrever este texto
DR. FABIO HENRIQUE LIMONTE NEUROLOGIA CRM/SP 151.128 - RQE 59036 • Neurologista; • Epileptoligista.
Poucas doenças na medicina têm a capacidade de se instalar tão subitamente e levar o paciente à perda total da consciência e se reverter rapidamente, como as condições citadas no título deste texto. O conhecimento da humanidade sobre as crises convulsivas evoluiu drasticamente: de possessão por más entidades no século XVI, passando por Histeria e Neurose, no século XIX, até o conceito atual da ILAE (Internacional League Against Epilepsy) de 2017, onde considera epilepsia como doença do cérebro que cursa com: 1. Duas crises não provocadas em intervalo menor que 24h; 2. Uma crise não provocada com uma probabilidade futura de risco de recorrência em 10 anos; 3. Diagnóstico de uma síndrome epiléptica. Desta forma, epilepsia seria uma doença, ao passo que, crise convulsiva seria um evento isolado. O termo convulsão, por seu uso repetido na literatura médica, foi consagrado e segundo ILAE,2005: significa crises que pressupõem episódios de contração muscular excessiva e anormal, mantida ou interrompida, usualmente bilateral. Quando as crises não apresentam manifestações motoras, não são chamadas crises convulsivas, podendo ser crises neurovegetativas, sensitivas ou sensoriais, dependendo da porção do cérebro onde ocorre a disfunção.
E agora que sabemos o que é epilepsia e convulsão, o que é CNEP? Crise Não Epiléptica de origem psicogênica (CNEP).
As causas são muitas e divididas em dois grupos:
Neuromediadas (vaso-vagal, efeito de álcool, AVC, disautonomia primária: pura, atrofia de múltiplos sistema, parkinsonismo ou secundaria: diabetes, amiloide) e Cardiomediadas (arritmias: Bradi ou taquiarritimas, valvopatias, Infarto, embolia), por este motivo, TODO desmaio deve ser INVESTIGADO! Um estudo de 17 anos, feito na vila de Framingham-EUA, mostrou que as principais causas de síncope (desmaio) foram: Indeterminada (36%), Vaso-vagal (21%), cardíaca (9,5%), seguido por ortostática, medicação, crise epiléptica e AVC. Nestes casos, é impossível em uma única avaliação esgotar todas estas possibilidades diagnósticas com clareza. Uma avaliação cuidadosa com um acompanhamento deve ser feito para que as causas potencialmente graves sejam excluídas e para avaliar o efeito do tratamento instituído. Voltando à menina do plantão, ela apresentava-se com sinal de liberação vesical, sudoreica e sonolenta, era diabética e seu dextro de entrada fora de 40mg/dl (hipoglicemia), devido a um jejum prolongado espontâneo (segundo a mãe, por exacerbação de um quadro emocional). Este caso ilustra como, na teoria, as coisas são estáticas, segmentadas e passíveis de enquadramento em fluxogramas. Contudo, na vida real, estamos expostos à multifatoriedade e neste contexto: convulsão, desmaio e eventos de ordem emocional atuam em conjunto e têm relações totalmente interdependentes. Por este motivo, devemos tratar o indivíduo (“ser, que não pode ser dividido”) e não tratar exclusivamente uma doença. A arte de cuidar está intimamente relacionada com nossa habilidade de sentir o outro como uma extensão de nós mesmos.
Seria, então, um “Piti”, coisa da mente, ou simulação? Para quem acreditava que a Epilepsia era possessão e histeria, a luz da falta de conhecimento, não podemos neste momento dizer que a CNEP seja uma doença puramente factícia (baseada em simulações conscientes). O que ocorre, nestes pacientes, é uma dissociação entre o evento apresentado e os achados no Eletroencefalograma (EEG). Seu diagnóstico, que deve ser feito por meio de monitorização no Vídeo-EEG, e com a confirmação do paciente e dos acompanhantes de que os eventos apresentados são idênticos aos que ocorrem na vida diária (validação clínica). Não obstante, nos deparamos com pacientes com os dois diagnósticos: epilepsia e CNEP!
E o desmaio, onde entra nesta história? Desmaios ou síncopes são interrupções brusca e ligeiras da consciência sem capacidade de se manter em pé (posição ortostática) e com rápida recuperação. 104
Revista Saúde | Setembro . 2017 | rsaude.com.br
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