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DIREITO MÉDICO

A LEI DEVE PROTEGER OS BONS, SEM CRIAR PRECEDENTES PARA OS MAUS Tramita, perante a Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) nº 2.865/2015, de autoria do deputado Lucio Mosquini (MDB/RO), que altera o artigo 188 do Código Civil e o artigo 25-A do Código Penal Brasileiro. A rigor, no que se refere ao Código Civil, o PL determina que não sejam considerados atos ilícitos os erros praticados por profissionais da saúde em emergências aos quais não tenham dado causa. Na esfera penal, o projeto acrescenta o parágrafo segundo ao artigo 25-A da lei repressiva para determinar que não será considerada culpável a imperícia, a negligência ou a imprudência, quando praticadas por profissionais da saúde em intervenções necessárias, quando decorrentes de emergências às quais não tenham dado causa. Na prática, o PL legitima e dá respaldo ao erro profissional, desde que tenha sido praticado em emergência, para cuja deflagração o mesmo não tenha concorrido. Submetido à Comissão Temática Permanente de Seguridade Social e Família, sob a relatoria do deputado Henrique Mandetta (DEM/MS), que é médico, o projeto foi rejeitado e seguiu para apreciação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Não duvidamos da extrema boa intenção do deputado autor do projeto. Todavia, o mesmo denota desconhecimento pragmático da realidade fática e interpretação equivocada dos dispositivos legais. Uma emergência é, de per si, uma situação de anormalidade e exige, portanto, atitudes e ações também anormais. O que afasta a culpabilidade em ato médico praticado em tais circunstâncias não é a ausência de negligência, imperícia ou imprudência, mas sim a inexigibilidade de conduta diversa daquela que praticou.

Aprovar o Projeto de Lei na forma proposta pelo autor não protegeria os bons profissionais, mas poderia vir a acobertar os atos dos maus profissionais e, inclusive, tornar impunes erros grosseiros com graves consequências aos pacientes. A emergência não autoriza que se negligenciem regras, protocolos e ritualísticas cientificamente comprovadas e exigíveis do profissional mediano. Melhor seria se o legislador se preocupasse em criar e aprovar leis que propiciem e garantam aos profissionais de saúde, sobretudo no serviço público, condições mais dignas e recursos materiais suficientes para exercerem eticamente a sua profissão, cuidando realmente da saúde da população. Já é o momento de se preocupar mais com a qualidade em saúde e com a segurança do paciente e dos profissionais, que tanto se expõem a mínguas dos mínimos recursos materiais, tecnológicos e farmacológicos.

Raul Canal Advogado, presidente da Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética) Autor das obras “O pensamento jurisprudencial brasileiro no terceiro milênio sobre erro médico” e “Erro médico e judicialização da medicina”. Foto: Shodo Yassunaga

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