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Salve a rainha De todes

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é a resposta

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Era um sábado à tarde quando fui surpreendida com um convite incrível. Fui chamada para o ensaio fotográfico de divulgação do retorno do Salve Rainha. Fiquei muito alegre, pois infelizmente nunca tinha vivenciado esse evento, mas já o conhecia há muito tempo.

As fotos ficaram maravilhosas e me fizeram sentir um gostinho do que seria o Pré-Carnaval do Salve Rainha

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2023. Uma semana de espera. Estava ansiosa para conhecer a imensidão

Fernanda Rodrigues

que esse movimento representa. O Salve se tornou um marco na cultura teresinense entre 2015 e 2017. Pouco tempo depois de eu me mudar para Teresina, em 2018, o Salve havia feito sua última ação pública.

Ao chegar na tão esperada festa, me deparei com uma fila enorme. Gente que estava louca por aquele momento. Felizmente, por conta da participação nas fotos, meu nome estava na lista vip e consegui adentrar o espaço logo que cheguei. Uma explosão de cores.

É como posso descrever o que meus olhos sentiram.

Fui caminhando vagarosamente pelo corredor lotado de pessoas. Exposições de arte, feira de livros, bijuterias, roupas, acessórios e muito mais. Tudo formava uma composição com diversas camadas de cultura, arte e vida. Resolvi explorar a intervenção artística que ocorria em uma pequena sala do espaço. Me deparei com uma figura emblemática, representada por um manequim enfeitado…

Francisco da Chagas, Chagas, Chaguinha, Kency Porta… São os múltiplos nomes que se referem ao grande idealizador do Salve, uma alma artística que tinha sonhos diversos para revolucionar o fazer cultural da sua cidade, e que infelizmente não se encontra mais entre nós (pelo menos, materialmente).

Pré-Carnaval “Rainha de Todes”.

Foto: Geirlys Silva

Tudo começou em 2014, na primeira edição da Parada de Cinema (importante evento do audiovisual do estado), como conta Sam Jales, cirurgião-dentista e integrante do Salve: “Chagas, com o apoio de amigos próximos, começou a fomentar a ideia de fazer um café, em que tivesse uma feira gastronômica, uma cozinha experimental, junto com uma galeria de arte. E veio a oportunidade de fazer isso no evento da Parada de Cinema, na praça Ocílio Lago, que acabou se transformando em algo maior do que o planejado, onde houve exposições de arte, músicos e essa cozinha experimental. E foi naquele momento que surgiu o Salve Rainha”.

Sam me explicou que os primeiros eventos foram chamados de “ensaios”, por ser tratarem de testes, experimentações, do que se tornaria de fato o Salve Rainha, e em setembro de 2014 ocorreu o primeiro deles: “Ensaios de Primavera”, que durou quatro domingos consecutivos na praça Ocílio Lago. A cada domingo a movimentação era maior e o público passou a enxergar o potencial que aquela ocupação artística tinha.

Em 2015, vieram os “Ensaios de Carnaval” na Rua Climatizada, centro da cidade. “Teresina não tem um um centro histórico assim como outras cidades do nordeste. Você vai pra qualquer capital do nordeste e existe uma movimentação noturna no centro histórico. Então foi muita expertise do Chaguinha e dos colaboradores de levar esse olhar para o centro da cidade”, ressalta Sam Jales.

E então chegamos ao grande ponto do que para muitos significa o sucesso do Salve: ocupar e acolher. O Salve Rainha passou a ser um movimento de ocupação de espaços públicos. Espaços que antes estavam sendo subutilizados ou abandonados pelo poder público receberam o olhar de pessoas que também foram esquecidas por muito tempo: a comunidade LGBTQIAPN+.

A parte do “acolher” vem justamente do ponto de que quando esses espaços foram ocupados, criou-se também um local de apoio à comunidade, um ambiente confortável para todes, independentemente de cor, gênero, classe, orientação sexual etc.

Em 2016, o coletivo vivia seu auge de sucesso e a realização do grande sonho inicial de Chagas: O Café Sobrenatural, no Parque da Cidadania (definido também como Kency Park pelos integrantes), sonho que infelizmente foi interrompido por um crime de trânsito que tirou a vida dele e de seu irmão, Bruno, braço direito de chagas nas ações do Salve Rainha.

A tragédia abalou os integrantes do coletivo, assim como chocou boa parte dos Teresinenses. Era um banho de água fria para todas aquelas pessoas que estavam entusiasmados com o calor de vida que o Salve proporcionava. O fato mudou os rumos do projeto, mas uma certeza era clara: nada ia acabar com a potência que o Salve Rainha havia criado dentro de quem o viveu.

Por conta da falta de financiamento público, em 2018 os integrantes resolveram iniciar uma pausa nas ações públicas do salve, mas o coletivo sempre se manteve ativo internamente, conta Sam Jales: “Passamos exatamente dois anos estudando, fazendo capacitações, formações…E isso estava em paralelo também com a vida pessoal de cada membro do coletivo. Muitos de nós estávamos em processos de formação acadêmica, e também fazíamos pesquisas sobre o Salve Rainha e sobre coletivos parecidos com o nosso em outras cidades. Buscamos fazer um networking em outras cidades, outros estados”.

A pandemia atrasou o retorno do Salve, assim como o massacre da cultura proporcionado pelo governo que estava no poder. O coletivo se viu então obrigado a aguardar mais alguns anos para finalmente em 2023, com boas notícias para o setor cultural vindas do novo presidente, voltar com tudo e com uma programação incrível durante o ano.

Para a felicidade de todes, o primeiro evento após a pausa “chegou, chegando”. O Pré-Carnaval do Salve Rainha, intitulado “Rainha de Todes”, aconteceu no dia 15 de janeiro de 2023, no Centro Multicultural Stouradas.

Richard Henrique, integrante do Salve e idealizador do local que recebeu a festa, conta como foi a sensação desse momento: “Receber o coletivo no Stouradas é fruto de um trabalho árduo que eu venho fazendo há muitos anos. É um processo de construção que aos poucos vem fazendo sentido e trazendo novas oportunidades para a cena artística cultural local”.

O evento foi surreal. Nessa parte posso ser minha própria fonte, pois a sensação que vivi foi principalmente de esperança. Esperança de que o mundo tem jeito, de que existem pessoas boas e, acima de tudo, pessoas corajosas. Gente que quer e que vai atrás de mudar realidades, que luta contra as barreiras, que faz de um limão uma limonada. Que faz de um café uma salvação. Salve!

Por Carlos Júnior e Agnes Moita

Na calmaria do Bairro de Fátima, na rua Júlio Mendes, tive o privilégio de poder brincar na calçada quando criança. Uma das minhas memórias mais bonitas era a de pegar urucum nos muros da casada frente e pintar meu próprio rosto. Uma linda casa, que ocupa um quarteirão inteiro e perfuma de dentro para fora com flores e limões cujas galhas repousam sobre os muros baixos, embelezando verdadeiramente aquele quarteirão.

Quando eu era criança até minha adolescência tive o privilégio de esperar ansiosa o mês de setembro para assistir os 3 ipês da casa florirem. Da janela do meu quarto fazia fotos e mais fotos. Aquela casa pertencia ao professor Wilson Batista, amigo de meus avós. Em 2014, tive outra boa surpresa. A notícia de que sua filha, Ceiça Batista, amiga de minha mãe e mãe do Thiago, meu amigo de infância, se mudaria para lá com a família!

Fiquei muito feliz com aquela notícia. Aquele quintal enorme que eu só podia frequentar em alguns domingos quando vinha da missa na Igreja de Fátima, agora era a casa de um vizinho próximo. Era para mim a notícia de ter um amigo em frente de casa e a esperança de poder passear naquela natureza mais vezes!

Ao longo desses anos, seguimos trocando mangas de lá, com amoras de cá e toda sorte de frutas, sobremesas e mimos que nossas mães faziam questão de preparar uma para outra. Sempre que eu entrava ali, pensava em como eu gostaria que todas as pessoas do mundo tivessem a oportunidade de conhecer aquele lindo espaço.

Até que após um ano de pandemia, soube que minha querida tia Ceiça iria abrir seu quintal para o público. Começava ali o projeto do espaço QuintEssência!

Conceição de Maria Vieira Batista é psicoterapeuta e proprietária da QuintEssência Espaço Cultural e Terapêutico. Ao conceder entrevista, ela ressalta a ideia pelo significado do nome do espaço:

“Atenção para a escrita do nome… tudo junto e com a letra “E” maiúscula no meio. O nome foi escolhido cuidadosamente para representar o espaço: QUINTA, de quintal, pé no chão, contato com a natureza (coisa rara nas casas atuais); ESSÊNCIA (natureza íntima de cada ser, que o torna único no mundo). A junção das duas palavras: QUINTESSÊNCIA é o quinto elemento da natureza, o éter ou espírito, a energia da criação. Que é o motivo pelo qual a QuintEssência foi criada: para ser um berço de criações, transformações e ressignificados!”

Ela conta como surgiu a ideia de transformar a própria casa em espaço artístico. ‘’A QuintEssência é o quintal onde eu cresci e brinquei! É também o quintal onde meus filhos cresceram e brincaram! Mas agora que eles são adultos, o espaço começou a ficar um pouco obsoleto e eu fui sentindo a necessidade de dar vida a ele novamente! Neste ínterim, chegou a pandemia trazendo uma outra necessidade: a de nos reinventarmos numa sociedade que agora gritava por saúde (física e emocional). Então eu casei uma ideia com a outra e resolvi abrir meu quintal para que crianças, pequenas e grandes (adultos), pudessem usufruir das delícias que ele oferece’’.

A classificação do espaço feita por ela também nos dá mais detalhes acerca da sua ideia. ‘’QuintEssência é um espaço cultural e terapêutico. Trata-se de um jardim-quintal com carinha de sítio, super aconchegante e localizado no coração da cidade, onde as pessoas poderão ter contato com a natureza, respirar um pouco de ar puro e relaxar em meio ao verde. Aberto para qualquer tipo de evento, como: piqueniques, dia de brincadeiras, oficinas, rodas de conversa, vivências, ensaios fotográficos, exposições, meditação, relaxamento e práticas de terapias integrativas’’.

Perguntada a respeito da possibilidade do surgimento de novos artistas através do espaço, ela é bem taxativa: ‘’no fundo, todo mundo é artista! E a QuintEssência é um espaço onde se respira arte! Onde as pessoas são livres para ousarem e experimentarem com a certeza de que serão bem acolhidas e suas performances bem apreciadas’’.

A proprietária – que eu chamo de tia pela ligação tão sentimental outrora estabelecida – conta a experiência obtida na infância através das aulas de educação artística e como ela foi decisiva para a ideia do local. Imprimiu o gosto pela arte nela. O que uma boa experiência infantil não traz de direcionamentos nas fases seguintes da vida?

Eu tive a minha bem pertinho desse lindíssimo local. E, depois dessa experiência em presenciar a sua transformação, lembrei-me da minha em particular. Que o QuintEssência possa trazer boas lembranças aos seus frequentadores.

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