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Mulher de visão
Por Letícia Benício e Sabrina Alana
Era Tela branca. Espaço aberto com cajueiro ao lado do prédio da rádio universitária. Paredes com colagens, pixos, desenhos e pinturas. Jovens circulam pelo local. Música tocando ao fundo. Um grupo de universitários conversa rindo.
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Dentro dos muros da Universidade Federal do Piauí, Milena Rocha virou jornalista, mas muito antes, já era contadora de histórias. Desde os 12 anos de idade a menina de Santa Cruz do Piauí já sabia que queria comunicar e participava de uma rádio comunitária mesmo sem saber que o futuro a levaria para a emissora mais renomada do país.
Como é de se imaginar, uma garota do interior do Piauí não vem ao mundo munida de muitas oportunidades, o sonho de trabalhar com comunicação precisou ser moldado ao que estava ao alcance da família e da base de apoio de Milena. Ela se mudou para a capital e ingressou na universidade em busca de espaço para dizer e mostrar e foi lá que Milena começou a aprimorar as técnicas de direção que renderam prêmios e o destaque necessário para escalar um degrau gigantesco rumo a uma carreira promissora que ainda está apenas no início.
Durante a graduação as ideias, não só da Milena, mas de outros colegas, começaram a fervilhar. Ela e outros amigos se juntaram no coletivo Labcine, onde histórias acumuladas nas vivências dos jovens começaram a se encaixar na visão artística e política que se formava nas salas de aula e nos corredores e vivências da universidade. Milena conta com apreço sobre os papéis que desempenhou em seus primeiros documentários.
“O primeiro documentário que eu dirigi foi o ‘Mulheres de Visão’, que foi o meu próprio TCC, mas eu compartilhei muito do processo de produção, captação, roteiro e montagem do ‘Pranto do artista’ que foi TCC do Wesley. No próprio TCC do Germano também trabalhei como produtora e também fiz entrevistas. A gente era uma galera que se reunia pra fazer os TCCs juntos e TCCs acabavam tocando em temáticas muito emergentes e pulavam os muros da universidade através de mostras de cinema.”
O Mulheres de Visão, rendeu o diploma da jovem repórter, mas também rendeu premiações. O curta traz um trabalho de edição delicado com um olhar sensível sobre a vivência de pessoas com cegueira ou baixa visão.

As histórias se contam dentro de um compasso leve, imagens descontraídas mostram personagens carismáticos em tarefas diárias, em conversas corriqueiras. Dá para sentir o cuidado dedicado à obra pelos realizadores, as imagens claras, e a tela branca que frequentemente invade a cena para a troca de cenário, junto com uma narração descritiva de ambientação formam uma atmosfera que traduz para o espectador as vivências dos personagens que calmamente passam pelos quadros ao longo de 23 minutos.
Nos outros trabalhos realizados por ela e os amigos da universidade, o mesmo cuidado aparece. Títulos cheios de personalidade, cultura e visão política começaram a ser produzidos.
Pequenos curtas ilustrando realidades escondidas no universo piauiense, tendo suas histórias contadas por jovens em busca de voz. Ali, já fora dos muros da UFPI, a Milena ainda participou de outros tantos curtas com o coletivo Labcine, sempre em busca de contar, ou ajudar a contar uma história que merece ser ouvida e vista.
E além de contribuir com a cena cultural da capital, participando e ajudando na organização de mostras de cinema e outros eventos para promoção do cinema local, ela ainda encontra tempo para palestrar para jovens que sonham em ser uma Milena Rocha.

Tela Branca. Universidade lotada de pessoas. Alunos veteranos conduzem uma dinâmica com calouros pintados.

Era 2018, em meados de agosto, o carretel fervilhava de calouros barulhentos empolgados com o início das aulas onde todos esperavam virar jornalistas dentro de algum punhado de meses agrupados em oito períodos. Em um ritual conhecido para quem já frequentou os corredores de uma universidade, ‘veteranos’ davam boasvindas a uma turma recém-chegada.
Em um círculo, eu e mais 30 colegas ouvimos enquanto um mundo de oportunidades era colorido no anúncio da programação da semana do calouro de 2018.2.
Entre palestras, comunicados e orientações, saltou em todos nós um leve magnetismo quando ouvimos sobre a aluna que seria integrante do Profissão Repórter. Alguém que esteve ali, como todos nós, e que agora, como que num conto de fadas entre lentes e equipamentos, iria ser parte de histórias e vozes, contadas para milhares de pessoas. Virou uma inspiração para a maioria das pessoas ali que estavam nessa etapa de sonhar com o futuro da profissão escolhida. A Milena.
Que Milena?
Aquela que vai pro Profissão Repórter Nossa… Perfeita.
Era como se as possibilidades se tornassem possíveis. Havia ali perto, alguém que, mostrando pontos de vista e roteirizado situações que às vezes passam despercebidas na maioria das pessoas, conseguiu ser vista e ouvida. E ainda mais, para ser vista e ouvida, usou a voz que ganhou ali mesmo, onde eu e outro pequeno aglomerado de estudantes deslumbramos a ideia de seguir os passos da aluna prodígio.


Tela Branca. Milena Rocha aparece em frente a um computador na redação em estúdios da Globo. A chamada do programa Profissão Repórter anuncia a nova repórter do elenco na TV.
Ver a Milena na TV é ver um encanto que ela já deixava impresso nos filmes em que participou da produção e direção. Ela aparece, hora calma, e ri em meio a cobertura das pautas, hora aparece a Milena jornalista, focada em capturar as nuances da situação da melhor maneira.
E lá do Rio de Janeiro, a repórter da Globo, tirou um tempo para conversar com as calouras de 2018 e as respostas trouxeram muito mais que material para produção desta matéria, chegou nos áudios de respostas das perguntas uma vontade de alavancar outras Milenas e a narrativa de uma trajetória que se formou a partir da vontade de uma garota de mostrar o mundo de outras formas, e que se tornou possível através de união, amizade, arte e muito afinco por comunicar de formas inclusivas, afetivas e contundentes.
