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MUSEU DA MINHA MENTE
Celeste Ribeiro e Airton Lima
Segundo o dicionário, nostalgia é um sentimento prazeroso misturado com um pouco de tristeza e saudade quando pensamos sobre o que aconteceu no passado. Acredito que esse foi o sentimento mútuo de todos que visitaram a exposição da artista visual Lidia Bulgari, no Museu do Piauí ao longo dos 17 dias que as obras da artista estiveram em exibição no museu. A exposição, intitulada Museu da Minha Mente, traz vivências e lembranças da infância da artista.
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Mas afinal, como eu cheguei à exposição? Fiquei sabendo da exposição através de uma conhecida, por um post em uma rede social. Logo que vi a postagem comentei com alguns amigos e alguns dias depois ao participar de uma aula de campo no centro da cidade de Teresina, um dos locais visitados foi justamente a exposição da artista.
Chegamos na igreja de São Benedito, no dia e local escolhido para o encontro da turma e o início da nossa jornada pelas ruas do centro da capital, por volta das 16h de quinta-feira. De lá passamos por diversos pontos conhecidos da cidade, do Theatro 4 de setembro à lanchonetes populares. Chegamos a Praça da Bandeira já no final da tarde em meio ao corre corre das pessoas saindo de seus trabalhos, vendedores ambulantes, lojas fechando e pessoas retornando a suas residências. Assim que chegamos ao museu, o local já estava fechando, no entanto conseguimos visitar a exposição, quando adentramos o espaço o sentimento de nostalgia aparentemente foi comum a todos. antigamente. Desde o ferro de passar que eram de ferro com carvão, a bileira que colocavam o pote de barro, hoje a gente não vê mais, mas eram coisas tradicionais de todas as casinhas do interior e a exposição os quadros passam esse mesmo sentimento, é algo que provoca certa nostalgia e é regional .”
Era perceptível por meio de comentários dos que estavam ali presentes, “Na casa da minha avó tinha uma maquina dessa” , “Meus avós tinham um altar desses com santinhos” , “Lá em casa tinha um filtro desse de barro” , as reações eram as mais diversas e sempre acompanhadas de muitas risadas.

Já Rebeca me relatou que acreditava que a intenção da exposição era a sutileza de representar as diversas tarefas que o campo guarda, “A enxada, os paus, por exemplo, minha avó fazendeira usa estes itens para direcionar gado e galinha. Esses objetos são a rotina dela” .
Perguntei a duas colegas da turma suas impressões sobre a exposição e o que elas tinham achado, “Quando eu entrei na exposição eu tive a sensação de coisas que me remetiam ao interior, aos meus avós que vieram do interior” , iniciou relatando Sarah e continuou “Você conseguia rever uma casinha antiga, como eram as coisas
A exposição estava dividida em dois espaços, sendo o primeiro com o trabalho de pintura da artista exposto em telas, cadernetas e com algumas collabs com outros artistas regionais e até mesmo instituições, como a Casa de Zabelê, que lançaram juntos a Coleção Memórias com as obras da artista estampadas em camisetas, que estavam a venda no local. O objetivo da exposição além da divulgação de seu trabalho é a arrecadação de fundos para o custeio de uma viagem.
Lídia foi convidada a expor no Museu do Louvre em Paris por meio da Galeria Luciana Severo, em outubro. Já o segundo espaço possuía alguns móveis e objetos que remetem ao interior e ao passado, como enxadas, máquinas de costura antigas, filtro de barro, lamparina, entre outros elementos.
A artista nos recebeu e prontamente foi nos mostrando as obras e relatando de forma breve sobre os quadros e as collabs. Perguntei sobre o que teria sido a sua principal fonte de expiração, “São minhas memórias afetivas, as memórias que eu tenho da minha infância, principalmente as que eu tenho com minha família materna” .
Todas as obras retratam um pouco sobre a cultura piauiense, como os altares de santinhos, que quase sempre estão presentes nas casas em todo estado. O caju e a cajuína, lamparinas, a cana de açúcar, “Eu tentei trazer tanto essa parte das pinturas que tratam do regionalismo e da cultura piauiense, como a parte da instalação que envolvia móveis e utensílios. Que até o Pedro Vidalco costuma falar e eu adotei Memorabilia, que são móveis com memória afetiva , então eu realmente tentei trazer todas essas coisas que cresceram junto comigo para estarem presentes junto com as pessoas, realmente pela carga de memória afetiva que esses móveis e pinturas me trazem” . divisor de águas na minha vida, e de já, ele já tem aberto muitas portas, até pq eu nunca imaginava fazer uma exposição individual e a partir dessa necessidade de ir, eu me vi na correria pra conseguir lugares para expor., talvez se não fosse o convite para expor eu ainda não tivesse organizado minha primeira exposição.”
Continuamos a observar as obras da artista e um colega perguntou sobre o processo de construção da exposição e Lídia nos disse que toda a exposição foi pensada como uma forma de arrecadação de fundos para auxiliar no custeio da viagem, para expor no Louvre. Ela ainda nos disse que essa é sua primeira exposição individual e que tem uma importância ainda maior por ser no Museu do Piauí, que o sentimento que ela tem é de “satisfação” em expor no local.
Aproveitei e questionei sobre como era pra ela ser tão jovem e receber um convite desses, de expor no Museu mais famoso do mundo, “Expor fora do país pra mim é uma grande coisa, até pelo fato que eu sou uma artista bem jovem e já dá esse salto gigantesco.
Além de que tem o fato que a cultura piauiense só ser realmente reconhecida e valorizada quando vai pra fora , são reconhecidos lá e voltam pra cá” .
Falamos também sobre o impacto desse convite e viagem na sua vida, “Eu sinto que essa viagem, essa exposição e esse convite foi e vai ser um grande
Falando sobre essa questão de arrecadação de fundos e custeio, aproveitamos para falar sobre as dificuldades de ser artista aqui no estado. Afinal sabemos que o cenário cultural aqui em Teresina e no estado em geral, é algo que não tem tanta visibilidade e as pessoas, principalmente as mais marginalizadas, não têm o devido acesso, “A maior dificuldade do cenário artístico e cultural aqui do Piauí e em Teresina é o apoio e também falta a comunicação e maior divulgação de como participar de editais e concursos, e esse incentivo. Muitas pessoas produzem matérias belíssimas, mas por falta de incentivo e divulgação não conseguem mostrar aos outros o que elas fazem.” Encerramos nossa conversa por ali e continuei a observar a exposição com os demais da turma.
Ao final da visita a exposição perguntei às meninas o que mais tinham gostado na exposição, para Rebeca o que mais chamou sua atenção foram os quadros entre outros elementos da exposição, “Eu adorei os quadros, a toalha de mesa bordada de lei, os cajuzinhos e as florzinhas do pé de caju, é de uma delicadeza sem igual. Dos quadros o meu favorito é o da cajuína. A gente vê uma onda de cores quentes, passando um efeito de aurora boreal tanto na própria cajuína quanto ao fundo, e eu achei sensacional.”
“Eu achei bastante interessante, porque é como se tivessem resgatado hábitos da nossa cultura que hoje em dia não são tão comuns, mas que em algum momento fizeram parte da nossa vivência diária.” disse Sara.
Pois bem, finalizamos a visita ao museu com essa sensação nostálgica com a gente, pelo resto do nosso passeio pelo centro. De lá retornamos a igreja de São Benedito, nosso ponto de partida, porém no caminho de volta para encerrar além da sensação de nostalgia alguns experimentaram e vivenciaram o sentimento do novo, provando pela primeira vez o bom e velho caldo de cana. Afinal, qual a melhor forma de encerrar um passeio com tanta regionalidade piauiense, se não com um caldo de cana com pastel?
Sebo: com 4 letras se contam muitas histórias
Por Dhara Leandro e Mariella Aguiar
Entende-se por “sebo” as livrarias que comercializam livros usados, além de CDs, DVDs, gibis, entre vários outros produtos. Nunca entendi o porquê desse nome, então, como uma criança curiosa que pergunta para a mãe por que a vida é como é, fui procurar, e a resposta foi mais simples do que eu esperava: o termo “sebo” surgiu a partir da ideia de que os livros usados, por serem muito manuseados, ficam cheios de gordura — o sebo em questão.

Supostamente, os sebos surgiram na Europa no século XVI, quando mercadores passaram a vender papiros e documentos da época para pesquisadores, e chegaram ao Brasil no século XIX. Não se sabe ao certo quando, mas também chegaram na capital do Piauí. Distribuídas pela cidade, as pequenas livrarias compartilham do mesmo objetivo de espalhar conhecimento e cultura. Uma delas, no entanto, me chama a atenção. Abarrotada de livros e revistas usados, a banca do Seu Clemente fica escondida ali do ladinho do prédio dos Correios, na Avenida Antonino Freire — a menor avenida do mundo.
São 16h de uma quarta-feira. Estranhamente, ao chegar no local, me deparo com vários clientes esperando ser atendidos pelo dono do sebo. Sento na calçada frente à barraca observando a interação de Clemente com a clientela. Por várias vezes ele me pergunta se quero alguma coisa. “Quero conversar com o senhor, mas pode atender seus clientes primeiro!”, digo. Quando ele termina e olha para mim, parece que até já sabe o que quero perguntar. “Você é jornalista?”, indaga. Abro um sorriso e explico que estou fazendo uma matéria sobre sebos em Teresina, e ele prontamente se dispõe a me contar sua história. Ali, sentados na sombra em busca de um alívio do calor, ele começa:
“Sou Clemente, mas todo mundo me conhece como Processo. Esse apelido foi um advogado que me deu, porque eu vendia muito livro de Direito. Se você chegar aqui e perguntar quem é Clemente ninguém conhece, só Processo. Mas não vou lhe processar não”, ele diz brincando.
Clemente diz que o que mais vende no sebo são livros escolares e livretos de poesia. E realmente, assim que cheguei uma professora de História comprava com ele vários folhetos de literatura de cordel para usar em sala de aula. Estudantes do Instituto Federal do Piauí também pararam para folhear livros de Química e Matemática, decidindo quais levariam com eles para casa, em Cocais (PI).
O livreiro me conta que a banca era originalmente do Seu Dentinho, dono de um sebo praticamente em frente aos Correios, que só fica aberto pela manhã. Foi Dentinho quem o ajudou a começar o negócio, oferecendo a ele o trabalho de vender conhecimento e histórias. E foi assim que o Seu Clemente, morador de Timon (MA), passou a ocupar o centro da cidade com sua personalidade amigável, das 8h às 17h, de segunda à sábado.

Depois de algumas horas batendo papo e observando o movimento, Processo me fala, triste, que os sebos estão acabando. É assim mesmo que ele diz: “Os sebos estão acabando”. Segundo ele, falta incentivo à leitura nas escolas, o que acaba prejudicando não só as vendas de livros usados, mas também bancas e livrarias de todo o país. “O jovem de hoje só quer saber de Internet, não tem mais gosto pela leitura. Aqui só quem compra no sebo é o poeta, advogado, o pessoal antigo. Mas jovem é difícil passar por aqui.”

Ele também conta que o esvaziamento do centro da cidade também prejudicou o negócio. Ali, na região da praça Pedro II, poucas lojas continuam abertas, e a falta de pedestres fica clara nos poucos minutos que levam para se deslocar da Central de Artesanato Mestre Dezinho até a Paróquia de São Benedito. Mas isso nem é novidade. Qualquer teresinense (ou cidadão temporário, como eu) sabe que andar no Centro depois que o horário comercial acaba é missão quase impossível. E dia após dia vamos vivenciando a falta de vida noturna naquela região, que acaba entregue à criminalidade e às drogas.
Apesar de tudo, o sebo do Seu Clemente continua com suas portas abertas e livros espalhados. Mesmo que venha a ser a última banca funcionando na região, seu pequeno espaço sempre será um refúgio para os amantes da literatura e para quem gosta de conversa de calçada.
Saí de lá com mais um livro em mãos, mesmo após ter prometido a mim mesma que só iria comprar outro livro após ler aqueles que juntam poeira há meses na minha estante. Também prometi ao Processo que logo voltaria trazendo outras pessoas tão amantes de livros usados quanto eu.
Em uma outra quarta-feira, resolvi conhecer o Dentinho de quem tanto Processo falava. E ficava ali, um pouquinho antes dos Correios. Não ocupava tanto espaço, mas tinha mais livros do que eu provavelmente tinha lido a minha vida inteira. Uma mesma estante misturando Durkheim, Eça de Queiroz e Professor Pasquale. Revistinhas de super-heróis dividindo espaço com Nietzche. Toda uma atmosfera que me trazia de volta para quando eu era criança e estava passeando pelo centro de Brasília com minha avó, passando por bancas de revistas cheias de livros, cruzadinhas e afins. E lá estava ele, uma figura magra, com pouco mais de altura do que eu, boné e máscara: Antônio de Pádua, o famoso Dentinho. Cumprimento-o, digo que sou estudante de jornalismo e vim prestigiar seu trabalho. Ele é bem receptivo, e já me guia pelo lugar.
Vendo-o sozinho em meio a tantos livros, pergunto sobre o movimento daquele dia. “Hoje tá fraco”, responde. Pergunto se não é por conta do meio de semana e a resposta é, ironicamente, não. “Meio de semana é o melhor dia, mas como é final de mês, tá completamente arrasando tudo”, ele ri.
Conversa vai, conversa vem, Dentinho me mostra todo o seu acervo, e eu, surpresa, confesso a ele que nunca tinha ido a um sebo na vida. Dali, ele me conta toda a sua história. Segundo ele, desde criança, seu maior sonho era ter um sebo, que finalmente montou em 2015. Começou sozinho como um ambulante, vendendo revistas. “Colocava as revistas no ombro, você queria uma revista e eu mostrava as capas pra você”, conta, pegando algumas revistas de uma estante e refazendo os movimentos que narrava. Parecia ser memória muscular. Ele cita também que tinha alguns companheiros no trabalho, mas o único que sobrou da turma foi ele. “Alguns morreram, outros foram embora, e eu fiquei”.
A conversa parece encerrar ali. Eu, claramente impressionada com a história do dono do sebo, digo a ele que estou honrada por poder ouvi-la. Por algum motivo, sinto que ele não conta essa história pra tanta gente, ora porque passam muito apressadas pelo sebo, ora porque não querem ouvir. Essa geração de hoje.
Estava de saída do sebo, quando me deparo com um homem olhando os livros. Decido esperar para ver se era só curiosidade ou se ele vai ficar mais um pouco. Ele fica. Pergunto o seu nome. É Donato Alves, e ele parece ser um frequentador assíduo do sebo.

Seu Donato me conta logo de cara que é professor, então sempre leva livros didáticos para casa. “Na mão dele já comprei vários, de Sociologia, de Filosofia, de História também, Gramática…”, conta, me surpreendendo mais uma vez. Há quanto tempo eu não via um professor de tudo. “Mas eu gosto de ler romances, Machado de Assis, José de Alencar, esses nomes importantes”. Não julgo. Sou apaixonada por Dom Casmurro.
Quando pergunto se o professor pode se considerar um cliente fiel do sebo do Dentinho, recebo uma resposta animada. “Pode-se dizer que sim, agora não sei se ele também acha”, provoca, e logo em seguida Dentinho diz que ele está lá todos os dias. Provavelmente ele também acha, sim.
Antes de ir, seu Donato compra um livro que agora não me lembro bem qual era. Me deseja sorte no curso e diz que também se formou pela Federal. Despede-se de Dentinho e sai, dando lugar a um jovem que buscava livros de Nietzsche em francês. Parecia ser estudante de filosofia. Ele não fica muito tempo e nem consigo perguntar seu nome, mas o que ele está buscando me intriga, e eu nem ficaria surpresa se Dentinho realmente tivesse livros em francês em seu acervo. Até procuro junto para saber se tem, mas só encontro livros em bom português.
Eu queria levar um livro comigo. Gostaria de carregar um pouco da história de seu Dentinho e retomar o hábito da leitura que perdi há tanto tempo. Não pude, mas deixei com ele a promessa de que voltaria para comprar um de seus livros. Ainda não decidi qual, mas sei que vou ler com todo o carinho.