Revista Macondo #1 (relançamento, 2012)

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MACONDO revista literária

N.º 1 TRIMESTRAL

fevereiro março abril 2011

ENTREVISTA EXCLUSIVA josé luis peixoto

apresenta alliah, alysson ramos artuso, ana raquel, ana teresa jardim, ari marinho bueno, bartolomeu pereira lucena, bruno gaudêncio, bruno saggese, cesare rodrigues, christian botelho borges, cristina desouza, eryck magalhães, everaldo ygor, fátima queiroz, guido arosa, jandira zanchi, jaynne santos, jorge colaço, juliana guida, leo lobos, luana vignon, mariana angelito bessa de souza, maurício silva, paula de oliveira, rauer, salomão guerra de freitas, sandra santos, tânia maria rodrigues-peters, vitória prioste, wesley souza.

POESIA CHARGE RESENHA POEMA VISUAL CONTO FOTOGRAFIA HAICAI ENSAIO +++


expediente

EDITORES

francisco mariani casadore marcos mariani casadore COLABORADORES

os autores dos textos publicados na presente edilçao estão listados, por ordem alfabética, nas páginas finais da revista. IMAGEM DA CAPA

retirada do acervo pessoal dos editores.

não nos responsabilizamos por ideias e demais conceitos expostos pelos autores, bem como pela autoria dos textos. APOIO À PAGINAÇÃO:

Revista disponibilizada gratuitamente pelo site www.revistamacondo.co.cc ACESSE TAMBÉM

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revista.macondo@yahoo.com.br RE-EDIÇÃO DO PRIMEIRO NÚMERO DA REVISTA MACONDO, PUBLICADO ORIGINALMENTE EM ABRIL DE 2011. (JANEIRO DE 2012)


Penetra surdamente no reino das palavras Carlos Drummon de Andrade


editorial Começamos o editorial, e esta é só mais uma coisa nova dentre tantas coisas novas com as quais nos deparamos durante todo o processo de produção da Macondo. Tudo é novo porque tudo é experimentado pela primeira vez, e a distância entre o que se especula e o que se produz é, na maioria das vezes, bastante significativa. Especulações não costumam vir acompanhadas dos detalhes desapercebidos, dos imprevistos intrínsecos ao passar dos dias, das surpresas que cada momento reserva para depois. Fomos, mesmo, surpreendidos em muitos “pontos” do desenvolvimento da

Macondo. Para nossa felicidade, porém, as surpresas apareciam em sua grande maioria como boas surpresas. De vez em quando batia à porta algum obstáculo perdido, ou tropeçávamos justamente onde achávamos que o caminho estava limpo – mas nada, no entanto, era desalentador ou triste o suficiente para sequer diminuir nosso ritmo, nossa diversão. É inegável: pensávamos que teríamos bastante trabalho com todo o desenvolvimento da Macondo, e realmente tivemos. Articulamos e planejamos toda e cada etapa do processo de criação da revista número um, a começar da ideia de uma revis-

ta, do nome de uma revista, da invenção de uma revista, até chegarmos à estilística arte final, edição e produção de cada página, preparação e divulgação do resultado final. Paralelo a tudo isso, é claro, temos nossas ocupações, empregos, deveres e responsabilidades inadiáveis; as coisas complicavam-se um pouco, em relação ao tempo, mas mantinham-se longe de serem insustentáveis. De qualquer maneira, nos dedicamos à Macondo de corpo e espírito nestes últimos meses, e em nenhum momento essa condição nos foi penosa, mas muito pelo contrário: Sentimos na pele a ambiguidade dos sentimentos quan-

POESIA

POEMA VISUAL

SEÇÃO 36

página 6

página 31

página 39

HAICAI

ENTREVISTA

CONTO

página 27

página 32

página 40


do nos deparamos com os textos recebidos: se, por um lado, havíamos conseguido agregar bastante gente interessada em publicar e divulgar seus trabalhos artístico-literários na revista, enchendo nossa caixa com centenas de e-mails, o contraponto nos obrigaria a selecionar alguns poucos – uma pequena minoria – para que, efetivamente, compusessem nossa edição. Desta forma, o trabalho de seleção, sem dúvidas, foi a mais pesada das etapas – não só demandou dedicação extrema na leitura de todo o material recebido como, ainda, forçou-nos a deixar de lado grande parte deste conteúdo recebido, sendo todo ele pro-

vido de certa qualidade. Infelizmente, as condições estavam dadas e não poderíamos abarcar nesse projeto todos os interessados. Por fim, apresentamos a presente edição, finalmente concluída. O que se segue? Excelentes textos, produções primorosas, poesia e prosa de altíssima qualidade... Em meio a esse sentimento de satisfação frente aos obstáculos vencidos e à meta prestes a ser atingida, encontramos um espaço para agradecer uma vez mais a todos os colaboradores que possibilitaram esse número; ademais, um muito obrigado ao escritor José Luis Peixoto, por conceder-nos a entrevista que fe-

ENSAIO

MICROCONTO

CHARGE

página 55

página 67

página 77

DOMÍNIO

RESENHA

COLABORADORES

PÚBLICO

página 68

página 78

página 64

chou magnificamente a Macondo #1.

Os editores


poesia


Versos Meus versos choram como moças perturbadas, A lamúria neles é vertiginosa, sempre a reclamar. A protestar potenciais escondidos, a nunca se conformar. Choram e se descontrolam como loucos e idiotas. Versos que adiam sempre o inadiável, nunca vivendo a presença do hoje. Velada escrita, velados sentimentos, São como cofres dentro de baús. Como toldos brancos a serem Pintados, mas a mão que pintar o Tornará transparente ou vivo? Colore com tintas suaves, mas não Deixe a pintura forte, em sobrecamadas. Não torne opressivo aos olhos a cor. Versos que desanimam a cada caminhada. Preguiçosos, nunca pensam em sair do marasmo... Versos sifilíticos e sujos, versos de maldições escancaradas. Versos de protuberância ridículas, dignas de Uma análise fria e racional de Lombroso... Versos que um dia falarão metáforas, não metonímias!

wesley souza

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poesia

Notícia de boteco

(para Rafaela Cristina) Dia desses vi um japonês Que me falou sobre os novos biscoitos [da sorte, Papeizinhos enlatados que apontam [as saídas para o nosso tempo.

Uma estória de esquecimento

Alheio a tudo Colei-me às pernas de Teresa, Abdiquei de mapas, Fiz delas meu curso. Teresa, andando Parecia meio pardal, Meio chocalho, Uma cortina de conchas raras. Sempre anunciava sua chegada Como os carrinhos de gás. Calado Dominava a arte de perder-se Nos objetos, numa imagem, Embora o engenho de pedra e aço Emprestasse seu movimento às coisas, Em qualquer coisa que compunha Seu universo. Ainda que tudo estivesse em oferta No dia em que Teresa alçou vôo, E os maquinistas efetuassem as Descobri que há muito não lia um livro, [manobras Que meu peixe morrera de fome, E o pão fosse fresco e a greve um Que meus sapatos andavam [sucesso, [desgastados, Hoje disseram que lá Que perdi 20 quilos Pelas bandas da cidade grande De gordura e memória. Até os assentos da rodoviária velha [reclamaram de solidão.

Das grandes cidades

bartolomeu pereira lucena

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MACONDO revista literária


Bonança a madrugada avança seus passos descalços concubina da noite esquecida do dia conhece a morte dos homens e seus sonhos azuis de perseverança

Amendoeira O poeta é tão instante e fronteira quanto as estrelas pisadas do óleo de uma amendoeira.

jandira zanchi

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poesia

Literatura do isolado Eu queria viver de literatura Mas o reconhecimento me trás empacamento Então a solução seria viver de literatura Apenas no isolamento. Assim, ninguém acharia este poema ruim. Apenas eu.

A rejeição Meu pai quer me apagar Quer transformar o que é privado em público Me faz sofrer por algo que todos nascem com: Desejo. Mas um dia eu desapareço E ele haverá me apagado.

guido arosa

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Segredos Por que foges assim? Ouço a voz que se cala Perdida entre milhares Daquelas que gritam. Ciranda de dores Cantos de amor Solitária és tu Que o doce amargou. Por que choras assim? Salgadas elas descem Passeiam em tua face Enquanto o amor cresce. Apertado, esmagado Estás por dentro escondido Tal sentimento negado Aos próprios ouvidos. Por que mentes pra si? Sufoca-se em desespero Tentativas falhas Guardadas em segredo És tu só medo?

jaynne santos

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poesia

O amor brota entre as almofadas uma frase eu a sufoco com força suficiente para sufocar um parágrafo inteiro com mesóclises, elipses e toda a sua parafernália gramatical uma frase pode ser tão destrutiva quanto um abraço dado ao contrário uma frase poderia atingir sua nuca e te deixar inconsciente por uma semana ou um mês ou uma vida toda agora tenho uma frase morta nas mãos ela não tem cheiro nem cor uma frase morta não vale nada.

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Congelador Cansada de cozinhar só pra um. Homenzinhos no fundo da panela, eles riem – você não é de nada. Cansada de olhar pela janela. Cansada de fechar cortinas e abrir a geladeira. Os homenzinhos agora no fundo do cesto de roupa suja. A água potável acabou. Cansada de limpar o ralo do banheiro. Cansada de tirar o pó dos móveis. Cansada. Mas os homenzinhos não se cansam, nunca. Vontade de entrar na geladeira. Uns quarenta corações abaixo de zero.

My plain-spoken monster porque eu tenho um pequeno monstro alojado dentro do peito e ele anda agitado, acredito que levaram as correntes por engano (ou era você o tempo todo, quem o segurava com as próprias mãos?) não sei muito bem o que aconteceu mas agora ele está inteiro, aqui dentro e eu estou fraca outro dia chorei ao sentir o cheiro da cidade no fim da tarde uma mistura de chuva, fumaça e terra não sei como vim parar aqui estou tão triste… tão cheia de tudo de todos de mim do cheiro de café do desinfetante do hálito das pessoas nas ruas

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poesia

dos filmes chatos das conversas vazias estou cheia de ausência estou de mãos dadas com o meu pequeno monstro às vezes não me reconheço, por causa dos embates noturnos tenho acordado com o corpo repleto de hematomas é uma luta inglória, queimei todos os meus passaportes de fuga fui barrada na alfândega ao tentar passar sem meus olhos e com o coração numa valise preta, suspeitaram de mim acho que eles tinham razão.

luana vignon

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...da série crimes de amor solidão Morrer de solidão: afogar-se nos lençóis espalhados sobre a cama...

crime Amar é um crime perfeito: é como tomar um tiro de ternura no peito.

coração Cristal que se estilhaça (em crime). E medra, e aperta, e oprime...

explosão ... e fiquei recolhendo os pedaços do nosso amor pelo caminho!

traição Púbis e seios: abandonados aos olhos alheios...

maurício silva

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poesia

Silencioso dentro da noite “Ser como o rio que deflui silencioso dentro da noite” Manuel Bandeira

Fluir, leve andar descalço inflar lentamente os pulmões pesar cada passo sentir cada instante entrar silencioso dentro da noite como se ela fosses tu

Uma secreta forma “As palavras como o rio na areia se enterram na areia” Roberto Matta

o automóvel está possuído pela força dos animais que o habitam como uma carruagem puxada por cavalos sobre pedras úmidas de um passado verão Rio de Janeiro aparece de repente como a secreta forma que o Atlântico deixa entrever de suas colinas de açúcar: baleias à distância algo comunicam à nossa humanidade surda e cegadas pelo sol preparam seu próximo vôo caem uma vez mais como o têm feito há séculos caem e crescem nas profundezas caem e crescem em seu líquido amniótico 16 MACONDO revista literária


Hi-tech com dinheiro de plástico pagamos nossos instrumentos importados de terras distantes, caminhões com alimentos transgênicos nos ultrapassam na calçada automáticos seguimos em transe numa super rodovia lemos cartas no telefone portátil imagens ativas de quartzo líquido que satélites de prata nos ligam de uma órbita desconhecida o tempo é sem ser o espaço o mesmo complemento o relógio digital anuncia a queda do sol aperto o controle remoto do portão eletrônico e no carro de combustão interna nos deslocamos paraplégicos.

leo lobos (tradução: adriana zapparoli - cristiane grando)

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poesia

Arte vai-te arte buscar dedos de outra mรฃo procura direito quem direto e ao peito irรก te segurar e de leve te amansar para que toda a poesia seja feita breve inteira com jeito

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Sinal fechado bêbada sigo a rua escura a procurar o que não sei perco-me em becos acho-me em cacos espaço de buracos onde caio a cada esquina olho para o lado sinal fechado busco o que a vida não me ensina

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poesia

Sono sono dos justos sono dos limpos sono de pedra sono que nĂŁo acorda sono que devora sono que finge a demora de olhos fechados e sonhos abertos sono marcado para dormir um oceano de silĂŞncio incerto

cristina desouza

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O Sentimentos pique-esconde verdadeiros acaba bem “Eu a vi... minha fada aérea e pura, A minha lavadeira na janela!” Álvares de Azevedo

Esconde-se o lápis, foge o papel Ambos se juntam nesta brincadeira E nestes dias, nestes sóis de fel Chora o poeta desta manha arteira! Onde cravar os versos juvenis? Como escrever – se o lápis faz-se [ausente? Isso questiona-se em angústia, e [sente Um bom pressentimento... Está [feliz! A brancura do sorriso p’ueril Em alívio oportuno – reluzia O amargo se fez doce... E presumiu: “Ah! Acho que fiz uma poesia!”

Em suaves contornos esculpida De alvo sorriso, embalsamado em [lábios Purpurinos – brilhas, qual Sagitárius Casta e formosa, mas endoidecida! Cândida musa, pálida esperança! Que terrível é tua insânia bruta... Inda mais sofre, aquele que perscruta Teus planos.. onde a insensatez [descansa! Virgem donzela... virginal doçura! Estampa na beleza e na loucura A ironia antitética dos Astros Lembras Afrodite – no encantamento O Dom Quixote – em vagos [pensamentos E a Ismália louca – reduzida a cacos!

salomão guerra de freitas

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poesia

Pedra Breve história do homem: uma pedra no sapato, sete pedras na mão.

Crateras e cristais (sonata para violoncelo número dois de Alfred Schnittke)

O tempo nasce de olhos abertos. Uma inquietação lunar alumia crateras e cristais. O coração não aprende a morte. A morte ronda, rasa, irrompe. E rompe, agarra, rasga. Agarra e revolve e rasga. A dor desagrega a boca que canta. Gota a gota a voz que se vai e se desvanece volta, dorida, rasgada, resgatada num manto branco de amianto. A morte prende o coração, devagar.

Osso É nos ossos que sofremos a História, mesmo se salvarmos a pele.

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Osso (2) Um particular amuleto articulado nos ampara o corpo erecto, e espanta, afasta, evita fantasmas, inimigos, miasmas, e em cartas adivinhadas deita damas e valetes para lhes interrogar as vísceras augurais, afugenta íncubos diabretes, defende espíritos fracos, previne o olho gordo e até promove as artes – mas não protege da moléstia dos ossos.

jorge colaço

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poesia

Pequena canção do caos cantar o desencanto e ver no canto o caos de ser canção.

Cadernos de pele o olho não diz quais espelhos são capazes de sangrar a aurora, mas cala as pedras com o silêncio da queda no cântico sonoro da solidão.

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O delírio das rosas (para Anna Apolinário)

Vermelhas, elas gritam com os seus delírios dialéticos. Espinhos que comem abismos, penetram os nossos destinos, dançando a valsa dos ventos. E ao murcharem o fogo dos seus gestos já não afagam os nossos olhos.

Nos bolsos das chuvas (para Félix Maraganha)

gargantas desse mar equívoco, imerso labirinto de signos e sons, o sol a regar de raios rubros nos bolsos das chuvas, trazendo metáforas nas grutas da carne, pousando asas no violino em uma nuvem de franjas alaranjadas com ares de pássaros.

bruno gaudêncio

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poesia

AL TAR TÁRIO ALISMO TINAGEM LIBERDADE

AL TAR TÁRIO ALISMO TINAGEM LIBERDADE

LIBERDADE LIBERDADE TINAGEM TINAGEM ALISMO ALISMO TÁRIO TÁRIO TAR TAR AL AL AQUI JAZZ O PASSADO O FUTURO

everaldo ygor

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haicai


haicai

a ti ausente nem nosso infinito sozinho preenche

do grande eucalipto o dia alto enxerga duas sombras

quase um extremo este momento haicai quase

como de chofre Ă mesa um poema a caneta sobre

ari marinho bueno

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olhar vadio sem a pressa das horas pousa na rosa

(para Paulo Leminski)

no chão voando lá vai o leitor tão só Leminskiando

(para Fred Maia)

treme um haicai na ponta da espada de um samurai

(para Marco Antônio – meu avô)

plátanos mortos sustentando videiras vivem ainda

sandra santos

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haicai

Haikai dissolúvel esse tempo enfim pó dos dias vãos e sós se dissolve em mim.

ana raquel

-=-

Triste névoa Na névoa, cerrada, estraleja o bambuzal: monotonia errada.

Hai-kai Pia aflito o filhote No ninho do passarinho Dor na alma e na glote.

rauer 30 MACONDO revista literária


poema visual

fรกtima queiroz fev mar abr 2011 31


entrevista

JOSÉ LUIS PEIXOTO

SINTO-ME EM PAZ COM AQUILO QUE FUI



entrevista

O escritor português, dono de um estilo próprio que harmoniza o que há de clássico e atual no que concerne à literatura, reconhecido pela qualidade de suas obras e já traduzido para mais de uma dúzia de línguas diferentes, gentilmente aceitou nosso convite para participar da seção de entrevistas da Macondo #1. Brindounos, enfim, com um pouco da genialidade e simpatia que lhe são tão característicos e tornou a estreia da revista literária ainda mais especial. Possui uma variedade de publicações que transitam pelos mais diversos gêneros da literatura: poesias, contos, romances, crônicas, peças de teatro e letras de músicas. Paralelo a essa história, conta com prêmios importantes do cenário das Letras e, como não podia deixar de ser, reconhecimento e aclamação or parte do público e da crítica. No Brasil, os direitos de publicação do seu novo romance, “Livro”, foram recém-adquiridos pela editora Companhia das Letras. Enquanto a obra ainda não figura pelas livrarias, conversamos um pouquinho com o autor. É com um imensurável prazer que estampamos nossas próximas páginas com um pouco de José Luis Peixoto.

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Primeiramente, gostaríamos de agradecê-lo pela disponibilidade em participar desta primeira edição da revista Macondo e pela prontidão em aceitar o nosso convite. Publicado no ano passado em Portugal, seu novo romance Livro chegará ao Brasil, em 2011, pela Companhia das Letras. A partir das críticas veiculadas pela imprensa, a expectativa dos leitores brasileiros é alta. Quais são as suas expectativas em relação ao lançamento de suas obras e à recepção do público em outros países? Pessoalmente, dou sempre muito valor à recepção dos meus livros pelos leitores. Valorizo-a e tento sempre que seja o melhor possível. Com esse intuito, disponibilizo-me para entrevistas, conversas, apresentações. Retiro muito prazer dessa vertente do mundo da escrita e, muitas vezes, aprendo com ela. Desde muito cedo que encaro a literatura como uma

forma de comunicação, como algo que apenas se cumpre após o olhar do outro. Os textos precisam de alguém que se acrescente a eles, que lhes dê um corpo de experiências e de significados. A minha vontade de encontrar leitores para o que escrevo nasce do respeito que sinto pelos textos que escrevi e que publiquei. Ainda assim, tento não ter expectativas em relação à recepção desses textos. As expectativas colocam o objeto que é alvo desse sentimento numa posição injusta. Você é licenciado em Literatura e Línguas Modernas. No tempo em que cursou a graduação, pesquisas acerca das mais variadas obras faziam parte da realidade acadêmica na qual você estava inserido. Agora os papéis se inverteram e as suas produções passaram a ser objetos de estudo. Como você reage ao se deparar com fev mar abr 2011 35


entrevista

textos constitutivos da sua fortuna crítica? Você já leu alguma pesquisa sobre suas obras com interpretações e pontos de vista diferentes dos seus, ao concebê-las? Eu não sou dono das interpretações que podem ser feitas daquilo que escrevi. Desse modo, sinto-me muito honrado de cada vez que alguém decide estudar aquilo que escrevi. Aprendo com todas essas leituras. Quando são encontradas marcas no texto que transcendem a minha intenção, fico feliz. Através desses olhares, fico a saber mais sobre o texto. Uma vez que não pode ser apontado aquilo que não está lá. O texto é um objeto fixo, mas que pode ser olhado de múltiplas perspectivas. Eu sou humano, imperfeito, e não esgotei todas essas possibilidades. Essa é a riqueza da literatura.

assim, não gosto de respostas que não tentem responder à pergunta e, por isso, diria que os nomes que passam com mais frequência pela minha cabeça quando penso em literatura brasileira são João Guimarães Rosa e Clarice Lispector.

Ao longo desses anos, sua produção artística perpassou os mais diversos gêneros: contos, poemas, romances, crônicas e peças de teatro. Há algum tipo de trabalho pelo qual ainda não tenha transitado, mas sente vontade de fazê-lo? ESinto sempre vontade de ser surpreendido e sinto sempre vontade de trabalhar com outras pessoas. Como tal, gosto muito que me façam propostas. A minha experiência diz-me que quanto mais essas propostas se afastam do meu mundo imediato, mais eu aprendo com elas. Ultimamente, Quando você pensa em literatura tem sido muito gratificante para brasileira: quais autores ou obras vêm à mim, por exemplo, escrever letras de sua cabeça? canções. A resposta mais sincera é a mais vaga: são muitos os nomes que me chegam Em obras de Vergílio Ferreira (Alegria à cabeça quando penso em literatura breve), Antônio Lobo Antunes (As brasileira. O Brasil, assim como a sua naus), Inês Pedrosa (A eternidade e o literatura, é muito vasto e diverso. desejo) e José Saramago (Ensaio sobre a cegueira), há a presença de alguns Quanto mais conheço, mas percebo o tanto que me falta conhecer. Ainda personagens cegos. O mesmo ocorre 36 MACONDO revista literária


em Nenhum olhar. Embora cada obra tenha as suas peculiaridades e razões de ser, você percebe uma relação entre a constante abordagem da visão, na literatura portuguesa, e a história de Portugal? Não tenho uma resposta definitiva para essa questão. Aquilo que sinto é que a cegueira é um símbolo poderoso e, tristemente, muito atual. Certa vez, Gabriel García Márquez disse não ler os seus próprios livros - após estes serem lançados - por ter medo. Qual a sua relação com as obras que já publicou? Tenho uma ótima relação com as obras que publiquei. Todas elas partiram de uma decisão muito ponderada. Ainda assim, essa decisão aconteceu num período específico da minha vida e, claro, com a passagem do tempo a minha forma de ver o mundo, os

meus critérios vão-se alterando. Essa é uma lei da vida e do tempo, não me incomoda. Sinto-me em paz com aquilo que fui. Em muitos aspetos, continuo a sê-lo e continuo a defendelo. Quando não é esse o caso, sei que o fui e que, nessa época, não tinha possibilidade de saber mais. Assim, acontece-me reler aquilo que publiquei há anos. Ao fazê-lo, surpreendo-me quase sempre positivamente. Sentimo-nos muito honrados com a oportunidade de entrevistá-lo e de aproximar um pouco mais os leitores brasileiros da sua, embora recente, significativa produção literária. Certamente sua obra não só mantém a tradição da boa qualidade das letras de Portugal ao longo da história como também enriquece a literatura em língua portuguesa, na sua totalidade. Para encerrar, gostaríamos que fev mar abr 2011 37


entrevista você deixasse uma mensagem para os novos (e velhos, por que não?) escritores. A mensagem é uma única e serve para todas as idades: acreditem, não parem de acreditar. O entusiasmo de imaginar um futuro melhor e de tentar construílo a partir daqui, do presente, vale o esforço intelectual e físico de superar as vozes do desânimo.

» 3 LIVROS INESQUECÍVEIS PARA O AUTOR: * Memorial do convento - José Saramago * Grande sertão: veredas - João Guimarães Rosa * Livro do desassossego - Bernardo Soares (Fernando Pessoa) FOTOGRAFIAS: acervo pessoal do autor 38 MACONDO revista literária


caro leitor, esperamos que esteja gostando da revista... intervalo para o cafĂŠ! volte logo.


contos


intransigências, iconoclastias, fracassos e baixarias

U

1, um artista astuto

m artista astuto costumava gabar-se de sua plenitude. Os amigos e as mulheres que o amavam [“um número incontável”, confirmariam os admiráveis censores daquele tempo] eternizavam seus menores feitos em relatos tão fantásticos que se espalhando pelo vento sua fama varreu recônditos inimagináveis.

Contam que mais de uma vez recebeu cartas de um conceituado sábio oriental interessado em travar debate sobre seu impressionante desprendimento do ego. Ignorou-o sempre. Dois papas, sete poetas visionários e trinta e oito presidentes de repúblicas longínquas tentaram insistentemente visitá-lo, mas deram sempre de cara com a porta porque ele se ocuparia antes das agradabilíssimas visitas das vedetes e estarletes. E foi num intervalo forçado entre essas visitas que, às vésperas do centésimo aniversário, o artista convocou toda a imprensa para antes de poderem ver um quadro abstrato não mais que ouvi-lo dizer, como que irônico e sem mais

delongas, “eis minha grande criação!:”. Mas contrariando a exigência da pompa e a expectativa pelo burburinho anterior, tudo o que ecoou diante do aguardado quadro foi um silêncio de dúvida e incompreensão, que para o artista foi então mais doloroso do que viria a ser o tiro que o mataria. Mas qual não foi o espanto do mundo quando finalmente se compreendeu, não antes de vinte e duas primaveras, que o genial artista vislumbrara ali a solução para todos os problemas do universo: sua tela “comedor de estrelas” esclarecia numa abstração alegórica todas as inquietações, vicissitudes e leviandades da criação e do ser. Punha fev mar abr 2011 41


contos

por terra toda e qualquer minúcia que pudesse vir a incomodar a mais intranquila das mentes. Como se a abstração de um artista astuto pudesse aliviar todos os homens simplesmente por encerrar em si a resposta para todos os questionamentos. A partir de então e por incontáveis gerações as multidões de romeiros buscariam o Museu de Arte Moderna do vilarejo – depois vertido em metrópole – para encontrar-se com a diviníssima pintura, sobre cuja magnitude se desenvolveram cultos e definiram dogmas inexplicáveis e incompreensíveis inclusive para o artista, assaz opositor do culto à própria obra. Mas foi sem explicação que um iconoclasta irresponsável incendiou o museu. Toda a obra do artista exauriu no fogo e não restou qualquer documento de sua luminosa passagem pelo mundo. Ínfimos anos mais tarde uma guerra ideológica dizimaria aquela civilização deixando poucas ruínas de seu pensamento. 2, a revolução de alfonso de la torre Baseado mais em um talvez suspeito poder de intuição que em vasto 42 MACONDO revista literária

conhecimento histórico, creio que a mais fracassada revolução da história tenha sido a proposta numa noite de trinta de novembro, quando o arremedo de poeta, alquimista, alfaiate e duelista profissional Alfonso de La Torre esmiuçou a uma assembleia de dezenove politizados intelectuais os infalíveis planos que brilhantemente traçara nos últimos vinte e cinco anos de avançados estudos. À luz de velas discursou sobre a etimologia da palavra Revolução e propôs, sem divagações adicionais, que tentassem tirar do Estado o domínio sobre a informação. Tomariam o controle dos jornais, escreveriam textos inesquecíveis sobre o poder para o povo, a liberdade artística e todos os temas tão necessários àquele tempo, “e ainda que as massas inicialmente não nos compreendam, influenciaremos os artistas e os poetas e eles disseminarão as ideias. Em pouco tempo teríamos uma legião lutando conosco e faríamos a Revolução!”, bradou, como se com ele bradasse toda a legião. Mas embora o romantismo e a ousadia de Alfonso empolgassem os colegas, foi um desconhecido de todos ali quem retrucou deboxativo um “mas qual a diversão em se ler isso?”.


Com apenas dois ou três argumentos hedonistas convenceu todos os outros a botarem um fim precoce na Revolução de Alfonso e inclementemente decapitarem o revolucionário sob a séria acusação de “retrogradez”. 3, entre livrarias e choperias Ainda que não tivesse qualquer talento especial, havia um leitor que se recusava a se empenhar em qualquer tarefa porque apenas lhe interessava ler nas livrarias. Por essa banal intransigência ficou tão famoso que até mesmo os maiores livreiros do mundo ofereciam-lhe fortunas para que passasse algumas manhãs ou tardes lendo por ali. Isso porque a sorte o incumbiu de carregar consigo um culto que costumava atrair turistas e encher as livrarias onde ele se sentasse para ler. Como os títulos escolhidos sempre se esgotassem em praticamente todas as livrarias do mundo tão logo ele os retirasse das estantes, o famoso leitor também se mostraria rapidamente um poderoso criador de bestsellers. Foi por isso que depois que lhe chegou a fama nunca mais pôde reler um livro como apenas lhe interessava. Foi por isso que depois da fama sequer poderia devolver

à estante o livro que começava, porque depois não mais o encontraria disponível para terminar. Ao menos não antes de uma reedição. Uma vez que também não ousasse testar os limites de sua dedicação ao capricho e comprar os livros, visto que se os comprasse poderia ler em qualquer lugar, a fama o meteria em um cruel ciclo vicioso que não o permitia abandonar uma livraria antes que terminasse de ler um volume, por mais demorada pudesse ser a empreitada, já que depois poderia não mais encontrar o livro. E foi por essa maligna possibilidade que seu famoso capricho desafiou o orgulho de um ambicioso escritor a quem só interessava escrever em choperias. Este então se empenhou, supomos por pura inveja do famoso leitor, em escrever um livro interminável, que pudesse eternamente aprisionar o outro dentro de uma única livraria, resultando ao final idêntico ao seu curioso argumento em que um homem tornava-se inimaginavelmente prisioneiro dos próprios caprichos. E ainda que o empenho de ler costume ser menos trabalhoso que o de escrever ou que o leitor parecesse mais voraz e insaciável do que fev mar abr 2011 43


contos

poderiam haver páginas a se escrever ou chopes a se beber nas choperias, seria a essa indesertável missão que o escritor dedicaria todos os chopes de sua existência. Mas ainda que em tão corajosa empreitada, não teria atenção nem mesmo dos garçons das choperias.

cesare rodrigues

É DIFÍCIL COMEÇAR. Folhas em branco metem medo. Assusta o fato de elas poderem ser qualquer coisa, inclusive um desastre. É difícil ter medo. Nós, os medrosos, preferimos manter os olhos fechados, mesmo sabendo que isso não ajuda em nada. É difícil fechar os olhos. Pra tanto, é preciso se desapegar totalmente da razão e deixar transparecer pra si mesmo a fraqueza. É difícil o desapego. Desapegar-se é não envolver-se mais o próprio passado, é não olhar pra trás, é não ponderar. É difícil o passado. Porque é teimoso e vive se repetindo, voltando, debochando. Parece que anda em círculos. É difícil repetir. Uma hora ou outra acaba a graça. É difícil acabar. -=-=-

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inhas unhas estão com um resto de esmalte velho e minipartículas da sua pele. estão feias. acendi um cigarro enquanto olhava as falhas naquela madeira velha e escura, naquele lugar tão velho e escuro quanto à madeira. costumávamos ir ali antes de tudo isso, lembra? a estátua continua no mesmo lugar de antes, a diferença é que agora o bar fica na esquerda. fumei o cigarro inteiro esperando você chegar, mesmo sabendo que não tínhamos marcado nada, achei que você podia simplesmente sentir que eu tava ali pensando em você e aí chegar lá também. se eu tivesse grana, te pagava um vinho. se eu tivesse grana, eu pagava um analista. ia dizer pra ele como que tudo ficou assim, ia falar os detalhes sórdidos daqueles tempos que eu te odiava e te amava ao mesmo tempo. to cansada. to pensando em deixar o cabelo crescer. acho engraçada essa prática de ir anotando enquanto se está pensando. queria sua companhia agora mais do que eu queria o vinho e o analista. olhei de novo pra unha, pra me concentrar em não deixar nenhuma lágrima escorrer sem a

minha permissão. aquela moça do bar fica me olhando como soubesse que eu to sentindo tua falta. vaca. pra falar a verdade, quase todas as pessoas tão me olhando como se faltasse algo. até eu mesma enxergo tua ausência nos mais tristes detalhes.do nada procuro do meu pulso aquela pulseira que tu usava, olho no espelho e me espanto que o reflexo não tenha os olhos iguais ao teus, a textura do rosto como é a sua, a tua boca. não sei quando exatamente eu comecei a pensar que nós éramos uma só, mas isso até hoje me perturba. te vejo em mim, me vejo em ti, quase sempre: menos quando você me sorri daquele jeito falso que tu sorri pra qualquer um. odeio o você que os outros tem, prefiro o teu eu comigo. pausa (me ocupo de resgatar o bichinho que caiu na coca cola) lembra quando íamos a praia juntas, numa tarde cinza pra beber vinho e fumar um. no início era sempre ótimo mas no final já estávamos brigando. você dizia pra mim que meu ciúme era besta, besta é você que nunca percebeu como as pessoas te olhavam. pra falar a verdade, você percebeu muito pouca coisa. eu me afoguei na fev mar abr 2011 45


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sua coca cola e você me bebeu sem perceber. agora eu to aí morando em alguma parte do seu organismo podre, esperando você me digerir inteira. e.. ah, esquece... meio maço do meu cigarro já se foi e você ainda nem se deu o trabalho de chegar. agora a moça do bar me olha com uma certa pena, parece que ela sabe que você de fato está faltando e, o pior: não vai chegar. olho pra estátua, ela me parece a única sensata nesse lugar. sua pele de baixo da minha unha começa a me incomodar e eu já não tenho pena de mim mesma. lembro mais uma vez de você me olhando hoje mais cedo com seu sorriso de todos os outros, lembro da raiva que eu senti por você não ser mais só minha e simplesmente me refaço do meu transe. limpo a unha e me sinto estranhamente bem. foda-se: quem engoliu o bicho foi você.

mariana angelito bessa de souza 46 MACONDO revista literária

Moto perpétuo “Os que buscam o moto perpétuo estão buscando obter alguma coisa a partir de nada” Isaac Newton

Agora Titinho está no quintal, a cadeira escorada à parede caiada da casa, está olhando o neto aprontando pelo terreno... Bate uma brisa boa, olha de soslaio à mulher, sua velha lidando longe com a roupa. Os caminhos de uma ideia são coisa estranha e misteriosa. Vá-se lá saber por quais cabeças ela foi se alojando até chegar a de Titinho. Milênios, sua jornada, e dois Oceanos... Assusta pensar nas tormentas que há de ter causado! Foi um conhecido que lhes apresentou, Titinho soube pouco de suas origens. À grandeza do projeto os olhos do moço brilharam e a sua mocidade olhou manhosa às dificuldades da empreitada. Que muitos gastaram a vida tentando construí-la não o amedrontava, ora, se não havia uma máquina que ele não desse jeito: de motor de trator à máquina de engenho.


Os dois moços foram se chegando, arrumaram um barracão abandonado, foram juntando tudo que é peça e, começaram. Em pouco tempo já eram mais que amigos, eram mais chegados do que um pai e uma mãe do mesmo filho. Primeiro trabalhavam nas folgas, depois alternados, um de dia e outro de noite, no fim, era só a máquina. Isso logo trouxe problemas, a mulher de Titinho sentiu a perda, coisa mais dura descobrir no outro alguém mais presente do que a gente. Só não sabia quem era, porque aquela estória furada de debandar para a cidade vizinha toda noite, cansado do serviço, por causa de uma máquina, isso ela não era boba de acreditar. A pobre caiu na besteira de tratar descaso com descaso e quanto menos procurava o marido mais o perdia. É claro que isso não se deu de repente, essas ideias são tinhosas, vão se fazendo presente aos poucos, conquistando os espaços... No começo ocupava só uma bancada do barracão, mas foi-se crescendo, e crescendo até que o infeliz estava todo empossado. Demorou anos para que Titinho se perdesse por completo, então, não tinha outro pensamento que não fosse para a máquina, a engrenagem central, a fornilha... Tudo que se pode

imaginar ele imaginou, disso tinha certeza, não sabia mais como parar o negócio. Na verdade nem cogitava, mas se quisesse, não saberia como. Ia se indo, sem jeito nem molde, como quem vai puxado a carroça. Teve o tempo que o amigo abandonou a empreitada, numa estória que não é essa, sumiu no mundo desacredito de tudo, de si mesmo, da verdade, virou místico e acabou pastor. Mas Titinho foi-se vertendo em eixos, em mola, pistão... O barracão ficava tão quente que graxa já lhe escorria pelo corpo... Continuava, abraçava pequenos acertos como se fossem grandes vitórias e seguia consumindo fracassos com um apetite desesperado. No fim, deu-se por completo, nem lembrança, nem casa tinha mais. Em tudo já se assemelhava a uma febre. A mulher cansou, desejou logo descobrir tudo, afinal, sempre chega o tempo em que a desgraça é preferível à espera. Tomou o ônibus e foi, muito reta, apertando forte a bolsa até a entrada do canavial. Levou só dois segundos para decidir a descer; nem se aprontou já avistou o barracão. Com o lábio tremendo abriu o portão. Escutou seca o barulho pesado, mole, aquela coisa toda se erguendo diante fev mar abr 2011 47


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dela. Só aí entendeu, por entre todo vapor, e sofreu por seu engano. Foi passando os olhos, devagar... As partes ela conhecia, mas, de qualquer jeito, o todo era uma estranheza só, que lhe disparava o peito, lhe tremia os ombros. Agarrou-se mais à bolsa quando a voz lhe chegou, veio rouca, quase emperrada. Achou que lhe ia expulsar dali, mas depois, mudou, começou a se explicar, o funcionamento, engatou num ritmo rápido: falava, mostrava, levantava os eixos, girava as alavancas e nunca parava. Num susto recomeçava e lhe dizia de novo e levantava os braços e corria à fornalha, de lado para o outro, sua figura estranha virando vulto com a fumaça. De tanto que ela entendeu, e entendeu tão bem que sofreu foi uma mágoa terrível, correu para máquina, gritou-lhe nos olhos: Não gasta nada para funcionar, não precisa de nada? Como que não, homem?! Se gasta toda ela mesma, não vê que assim se acaba logo? E parece que disse foi a coisa certa, porque o borborinho foi diminuindo, o homem foi saindo da máquina, foi largando o eixo, afastando as roldanas. Ela podia até sorrir, pegou o rosto, com um lenço, espa48 MACONDO revista literária

espalhou um pouco as manchas. Ele saiu, fechou o barracão para nunca mais, mas foi sem ânimo nem brio, foi é movido por uma fraqueza do diabo que, parecia, ocupou o lugar da ideia exorcizada. No ônibus, a mulher olhou cheia de preocupação o seu homem todo quebrado, depois lhe ajeitou confiante e um pouco animada a gola desgrenhada; sorriu. Na casa nunca mais se falou naquilo, nem pros filhos que cresceram, nem pros netos que vieram. Até de profissão ele mudou, que para tentação era melhor não dar espaço. Agora Titinho está no quintal, a cadeira escorada à parede caiada da casa, está olhando o neto aprontando pelo terreno... Bate uma brisa boa, olha de soslaio à mulher, sua velha lidando longe com a roupa. Empresta um sorriso do menino e levanta de leve a barra da calça. Bem ali, logo abaixo do tornozelo esquerdo, admira radiante uma manchinha preta... Podia ser de velhice, podia ser de nascença.

juliana guida


Lembrança Chego nesse campus. Pequeno auditório. Sei o caminho, já estive aqui. E não foi com o Henrique, correndo. Hoje é a noite. Liberava meus alunos antes para vir aqui te ver. (Decorei a posição dos radares, mas eles mudaram.). Janta, Mexicano. Teu corpo alto. Teu abraço forte. Teus olhos tão negros, tão belos, tão puros... Tua pele tão clara, suave. Teu gosto de aconchego abrir os olhos abraçado sol alto e quente no quarto. Estou aqui. Penso em te ligar. Será ainda o mesmo número? Será a mesma Andressa? Sento em meu lugar. Homenagem, falatório. Gente que nunca vi. Cidades que nunca ouvi falar. Não me dou ao trabalho de uma desculpa, levanto. Sei o caminho, não onde fica a praça de alimentação. A noite me acompanha. Prometo às estrelas: depois de contar a minha história, conterei as suas. Mas essas palavras não são minhas (quais são?). Praça de alimentação 2. Dois

passos. Sentada. Será? Os óculos estão diferentes (ou minha memória que está?). Na porta, encaro, parado, não me olha. Compro um suco e um salgado. Sento na mesma fila. Duas mesas de distância. Concentrada nos estudos, os outros três percebem a minha presença, não você. Te chamo baixo. Não ouve. Não ouso. Leio virado, esperando o teu olhar que não vem. Ou não vejo. Lembro. Contemplo. Você abre a bolsa, pega um lenço. Tua alergia. As noites ao meu lado... Sweet Child O’Mine! Teu toque! Percebo teu carinho ao telefone. De longe não ouço, mas reconheço o brilho dos olhos. E suponho. E perco o momento. A conversa é mais longa: “Estou estudando.”(?). “Você vem?”(?). Não, ele não vem. Vocês continuam estudando. “Após um ano: separação ou divórcio?” Memento... Quieto, leio. O ensaio está acabando. O tempo está acabando. A lembrança só começa... Sweet Child. Tua cabeça vira rápido. O sorriso. Teus olhos passam por mim. Mas não sou eu quem procura. Não me vê. Mas o acha. Ainda sentada, a mão desliza pela lateral do outro corpo. O braço abraça o pescoço. O beijo é longo. O carinho é mútuo. Não há mais o momento. fev mar abr 2011 49


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Ele senta às tuas costas. Acabo o texto. Levanto e caminho para o final de um encontro do qual se tem saudade. Perto, me nota. “Como é

alysson ramos artuso

Viramundo “Sou viramundo virado Nas rondas da maravilha Cortando a faca e facão Os desatinos da vida Gritando para assustar A coragem da inimiga Pulando pra não ser preso Pelas cadeias da intriga Prefiro ter toda a vida A vida como inimiga A ter na morte da vida Minha sorte decidida (...)” Viramundo – Gilberto Gil e J. C. Capinam

Da rachadura na planta do pé que se estendia ressequida pelas rachaduras do chão amarelo, de correr vento, pó e osso, arrastando alma, cansaço e colosso. Da lâmina cega que se empretecia arranhada e fosca ao contato sofrido com a carne dura, arranca pedaço da carcaça, tritura na boca e mastiga o tempo. Pois da viagem solidão afora nada há que destoa a vista como um cadáver de boi magro, e com ele me contento. Moreno de arder o músculo, queimado de sentir o inferno na garganta, estopim de enxofre em queda vertiginosa até o estômago. Não mais a perdição em meio ao mato, e agora vagando infortunado pelas carrancas 50 MACONDO revista literária


do horizonte, ao mais cruel destino, fadado. Arre, que daqui me trato! Arrasto, quebro, tranco e lasco! Bicho-homem que norteia e sonha. Ah, insônia. Lá se foram os últimos tocos e gravetos, as últimas folhas secas, o último amontoado de palha. Chapéu torto e esburacado na cabeça. Único abrigo. Mas que não fujo e me empertigo, enfrento cara-a-cara o perigo. Cabra macho que morde o coisa ruim só pra cuspir o sangue e tomar osso por marfim. E que esperteza não falte, que no mercado o povo é mais azedo que pena de urubu, assim dizia minha vó, ainda viva nalgum canto desse mundão. E eu vendia, arrancava uns trocados roubados, uns desaforos calados e de vez em quando uns safanões mal dados. Das ripas da barraca que montava já no espreguiçar da manhã, do tortuoso caminho por entre pau a pique e morte. Ah, que não reclamo nem da minha má sorte! Não se refestela que nem cão gordo ao empurrar a desgraça lá pro norte, mas ri ao contracenar com o moleque de peito ossudo ao tentar mostrar que é o mais forte. Danado das laranjas, que o suco escorre pelo beiço arrebentado. Arre, moleque, tu me rouba mais uma lasca de carne e eu te desço o facão! Vai

menino xingando o padre até se perder de vista, e eu atarefado da barraca e das pretas que se avizinhavam pra cheirar o músculo salgado que eu recolhia pelo caminho. Triste, menino, não carece não! Pode se achegar e pegar um pedaço, moleque! A dona pagou pra tu, safado danado de sortudo! E eu que nunca recebi um tostão sequer de caridade, nem se eu mentisse que era pra estudo! Ora, que nessas banda ninguém se embola de tratar da cabeça, por isso aqueles moço veio tudo engomado da cidade grande, e veio oferecendo milagre! Milagre, moleque! Nem o padre Serafim oferece milagre que na capelinha só entra viúva e velha na beira da morte. E aqueles homi tudo de preto, debaixo desse solzão de meu Deus, e aqueles homi tudo parecendo não se embolar. Mas que eu trato só do meu facão e do meu querer. E de milagre me basta essa vida, pois que nesse sertão a única certeza que se tem é a de morrer! Só não se sabe quando, nem onde ou como. Mas no contato com o solo, desfaço, me enrolo, abraço, enforco, e desato meu foco. Arre, me solto! Que depois que a cara arrebentada deita na rachadura e recolhe o bafo do coisa ruim saindo de lá, não se levanta mais como o homi de antes, vira oufev mar abr 2011 51


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entorna. Dentes arreganhados até se partir a gengiva, rosa, vermelha, roxa, preta, mais preta que as pretas daqui. Mas os homi da cidade falaram do coisa ruim. E que eles acabariam com ele, pois que era esse o milagre! E levaram tudo desse meu povo! Aqueles poucos apetrechos e trecos e remetrecos. Que dinheiro a gente num tem é nada, que a gente vive é na troca e no facão. E aí os homi da cidade deixaram um monte de coisa pra nosso povo, com cores que brilhavam mais que o sol sobre nossas cabeças. E reluziam, e tremiam, e piscavam, e falavam! Vixe, tinha umas coisa que falava e parecia gente! Arre, que o medo se abateu e eu nem me achegava perto vez em quando. Mas eles contaram, era tudo diversão, distração, informação. Uma tal téquinologia, que eu até enrolei a língua pra falar. E vieram as mudanças, e veio o desespero, e veio a invenção, a inovação, e até a danada da distração. E meu povo num carecia mais de trabalhar feito jegue, e abandonaram as enxadas, e largaram as sementes apodrecendo, e descansaram da labuta e do sofrimento. E nem eu mais capinava os defunto de bi52 MACONDO revista literária

cho no caminho, que a carne não me rendia mais tostão furado nenhum. Tudo parecia meio abobalhado, todo mundo meio conformado, mesmo que ainda mal tratado. Era o adormecer do coisa ruim, e até a capelinha voltou a encher dos homi e das preta que antes ralavam na terra dura. Voltei, retomei, avistei, relutei, abandonei, e até rezei. Mas que eu queria as festas de antes, e a cachaça de antes, e até a desgraça de antes. Pois que o mundo tinha virado. E os homi da cidade ainda voltaram algumas poucas vezes, sempre cheios de fala mansa, agrados, presentinhos de lá do outro mundo, agradecidos, bem educados, bem vestidos, de corpo e rosto bem feitos. E eu que não ia mais com a cara desses homi, era quase um rejeitado. Mal visto. De tudo quanto é bar era escorraçado debaixo de pontapés, xingamentos e ameaças. Ah, se soubessem o que os aguardava... Pois que eu pressentia, que eu sempre tive essa coisa aqui dentro de saber antes. De ver pralém desse mundão de secura e osso e sol e castigo. E eu via, ah, mas eu via. Era tudo perigo! Rebentei a sola do pé pra chegar até lá, arrombei a porteira, em-


emprumei o facão e arreganhei os dentes que nem bicho brabo. Não sabia que diabo era aquilo tudo branco, aquela casa grande e cheia de janelinhas iguais, que mais parecia um coco cortado ao meio, assim, e meio enterrado no chão. Acheguei me esgueirando feito moleque que furtava as frutas da vendinha. Ali eu vi, ah, se vi. Era tudo perigo! Aquela tal de téquinologia ali, bem mais assustadora que a que os homi deram pro meu povo. A que fez meu povo dormir feito ovelha. Arre, que os lobos já tavam tudo preparando o bote. Mas eu não ia deixar, que sou cabra macho que cospe o sangue do coisa ruim depois de mastigar até os chifres! Ah, que eles viraram meu povo, ah que eles tinham tudo que queriam do meu povo, assim, de mão beijada. Mas o sertão não é celeiro, e aqueles homi não podiam ter se achegado assim fazendo negócio duvidoso e proveitoso só pra eles. Era maravilhamento, era deslumbramento, era acobertamento, era mentira! Mentira! Mas que eles viraram meu povo, e agora eu ia virar era eles e a tal da téquinologia. Porque sô é desgraçado dessas rachaduras no meu pé, torrado desse sol na minha pele, desgarrado

de qualquer conforto e acostumado a dormir e trabalhar com bicho de doença e sujeira e torpor. Era tudo morte e horror. E agüentava com força e louvor. Porque eles não tinham o direito de fazer o que fizeram, e arrancar a confiança a golpes de papo bem trançado. Tudo que era mentira, assim, amarrado! Pois sou viramundo virado pelo mundo do sertão. Mas inda viro este mundo em festa, trabalho e pão. Virado será o mundo, e viramundo verão. O virador disso tudo, astuto, mau e ladrão. Ser virado pelo mundo, que virou com certidão. Ainda viro este mundo em festa, trabalho e pão.

alliah

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Tautologia Inesperadamente, não se sabe de onde, surgiu um homem com uma borracha até certo ponto comum, e apagou todas as palavras do mundo. Insatisfeito, entrou nas mentes de toda a gente e de lá arrancou todas as palavras. Finalmente partiu para não se sabe onde, levando-as consigo. Com muito custo, algum tempo depois, algumas pessoas começaram a se lembrar de alguns vocábulos. Porém, por mais que se esforçassem, não conseguiam se lembrar de seus significados. Logo, o que era até então conhecido como árvore passou a ser chamado de terra, a terra agora era rio, o rio, nuvem. Talvez o mais inusitado tenha acontecido com o amor que virou ódio. Não era raro ouvir dos casais apaixonados a insólita declaração “eu te odeio”, dita com extrema delicadeza e sinceridade que fazia apetecer qualquer coração. No mais, tudo ficou como era antes, mesmo não sendo.

eryck magalhães 54 MACONDO revista literária

FOTO: TÂNIA MARIA RODRIGUES-PETERS


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Shakespeare e cia: revendo o século XIX Ana Teresa Jardim

A noção que Brook adota da época elisabetana está em sintonia com a visão oferecida pelo teórico e professor polonês Jan Kott, autor do influente livro Shakespeare nosso Contemporâneo, lançado em 1965. Kott (Jan) is an Elizabethan. Like Shakespeare, like Shakespeare’s contemporaries, the world of the flesh and the world of the spirit are indivisible. They coexist painfully in the same frame: the poet has a foot in the mud, an eye on the stars and a dagger in his hand. (BROOK, 1988, p. 44) [2]

Uma interessante proposição Brook busca criar uma sinergia ensobre a época elisabetana foi feita pelo diretor Peter Brook. Brook, que tre várias expressões pouco racionais e dirigiu no decorrer de sua longa car- mais viscerais, entre as quais inclui de mareira no teatro inúmeras montagens neira fundamental o teatro elisabetano. de peças de Shakespeare, e disse que Just as in astronomy a certain planet swings closer to earth in its orbit, and all the astronomers get out their telescopes because this is the moment to study it to advantage, in the same way for the first time in four centuries the Elizabethan era with all its values has swung closer to us than it has ever been. (…) So we have every reason today to wish to throw off all influences that still reaches us from the nineteenth century, for that happens to be the time when the Elizabethan age was at its farthest point from us – virtually total eclipse. (BROOK, 1988, p. 91-92) [1]

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Artaud found confirmation for his theories in Oriental theatre, in the life of Mexico, in the myths of Greek tragedies, and above all in the Elizabethan theatre. … the “cruelty” of Artaud could be considered an effort to recover, by other means, the variety of Shakespeare’s expression, and our experiment… (…) is the search for a theatrical language as flexible and as penetrating as that of the Elizabethans. Our search begins with a look at two milestones: Jarry and Artaud. (BROOK, 1988, p. 57-58) [3]

Brook está estética e filosoficamente interessado em uma “crueldade” aurtaudiana, que mais do que “cruel”


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tem a ver com a idéia de crueza, com o despojamento de um certo teatro sem embelezamentos nem artifício. Jarry, em veia modernista e absurda, irreverente e “cru”. Ele chega a falar em “corrente de crueldade”, e ressalta a liberdade peculiar do palco elisabetano. Afirma que o teatro moderno está caminhando na direção de palcos abertos e está fazendo uso do surrealismo ao invés do verso poético como ferramenta técnica para ajudar a romper a superfície das aparências. (BROOK, p. 95-96) E o século XIX evoca um mundo burguês, repressivo, cheio de ornatos e artifício, um mundo quase kistch, embalado pelas reapropriações dos contos de fada em sua versão feita para a nursery Vitoriana, onde as fadas se vestem de túnicas esvoaçantes e diáfanas de musselina e vestem asas feitas de arame e gaze, e usam nos cabelos coroas de flores. A peça de Shakespeare que pode evocar com mais força esses elementos cênicos vitorianos é sem dúvida Sonhos de Uma Noite de Verão, que tem grande parte de sua ação passada em uma floresta encantada habitada por fadas e espíritos encantados. Quando Peter Brook monta sua versão de Sonhos de Uma Noite de Verão, em 1970, ele o faz evidente inspi-

rado pelas idéias de Jan Kott e em uma vertente inteiramente modernista, utilizando-se de elementos contemporâneos, de uma cena despojada, isenta da parafernália decorativa herdada da iconografia do século XIX. Na montagem de Brook, os personagens dizem suas falas sentados em trapézios de circo. É claro que a noção que Brook tem da era elisabetana, sua estética e seus valores, está ligada ao momento em que ele lança essa idéia, as décadas de 1960/1970. Esse mundo contemporâneo de Brook se agita revoluções sociais, em protestos estudantis, a Guerra do Vietnam, movimentos a favor das liberdades civis. O teatro abandona os tradicionais edifícios teatrais e o palco italiano e ganha as ruas, ganhas as estradas, conecta-se ao ritual, às viagens, à itinerância, ao nomadismo, à exploração do Oriente – todas essas características do teatro que Peter Brook começa a fazer na época. O que acho extremamente interessante é que quando fazemos de alguma época passada nossa referência, esse movimento sempre nos diz muito sobre a época em que vivemos. Mas mesmo isso tem uma curva histórica. A concepção original de Jean-François Lyotard do pós-modernismo falava da perda da historicidade e o fim da “granfev mar abr 2011 57


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de narrativa”, e no campo estético o fim de uma tradição de mudança e ruptura, o apagamento da fronteira entre alta cultura e da cultura de massa, e a prática da apropriação e da citação de obras do passado. E atualmente, esse fenômeno intensificou-se de maneira dramática a partir de um desinteresse pelo passado, mesmo pelo passado recente, e uma celebração de um presente estendido e contínuo que examina as manifestações culturais em alto grau de superficialidade e de horizontalidade, deslizando por formas e idéias sem preocupação com questões como continuidade, influência, e entendimento causal. Pós-pós-moderno, o nosso tempo assumiu radicalmente a estrutura rizomática, interrompida e fragmentada que haviam previsto Deleuze e Guattari. Na arte e no entretenimento atuais, temos inúmeros exemplos da conexão, seja ela mais filosófica ou mais decorativa, com uma época passada. Basta lembrar filmes populares recentes cuja ação se passa na Idade Média (Cruzada, Riddley Scott, 2005), na Antiguidade (Gladiador, também de Riddley Scott, 2000). Filmes cuja ação se passa em mundos inventados que se conectam com o Gótico, como os Harry Potter, e com uma leitura fantasiosa com elementos medievais como O Senhor dos 58 MACONDO revista literária

Anéis. Essas apropriações, mesmo que superficiais, servem como termômetro da nossa época, suas aspirações, problemas, embates e necessidades. Voltando ao século XIX, preterido por Peter Brook em sua proposta teatral em relação à Era Elisabetana, é curioso notar que o planeta vitoriano parece atualmente ter se aproximado de nós. Basta citar a força atual das figuras góticas do Lobisomem e dos Vampiros, que são derivados da criação literária Romântica das figuras emblemáticas de Drácula, Frankenstein, Lobisomem, o Médico e o Monstro. Os mágicos, que aparecem, mesclados ao ocaso do vaudeville e o aparecimento do cinema, em filmes como O Ilusionista (Neil Burger, 2006) e O Grande Truque (Christopher Nolan, 2006). A biografia do poeta Romântico Percy Bysshe Shelley, Brilho de uma Paixão (Jane Campion, 2009) [4], A Jovem Rainha Vitória (Jean-Marc Valée, 2009), o Sherlock Holmes em versão para o cinema assinada por Guy Ritchie (2009). E ainda toda uma releitura dos contos de fada vitorianos e Lewis Carrol feitos por Tim Burton. Um outro fenômeno é a série de filmes que são adaptações de romances de Jane Austen. Jane Austen, que nasceu em 1775 e morreu em 1817, viveu na época da regência, porém sua obra literária se caracteriza por descrever


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com mais precisão a sociedade rural georgiana e não tanto as mudanças sofridas com a chegada da modernidade. (A era Vitoriana vai de 1837 a 1901) A adaptação cinematográfica que iniciou o “revival” Jane Austen foi a livre adaptação As Patricinhas de Beverly Hills, (Amy Heckerling, 1995) inspirado no universo austiniano. A partir de então se seguiram inúmeras adaptações do romances de Jane Austen para o cinema, além de filmes como O Clube de Leitura de Jane Austen (Robin Swicord, 2007), que explora exatamente esse renovado interesse pela obra da escritora inglesa. É claro que consumimos uma versão romantizada e branda da época em que Jane Austen viveu. Em seu engraçado e mordaz Letters to Alice On Reading Jane Austen, a escritora Fay Weldon mostra bem a dureza da vida na Inglaterra durante o século XIX, e a precariedade relativa da situação da mulher. Weldon observa inclusive que o período da Regência traz algum progresso, prosperidade e avanço temporários à vida dos ingleses, e essa seria uma das razões do universo austiniano ser relativamente ameno. (WELDON, 1998, 115) É interessante ler o comentário de uma outra grande autora inglesa, Virginia Woolf, sobre a relação que os escri-

tores tem com seu ambiente, sua época e seu meio. Segundo Woolf, So, in spite of the text-books, writers may live at the same time and yet see nothing the same size. Here is Scott, for example, with his mountains looming huge and his men therefore drawn to scale; Jane Austen picking out her roses on her tea-cups to match the wit of her dialogues… (…) Nevertheless, Scott, Jane Austen (…) lived through the same years. (WOOLF,1986, p. 53) [5]

E Woolf observa que quando nos deparamos com as páginas iniciais do livro de um grande romancista como Daniel Defoe, Jane Austen ou Thomas Hardy, não se trata apenas de estarmos diante de uma pessoa diferente, mas diante de mundos diferentes. Em Robinson Crusoe, Woolf sugere, estamos em um campo aberto, uma ampla estrada que adentra o mundo natural. But if the open air and adventure mean everything to Defoe they mean nothing to Jane Austen. Hers is the drawing-room, and people talking, and by the many mirrors of their talk revealing their characters. (WOOLF,1986, p. 260) [6]

Mas a visão de Jane Austen pode ser mais violenta e realista do que as aventuras de meninos, aliás o mundo do salão pode ser potencialmente mais fev mar abr 2011 59


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violento, como o demonstram os romances de Edith Warthon, autora de A Época da Inocência, adaptado por Martin Scorcese para as telas. E vale lembrar que a visão de Jane Austen não é romântica. Ela retrata uma negociação que ocorre no período em que vive entre um pragmatismo necessário no que diz respeito aos casamentos e a presença do afeto entre os consortes. Voltando a Shakespare e o século XIX, apesar de Peter Brook ter afirmado a sua incompatibilidade, existem três adaptações mais ou menos recentes de Sonhos de uma Noite de Verão estrategicamente ambientadas nessa época. São assinados por Michael Hoffman (1999), Adrian Noble (1996) e Christine Edzard (2001), e analisados em um artigo muito interessante de Douglas Lanier. Lanier, antes de iniciar sua análise dos filmes, nos lembra das ilustrações feitas pelo desenhista Arthur Rackman (1867-1939) para o Sonho de uma Noite de Verão, uma iconografia que teve e tem grande repercussão e influência. Os filmes de Noble e Edzard fazem uso da figura da criança para melhor apresentar o universo shakespeareano da peça. Segundo Lanier

cence”, a time before Shakespeare became invested with directorial preoccupations and prejudices and highbrow standards of “proper” performance. (…) In the case of Noble, the Boy serves as a surrogate director and the audience for the play whose vision of the script renders it congruent with late Victorian children’s literature, a set of works that has the status of popular classics. The forest in Edzard’s film also references Victorian iconography – that o Victorian fairy lore, pictorialist productions of Dream, and such books as E.Nesbit’s illustrated Children’s Shakespeare (1900) – as a way to connecting its amateur children’s production with various popular forms of Shakespeare from the past. (LANIER, 2003, p.162) [7]

Vemos, portanto, nestes exemplos, uma relocalização de Shakespeare no século XIX. Para terminar, gostaria de citar mais dois filmes não diretamente inspirados por Shakespeare, mas obviamente baseados na idéia de sonhos loucos de verão, de transformações fantásticas e mágicas. O primeiro é Sorrisos de uma Noite de Amor, de Ingmar Bergman (1955), que evidentemente inspirou Woody Allen a fazer em 1982 seu Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão [8]. Os dois filmes são ambientados no século XIX e ambos são comédias de costumes. Neles, vemos novamente …children become the means for returning o tema do conflito entre uma racionaliShakespeare and Shakesperean performance dade funcional, diurna, social, e o abanto an earlier golden age of cultural “inno60 MACONDO revista literária


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dono da razão no tempo de verão, dominado pela magia e pela ambigüidade. O planeta vitoriano atualmente circula em nossos céus e tem nos cativado. Será um antídoto à dureza e dispersão de nossos tempos, em seu anti-modernismo soft? De maneiras que revelam mais explicitamente a inerente perversidade do mundo ambivalente de Alice no País das Maravilhas, das brincadeiras da nursery. E também de maneiras mais inocentes e genéricas, que se baseiam no conforto que o século XIX traz e que pode ser visto nas revistas de decoração, e no desejo da recriação da casa enfeitada, quente, romântica, que abriga. A simbologia das flores, tão cara a Emily Dicksinson, o retorno das cerimônias de casamento em toda a sua opulência. Aí já não falamos mais de teatro, mas de cultura, do que Roger Silverstone chamava de everyday life. (SILVERSTONE, 1994, p. 164) Fui procurar na internet, e achei essa declaração de um fabricante norte-americano de sorvetes artesanais: O marketing, no caso, é tão importante quanto o produto, diz Benjamin Van Leeuwen, dono de uma fábrica nova-iorquina de sorvete artesanal com o mesmo nome, que recentemente abriu uma segunda loja no Brooklyn. O visual vitoriano do nosso site, com seus

desenhos botânicos, e a cor amarelo-creme dos nossos caminhões de entrega fizeram a maior diferença. (Van Leeuwen, http://www. vanleeuwenicecream.com/, 2010.)

Há também o site chamado Slow Love, (http://www.slowlovelife.com/) de Dominique Browning, ex-editora da extinta revista Casa e Jardim, onde os bordados, a jardinagem, as geléias caseiras, estão em voga e ganham um teor quase político. Afinal, são estilos de vida que se aproximam da ecologia, da conservação, e de um ultra-feminino. E por fim, compartilho o delicioso site brasileiro que descobri, Jane Austen em Português, (http://janeausten.com.br) onde é possível encontrar, além de muito material interessante e novo sobre a escritora, camafeus, relicários gótico românticos, colares, livrinhos vitorianos feitos à mão pela blogueira e que podem ser comprados pelo site pelos aficionados e enviados pelo correio, assim como uma sacola de livros onde se lê I Love (um coração vermelho) Mr. Darcy, o herói amado pelas mulheres de Orgulho e Preconceito. O que nos faz pensar que essa retomada do século tem um apelo muito grande para o público feminino. Mas a vertente das aventuras góticas por sua vez agrada aos homens.

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Bibliografia: BROOK, Peter. The Shifting Point: Forty years of theatrical exploration 1946-1987. Londres: Methuen, 1988.

ele, a era elisabetana, pela primeira vez em quatro séculos, se aproximou de nós mais do que jamais havia feito antes. Temos toda razão, atualmente, portanto, de querermos nos livrar de todas as influências que ainda guardamos de século dezenove, pois o século dezenove foi a época em que a era elisabetana ficou mais distante de nós, em eclipse total. (Tradução da Autora, daqui em diante, T.A.)

LANIER, Douglas. “Nostalgia and Theatricality: The fate of the Shakesperean stage in the Midsummer Night’s Dream of Hoffman, Noble and Edzard”, em BURT, Richard e BOOSE, Lynda E., Shakespeare the Movie II: popularizing the plays on film, tv, vid- 2- Kott é um elisabetano. Para Shakeeo and dvd. Londres: Routledge, 2003. speare, para os contemporâneos de Shakespeare, o mundo da carne e o SILVERSTONE, Roger, Television mundo do espírito são indivisíveis. and Everyday Life, Routledge, 1994. Eles co-existem de forma dolorosa dentro do mesmo quadro: o poeta WELDON, Fay. Letters to Alice on tem os pés na lama, um olho nas esFirst Reading Jane Austen. Cambridge: trelas e uma adaga na mão. (T.A.) Cambridge University Press, 1998. 3- Artaud encontrou a confirmação WOOLF, Virginia. The Sec- para suas teorias no teatro oriental, na ond Common Reader. Orlando: vida no México, nos mitos das tragéHarcourt Brace & Company, 1986. dias gregas, e acima de tudo, no teatro elisabetano. (...) ... a “crueldade” de Artaud pode ser considerada um esNotas: forço no sentido de se recuperar por outros meios, a variedade da expressão 1- Do mesmo modo que, em astro- shakesperiana, e nossa tentativa (...) é nomia, um certo planeta se aproxima buscar uma linguagem que seja tão da terra em sua órbita e todos os as- flexível e tão penetrante quanto a elisatrônomos apontam seu telescópio para betana. Nossa busca se inicia com dois 62 MACONDO revista literária


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marcos do teatro: Jarry e Artaud. (T.A.) 4- Camille Paglia já havia inserido um outro poeta romântico, no caso Byron, em um registro pop, comparando-o inclusive a Elvis Presley, em PAGLIA, Camille, Sexual Personae: Art and Decadence from Nefertiti to Emily Dickinson. New Haven: Yale University Press, 1990, p. 361. 5- Apesar do que dizem os livros escolares, os escritores podem viver na mesma época e ainda assim ver tudo em dimensões diferentes. Temos, por exemplo, Scott, com suas montanhas imensas ao fundo, e seus personagens que correspondem a essa grande escala; Jane Austen desenhando rosas em suas xícaras de chá para combinar com o humor refinado dos seus diálogos... (…) E ainda assim, Scott e Jane Austen viveram na mesma época. (T.A.) 6- Mas se a vida a céu aberto e o sentido da aventura significaram tudo para Defoe, nada significaram para Jane Austen. Seu mundo é a sala de estar onde seus personagens, através de suas conversas, espelham de maneira variada as suas personalidades. (T.A.)

para devolver Shakespeare e a representação de suas peças a uma idade de ouro anterior, de “inocência” cultural, uma época que precede todo tipo de preocupação e preconceitos por parte de diretores de teatro shakesperianos que pautaram suas montagens em padrões vanguardistas (...) No caso de Noble, o Menino assume os papéis do diretor e da platéia. A peça harmoniza-se com a literatura infantil vitoriana, cujas obras tem o estatuto de clássicos populares. A floresta, no filme de Edzard, também faz referência à iconografia vitoriana, às histórias tradicionais de fadas, às ilustrações feitas para o Sonho, e a livros ilustrados tais como Shakespeare para crianças de E. Nesbitt, de 1900. E essas referências permitem conectar a montagem infantil amadora do filme com várias formas de tratamento shakespereano do passado. (LANIER, 2003, p.162) (T.A.) 8- A famosa crítica norte-americana Pauline Kael confirma a influência do filme de Bergman na versão de Allen, em KAEL, Pauline, Taking it All In. Nova Iorque: William Abrahams, 1984, p. 365.

7- … as crianças passam a ser o meio fev mar abr 2011 63


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Cruz e Sousa João da Cruz e Sousa (1861-1898) é reconhecido como um dos precursores do Simbolismo no Brasil. Filho de negros alforriados, da época do império, João recebe desde criança, apesar de sua condição, apoio tutelar do seu ex-senhor. Uma das melhores educações existentes no país e incentivos ao estudo de línguas, ciências e arte fazem parte do seu desenvolvimento. Associa-se a jornais e lança seus primeiros livros na década de 1880. Em 1893 publica Missal, livro de prosa poética do qual retiramos o texto desta edição. Morre prematuramente em 1898, vítima de tuberculose.

Para mais informações sobre o autor, sugerimos o ensaio biográfico de Paulo Leminski: Cruz e Souza: o negro branco (Editora Brasiliense) – Coleção Encanto Radical.

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SOFIA (Cruz e Sousa)

Foi na sala branca, de leves listrões d’ouro, que eu a vi interpretar um dia ao piano Mendelsohn, Schumann, as fugas de Bach, as sinfonias de Beethoven. Tinha um nome bíblico, lembrando palmeiras e cisternas: chamava-se Sofia. Era alta, de uma brancura de hóstia, como certas aves esguias que os aviários conservam e que aí vivem num grande ar dolente de nostalgia de selvas, de matas cerradas, de sombrios bosques. Nervosa, de um desdém fidalgo de fria flor dos gelos polares, e triste, traía a Arte aquele altivo aspecto, a orgulhosa cabeça erecta em frente às partituras, que os seus olhos garços liam e que os seus dedos rosados e aristocráticos executavam com perfeição, com claro entendimento nas teclas. E de todo esse nobre ser delicado, de todo esse perfil de imagem de jaspe, irradiava uma harmonia vaga, melancólica, uma auréola de pungitiva amargura, mais desoladas que as sinfonias de Beethoven, como se todas aquelas músicas excelsas tivessem sido inspiradas nela. -=-=Ó aromas, sutilíssimas essências dos finos frascos facetados do luxuoso boudoir dessa musical Magnólia; aromas vaporosos, maravilhosos perfumes que incensais, à noite, de volúpia, a sua alcova, como as purpurinas bocas das rosas, falai a linguagem alada que as vozes humanas não podem falar e dizei os murmúrios estranhos dos sentimentos imperceptíveis, imaculados, que alvoroçam a alma ansiosa dessa sonhadora Sofia. Só os aromas, só as essências terão os eflúvios castos, os fluidos luares de expressão, o ritmo inefável para contar que latentes palpitações traz Ela no sangue, que chama d’astro lhe inflama o peito, quando volta triste dos concertos egrégios e vai enclausurar-se na alcova, - muda, muda, talvez sob a névoa de lágrimas, na comovente concentração dos que morrem amando...

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microcontos Ana Carolina (@carolpepita) INSTANTE - Já passou. Miriam S. Mesquita (@misume) Quando a viu, sentiu aquela fisgada no peito. Morreu pensando que era amor. Yzzy Le Fey (@yzzylefey) Queria um lugar para esconder-se, fechou os olhos e encontrou o lugar perfeito para perder-se do mundo, não abriu-os novamente. Azul Gardenia (@azulgardenia) Da janela do ônibus, ela sorria e acenava. - Algo de sutil no silêncio permite as despedidas mais doces, pensou. E foi-se para sempre. Ana Raquel (@anamraquel) Segurava os pingos da chuva com as mãos, até que entendeu a incapacidade de suportar dilúvios. Paulo Henrique Frias (@phfrias) Abracei meu amor no canto invisível da minha memória. Toque de Gênio! (@toque_de_genio) Quando menino, fazia bolhas de sabão. Adulto, aperfeiçoou a prática fazendo bolhas especulativas no mercado de ações. Rodrigo Tomé (@TomeRodrigo) Zero: Sou aquele cara estranho sentado na poltrona do corredor que você não pede desculpa quando bate com a mala pesada. ig_v igor_v (@ig_v) TRAIÇÃO Esqueceu a carteira, encontrou o amante. Yzzy Le Fey (@yzzylefey) Ouviu dois chamados, três talvez, não olhou para trás, finalmente seguiu. Shi_Lua Ela tem o coração duro como pedra, diziam todos. Apenas ela sabia que não era pedra, mas um frágil e seco papel maché. fev mar abr 2011 67


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O lustre e sua forma descontínua Paula de Oliveira “O lustre, segundo romance da escritora Clarice Lispector, escrito durante a 2ª Guerra Mundial, momento que criou uma sociedade sem perspectivas, pois não há mais uma realidade explicada a partir de traços de unidade de identidade, mas, sim, fragmentada, característica desse romance.”

O lustre apresenta no interior narrativo de sua composição uma série de incorporações de novas formas da percepção a partir da modernidade que se ergue. Traz direcionamentos que não apontam para uma conclusão e sim, para um discurso em construção sob chave dialógica. Tal discurso fornece imagens do descontínuo sob formas de interrupção causal, o que possibilita uma arquitetônica armada de modo intrínseco a seu tempo: marcada por choques, a narrativa não mais oferece um

sentido de experiência para o indivíduo. Dessa forma, a narrativa de Clarice Lispector evidencia uma possível crise da escrita de narração, pois a obra não está interessada em contar uma história e sim, construir, a partir da forma, uma consciência para essas interrupções que constituem a descontinuidade da narrativa, presentes nas personagens. O lustre parece trazer em si o percurso que se retira da contemplação perceptiva para o choque da tomada de consciência. Assim, o romance precisou reinventar-se. Os indivíduos procuram na literatura – arte capaz de representar o indizível e aquilo que escapa às formulações lógicas que ela mesma repercute – uma forma de entendimento desse novo momento e, consequentemente, deles próprios. Essa necessidade é repassada à personagem, que busca uma interação com outras vozes, situando-a de forma dialógica. A arquitetônica da narrativa tem a protagonista como centro, tensionada a partir do choque e da tensão com outras lógicas. O lustre é a construção da tensão desse momento, e, provavelmente, tenha sido, por isso, rejeitado, à época, pela crítica, que não a percebeu como uma obra à altura de Clarice Lispector, por ser afastada às observações dessa crífev mar abr 2011 69


resenha

tica conservadora. Justamente por não seguir a linearidade de um romance realista-determinista: a protagonista não possui características definidas; o tempo narrativo não é linear; não há um enredo com encadeamento lógico de motivos; a descrição do espaço não é dominante. Além disso, traz uma escrita em construção, o discurso da personagem supõe a combinação de pensamentos cortados de modo a favorecer a compreensão de si e do mundo que a circunda. A partir desses traços, percebemos O lustre, como um romance predominantemente polifônico, no qual o narrador deixou de ter a função não só mediadora, mas determinante, o que possibilita uma nova proposta: a existência de um novo narrador frente à impossibilidade de narrar, paradoxo sustentado por Adorno no texto Posição do narrador no romance contemporâneo. Para o teórico, essa nova narrativa surgiu como uma ferramenta crítica ao homem para o enfrentamento de uma realidade descontínua e muitas vezes de difícil compreensão, sobre tudo, após os paradigmas lançados pela intensa industrialização e urbanização, além do advento das Grandes Guerras. Assim, o romance é constituído por uma arquitetônica, que traz de modo intrínseco todo o contexto con70 MACONDO revista literária

temporâneo àquela sociedade, marcada por choques que não permitem que o indivíduo constitua uma experiência. O bombardeio de estímulos torna as marcas identitárias fragmentos e resulta na eliminação de um olhar contemplativo. O sentido que se busca na arquitetônica da narrativa cria possibilidades de figuração, ao passo que o todo não é fornecido. A realidade pontua o caótico e por catástrofes desmedidas, e coube à literatura o papel de buscar a representação, porém de modo paradoxal, pois reúne ao seu redor as ruínas de uma forma narrativa que se perdeu. O lustre não possui um enredo tradicional, e perceber essa ausência é um prelúdio ao desnudamento da obra. Ainda assim, a história fala de uma moça que mora em uma Granja juntamente com os pais, irmãos e a avó. A relação familiar é impessoal e conflituosa. A única relação dialogal é a de Virgínia, a protagonista, e Daniel, seu irmão, com quem começa a deixar de ser resignada, pois ele a incita quando a questiona e, intensifica isso, ao criar a Sociedade das Sombras, com o objetivo de refletirem. Os dois irmãos viajam à cidade para estudarem, mas Daniel, ao ficar noivo, decide retornar à casa dos pais. A protagonista, sozinha, envolve-se com Vicente, este a ajuda no processo de autocons-


ciência. Ao descobrir que sua avó havia morrido, decide regressar, mas encontra tudo mudado, e regressa à cidade, porém, ao sair da estação de trem, é atropelada por um carro e morre. A partir da forma narrativa descontínua é possível perceber essa realidade que não mais contribui para uma experiência. O início do romance já indica que esse será o teor: Ela seria fluida durante toda a vida. Porém o que dominara seus contornos e os atraíra a um centro, o que a iluminara contra o mundo e lhe dera íntimo poder fora o segredo. (LISPECTOR, 1999, p. 9).

O ato de buscar um sentido seria contínuo, mas não o foi, porque na oração seguinte há a conjunção coordenativa ‘porém’, indicando oposição ao que foi dito anteriormente. Ou seja, evidencia que o fato não aconteceu, mas na verdade a personagem tende a não seguir o fluxo dos acontecimentos por estar contra o mundo. Essa oposição gera atritos, choques que não contribuem para um fim, tudo ainda está por vir e, consequentemente, está em segredo. Seria um aviso ao leitor de que a obra está incompleta e de não encontrará uma linearidade de acontecimentos, pois o discurso está em construção já que não é possível inferir um sentido

com choques que paralisam o indivíduo. Esses momentos demonstram a própria falência do sentido de narrar, pois os atos e fatos da narrativa são interrompidos, o que traz a sensação e a atmosfera do traumático e angustiante, pois as soluções narrativas convergem para um corte abrupto, para a intensificação das formas do fragmento, diluídos na voz narradora. E a presença do lustre no início e no fim da narrativa, quer mostrar a evolução do olhar da protagonista, sua mudança de percepção sobre a realidade. Os efeitos de tal condição determinaram uma realidade complexa e descontínua, repassada à obra sob a forma de traumas e choques que paralisam e interrompem a continuidade das ações. De forma análoga, a cena inicial condensa a forma que se desenvolve no romance: a presença do chapéu para impedir o fluxo de um rio, da continuidade; de desmaios e mortes que interrompem o movimento do corpo, textual e humano; no atropelamento, na forma discursiva, ao fornecer pensamentos e falas cortadas; por instaurar uma narrativa angustiante na qual se espera por acontecimentos que não se tornam experiências, mas fragmentos de uma existência uniforme e previsível. fev mar abr 2011 71


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Para abarcar essa nova realidade complexa, O lustre precisou buscar a modificação do narrar para singularizar e estar em consonância com seu tempo. Deixamos de ter romances puramente realistas-deterministas – que apenas imitam o real – e que possuem um único sentido, aquele determinado pela presença autoritária do autor para avançarmos numa literatura comprometida com o homem, ao passo que tenta explicá-lo. Essa explicação ocorre a partir das tomadas de consciência das personagens, ao buscarem, através de exercícios reflexivos, um entendimento, pois estão em contato com outras vozes que fornecem outras lógicas. O lustre é a nova condição dessa literatura, ao introduzir a complexidade do real na própria forma de construção narrativa, marcada por interrupções e pelo descontínuo. Assim, o romance não tem a “pretensão” de contar uma história dentro dos moldes tradicionais, mas de buscar o sentido do narrar para transmitir as novas formas de percepção: o choque, a voz ausente, a interrupção que constrói esse presente precário posto à frente do ser humano. Estaríamos presenciando a impossibilidade de narrar, assim como o silêncio da escrita?

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Referências: ADORNO, Theodor W. Posição do narrador no romance contemporâneo. In: Notas de Literatura I. São Paulo: Duas Cidades, 2003. BAKHTIN, Mikhail. A personagem e seu enfoque pelo autor na obra de Dostoiévski. In: Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.


Vida e morte em Lev Tolstói Christian Botelho Borges Quando A Morte de Ivan Ilitch veio a público, em 1886, foi entusiasticamente saudada não como a continuidade de uma carreira já consagrada, mas como um auspicioso retorno de Lev Nicoláievitch Tolstói (1828-1910) à ficção. Após publicar Anna Karenina (1875-1877), o grande escritor russo se devotara à vida espiritual, e espalhouse a notícia de que abandonara a arte e renegara toda sua obra anterior, inclusive Anna Karenina e o monumental Guerra e Paz (1865-1869). A verdade é que não chegou a desistir da pena, porém colocou-a a serviço de obras essencialmente autobiográficas – como Confissão (1882), em que relata sua experiência espiritual – ou extensos ensaios filosófico-doutrinários. Exemplo desse último gênero é o livro On Life (1886-1887). Tolstói o

escreveu mais ou menos na mesma época em que elaborava A morte de Ivan Ilitch, e são marcantes as correspondências entre os textos. As mesmas ideias centrais são defendidas em gêneros diferentes, o ensaio e a novela, esta servindo de contraparte literária àquele, conforme apontou em um interessante prefácio Aylmer Maude, sem entrar em maiores detalhes. É patente a enorme distância que separa os livros, do ponto de vista do lugar que ocupam em suas respectivas tradições, filosófica e literária, pois On Life é uma obra marginal da filosofia, ao passo que A morte de Ivan Ilitch é um clássico traduzido para inúmeras línguas e constantemente reeditado. Foi considerada por Vladimir Nabokov uma das obras máximas da literatura russa, e Paulo Rónai chegou a declará-la a novela “mais perfeita que já se escreveu”. Apesar dessa diferença qualitativa, um breve paralelo entre esses dois escritos nos parece conveniente para iluminar alguns aspectos importantes do pensamento de Tolstói, presentes em A morte de Ivan Ilitch. O primeiro consiste na dualidade patente nos títulos. A um leitor desprevenido pode parecer que os textos são complementares, um se ocupando da vida, outro da morte. Entretanto não será preciso avançar muito na leitura fev mar abr 2011 73


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muito na leitura para perceber que ambos tratam tanto da vida quanto da morte, o que varia é apenas o ponto de partida a partir do qual se dá a abordagem. Em On Life, esse ponto de partida é a vida, interessando ao escritor discutir o que é a verdadeira vida. Para ele, seria a do espírito, não a do corpo – o dualismo entre corpo e espírito é, aliás, o cerne de seu pensamento filosófico-religioso –, e todo medo da morte desvaneceria quando o indivíduo despertasse para essa realidade. Simplificando bastante o longo raciocínio exposto nesse livro de quase 200 páginas, em que os argumentos principais são desenvolvidos cada qual em um capítulo e se sucedem de maneira clara e racional como na dedução de um teorema, o medo da morte derivaria daquilo que Tolstói denominou “a contradição essencial inerente à vida”. Ele pondera que o homem tende a considerar como importante e real apenas aquilo que diz respeito a seu próprio bem-estar e felicidade, sem advertir que tanto seu bem-estar quanto a sua felicidade dependem dos outros, e que estes também têm, cada qual, a mesma expectativa autocentrada. Encaram suas necessidades pessoais como as mais importantes do mundo, e a sua própria vida particular como a verda74 MACONDO revista literária

deira vida, aquela que de fato interessa. Tal conflito de interesses tende a aflorar com o decurso do tempo. As doenças, a aproximação da velhice e o sofrimento crescente acabam evidenciando para o indivíduo o fato de que “sua vida é exposta a mil oportunidades de destruição por parte de outros seres em disputa com ele”. Mais do que isso, “sua vida, pela própria natureza dela, nada mais é do que uma marcha contínua em direção à morte”. O sujeito então percebe que sua existência, a única da qual ele tem consciência, aquela que é finalidade última e única de toda sua atividade pessoal, se lhe apresenta como ilusória e impossível, ao passo que a vida exterior a ele, que lhe é desimportante e desconhecida, é a única vida real. Tal é a contradição essencial acima mencionada. Dela decorre naturalmente o medo inescapável da morte, porque, se estamos atados à concepção de que a verdadeira vida é a do corpo, a morte material significa o fim de nossa existência, ou ao menos o fim de tudo o que realmente importa, defende Tolstói. A vida do espírito, ao contrário, não tem começo nem fim. Ela simplesmente é, “não pode germinar nem perecer”. Assim, se mudarmos de paradigma, a morte do corpo já não significa o fim


de nossa existência, ou ao menos o fim de tudo o que realmente importa, defende Tolstói. A vida do espírito, ao contrário, não tem começo nem fim. Ela simplesmente é, “não pode germinar nem perecer”. Assim, se mudarmos de paradigma, a morte do corpo já não significa o fim absoluto, mas apenas a passagem a um outro estado, por isso se esvairia o medo quando compreendemos que a verda deira vida é a do espírito. Existe aí uma mudança de perspectiva importante, que para Tolstói só se dá quando o homem consegue “renascer nessa existência pela consciência racional”, renascer pelo espírito, como pregou Cristo – a citação aos Evangelhos é frequente ao longo do livro. Não se trata de renunciar à nossa individualidade, mas sim de subjugá-la a algo maior. Significa, em síntese, alçarse a um patamar mais alto de consciência, que o autor associa estreitamente à racionalidade – e também ao sentimento do amor, que para ele é “a atividade única e completa da verdadeira vida.” Tudo isso está presente também em A morte de Ivan Ilitch, porém pela via narrativa e com uma contundência incomum. A concisão e o comedimento do narrador evidenciam, por contraste, a amplitude e complexidade do universo abordado. Complexidade não é

sinônimo de complicação. A trama, a linguagem e as situações apresentadas são simples, o enredo mantém o foco sobre o problema central, porém a mestria do autor na construção das personagens, no encadeamento das situações, nos pequenos detalhes para os quais chama nossa atenção, permite vislumbrar por múltiplos ângulos a complexidade desse universo de relações familiares, profissionais e sociais. São normas de comportamento e conveniência, que dizem respeito mais à vida do corpo que à do espírito, e que têm por finalidade última manter o indivíduo distante da realidade mais imediata, do contato mais direto com a vida – e consequentemente com a possibilidade sempre presente da morte. Nesse contexto, cada vez que os personagens lançam os olhos ao obituário dos jornais, sentem alívio de saber que o morto do dia, por assim dizer, é outra pessoa e não eles próprios. É como se o falecimento de alguém, em vez de lembrá-los de sua ineludível mortalidade, fosse antes a precária garantia de uma sobrevida até a próxima edição do jornal – o próximo obituário. Uma sobrevida assombrada, paradoxalmente, pelo medo da morte, com a qual ninguém sabe lidar com naturalidade, à exceção do mujique Guerássim. Todos os outros, fev mar abr 2011 75


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além disso, estão sempre pensando em seu próprio bem-estar e em tirar o melhor proveito possível da situação. Um defunto, mesmo que seja amigo próximo, representa para eles, antes de mais nada, uma vaga na burocracia czarista, um novo título, uma possibilidade de promoção e aumento de salário, um bem-vindo degrau para sua ascensão social. Como se vê, o assunto de Tólstoi é ainda aqui a verdadeira vida, vista porém pelo seu avesso, ao menos no começo do livro. O ponto de partida é a morte, o medo dela e uma enorme constelação de fatores que giram em torno desse modo de pensar muito ligado à matéria. Boa parte do livro se desenvolve em torno da “contradição essencial inerente à vida”, tematizando a supremacia da aparência sobre a essência pela preocupação constante de todos com normas e protocolos sociais; o poder das instituições, sobretudo a médica e a jurídica, que conferem ao profissional esse enorme poder sobre o destino de seus semelhantes e ao mesmo tempo o isentam das consequências de seus atos; a essência dessa sociedade burocratizada, que fornece inúmeros mecanismos técnicos, assépticos, para se contornar os inconvenientes da vida, qualquer coisa que perturbe o letárgico 76 MACONDO revista literária

bem-estar de uma sociedade que decide viver tanto quanto possível sem sobressaltos, fingindo não enxergar tudo o que lhe parece aborrecido, profundo e inconveniente. Tentativas de controle, de “domesticar a vida”, que acabam por ocultar-lhe a essência. A doença, o sofrimento físico e a iminência da morte vêm evidenciar ao juiz de instrução Ivan Ilitch a dolorosa mentira por trás dessa maneira de estar no mundo.


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bruno saggese fev mar abr 2011 77


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ALLIAH (DÉBORA VIEIRA RAMIRES) ::: TEM 19 ANOS E MORA EM NITERÓI, NO RIO DE JANEIRO. ESTUDANTE DE ARTES PLÁSTICAS NA UFRJ, É ESCRITORA DE DIVERSOS GÊNEROS, FOCANDO-SE EM FICÇÃO CIENTÍFICA E FANTASIA. TAMBÉM É DESENHISTA E PINTORA, E PREPARA-SE PARA TORNARSE ILUSTRADORA. PARTICIPA DAS COLETÂNEAS “VII DEMÔNIOS ~ LEVIATHAN ~ INVEJA” (EDITORA ESTRONHO, A SER LANÇADO ESSE ANO), “CURSED CITY ~ ONDE AS ALMAS NÃO TÊM VALOR” (EDITORA ESTRONHO, A SER LANÇADO ESSE ANO), “CYBERPUNK ~ HISTÓRIAS DE UM FUTURO EXTRAORDINÁRIO” (TARJA EDITORIAL, 2010) E “FICÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA ~ PANORAMA 2008-2009” (TARJA EDITORIAL, 2009). CONTATO: ALLIAH.ART.INSANE@GMAIL.COM; BLOG: HTTP://EVISCERADOANACRONICO.WORDPRESS.COM/

ANA RAQUEL ::: 21 ANOS, FORMADA EM LETRAS E PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNICÍPIO DE ITAPEVA, INTERIOR DE SÃO PAULO, BLOGUEIRA,CINÉFILA E MUSICÓLATRA.FAZ POESIA PRA VIRAR VERSO NAS HORAS VAGAS. CONTATO: ANARAQUEOPS@HOTMAIL.COM / @ANAEMRAQUEL / HTTP://DOSPARECERES.BLOGSPOT.COM)

ANA TERESA JARDIM ::: SOU ESCRITORA, TRADUTORA E PROFESSORA UNIVERSITÁRIA (ENSINO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO). FIZ DOUTORADO EM CULTURA E COMUNICAÇÃO NA UNIVERSIDADE DE SUSSEX, NO REINO UNIDO, ONDE ENSINEI ANÁLISE FÍLMICA DURANTE 3 ANOS. PUBLIQUEI MEU PRIMEIRO LIVRO, “A CIDADE EM FUGA”, PELA EDITORA ROCCO, EM 1997. ELE FOI SEGUIDO DE “NO FIO DA NOITE”, ALYSSON RAMOS ARTUSO ::: É GRADUADO EM PUBLICADO PELA EDITORA NOVA FRONTEIRA EM FÍSICA, MESTRE EM EDUCAÇÃO E DOUTORANDO 2001, E “A MESA BRANCA” E “PERCEPTIONS: EM MÉTODOS NUMÉRICOS PELA UNIVERSIDADE UMA MEMÓRIA”, AMBOS PUBLICADOS PELA EDITORA FEDERAL DO PARANÁ. FOI PROFESSOR 7 LETRAS EM 2002. MEU CONTO “VÍCIO DE UNIVERSITÁRIO E DE ENSINO MÉDIO DE FÍSICA, ROTEIRO” FEZ PARTE DA COLETÂNEA “MAIS 30 TRABALHANDO ATUALMENTE COMO EDITOR DE MULHERES QUE ESTÃO FAZENDO A NOVA MATERIAIS DIDÁTICOS DE FÍSICA PARA ENSINO LITERATURA BRASILEIRA”, ORGANIZADO POR LUIZ MÉDIO. É AUTOR DE DIVERSOS ARTIGOS CIENTÍFICOS RUFFATO E PUBLICADO PELA EDITORA RECORD EM DAS ÁREAS DE EDUCAÇÃO E MÉTODOS NUMÉRICOS 2005. PUBLIQUEI VÁRIOS ARTIGOS (E CAPÍTULOS DE E POSSUI UMA COLEÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS LIVROS) EM PUBLICAÇÕES ACADÊMICAS NACIONAIS E DE FÍSICA PARA ENSINO MÉDIO. NO ÂMBITO INTERNACIONAIS. CULTURAL, PARTICIPOU TRÊS ANTOLOGIAS POÉTICAS CONTATO: ANATERESAJARDIM@GMAIL.COM; SITE/ E NO FINAL DE 2010 TEVE UM LIVRO DE POESIA BLOG: WWW.ANATERESAJARDIM.COM APROVADO EM EDITAL DA FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA. CONTATO: ALYSSON.ARTUSO@GMAIL.COM fev mar abr 2011 79


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ARI MARINHO BUENO ::: AUTOR. CONTATO: ARIMABUENO@HOTMAIL.COM BARTOLOMEU PEREIRA LUCENA ::: FORMADO EM FILOSOFIA PELA UEPB, 24 ANOS, NASCI E MORO ATUALMENTE EM MALTA-PB. CONTATO: BARTOLOMEUPE@GMAIL.COM; BLOG DE POESIAS: HTTP://GAVETADECEGO.BLOGSPOT.COM/

REVOLUÇÃO, A CADA DESPERTAR ACABA MESMO É SE EMPENHANDO EM LER NAS LIVRARIAS.

CONTATO: CESARASRODRIGUES@GMAIL.COM; BLOG: HTTP://WWW.COMEDIAFAJUTA.BLOGSPOT.COM

CHRISTIAN BOTELHO BORGES ::: NASCI EM SÃO PAULO, EM 1974, E AQUI VIVO DESDE ENTÃO. ESTOU NO ÚLTIMO ANO DO BACHARELADO EM LETRAS (HABILITAÇÃO PORTUGUÊS E INGLÊS) PELA FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS BRUNO GAUDÊNCIO ::: NASCEU EM 02 DE DEZEMBRO DE 1985 NA CIDADE DE CAMPINA HUMANAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, E GRANDE, PARAÍBA. É ESCRITOR, JORNALISTA E TAMBÉM SOU FORMADO EM ENGENHARIA CIVIL PELA HISTORIADOR. AUTOR DO LIVRO: O OFÍCIO DE ESCOLA POLITÉCNICA DA MESMA UNIVERSIDADE. ENGORDAR AS SOMBRAS (POESIA, SAL DA TERRA, TENTEI ESCREVER MEU PRIMEIRO LIVRO AOS 11 2009). MEMBRO FUNDADOR DOS NÚCLEOS ANOS RECÉM-COMPLETADOS - GUARDO ATÉ HOJE LITERÁRIOS BLECAUTE E CAIXA BAIXA, NO ESTADO OS ORIGINAIS REDIGIDOS A LÁPIS -, MAS TIVE DE DA PARAÍBA. PUBLICOU PARTE DE SUAS PRODUÇÕES PRATICAR UM POUQUINHO MAIS A ESCRITA ATÉ NAS SEGUINTES REVISTAS E SITES CULTURAIS: VER TEXTOS MEUS NAS PÁGINAS DE UM LIVRO DE CORDELETRAS (PB), A MARGEM (PB), CORREIO VERDADE, ENTITULADO CASA DE TAIPA: O BAIRRO DAS ARTES (PB), REVISTA BLECAUTE (PB), FMQ PAULISTANO DA MOOCA EM LIVRO-REPORTAGEM (PB), VERBO 21 (BA), PALAVRARTE (RJ), UBE (SALESIANA, 2006), PARA O QUAL ESCREVI TRÊS (RJ) E GERMINA LITERATURA E ARTES (SP). É CAPÍTULOS. ATUO PROFISSIONALMENTE FAZENDO EDITOR DA REVISTA DE LITERATURA BLECAUTE LEITURA CRÍTICA, ORIENTAÇÃO E REVISÃO DE TEXTO, (HTTP://SITES.UEPB.EDU.BR/REVISTABLECAUTE/) E DANDO AULAS PARTICULARES DE PORTUGUÊS COLUNISTA LITERÁRIO DO SITE REDE DE NOTÍCIAS. E REDAÇÃO, E TAMBÉM COMO MINISTRANTEEDITA AINDA O BLOG DE POESIA E INFORMAÇÕES ASSISTENTE DA OFICINA DE ESCRITA CRIATIVA LITERÁRIAS “ACASO CAOS”: HTTP://ACASOCAOS. E AUTODESENVOLVIMENTO VIAGEM DE LETRAS. BLOGSPOT.COM/ CONTATO: CHRISTIAN.B.BORGES@GMAIL.COM;BLOG: HTTP://CHRISTIANBOTELHOBORGES.BLOGSPOT.COM; CESARE RODRIGUES ::: SE EM OUTRAS ÉPOCAS SITE: HTTP://WWW.VIAGEMDELETRAS.COM.BR/ CESARE SE DEFINISSE COMO POETA É PORQUE AINDA CRISTINA DESOUZA ::: SOU MÉDICA E MORO EM SEQUER COMEÇAVA A CONHECER A POESIA. E SE ELE TANTO SONHA INVENTAR DEUS OU INCITAR A PHOENIX, NOS ESTADOS UNIDOS, ONDE PRATICO 80 MACONDO revista literária


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MEDICINA E ESCREVO.

NASCIDA

E CRIADA NO

RIO

DE JANEIRO, UM DIA ME VI PERDIDA NAS NOITES DE

POESIAS.

PARTICIPEI DA ANTOLOGIA VIRTUAL DO SITE ONLINE, SACIEDADE DOS POETAS VIVOS,

BLOCOS PHOENIX. AINDA TENTO ME ACHAR ATÉ HOJE, EN- VOL.1. SOU COLABORADORA RESIDENTE DA REVISTA QUANTO ME DEIXO LEVAR PELAS RUAS DA VIDA NESTA VIRTUAL LETRAS ET CETERA, PREMIADA NO HELENA CIDADE. HÁ UM DESERTO A ME CONSOLAR. MAR- KOLODY DE 1994. CONTATO: JANDIRA_ZANCHI@ ROM TEM VÁRIOS MATIZES E ESTOU APRENDENDO A YAHOO.COM.BR; SITE: PINTAR. ENTREMENTES, SOU VISTA E EXAMINADA POR HTTP://JANDIRAZANCHI.BLOGSPOT.COM/ PACIENTES DE ALMAS SÃS. ESCREVO. MINHAS PALAVRAS SÃO A EXPLOSÃO DO MEU COMEDIMENTO. A JAYNNE SANTOS ::: TENHO DEZESSETE ANOS, CURSO ALEGRIA DAS PALAVRAS SILENTES ME TIRA DO TORPOR O PRIMEIRO SEMESTRE DE LETRAS VERNÁCULAS. SOU DE QUERER SER MAIS DO QUE HUMANA PARA VOLTAR DE TUCANO, UMA CIDADEZINHA NO INTERIOR DA A SER GENTE. CONTATO: BAHIA. APAIXONADA PELAS PALAVRAS, ME EXPRESSO PRISMATICBLUE@COX.NET MUITO BEM ATRAVÉS DELAS. SOU SINCERA, OTIMISTA, CARISMÁTICA, IMPULSIVA E IMPACIENTE. ACREDITO ERYCK MAGALHÃES ::: AUTOR. CONTATO: ERYCK- NO AMOR E NA FORÇA QUE ELE EXERCE NA VIDA DE LETRADO@HOTMAIL.COM. BLOGS: HTTP://WWW. MUITAS PESSOAS. DISPENSO FALSIDADE, MENTIRAS E ERYCKMAGA.BLOGSPOT.COM E HTTP:// WWW.VALEE- QUALQUER ATO DE CRUELDADE. ESCREVO, POIS AS MVERSOS.BLOGSPOT.COM PALAVRAS NECESSITAM SEREM JOGADAS PARA FORA, NÃO CABEM DENTRO DE UMA ÚNICA ALMA, PRECISAM EVERALDO YGOR ::: É SOCIÓLOGO E POETA, NASCEU SER COMPARTILHADAS, NÃO SE FAZEM PRESENTES NO EM SAMPA NO VERÃO DE FEVEREIRO. É AUTOR DO SOLIPSISMO E SIM NA EMOÇÃO QUE PERPASSA CADA LIVRO ESTAÇÃO LIBERDADE DA EXISTÊNCIA DO SER; SER QUE NELAS DEPOSITAM E DELAS RECEBEM O COMO POEMA É RETIRADO DESTA OBRA. BLOG: PLETAR-SE DESEJADO. BLOG: HTTP://OUTRASANDANCAS.BLOGSPOT.COM/ HTTP://JAYNNESANTOS.BLOGSPOT.COM/ GUIDO AROSA ::: 20 ANOS, ESTUDANTE DE JORNA- JORGE COLAÇO ::: PORTUGUÊS, NASCIDO EM 1956, LISMO DA ECO-UFRJ. CONTATO: FUI PROFESSOR E TRABALHEI DURANTE DEZOITO ANOS GUIDOAROSA@HOTMAIL.COM NO DEPARTAMENTO DE ENCICLOPÉDIAS DA EDITORIAL VERBO, EM LISBOA. AGORA, PRESTO SERVIÇOS EDIJANDIRA ZANCHI ::: SOU POETA, FICCIONISTA E EDU- TORIAIS POR CONTA PRÓPRIA, INCLUINDO TRADUÇÃO CADORA. TENHO EXPERIÊNCIA EM ENSINO MÉDIO, E ORGANIZAÇÃO E PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS. PREPARATÓRIO E SUPERIOR. PUBLIQUEI BALÃO DE CONTATO: JFCOLACO@YAHOO.CO.UK ENSAIO - EDITORA PROTEXTO (2007), UM LIVRO DE fev mar abr 2011 81


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JULIANA GUIDA ::: TEM 24 ANOS E É FORMADA EM FILOSOFIA. CONTATO: JUGRAGLIA@GMAIL.COM; BLOG: HTTP://WWW.TITUBEIOS.BLOGSPOT.COM

LUANA VIGNON ::: TEM 29 ANOS, MORA EM SÃO PAULO, É ESCRITORA E EDITORA. FOI UMA DAS ORGANIZADORAS DA ANTOLOGIA POÉTICA

LEO LOBOS ::: (SANTIAGO DO CHILE, 1966): POETA, ENSAÍSTA, TRADUTOR E ARTISTA VISUAL. ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS DE FILOSOFIA, CASTELHANO, BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO. LAUREADO UNESCO-ASCHBERG DE LITERATURA 2002, REALIZA UMA RESIDÊNCIA CRIATIVA EM CAMAC, CENTRE D’ART MARNAY ART CENTER EM MARNAY-SUR-SEINE, FRANÇA, E NO JARDIM DAS ARTES, CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO: ESPAÇO CULTURAL E RESIDÊNCIA INTERNACIONAL DE ARTISTAS,

CERQUILHO-SP, BRASIL, ONDE

“PESO PENA” (BLACK DEMOM PRESS, SÃO PAULO, 2010). EM 2010 TEVE DOIS LIVROS DE POESIA PUBLICADOS, “SEU HERÓI FOI EMBORA” (YIYI JAMBO, PARAGUAY) E “OS TIROS VÊM DO PARAÍSO” (PANELINHA BOOKS, SÃO PAULO). BLOG: HTTP://LUANAVIGNON.WORDPRESS.COM/ MARIANA ANGELITO BESSA DE SOUZA ::: AUTORA; ESPERO QUE VOCÊS LEIAM, QUE SINTAM, QUE GOSTEM. CONTATO: MARIANAANGELITO@HOTMAIL.COM HTTP://CHEIRODEAMENDOAS.BLOGSPOT.COM/

DESENVOLVE TRABALHOS DE COMUNICAÇÃO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS, ALÉM DE PINTAR, DESENHAR E ESCREVER.

PUBLICOU, ENTRE OUTROS: CARTAS DE MÁS ABAJO (1992), +POESÍA (1995), ÁNGELES ELÉCTRICOS (1997), TURBOSÍLABAS. POESÍA REUNIDA 1986-2003 (2003). ESCREVE PARA VÁRIOS JORNAIS, REVISTAS E SITES E TEM LIDO SEUS TEXTOS DE ARTE E LITERATURA

CHILE, ARGENTINA, PERU, BRASIL, MÉXICO, CUBA, ESTADOS UNIDOS, ESPANHA, FRANÇA, ALEMANHA E CANADÁ. É TRADUTOR DE VÁRIOS POETAS BRASILEIROS COMO HILDA HILST, TANUSSI CARDOSO, HELENA ORTIZ, HERBERT EMANUEL, ELIAKIN RUFINO, ÉSIO MACEDO, ENTRE OUTROS. CONTATO: LEOLOBOS@GMAIL.COM NO

82 MACONDO revista literária

MAURÍCIO SILVA ::: NATURAL DE SÃO PAULO, POETA BISSEXTO, PROFESSOR DE LITERATURA... ATUALMENTE, COMETE O CRIME DE AMAR! CONTATO: MAURISIL@GMAIL.COM PAULA DE OLIVEIRA ::: TENHO 27 ANOS, MORO NA CIDADE DE SÃO PAULO. TRABALHO COM REVISÃO DE TEXTO EM UMA CONCEITUADA EDITORA. SOU PÓS-GRADUADA EM LITERATURA PELA PUC-SP E GRADUADA EM LETRAS. CONTATO: PAULAFOFFY@YAHOO.COM.BR; BLOG: HTTP://MEME.YAHOO.COM/LITTERANDO


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RAUER ::: TEM LIVROS DE FICÇÃO PUBLICADOS E LANÇARÁ, EM 2011, MICROCONTOS, ALGUNS DOS QUAIS PUBLICOU NO TWITTER @RAUER_RAUER. É PROFESSOR DE LITERATURA NA UFMS, ONDE ATUA NO MESTRADO EM LETRAS. ALGUNS DE SEUS TRABALHOS PODEM SER ENCONTRADOS NO SITE HTTP://RAUER.RAUER.SITES.UOL.COM.BR/.

CONTATOS: RAUER.RAUER@UOL.COM.BR. SALOMÃO GUERRA DE FREITAS ::: AUTOR. CONTATO: S.G.FREITAS@HOTMAIL.COM SANDRA SANTOS ::: HAIKAIS RETIRADOS DO LIVRO POESIA DE SANDRA SANTOS, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.MYEBOOK.COM/INDEX. PHP?OPTION=EBOOK&ID=63535 - COLEÇÃO INSTANTE ESTANTE, PROJETO CASTELINHO EDIÇÕES. CONTATO: SANDRA_SANTOS_9@HOTMAIL.COM WESLEY SOUZA ::: AUTOR. CONTATO: WESLEYSOUZA21@YAHOO.COM.BR

“EM JOGO” (VITÓRIA PRIOSTE)

fev mar abr 2011 83


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2011 2011


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