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SUMÁRIO
A exploração sexual infantil
Omarco de mobilização contra a violência sexual infantil é 18 de maio. Nesta data, em 1973, em Vitória, um crime bárbaro chocou o país e ficou conhecido como o “Caso
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Araceli” (Cabrera Crespo). Há 45 anos Araceli era uma menina de apenas oito anos de idade que teve todos os seus direitos violados, foi raptada, estuprada e morta por jovens de classe média alta capixaba.
Seu desaparecimento continua um mistério.
Este ano, a Polícia Rodoviária Federal mapeou pontos de maior risco de exploração sexual de crianças e adolescentes nas estradas brasileiras. Ano passado, a
PRF flagrou 2.487 pontos vulneráveis nas estradas brasileiras. São locais com pouca
A Polícia Rodoviária Federal fechou o cerco, efetuou prisões e, contudo, ainda são milhares de crianças vulneráveis a esse tipo de crime, apesar do combate sistemático da Justiça. Na ação de combate nacional, em 18 de maio, uma das prisões ocorreu em Barra do Garças, onde um professor foi flagrado com material de pornografia infantil
iluminação, falta de segurança, bebidas, drogas e onde os agentes encontraram crianças e adolescentes. Destes 489 são pontos considerados críticos, conforme noticiou o Jornal Hoje, da Globo.
Em 2017 a PRF tirou das estradas 121 crianças, algumas já vítimas de violência sexual em postos de combustíveis, bares e pousadas para alimentação e hospedagem. Segundo a corporação, as rodovias com mais riscos de abusos e exploração sexual infantil são as BRs 116, 101, 153, e 364 e os estados com mais incidência desse crime constam da lista Ceará, Goiás, Pará, Minas, e Paraná.
Apesar dos números, a PRF afirma que a quantidade de locais críticos caiu 14% em relação ao último levantamento de 2014.
O combate a esse tipo de crime é feito em conjunto com o Conselho Tutelar.
O presidente da Comissão de Direitos Humanas da PRF, Igor Ramos disse àquele telejornal vespertino que “a gente da voz de prisão ao autor do crime e naquele momento passa a criança aos cuidados do Conselho Tutelar ou de qualquer outro órgão da rede de enfrentamento que possa fazer o melhor encaminhamento possível. O autor é encaminhado à Polícia Judiciária Civil”.
Naquele mesmo dia (18), na operação Luz da Infância 2, de combate à disseminação de material pornográfico na internet, foram expedidos 579 mandados e pelo menos 250 pessoas foram presas em 24 estados e no Distrito Federal.

Os suspeitos surpreendidos na operação estavam sendo monitorados nos últimos quatro meses, sendo 128 no Sudeste, 47 no Nordeste, 38 no Sul e 21 no Centro-Oeste, incluindo o professor de inglês ACM, de 45 anos, em Barra do Garças, cujo nome não foi revelado pela Polícia. Segundo o ministro Raul Jungmann, da Segurança Pública, aquela foi a maior operação realizada pela a Polícia Judiciária Civil em apenas um dia.
Cerca de 500 mil crianças e adolescentes são vítimas todos os anos de exploração sexual no país. Ano passado, 125 mil medidas protetivas foram expedidas para conter agressões contra mulheres, crianças e adolescentes. Em cada 10 casos, apenas sete são investigados.
Imagem de internet, no site meio&mensagem, de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes no país
ÓRGÃOS FISCALIZADORES
Somos uma sociedade com interesses comuns. À primeira vista dá a impressão que vai tudo muito bem, mas não vai. É preciso atitude em educação, saúde, cidadania e a presença do Estado para consertar sua vacância e começar construir uma sociedade da qual possamos sentir orgulho. O começo de tudo para que esse desejo floreça começa pela proteção à infância, à adolescência. Barra do Garças, como nas demais cidades do país, tem seu Conselho Tutelar onde um colegiado formado por cinco conselheiros trabalham pelo menos 40 horas semanais, mais plantão noturno nos dias da semana, chova ou faça sol. Com tudo isso o cenário em
Barra do Garças deixa a desejar.
Portanto, como dissemos, os membros do Conselho Tutelar são eleitos pela comunidade para acompanharem as crianças e os adolescentes e decidirem em conjunto sobre medidas de proteção para cada caso. Devido a esse trabalho de fiscalização o Conselho goza de autonomia funcional, não tem relação de subordinação com qualquer outro órgão do Estado. Sua área de abrangência cobre os bairros da cidade, os distritos de Voadeira, Vale dos Sonhos, Indianópolis e Toricoeje.
O trabalho dos conselheiros é ininterrupto para garantir à criança e ao adolescente as garantias de seus direitos previstos em lei. Segundo a conselheira Katiuscia Alves da Silva Almeida, a média diária de atendimento oscila entre 15 e 20 pessoas. Os assuntos tratados abordam de violência sexual aos maus tratos, o abandono de incapaz e a maioria dos casos tem como pano de fundo a pobreza extrema,

os locais insalubres, drogas, a ausência do poder público.
Soma-se ainda a esses danos a baixa frequência escolar. São casos, onde a criança sai de casa e não chega à escola que está falida e que por isso mesmo não comunica aos pais, aos responsáveis que em muitos casos sequer tomam ciência do fato. Além disso a agressão física, em muitos casos, se impõe como palavra de ordem, em substituição ao diálogo.
Como se não bastasse esse ataque físico e também moral, há os maus tratos psicológicos, o abandono ou a violência sexual praticada geralmente por pessoas mais próxima à criança. Em 70% dos casos, segundo informou o coordenador do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), sediado no antigo Centro Social Urbano (CSU), em vila Santo Antonio, o psicólogo Dyumdy Araújo Makishi, a violência sexual contra menores são praticados por pais biológicos

Crianças em recreação no pátio interno do PETI, na região central de Barra do Garças, de combate ao trabalho infantil
e em menor escala por avós. Isso ocorre porque geralmente o seviciador aproveita do vínculo familiar e afetivo e se isto não basta impõe-se a ameaça à criança que tem dificuldade de verbalizar situações dessa natureza. São violações graves que a sociedade não deve banalizar sob pena de efetivar sua própria desconstrução.
Enquanto isso, os setores do Creas, em todas suas demandas, atende em plantões sistemáticos a média de 150 pessoas mensais. São crianças com defasagem escolar, alimentação incorreta, descuidos, apenas para exemplificar situações danosas. A professora Creonice Barreto Santana, responsável pela educação social de adolescentes infratores e que passam pelo juizado da 1ª Vara, diz que eles são ‘punidos’ com a liberdade assistida e submetidos a sessões com a psicóloga Raphaela Mendes, com assistentes sociais e prestam serviços à comunidade no Abrigo de Idosos em Aragarças (GO). Nos casos de menores homicidas eles são recolhidos no Centro de Atendimento Socioeducativo (Polo Barra do Garças), na Rua Germano Bezerra, no bairro Santo Antonio.
Em todos esses setores há roda de conversas, palestras, troca de informações, além de contar com uma equipe de professores do campus Araguaia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Já o atendimento externo, que começam pelo lazer, fica por conta do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) com sede na Rua Hermano Ribeiro, região central de Barra do Garças. Segundo sua coordenadora, Rosária Bezerra Maia Martins, são inscritos naquele local 240 crianças, em dois turnos (matutino e vespertino), de famílias assistidas pelos programas Bolsa Família e do Pró-Família, que corresponde a um bônus de R$ 100 mensais.
O PETI, esse conjunto de ações que têm o objetivo de retirar crianças e adolescentes menores de 16 anos do trabalho precoce, (exceto na condição de aprendiz a partir de 14 anos) é em Barra do Garças uma extensão do Cras que admite a inclusão dos menores a partir do Número de Inscrição Social (NIS). Com isso ele assegura a transferência direta de renda às famílias, oferece a inclusão das crianças e dos jovens em serviços de orientação e acompanhamento. A frequência à escola também é exigida.
ASSISTÊNCIA E PREVENÇÃO
No início de maio, no Centro de Referência de Assistência Social (Cras), no bairro Santo Antonio, tiveram início os trabalhos envolvendo famílias no sentido de ajudá- -las na educação das crianças, através da prevenção continuada e atendimento so

cioassistencial. “Temos sempre um novo projeto à frente”, disse a assistente social Discélia Dias da Silva, em abril, numa entrevista à reportagem de Gente.
Custeado pela prefeitura de Barra do Garças e sediado no Centro Social Urbano, uma pequena equipe formada por cerca de 10 pessoas tem feito mais que o esperado no serviço de convivência com crianças dos 12 aos 18 anos. Tal esforço ganha proporção com o projeto do Paif (Proteção e Atenção Integral à Família) que orienta e acolhe grupo de mães que são acompanhadas por psicólogos, assistentes sociais, educadores, promovem ciclo de palestras, desenvolvem oficinas com foco no desenvolvimento social das pessoas envolvidas. Para tanto há o enfoque para as rodas de conversas, o canto coral, o baile às quintas-feiras com um grupo formado por cerca de 170 idosos.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, o Cras é a porta de entrada da Assistência Social e está presente “em áreas de maior vulnerabilidade social para fortalecer a convivência com a família e comunidade desse entorno” e, com isso “possibilitar o acesso da população aos serviços, benefícios e projetos de assistência social, se tornando uma referência para a população local e para os serviços setoriais”.
O Cras faz ações com a comunidade, promove ciclo de palestras, campanhas, eventos em busca de soluções para o enfrentamento de problemas “como a falta de acessibilidade, violência no bairro, trabalho infantil, falta de transporte, baixa qualidade na oferta de serviços, ausência de espaços de lazer, cultural, e ausência do Estado, como se tem dito.
Dentre os serviços ofertados pelo Cras está o de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif) e o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). No Cras, as pessoas são orientadas sobre os benefícios assistenciais e podem ser inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal.
Famílias e indivíduos em situação de risco social, pessoas com deficiência, idosos, crianças retiradas do trabalho infantil, pessoas inseridas no Cadastro Único, beneficiários do Programa Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Em casos assim a meta é procurar o Cras. A unidade é pública e os serviços são gratuitos.
Barra do Garças possui duas unidades, a do Santo Antonio e outra no setor Nova Barra, o Cras Construir, (a 6 km do centro da cidade pela perimetral do Zeca Ribeiro), onde são acolhidas crianças e adolescentes. No Cras Santo Antonio estão inseridas no Serviço de Convivência 165 crianças, 47 adolescentes e 472 famílias.

O constante alerta em defesa da criança
Na região do Araguaia o combate contra a exploração sexual de crianças é intensivo. Muitos órgãos estão à frente dessa luta como o Ministério Público, polícias e Judiciário
Há várias instituições atentas aos problemas que afetam crianças e adolescentes em Barra do Garças. Dentre elas está o Ministério
Público. A reportagem ouviu a promotora
Nathalia Carol Manzano Magnani, que foi clara ao afirmar que a situação que envolve menores “é grave e por isso mesmo atuamos em diferentes aspectos de modo que os casos sejam resolvidos com esperada urgência que eles merecem, que a resposta seja condizente com a gravidade da situação, punindo os culpados e dando amparo às vítimas da melhor maneira possível”.
Além disso, a começar por esse trabalho repressivo, “temos nos engajado em campanhas preventivas, procurando alargar o diálogo com a comunidade, assim como divulgar as formas de denúncias para desse modo facilitar a repressão a esses crimes”, disse a promotora ao se reportar que ano passado o Ministério Público realizou uma campanha, sempre com parcerias, que levou arte e educação através do teatro a todas as escolas, públicas ou privadas do município, no sentido de esclarecer sobre o perigo que ronda crianças e adolescentes na cidade e também em comunidades do interior.
Naquela campanha, utilizando o teatro como modelo de aprendizagem, foram feitas abordagens conscientizando sobre a gravidade que cerca as crianças. Outra campanha foi realizada em maio com o Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente de Barra do Garças (por ocasião do Dia Nacional da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes) quando várias atividades chegaram ao seu público alvo, incluindo pais e responsáveis para que o assunto não fique encoberto e que as crianças e adolescentes “não se vitimizem”, mas se empoderem de informações sobre o tema, saibam como agir quando abordados pelo o abusador ou, em situações já em curso, procurar ajuda, fugir do ciclo horrendo da exploração sexual.
Televisão e redes sociais, mesmo que de modo involuntário, carregam sua parcela de culpa. O Ministério Público defende sugestões de indicativos para o público alvo na TV, mas segundo a promotora, na rede social é mais difícil esse controle. “É preciso que os pais ou responsáveis saibam o quê os filhos acessam na internet”, diz. Especialistas asseguram que o acesso de conteúdo pornográfico pode despertar a sexualidade precoce e em momento inadequado. Nathalia assegura que há casos graves de abusos sexuais cometidos por membros da família ou por pessoas que possuam vínculos afetivos com a criança ou com o adolescente. A promotora diz que os culpados são punidos, que as respostas para esses casos “são rígidas” e que há ações protetivas às crianças que são vítimas desses casos.
Em Barra do Garças, a Polícia Judiciária Civil investiga casos através da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher. Segundo a investigadora Andreia Guirra, são abertos em média 30 inquéritos por ano, referentes a exploração sexual infantil ou a menor de idade na circunscrição da delegacia, que abrange Barra e Pontal do Araguaia. Ela considera o número alto para uma região “pequena”. Os casos mais frequentes são aqueles abusos que ocorrem em casa, em que a criança é abusada por parentes ou amigos da família.
“São pessoas bem próximas, ou mesmo pais biológicos ou padrastos, que abusam das crianças”, relata. De acordo com a investigadora, esses casos são mais comuns do que exploração a menor, através de prostituição. “Sabemos que existe [o aliciamento de crianças], pelo fluxo grande de veículos, por ser divisa de estado. Já tivemos algumas operações que investigaram esse tipo de crime.”
Ela menciona as operações Boneca de Pano, a qual pode atuar como investigadora em uma delas. O caso de aliciamento de menores por um taxista em Barra do Garças ganhou repercussão nacional. As meninas eram levadas pelo taxista até o ponto de encontro com o cliente, que pagava o valor de R$ 170,00. O taxista ficava com R$ 120,00, pela corrida de taxi e pelo aliciamento, enquanto a menor ficava com R$ 50,00.
“Nessa operação, a gente percebeu a fragilidade das vítimas. Novas, muito pobres e que precisavam daquele dinheiro. Elas não faziam aquilo para ter uma vida fácil ou de luxo”, destaca Andreia. Nesses casos, conta a agente da Polícia Civil, após a conclusão do inquérito, a vítima é encaminhada a assistência psicossocial do município.
Uma mudança no trâmite da investigação em casos de exploração a menores é que a vítima não poderá dar depoimento na delegacia. Segundo a modificação na legislação sobre o assunto, a criança agora poderá falar, durante o inquérito, apenas a um psicólogo. Andrreia vê a mudança com preocupação uma vez que um profissional da psicologia não é treinado para colher depoimentos.
“Reconheço que a criança é exposta a vários lugares para ser ouvida, como na delegacia, no fórum, no Creas [Centro de Referência Especializado de Assistência Social]. Mas o psicólogo não tem o mesmo olhar investigativo que a polícia tem”, explica. Para ela, outra solução seria tomar o depoimento na presença de um profissional da psicologia e de um policial. “A gente está passando para o psicólogo uma atribuição que é da polícia. A qualquer momento isso vai causar um nó no sistema. Mas se a lei está determinando, é o que a gente está fazendo agora”, afirma.
Durante um inquérito de exploração sexual a menor, era comum que a delegacia responsável estabelecesse uma relação de confiança com a vítima. Para o bom andamento dos trabalhos da Polícia Civil, dele
Andreia Guirra, investigadora de polícia e presidente da Rede de Frente

gado e agentes desenvolviam um contato profissional, porém, de proximidade. Assim o menor se sentia confiante em falar sobre o caso, ao longo da investigação.
Agora, com a modificação na lei, consequentemente, o policial se afasta da criança, o que não exime que cuidados ainda sejam tomados. “A gente tenta deixar a vítima, [quando é necessário que ela esteja] dentro da delegacia, o mais confortável possível, porque a gente sabe que esse não é um lugar para criança”, conclui Andreia.
Para concluir, a pergunta que não quer calar é o que a Justiça tem feito para impedir que o abuso sexual contra crianças e adolescentes continue a devastar famílias a partir de seu lado mais vulnerável. A reportagem procurou o juiz da Vara da Infância e Juventude de Barra do Garças, Michel Lotfi, que não preteriu a nenhum assunto posto a sua mesa e começou por dizer que abu
Juiz da Infância e da Juventude, Michel Lotfi, em seu gabinete em Barra do Garças
sos dessa natureza ocorrem em todas as sociedades. “Em Barra, com rigor absoluto, temos feito o possível para punir exemplarmente os culpados”, disse ele.
Para desferir esse combate sistemático contra o abuso sexual, segundo Lotfi, a Justiça trabalha em sistema de rede com o Conselho Tutelar, o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), Ministério Público, Defensoria Pública, PETI, as polícias, rede de saúde, professores, escolas para se chegar ao autor presumível de um fato. “É preciso que não haja omissão dos poderes, da sociedade como um todo para que a criança se sinta segura, amparada e possa com isso, contar se está sendo vítima de qual seja o abuso”.
Lotfi frisa, assim como fizera outros entrevistados para esta reportagem, que esse tipo de crime ocorre geralmente na casa da própria criança, em locais de seu convívio, às vezes acobertado pelo silêncio e o medo e, por mais que se repreenda, não se consegue extinguir esse mal que apesar de acontecer aos mais vulneráveis do ponto de vista econômico, termina por não escolher classe social. “À Justiça cabe apurar e punir diante do desafio maior que são os adultos que cercam essas crianças. Ele precisa ter a perspicácia de perceber qualquer mudança no comportamento que pode ser o sinal de que tenha sofrido ou que está prestes a sofrer abusos". Olhar atento.
Ninguém em sã consciência pode ser omisso diante de qualquer afronta que possa ferir a intimidade da criança, do adolescentes, seus direitos constituídos. Qualquer sinal neste sentido pode ser o momento de acionar as autoridades públicas. Ao alcance da mão está o Disque 100 da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos. A denúncia pode ser anônima, enquanto o silêncio e o medo estão presentes nos casos mais corriqueiros.


Por Emerson Santiago
Abandono de incapaz é o nome dado a um crime previsto no artigo 133 do código penal brasileiro, definido pelo mesmo como abandono de pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, é incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono. Para tal ilícito é prevista a detenção de seis meses a três anos.
Há ainda algumas considerações supervenientes relacionadas a este tipo penal. Caso o abandono provoque lesão corporal de natureza grave, ou ainda a morte, a pena é aumentada de duas até vinte e quatro vezes. É também previsto o aumento de um terço caso o abandono ocorra em lugar ermo, ou se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima, ou finalmente, se a vítima é maior de sessenta anos.
O ato de abandono coloca em xeque a relação jurídica de cuidado, guarda, vigilância ou autoridade. Na verdade, é comum, que vários desses aspectos coexistam, ao menos em parte. Um pai que saia a passeio com seu filho menor mantém sobre ele os deveres de cuidado, vigilância, guarda e autoridade. O médico em face de seu paciente assume dever de cuidado. Um diretor de penitenciária tem a custódia (guarda) dos sentenciados, exercendo sobre eles sua autoridade, nos termos da lei. O motorista que oferece carona a uma pessoa inválida assume compromisso de guarda e vigilância, não podendo deixá-la em lugar perigoso, do qual se afaste voluntariamente. Quando é mencionado o crime de abandono de incapaz, a primeira associação feita pelo público é o da quebra da relação de cuidado de um pai ou mãe para com seu filho ainda em tenra idade, mas, como visto pelos exemplos acima, o ilícito pode envolver diferentes pessoas.
Com o abandono, há o perigo concreto, que se traduz no ato de afastar-se da vítima, colocando-lhe em risco a vida ou a saúde. Haja vista a gravidade da conduta, é fundamental o distanciamento físico entre réu e ofendido, onde o sujeito ativo se aparta da pessoa da vítima, que permanece onde de hábito se encontrava ou a leva propositadamente para outro local, em que é exposta a perigo.
O estatuto do idoso, em seu artigo 98 criou uma nova figura delituosa dentro do âmbito do abandono: "Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado. Pena - detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa".


Enfim, a água está chegando!
Criado em abril de 1991, o município de Alto Boa Vista ainda enfrenta problemas de ordem estrutural. A água encanada, a exemplo, é um deles
Afoto que ilustra este texto é de dona Conceição Francisca dos Reis, 71 anos, mãe de seis filhos, aposentada, residente no bairro Campinas, em Alto Boa Vista. Com duas caixas d’águas e um tambor ela armazena água que é distribuída por caminhões pipa a mando da prefeitura, durante a semana.
À reportagem de Gente, dona Conceição disse que é complicada a escassez de água. "Às vezes ficamos ansiosos quando estamos em dúvida se o caminhão d’água virá ou não. A demanda é grande porque atende toda a cidade. Não é fácil viver cercada de incertezas”, disse. Sobre a obra em curso de implantação do sistema de abastecimento de água, ela foi categórica em afirmar que "só vendo para crer”.
Sua vizinha de bairro há 20 anos, dona Roseli Ortega, diz que às vezes os pipas só aparecem duas vezes por semana. “Quando isso acontece só temos a Deus para pedir ajuda. Ainda bem que temos Deus, porque às vezes ficamos sem saída, sem solução”.
A reportagem apurou que praticamente todas as casas de Alto Boa Vista possuem pelo menos um reservatório para receber a carga dos caminhões pipa. Esta ronda de abastecimento para servir a cidade custa aos cofres da prefeitura R$ 120 mil mensais. Além das caixas d´água nas portas das casas, os moradores precisam utilizar uma bomba que puxe a água para uma caixa interna, de uso doméstico. É assim o cotidiano dos moradores de Alto Boa Vista, que remonta os dias de sua fundação no ano de 1991.
Com objetivo de colocar fim à situação e acabar com o sofrimento de sua gente, logo nos primeiros dias de sua gestão o prefeito Valtuir Cândido deu início à construção do sistema de água. Ele diz que o abastecimento de água tratada será de longe a maior obra pública já realizada em seu município, não somente pelo seu valor (R$ 3,5 milhões), mas por sua importância social.
Valtuir diz que está "correndo sempre para Cuiabá” na tentativa de solucionar os problemas da cidade, do interior do município. "Tenho sido criticado por isso. Dizem que viajo demais, que não fico na prefeitura. Não gosto desse vai e vem, é cansativo e perigoso. Mas como fui eleito para resolver esses problemas, faço meu papel e por isso pretendo resolver esse problema da água", garante.
Ele disse à Gente que do total de R$ 3.5 milhões de emendas destinadas pelo deputado Carlos Bezerra ao sistema de capacitação e distribuição de água, restam R$ 1.3 milhão referente a quarta e última parcela que deverá ser liberada nos próximos dias pela Funasa, já que foi feita a vistoria nas três etapas já efetivadas.
A Funasa deve liberar o recurso final da quarta etapa e a empresa terá então o prazo de 60 dias para entregar a obra. O sistema de encanamento de 7 km a partir do córrego Três Pontes e que vai ligar ao reservatório com capacidade de 600 mil litros à cidade já se encontra a 2 km da região central de Alto Boa Vista.
Segundo Vantuir, “o serviço mais complexo já está pronto” para interligar as residências como a de dona Conceição e de sua vizinha Roseli Ortega. Ao todo serão
Valtuir diz que do total de R$ 3.5 milhões de emendas feitas 600 ligações na cidade. Falta pouco para totalizar ao sistema de o atendimento capacitação e local. distribuição de Concluída as água, restam R$ 1.3 milhão referente a quarta e última parcela etapas, o prefeito diz que vai implantar hidrômetros nas residências e naturalmente cobrar pelo consumo. Hoje, não existe sequer uma taxa simbólica em relação aos pipas, tudo é gratuito. Com uma arrecadação abaixo do necessário, a cobrança pela água vai tornar o abastecimento sustentável. Os moradores estão cientes de que vão pagar pelo consumo mensal e quanto a isso estou tranquilo”, diz Valtuir.
Assim que o sistema de água estiver a pleno vapor, o município terá uma economia média de R$ 120 mil por mês. “O que estamos gastando com água vamos empregar em asfalto. Isso mesmo, vou transformar água em asfalto” graceja com o trocadilho.
“Minha meta é concluir o quanto antes o problema água para depois mirar a pavimentação asfáltica. Sofremos demais com a poeira e com nossas ruas asfaltadas teremos a certeza que os atendimentos nos postos de saúde terão queda significativa, principalmente de crianças e idosos que sofrem com problemas respiratórios no período de estiagem, quando a poeira toma conta da cidade”, diz.
Em seus cálculos, até o final de 2019 cerca de R$ 2 milhões serão investidos em pavimentação asfáltica. Este valor será, segundo disse, proveniente de emendas parlamentares dos deputados, Nilson Leitão e Victório Galli. Cada emenda será de R$ 300 mil, além dos recursos próprios da prefeitura. O serviço deve iniciar tão logo seja liberada a licença do local onde vamos retirar o cascalho e que deve ocorrer nos próximos 60 dias.
Há 18 meses à frente da prefeitura, Valtuir se diz realizado, principalmente com o andamento da obra mais esperada em Alto Boa Vista que vai contemplar também a Agrovila Mãe Maria, com cerca de 25 famílias. O projeto de assentamento Casulo está entre essas prioridades para abastecimento de água.
O prefeito disse que a demora para a concretização de obras públicas no município tem uma grande vilã que responde pelo nome burocracia. “Com ela à frente tudo pode acontecer, mas muito devagar com um documento dali, assinatura de cá, um vai e vem sem fim, é muito complicado", explica.
Valtuir disse que nesses poucos meses de gestão “posso ter errado, mas tentando fazer certo, mas nem tudo é possível se concretizar. Na administração pública "uns plantam, outros regam, outros colhem".
PEQUENOS PRODUTORES
A prefeitura municipal trouxe para Alto Boa Vista um reforço para a patrulha mecanizada ao adquirir uma calcareadeira, roçadeira, grade, trator e uma plantadeira para agregar benefícios a agricultura familiar do município.
As máquinas foram adquiridas por meio de uma emenda do deputado federal Carlos Bezerra e do deputado estadual Silvano Amaral. O prefeito relatou que o objetivo da aquisição das máquinas é atender com mais eficiência o setor agrícola na manutenção de estradas, entre outras atividades diárias. "A demanda é grande em toda a extensão do município. Com estes novos equipamentos vamos atender com mais facilidade as necessidades da comunidade", diz.

Na página ao lado, dona Conceição vive peleja contra o racionamento de água e o prefeito Valtuir Cândido que promete água encanada ainda este ano
Em reunião com vereadores ocorrida em maio, o prefeito de Alto Boa Vista, Valtuir Cândido (PSC) anunciou a intenção de firmar convênio com uma clínica médica baseada em Confresa. Segundo disse, a finalidade é economizar gastos com diárias, combustível, manutenção de veículos, além de passagens de ônibus a pacientes, servidores, entre outros. Segundo seus cálculos, esse convênio trará uma economia ao município da ordem de pelo menos R$ 20 mil mensais e que pode ser revestida na própria saúde pública. Para realizar este seu intento é preciso autorização da Câmara de Vereadores. “Quero melhorar os investimentos na compra de medicamentos, contratação de médicos e manutenção de ambulâncias”, ressaltou.
A secretária de Saúde do município, Débora Kátia dos Santos Silva, disse na ocasião que, depois de estudos, chegaram à conclusão que muitos exames podem ser feitos em Confresa, que está a cerca de 170 km de Alto Boa Vista, na 158, contra os mais mil de Cuiabá. Segundo Débora, o convênio será bom com relação ao custo benefício, posto que a Clínica Centro de Diagnóstico por Imagem (CDI), em Confresa, dispõe de equipamentos de ponta, “sem necessidade de recorrer à capital” para onde são encaminhadas a média mensal e 20 pessoas, sem contar os casos de urgência e emergência, que são os pacientes de UTI.
Regularização fundiária
Os primeiros 59 títulos de propriedade da gleba Bandeirantes foram entregues em maio aos seus proprietários. A área foi regularizada pela prefeitura de Alto Boa Vista que tem no cartório outros 40 títulos destinados a pequenos agricultores. A administração municipal defende que a regularização daquela gleba influi diretamente na economia local, através da geração de emprego e renda no campo.
De acordo com o prefeito Valtuir Cândido da Silva, a leva de regularização que chega à Bandeirantes é resultante de articulação entre ele, o deputado federal Carlos Bezerra (MDB) e o estadual Silvano Amaral (MDB). Os entendimentos com o Incra já garantiram mais de 100 títulos de propriedade, dentre os quais os 59 citados. Na cerimônia de entrega dos títulos em 26 de maio e Valtuir destacou a importância da economia rural para o seu município.
Com o título de propriedade o pequeno agricultor adquire uma série de garantias sem vínculo com o Incra. Torna-se possível, então, buscar crédito junto a bancos, abrir financiamentos para aquisição de máquinas e implementos agrícolas, entre outras possibilidades de investimentos de curto e longo prazo. As vantagens se estendem ainda à economia de Alto Boa Vista que poderá arrecadar sobre as terras regularizadas e sobre a produção pecuária e agrícola.