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Nadine Anflor

A mulher que comandou as maiores vitórias na Segurança Pública do RS

Entrevista: Lucio Vaz e Voltaire Santos Edição: Patrícia Poitevin

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O machismo existe dentro da polícia, ou tu sempre trabalhou com essa questão de forma indiferente e focou na tua competência, superando esses obstáculos que a sociedade infelizmente ainda nos impõe?

É evidente que o machismo existe, que a diferença entre os homens e mulheres também, mas sou muito tranquila em falar sobre isso, porque em todos os lugares que passei, sempre tive aquele espírito de dizer que a mulher precisa ir por técnica e profissionalismo. Precisa chegar lá, porque é competente, não pelo fato simplesmente de ser mulher. Eu sempre me coloquei assim, dentro de todos os meus desafios, dentro da própria instituição e fui costurando o feminino no universo masculino. Sim, a Polícia até pouco tempo atrás, era um uni-

verso completamente masculino. Em 2004, quando eu assumi a Delegacia de Santo Antônio da Patrulha, que foi a minha primeira lotação, me lembro de ter atendido um senhor no balcão, onde expliquei como é que seria a investigação e ele me disse: “Muito bem moça, agora eu quero falar com o delegado de Polícia”. Isso acontecia muitas vezes, a própria população também enxergava a Polícia como algo que precisava de força e que essa força só vinha do universo masculino. Como chefe de Polícia procurei aproximar a Polícia da população, por isso que eu quero ir para a política, para aproximar também e fazer essas quebras de barreiras. A Polícia hoje, já não posso mais dizer que ela seja machista. Nela, 40% são mulheres. Nós ocupamos esse espaço de forma natural, sem nenhuma imposição. Cheguei como a primeira mulher e a única a liderar esses mais de 5.300 homens e mulheres dentro da instituição, sempre muito tranquilamente. Eu me lembro que quando assumi, em janeiro de 2019, como chefe de Polícia, fui a capa de muitos jornais e entrevistada por 15 dias. Eu percebi que a sociedade ainda é machista. Quando me enxerguei em várias capas e jornais, percebi que nem eu havia me dado conta desta quebra de paradigmas que estava acontecendo dentro do estado do Rio Grande Sul. Eu percebi que essa notícia foi muito mais externa, explorada e impactada do que dentro da instituição. Nós já éramos chefes de investigação e cartório, mas quando uma mulher ascende a um posto de comando, temos por obrigação levar outras mulheres. Eu consegui fazer uma gestão em que tinha 12 diretores, a metade eram homens e a outra, mulheres. Coloquei mulheres também em direções de departamentos completamente operacionais, que nós não havíamos chegado e deu certo, tanto que elas continuaram. Nós conseguimos reduzir todos os indicadores de criminalidade. Isso é um sucesso, saber trabalhar juntos, homens e mulheres. Não há espaço somente para o homem ou somente para a mulher, tem que ter uma sintonia, uma simbiose e é assim que dá certo.

Como a senhora avalia esta questão de que o Brasil se tornou um país tão polarizado?

Eu fico triste, porque a Delegada Nadine gosta do equilíbrio e como policial, eu sempre digo que o bom é aquele que tem equilíbrio, não gosto daquele policial raivoso, ele tem que representar este equilíbrio para a sociedade, agir firmemente só no momento que precisa. Na política está faltando isso, esse equilíbrio, hoje nós infelizmente estamos discutindo pessoas e não discutindo projetos. Nós estamos com essa polarização bastante arraigada, por isso me coloco no centro, num partido democrático. Te confesso que nunca pensei em ser política, eu nunca tive nenhuma filiação partidária. Ter escolhido o PSDB me traz tranquilidade. Fui convidada por oito partidos políticos, confesso que foi muito difícil essa escolha. A minha opção pelo PSDB foi por questão de afinidade e aquilo que trago de casa, que para mim é a palavra essencial da vida, a gratidão. Quem me deu a oportunidade de mostrar o meu trabalho como mulher, como delegada, como primeira chefe de Polícia foi o governador Eduardo Leite e o governador Delegado Ranolfo. Por gratidão, não devendo nada a eles, porque sempre tive muita liberdade de atuar e agir como delegada e como chefe de Polícia. Eu tenho vontade de ser uma das deputadas dos 55 deputados do Estado, para fazer diferente, uma nova política e tentar ajudar mais.

O que nós deveríamos estar discutindo não era o armamento, mas em outras armas sendo colocadas na mão do cidadão, como a carteira de trabalho, comida e educação

Qual é a sua opinião sobre o armamento para a população em geral e essa facilidade que o governo Bolsonaro proporcionou, com a abertura de clube de tiros e com mais pessoas tendo armas?

Não tem como dizer que a Delegada Nadine é contra as armas. Eu jamais me posicionaria assim, acho que a arma, quando utilizada para a defesa, é extremamente fundamental. A arma muitas vezes traz este equilíbrio entre homens e mulheres. Nós temos menos força do que os homens, uma mulher armada, se equipara a um homem também armado. Eu sou favorável que as pessoas que morem, por exemplo, nas zonas rurais, tenham uma arma para a sua própria defesa. Para que fique bem claro, a Delegada Nadine não é a favor, nem contra. Em determinadas ocasiões é a favor, como por exemplo, nas áreas rurais, mas liberar indiscriminadamente não é legal. Isso me incomoda e inquieta, faz com que eu queira entrar no mundo da política. O que nós deveríamos estar discutindo não era o armamento, mas em outras armas sendo colocadas na mão do cidadão, como a carteira de trabalho, comida e educação. Nós ficamos nessa polarização, discutindo o armamento e não olhamos o que realmente precisa. As pessoas estão desempregadas e sem oportunidades. Os adolescentes, que vejo, porque convivo muito, eu tenho um filho de 12 anos e fico preocupada. Por isso, que me coloco nesse novo projeto, não quero que um filho me diga que queira morar fora do país, ou do estado do Rio Grande do Sul, porque faltam oportunidades.

Quando me enxerguei em várias capas e jornais, percebi que nem eu havia me dado conta desta quebra de paradigmas que estava acontecendo dentro do estado do Rio Grande Sul

Isso nós temos dentro de casa, a falta de oportunidades, acho que é isso que a população precisa discutir, que o país deveria estar discutindo.

A senhora sempre sonhou em ser policial ou isso foi acontecendo ao longo do tempo?

Não, isso foi acontecendo ao longo da minha jornada. Eu sou natural de Getúlio Vargas, um município do interior do estado. A família continua lá, eu sigo de alguma forma muito conectada. Saí de casa aos 16 anos de idade, fui morar em Passo Fundo para fazer o segundo grau, depois a faculdade. Sou formada na Universidade de Passo Fundo. Eu me recordo que tinha um namorado que queria ter filhos e se casar. O meu pai me disse: “Não. Nadine, a primeira coisa que tem que ter é a tua independência financeira, a partir do momento em que tiveres ela, tu voa, casa, faz o que quiser”. Vim para Porto Alegre, tentar um Concurso Público. Fui assessora do Ministério Público, por dois anos. Dentro da Vara do Júri de Porto Alegre, trabalhando com inquéritos policiais de homicídios. Eu comecei a observar, que teriam coisas que o delegado e a Polícia poderiam ter feito. O promotor com o qual eu trabalhava, me disse que eu tinha que fazer o Concurso Público para a Polícia. Eu gostava muito de trabalhar com aqueles inquéritos policiais. Fiz estágio em vários outros órgãos e escritórios de advocacia, nunca tinha pensado na Polícia e foi trabalhando dentro do Ministério Público, que me descobri como policial. Fui fazer o Concurso para delegada de Polícia e quem faz Concurso sabe, que ele muitas vezes nos escolhe, porque nós estudamos o edital, nos preparamos e as coisas começam a dar certo, quando aquilo é efetivamente para ti. Eu confio muito nisso, eu tenho um feeling, nós precisamos acreditar quando os caminhos começam a abrir. Eu tenho plena convicção que escolhi a profissão certa. Eu sou, há 18 anos, delegada de Polícia no Rio Grande do Sul, de uma turma que para mim é muito simbólica, de 50 delegados, 50% eram homens e 50% mulheres. Talvez não seja à toa, que desta turma saiu a primeira delegada chefe da Polícia Civil. Eu sou muito inquieta, acho que a inquietude faz com que nós nos movimentemos e mudemos o mundo. Eu sou sonhadora, acredito num mundo mais igual, justo e humanitário. Tento fazer isso todos os dias, onde quer que eu esteja sempre quero fazer diferente. Se cada um fizer um pouquinho, nós vamos ter um mundo muito mais legal do que estamos tendo nos últimos tempos.

Durante a sua atuação na Polícia Civil, um tema ganhou muito destaque, foi justamente o combate à violência contra a mulher, que infelizmente ainda é uma realidade. Nos conte como foi e os resultados colhidos neste período de trabalho?

Eu estive sete anos como delegada titular da 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Porto Alegre. É uma delegacia em que passam 40 mulheres por dia, pedindo atendimento, acolhimento e orientação. Muitos não compreendem e acham que a mulher volta, porque gosta de apanhar. Nenhuma mulher gosta, há um contexto e eu lembro daquela fala

do meu pai, sobre a independência financeira. Se esta mulher não tiver independência financeira ficará muito difícil romper o ciclo da violência. Dentro da violência doméstica, quando nós pegamos indicadores de criminalidade, por exemplo do ano passado, 96 mulheres morreram vítimas de feminicídio, mortas pelos maridos, companheiros e ex-namorados. Nós começamos a ouvir e interrogar os autores e eles simplesmente diziam: “Delegada, eu matei e mataria de novo, porque se ela não quer ser minha, ela não será de mais ninguém”. Um sentimento de posse mesmo nos tempos atuais, em relação à figura feminina. Nós defendemos desde o início, a Lei Maria da Penha, que prende muitos agressores e antigamente isso não acontecia. Temos que mostrar para essas mulheres quais são os seus direitos e alcançar as medidas protetivas de urgência. No ano passado, no estado do RS, 90% dessas mulheres mortas não tinham uma medida protetiva de urgência em vigor, ou um registro de ocorrência. Nós criamos as Salas das Margaridas, que são salas de acolhimento nos plantões policiais, porque começamos a observar os dados, as mulheres morrem aos finais-de-semanas e durante a noite. As 41 Delegacias de Pronto Atendimento, no estado do RS, funcionam 24 horas. Então, é lá que tem que ter esse acolhimento e trabalho diferenciado. Foram criados esses espaços para que ela se sinta mais segura e para que o policial também capacitado faça uma virada de chave, não pode o atendimento ser o mesmo, isso foi um dos pontos da nossa gestão, a qualificação do atendimento ao cidadão. Quando chega uma mulher vítima de violência tem que respirar, ter muita resiliência e compreender que a história dela não é igual a todas as outras, porque cada uma tem a sua história. A Segurança Pública não vai resolver esta questão, ela é cultural, de educação, mudanças e oportunidades, porque se não estimularmos o empreendedorismo feminino, vamos continuar com mulheres submissas, que têm que se colocar naquela situação. Nós reduzimos a HISTÓRIA Sob o comando da chefe de Polícia Nadine Anflor, a Segurança Pública do RS protagonizou um dos momentos de maiores avanços no combate à criminalidade do RS

FAZENDO A DIFERENÇA "O meu objetivo é continuar servindo, isto é o que me move, continuar fazendo a diferença. Eu acho que eu consegui aproximar a Polícia das pessoas e a política precisa se aproximar ainda mais"

ameaça contra a mulher, lesão corporal, tentativas de feminicídio, mas o feminicídio continua sendo o grande gargalo. Nós temos que pensar no macro, nas oportunidades que estamos dando para essas mulheres.

Qual o conselho que a senhora daria para essa mulher que está sofrendo algum tipo de violência?

Que denuncie e não desista, quando sofrer qualquer tipo de violência, seja patrimonial, moral, física e sexual. As pessoas que estão próximas delas, muitas vezes não enxergam ou fazem que não estão enxergando. Nós temos que pensar que aquele velho ditado: “Em briga de marido e mulher não se mete a colher”, não existe mais e não pode existir. Todos nós, de alguma forma, somos responsáveis por ajudar essa família que como um todo está pedindo ajuda. Que a mulher não tenha medo, nem vergonha de denunciar e procure as Delegacias de Polícia, os órgãos, desde o Poder Judiciário, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, até a própria Brigada Militar, que tem projetos excelentes, como a Patrulha Maria da Penha. A busca e o pedido de socorro salva vidas. Muitas mulheres, às vezes, dizem: “Delegada, eu não vou registrar, porque vai ficar muito pior”. Os números demonstram o contrário, após um registro, há uma intervenção do Estado. Infelizmente, as que morrem, ao longo dos últimos cinco anos, em que fizemos essa análise no estado do RS, são aquelas que não tiveram coragem de denunciar. Ao longo da pandemia, as mulheres sofreram mais, até pela falta de emprego. Elas vivem numa informalidade muito maior do que os homens. Dentro da Polícia abrimos a possibilidade de fazer o registro na Delegacia on-line, nos aplicativos também, como o PC Alerta e o WhatsApp. Nós temos que ajudar ainda mais, precisamos ter política pública, que traga uma efetividade e faça com que mude a cultura. Se nós não mudarmos a cultura, nós não protegeremos essas mulheres.

Quais são as suas considerações finais? Estou extremamente feliz nessa nova jornada, realmente continuo sendo delegada de Polícia, concursada, não deixarei de ser delegada, mas eu estou querendo me doar mais. Cheguei no topo da carreira, que é o topo mais alto em que nós podemos ocupar dentro da instituição. O meu objetivo é continuar servindo, isto é o que me move, continuar fazendo a diferença. Eu acho que eu consegui aproximar a Polícia das pessoas e a política precisa se aproximar ainda mais, o deputado e a deputada são esse elo de ligação. Eu estou acostumada, há 20 anos como servidora, servir e ajudar. Isso que eu estou me propondo, como pré-candidata a deputada estadual, fazer mais pela segurança pública, mas também ampliar esta disponibilidade a mais pessoas. Nós temos uma Assembleia que é formada por 55 deputados, somente 10 são mulheres, quando olhamos a população gaúcha, vemos que mais de 50% da população é composta por mulheres. Então, isso também me move, colocar as mulheres em espaços de decisão.

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