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Augusto Nardes

Ministro do Tribunal de Contas da União

Introdução: Lucio Vaz Entrevista: Lucio Vaz e Voltaire Santos

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Augusto Nardes carrega em sua alma a garra missioneira. Saiu do interior de Inhacorá para se tornar o homem que fiscaliza as contas do Presidente da República. Reinventou a gestão pública com o conceito de governança e é responsável direto por compartilhar uma nova forma de se fazer administração pública no Brasil. Por onde passou Nardes foi destaque: vereador, deputado estadual e federal e presidente do Tribunal de Contas da União. Dono de uma das agendas mais disputadas, Nardes reservou um pouco de seu valioso tempo para conceder uma entre-

vista exclusiva ao Em Evidência na TV (RDC TV, canais 24 e 524 da NET). Confira a seguir, os melhores momentos desta entrevista esclarecedora

O senhor já foi três vezes deputado federal, teve dois mandatos como deputado estadual, possui uma grande estrada pavimentada na política e implementou nos últimos anos o conceito de Governança, que é uma das teses mais admiradas pelos prefeitos de todo Brasil. Foi, também, vereador em Santo Ângelo, a sua terra natal. Agora é ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). O senhor, realmente, é uma liderança que chama a atenção. Conte-nos um pouco desta trajetória?

Para mim, é um grande prazer voltar ao meu estado querido, onde comecei. Hoje, eu trabalho em todo Brasil, mas fui vereador em Santo Ângelo e esse fato, por incrível que pareça, passou há muito tempo. Foi em 1972, que eu fui eleito, portanto uma longa jornada, era muito jovem, com 19 anos. Depois de vários mandatos e uma pós-graduação de mestrado em Genebra, na Suíça, voltei para o Brasil e continuei a vida pública como deputado estadual e federal, no total foram seis mandatos até ser eleito ministro. Foi a eleição mais difícil, porque eu disputei com quatro candidatos, começou com dez, numa votação secreta na Câmara e no Senado. Uma eleição muito difícil, porque na época quem liderava o país era o presidente Lula e ele tinha o seu candidato do PT. Eu fui um candidato independente e acabei ganhando, com 70 votos de diferença, sendo eleito, em 2005, o ministro do Tribunal de Contas da União, assumindo no dia 20 de setembro. Escolhi essa data para me identificar com o Rio Grande. Hoje, especialmente, porque os valores da terra são importantes. Recentemente, fiz uma palestra em Dubai, numa Conferência Mundial, a Expo Universal de Dubai, onde tinha 191 países. Eu vi o nosso pavilhão e fiquei um pouco chateado, porque os valores da nação não estavam lá. Já conversei com o ministro das Relações Exteriores e com o presidente da Apex Brasil, não foram eles que montaram, foi a gestão anterior, mas nós temos que ter presente os valores da nossa terra. Como eu por exemplo, que uso a Cruz Missioneira, simbolizando as Missões. Eu nasci no interior de um município pequeno, chamado Inhacorá, mas que pertencia a Santo Ângelo, é o último povoado, foi a

Capital das Missões e “ainda continua assim. É uma grande satisfação falar para os 497 municípios do RS, pois eu tive a oportunidade de emancipar muitos deles. Certamente, ajudei ou participei na emancipação de mais de 150 municípios no RS, que foi um grande acerto que nós fizemos. Se nós não tivéssemos emancipado os municípios, não teríamos descentralizado a administração pública para o interior do Rio Grande. A urbanização, a centralização e a distribuição espacial da população seria concentrada nas grandes cidades, onde acumula o crime, a desorganização e os problemas de saneamento. Nas pequenas cidades você fortalece o interior, as comunidades que caracterizam o RS, até pela colonização alemã e italiana. Então, eu sou um defensor do municipalismo muito forte e desde que fui vereador em Santo Ângelo, em toda a minha caminhada, trabalhei para fortalecer o interior. Eu conheço os 497 municípios. Tenho na cabeça o mapa e a estrada para chegar a cada cidade do Rio Grande, porque foram 24 anos de Parlamento. O Brasil tem regiões maravilhosas e estamos emprestando gaúchos para todos os lados, especialmente para o Centro Oeste, aquela região do Maranhão, Piauí e também da nossa querida Bahia, é um estado lindo e fantástico. Hoje, o Agro é o que

é, porque lideramos um movimento em 1999, quando colocamos 20.000 produtores, em Brasília, para fazer a chamada securitização. Se nós não tivéssemos feito essa negociação, o Agro não seria assim. Se você quiser combater a corrupção dentro do seu município, o prefeito que assina tudo, implante a governança, senão alguém pode estar desviando e o prefeito não tendo essas ferramentas adequadamente para avaliar e monitorar, vai ter que responder depois

Qual o conselho que o senhor daria para os prefeitos?

Um dos pontos principais é a questão do orçamento, você planejar ele durante a gestão. Eu diria que o prefeito que gasta entre 40% e 45% está numa situação melhor, têm uns que gastam menos e outros mais, próximo de 60%. Se ele gastar muito na manutenção da estrutura da prefeitura, não vai deixar legado em manutenção de obras adequadas e nem vai poder fazer investimentos para transformar o seu município. Além disso, cabe a ele fazer uma avaliação permanente das prestações de contas, têm muitos recursos que vem da União e alguns dos Estados. Felizmente, o RS começou a respirar um pouco melhor e consegue repassar os recursos para os municípios, mas a União que repassa mais. Então, eu diria que na prestação de contas que está o maior problema para os prefeitos, pois podem ficar com apontamentos, com contas não aceitas, não bem prestadas. Ele poderá ser penali-

zado e multado. O prefeito inclusive se não fizer uma obra e não comprovar que o município a fez, ele poderá ficar com um débito do conjunto da obra, ou seja, uma obra de R$ 1 milhão ou R$ 2 milhões. Se não conseguir prestar contas adequadamente e se houve o desvio, qualquer tipo de superfaturamento, ele será responsabilizado, além de ser multado, perde o direito político por oito anos, quando não tem as suas contas aprovadas. Por isso, a tese da Governança é que dá condição de avaliar tudo isso, porque um prefeito só, acima de 200 a 300 funcionários, sozinho não consegue comandar. Então, se ele monta uma boa governança, vai ter algumas ferramentas de avaliação e monitoria para saber onde está sendo aplicado o recurso. Se ele não tem isso montado no seu secretariado, essa condição de avaliar e monitorar o que está acontecendo com as obras, que se propõe a fazer, acaba não entregando resultado. Você tem um time, um secretariado que define o que quer entregar. Ele fica cuidando apenas da perfumaria e não prioriza os temas mais importantes, como a educação, saúde, infraestrutura e segurança, que são vitais para a população. A governança que te dá essa condição diferenciada, com as ferramentas de avaliar e monitorar, ter times com metas e planejamento. Na Cartilha da Governança, nós estabelecemos todos os caminhos para ele poder entregar resultado para a sociedade.

Qual o caminho para o prefeito implementar a governança?

Primeira coisa é demonstrar interesse, porque nós temos mais de 30 cursos através do Instituto Serzedello de Corrêa (ISC), gratuitos em várias áreas para gestores públicos, não somente prefeitos, mas para estatais e administrações diretas dos Estados, Municípios e União. Suplementando isso, nós criamos a Rede Governança Brasil, que tem vários comitês, nós estamos fazendo curso de mentoria, que possui 12 horas para cada prefeito e para todo o seu time. São duas horas de aula em várias semanas intercaladas, para ensinar como ele pode implementar a governança. Têm vários prefeitos do RS que se inscreveram e fizeram, nós temos uma fila enorme de gente querendo. Nós não temos pernas para fazer para todo mundo, porque são 497 municípios no RS, são 5.600, praticamente, no Brasil todo. Aqueles que têm uma estrutura um pouco melhor estão nos chamando

Seguidamente, eu tenho conversado com o presidente Jair Bolsonaro, como conversava com a Dilma Rousseff e o Michel Temer, com todos os presidentes que passaram. A minha função é alertar e evitar problemas...

e pagam a despesa de viagem para o nosso time fazer em várias partes do país. Quero divulgar essa Cartilha da Governança para mais pessoas possível, para que possamos fazer junto com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e com a Famurs, os prefeitos se aprofundarem um pouco mais em cada área. Nós estamos disponíveis. Desde 2014, defendo a tese e consegui convencer o presidente Michel Temer, fizemos um decreto de governança fazer também uma lei no município. Têm muitos prefeitos no RS, que já fizeram. Nós damos tudo pronto, porque se não fazem a lei as pessoas não cumprem. O decreto é eventual, de uma administração, o bom é começar com ele e já implementar a lei de governança, como eu disse, pode demorar de dois a três meses, mas não terá problema depois. Se você quiser combater a corrupção dentro do seu município implante a governança, senão alguém pode estar desviando e o prefeito não tendo essas ferramentas adequadamente para avaliar e monitorar, vai ter que responder depois, que ele deixar a sua prefeitura e depois que cumprir o seu mandato vem um adversário que não vai prestar as contas que ficaram para ser prestadas. A dica é tirar cópia de tudo, não deixe de prestar contas, deixe um time acompanhando a sua gestão depois que o senhor termine, porque senão vai se incomodar e pagar do seu bolso alguma coisa que muitas vezes não foi o senhor que desviou, alguém do seu time que desviou, mas como ele não tinha o monitoramento e a avaliação permanente com as regras de governança, quem vai pagar a conta é o prefeito, tanto em relação a credibilidade política, mas como também financeiramente. Claro que nem todos os processos se direcionam somente ao prefeito, tem toda uma equipe de assessoria. Nós temos que evitar o pior, fazendo uma boa governança desde o início da sua gestão.

Qual a avaliação que o senhor faz sobre as contas e a governabilidade do governo Bolsonaro?

EXPOENTE Nardes saiu do interior de Inhacorá para se tornar o homem que fiscaliza as contas do Presidente da República. Reinventou a gestão pública com o conceito de governança e é responsável direto por compartilhar uma nova forma de se fazer administração pública no Brasil

Seguidamente, eu tenho conversado com o presidente Jair Bolsonaro, como conversava com a Dilma Rousseff e o Michel Temer, com todos os presidentes que passaram. A minha função é alertar e evitar problemas, como eu alertei a presidente Dilma Rousseff três vezes, o que estava acontecendo com as contas em 2012, 2013 e 2014. Infelizmente, deu todo aquele processo que acabei sendo relator das contas. Alertamos, mas não tomaram a atitude que tinha que tomar e o Brasil sabe de tudo o que aconteceu. O Michel Temer me chamou muitas vezes e o Jair Bolsonaro também, porque eu tenho esse hábito de diálogo e de avisar o que pode dar errado, porque se você consegue fazer esse trabalho de forma preventiva, evita a perda, a fraude e o desvio. Então, converso com o presidente Bolsonaro uma vez por mês, quando ele me chama, mui-

A DIFERENÇA ESTÁ NA GOVERNANÇA “A governança que te dá essa condição diferenciada, e as ferramentas de avaliar e monitorar, ter times com metas com planejamento”, afirma o ministro do TCU

tas vezes a equipe dele me procura, ou não procura somente a mim, mas todos os ministros do TCU, para saber o que está acontecendo de errado. Hoje, o TCU ganhou pontos e eu fico muito feliz de falar que em 2012, fui eleito o presidente da Organização Latino-americana e Caribe de todos tribunais, em Gramado, numa Conferência de toda América Latina e Caribe. Quando eu fui eleito, percebi que nós podíamos presidir o sistema mundial, são 195 países e nós vamos presidir o sistema mundial do controle em novembro desse ano, não serei o presidente, mas fui o articulador, para nós sermos o presidente do sistema mundial do controle e com isso vamos poder assumir uma liderança mundial através do TCU no controle, com isso avançamos na credibilidade, até para entrar na OCDE. Eu devo ir a Paris esse ano ainda para falar com a entidade e relatar todo o trabalho que nós fizemos para implantar a governança. Ela dá credibilidade para você fazer negócios com outras nações, porque passa segurança jurídica. Muitas vezes os prefeitos querem deixar o seu nome, a sua história e fazer uma obra com alguém que seja vinculado a ele, mas se ele implantar a governança deixa uma obra perene, para o resto da sua história. Vai ter planejamento estratégico, pensar em 2030 e 2040. O prefeito de São Miguel das Missões, Roberto, percebeu isso e implantou a governança, está fazendo uma bela gestão.

Como o senhor vê essa polarização no cenário eleitoral para este ano?

Eu não entro muito nesse tema, porque como hoje eu sou ministro e magistrado, tenho que julgar as contas seja do Bolsonaro, da Dilma ou do Michel Temer. Enfim, eu fico mais recatado nesse tema, mas sempre fui uma pessoa que defende ter uma política de Estado, independente de quem for o presidente, ou seja, tem que preparar a estrutura do Estado e ter uma boa governança, por isso que nós criamos as regras de governança para fazer transversalidade. Não interessa quem vai ser o presidente, o Estado tem que estar preparado para assessorar. Se eu organizo o Estado, a sua parte burocrática, os técnicos e a sua estrutura, pode vir um presidente querendo desmanchar coisas que estão dando certo, não vai conseguir, porque a própria técnica dentro dos Ministérios vai agir em favor do interesse do conjunto da sociedade e não do conjunto somente de um presidente. Por isso que nós temos que montar uma estrutura. Eu adoro política, hoje não posso fazer política, mas estou montando uma estrutura para que o Brasil tenha bom resultado político para quem for eleito.

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