PROTEÇÃO CIVIL PARA REDUÇÃO DE RISCOS DE DESASTRES EM CONTEXTOS URBANOS

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Caderno Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas PROTEÇÃO CIVIL PARA REDUÇÃO DE RISCOS DE DESASTRES EM CONTEXTOS URBANOS Janaina Rocha Furtado Rita de Cássia Dutra Antônio Edésio Jungles Jucilei Cordini

Para garantir a proteção civil da população é preciso identificar as vulnerabilidades e os grupos sociais expostos aos riscos. Fundamental compreender, ainda, quais processos estão implicados na constituição das vulnerabilidades aos desastres e que envolvem, por sua vez, uma gestão intersetorial e transdisciplinar dos riscos. As vulnerabilidades sociais aos desastres em contextos urbanos derivam, prioritariamente, dos modos e processos de produção do espaço urbano. Neste sentido, este artigo objetiva analisar as relações entre produção do espaço urbano e construção de vulnerabilidades sociais aos desastres para, em seguida, salientar a necessária organização do Estado e das demais instituições a fim de oferecer adequada proteção à população. Como forma de balizar e avaliar as estratégias para proteção civil apresenta-se, por fim, algumas dimensões relativas à vulnerabilidade social aos riscos de desastres para construção de indicadores. Os desastres não são processos estritamente naturais ou físicos, mas resultados de determinadas dinâmicas sociais, de grupos mais propensos a sofrer os impactos negativos decorrentes do elevado grau de exposição e da inexistência ou inoperância de uma gestão pública que os proteja. As variáveis aqui apresentadas, construídas a partir de levantamento bibliográfico e da experiência empírica, possibilitarão compor indicadores que favorecerão, por sua vez, a avaliação dos principais aspectos de vulnerabilidade social a desastres de dado contexto social. Além disso, auxiliarão a tomada de decisão dos gestores públicos e da sociedade com relação a esses processos.


A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E A CONSTRUÇÃO DE VULNERABILIDADES AOS DESASTRES A introdução da noção de risco e perigo no campo do saber e, consequentemente, da aplicação de técnicas e mecanismos de segurança para enfrentá-lo, é bastante recente na história da humanidade. Foi apenas no século XIX, com as transformações advindas da Revolução Industrial com a Modernidade, no mundo do trabalho e com o desenvolvimento de tecnologias, que se passou a falar acerca dos riscos e das condições que os produzem. Se, inicialmente, o conceito de risco apresentou-se estreitamente vinculado a uma nova percepção sobre os acidentes, no século XIX esta percepção se alterou radicalmente passando a estar associada à idéia moderna de risco. Ou seja, relacionado a situações pontuais que podem gerar acidentes graves e evitáveis como efeito de condições precárias de trabalho ou de vida, fatos que eram atribuídos, até então, ao destino ou aos castigos divinos (Caponi, 2007). Com a sociedade industrial tornou-se necessário garantir o controle dos riscos possíveis, criando-se um conjunto de normas disciplinares e técnicas para controlar a ocorrência de acidentes. Mais recentemente ainda, com a divulgação das obras do sociólogo Ulrich Beck, a noção de risco se estendeu amplamente às condições de existência devido a uma nova geração de riscos, que aparecem disseminados com as transformações do mundo moderno (Beck, 1992). A partir da análise dessas modificações, o autor designou a sociedade atual como sociedade global de risco. No que refere-se aos riscos de desastres em contextos urbanos, os quais estão relacionados à ocorrência de eventos climáticos extremos, importante debruçar-se sobre as condições que estão implicadas na construção social desses desastres e de sua gestão, indo além da manifestação de um fenômeno natural. Neste sentido, convém tratar da construção social dos desastres nesses contextos, onde se apresentam fatores tais como: o aumento da densidade demográfica nas cidades e assentamentos precários, as políticas de habitação urbana, a degradação ambiental, as políticas de proteção social, a ocupação inadequada do solo, os planejamentos urbanísticos, a segregação espacial e os diversos agentes responsáveis por esses processos, entre outros aspectos, aos quais se podem acrescer, atualmente, às transformações climáticas globais.


A noção de risco aparece, por sua vez, atrelada ao surgimento das cidades modernas, quando as pessoas passam a viver em aglomerados urbanos e com isso surgem epidemias, acidentes nas fábricas, mudanças de modos de vida e de ocupação da terra. Por outra via, a acepção sistêmica dos desastres requer compreendê-lo como produto da interação complexa de diferentes subsistemas de uma sociedade. Quer dizer, contempla uma análise multifatorial da ocorrência de desastres, considerando a condição dinâmica da vulnerabilidade física e social (Luz e Espejel, 2007). Assim sendo, as problemáticas de habitação, a disposição de infraestruturas, o deslocamento de pessoas e bens e demais fatores relacionados à produção do espaço urbano vêm demandando atenção quando se pretende refletir acerca da gestão dos riscos de desastres nas cidades. De que maneira? As cidades brasileiras sofrem com as frequentes inundações, secas e deslizamentos. Esses eventos não são transitórios e pontuais, mas estão relacionados a essas dinâmicas sócioespaciais, principalmente, dos grandes centros urbanos. Muito se tem falado acerca das habitações em áreas de risco, por exemplo, as quais não são apenas de pessoas menos favorecidas. Cabe ressaltar que a vulnerabilidade aos desastres, embora incida mais dramaticamente em populações menos favorecidas socioeconomicamente, também afeta grupos sociais de mais alta renda, que constroem suas casas em áreas ambientalmente vulneráveis. A rapidez no processo de urbanização, com a explosão demográfica nas cidades em um curto período de tempo, trouxe graves consequências de ordem socioeconômica e também ambiental (Robaina, 2008). Esse processo é bastante recente no Brasil, tendo se intensificado a partir da década de 1950 com o desenvolvimento econômico do país e com o aumento da migração para os centros urbanos, de forma a suprir as demandas de trabalho das indústrias. Já no ano de 2000, a taxa de urbanização brasileira estava em 81%, como demonstram os resultados obtidos pelo IBGE, e, em 2009, em 84% (Pnad, 2009). Os modos de ocupação desses espaços se caracterizam por vários fenômenos, entre eles, a metropolização de áreas economicamente desenvolvidas pelo capital industrial e a migração exacerbada da população entre as regiões subdesenvolvidas e em desenvolvimento de nosso país. A expansão da rede urbana não tem ocorrido de maneira regular e organizada,


da mesma forma os investimentos e desenvolvimentos de infraestruturas urbanas nem sempre seguem os interesses da população. Villaça (1998) salientou que a segregação dos grupos sociais no espaço urbano é responsável por manter as desigualdades sociais existentes. Legitimada pelo Estado, tal segregação confere diferentes possibilidades de deslocamento, de consumo, de trabalho, de lazer, de habitabilidade, de organização social e de acesso a bens e serviços. Assim sendo, a cidade não é um todo homogêneo, indiferenciado, cujos processos se desenvolvem aleatoriamente. São, pelo contrário, produzidos por escolhas políticas, determinados mais fortemente por alguns agentes sociais, provocando tensões e conflitos entre os grupos. Neste sentido, em cada parte da cidade observam-se modos de vida diferentes e, também, diferentes localizações, interações entre riscos e maneiras de enfrentá-lo. Em um cenário onde impera a desigualdade, não é possível fazer uso de um discurso univalente ou generalizado sobre o risco. A dimensão social dos riscos a desastres em contextos urbanos deve considerar que a produção do espaço da cidade resulta, por sua vez, nas áreas em que esses riscos se concentram mais intensamente, afetando mais ou menos determinados grupos sociais. Não é casual, por exemplo, o fato de as pessoas mais abastadas ocuparem áreas planas da cidade, distantes das margens dos rios ou dos locais ocupados por indústrias. Com isso, produzem-se panoramas urbanos não resilientes a eventos adversos, que intensificam os riscos e as vulnerabilidades aos mesmos. A criação e a manutenção dessas formas de produção do espaço urbano, de gerir a esfera pública e privada, de permitir que esses desastres voltem a acontecer todos os anos e afetem vidas e causem sofrimento, correspondem a processos que denominamos de construção social dos desastres. Os riscos crescentes de desastres se implicam, portanto, ao processo de ocupação das cidades e aos modos de gestão dos espaços urbanos. Onde se encontra a dificuldade em gerenciar e fiscalizar esses processos? Será que se trata de uma deficiência de tecnologias ou recursos financeiros? Será que está intrínseco a todas as cidades e não há o que se possa fazer? Será um problema de planejamento? Apesar de compor uma dinâmica complexa, sabe-se que para resolver parte das questões urbanas é preciso implantar políticas públicas visando a redução e/ou eliminação do déficit de moradias no Brasil, prevenir a ocupação de áreas


irregulares, fiscalizar a obediência às leis ambientais e às normas de urbanização que regulam essa ocupação. Sabe-se, também, que um terço dos moradores das áreas urbanas mundiais encontra-se em situação de extrema pobreza, morando em assentamentos precários, expostos à fome e mais vulneráveis aos riscos e ameaças de todos os tipos. Para unir o urbano dividido, como afirma Nazuo Nakano (2010), é necessária uma reconfiguração espacial de seus territórios, integrando-o a todas as esferas políticas, econômicas, culturais e materiais da vida urbana. Políticas públicas que operem articulações entre as escalas locais, regionais e nacionais, organizadas nas três esferas de governo. Planejamentos urbanos construídos de forma compartilhada, que incluam os diferentes interesses sociais. Considerar o desenvolvimento socioeconômico de um país para estabelecer estratégias de redução dos riscos de desastres não quer dizer restringir as ações de prevenção à população de baixa renda, ou relacionar estritamente risco e produção de risco com pobreza, culpabilizando essa população. Se assim o fizermos, recairemos facilmente em um discurso incoerente, pois é sabido que inúmeras construções irregulares podem ser encontradas em bairros nobres, que grandes latifundiários ou empresas não seguem a legislação ambiental para as quais os lucros compensam as multas. No entanto, o atendimento às necessidades habitacionais eliminando o déficit de moradias e as condições inadequadas de habitação apresentam-se como prioridades de uma política para cidades, com foco no direito à cidade. Os processos de exclusão social, mais comuns em países com menor desenvolvimento socioeconômico, intensificam e produzem as vulnerabilidades aos desastres. Poderíamos acrescentar ainda as demandas habitacionais pósdesastre, quando a necessária rapidez em assistir às populações afetadas precisa incluir ações preventivas a futuros desastres e, fundamentalmente, a preservação da dignidade e dos direitos humanos. É certo que políticas e programas de proteção civil devem garantir a eliminação das situações de vulnerabilidade a riscos de desastres nos centros urbanos. Os eventos adversos produzem desastres na medida em que incidem e afetam vidas, sejam elas humanas ou não. Quando incidem sobre as cidades acabam por afetar, direta ou indiretamente, grande número de pessoas e sistemas que ali se organizam. Eventos climáticos extremos incidindo em áreas de


grande densidade demográfica tendem a ser, então, catastróficos. Se essas populações, além de vulneráveis aos eventos, são vulneráveis social ou institucionalmente, suas condições para enfrentá-los, reconstruir suas vidas ou prevenir-se são ainda mais difíceis. Por isso, a proteção civil adequada deve atuar sobre as condições que produzem as vulnerabilidades frente aos desastres e construir políticas integradas às demais políticas, à proteção social, à garantia de direitos, ao planejamento urbano e à gestão pública de modo geral. PROTEÇÃO CIVIL E SEGURANÇA SOCIAL: CONSTRUINDO CORRESPONSABILIDADES Salientar os inúmeros fatores implicados na produção da vulnerabilidade aos riscos de desastres ou sobrevalorizar os riscos, a partir do entendimento de que vivemos em uma sociedade de risco na qual não há formas de superação, pode nos fazer questionar quem seriam, então, os responsáveis por garantir a segurança da população e sua proteção civil. A definição indiscriminada de situações de risco pode produzir inoperância social com relação à criação de programas e mecanismos de proteção social. É importante ter sempre claro que a concepção do que é risco é construída por determinados grupos sociais, cujos discursos refletem e refratam orientações ideológicas próprias. Da mesma maneira é preciso refletir acerca do que é segurança e quais os agentes sociais responsáveis por garantir proteção civil. A noção de segurança é tão recente como a de risco e refere-se a uma sensação de ausência ou de controle das ameaças aos direitos das pessoas, às suas próprias vidas. Construir essa relação de segurança implica em proteger as pessoas expostas às ameaças e às situações difíceis, de tal modo a criar dispositivos de sobrevivência, dignidade e meios de vida, para a qual não basta estabelecer e seguir um conjunto de normas e leis, mas desenvolver ações de prevenção e proteção, potencializando as pessoas para que possam valer de si mesmas em situações de vulnerabilidade. Os mecanismos de segurança precisam ser pactuados com a população, a partir do modo como cada comunidade percebe essa relação, para que sejam inseridos no cotidiano, sendo, assim, validados. Os dispositivos de proteção ou as estratégias de prevenção não podem, todavia, centrar-se sobre a ação dos indivíduos meramente, como vem ocorrendo em diversas


instâncias sociais. Isto quer dizer que a gestão do risco de desastre focada apenas na regulação das práticas e na conscientização individual (definindo onde ele deve morar, o que deve fazer, como deve perceber a realidade) não produz efeitos significativos no longo prazo, responsabilizando em uma via única as pessoas pelas situações em que se encontram. Em tratando-se de uma tarefa social e coletiva, os riscos devem ser socialmente evitados. Para tanto, é relevante criar mecanismos de proteção social, planejar políticas públicas de assistência, de promoção e de prevenção. Segundo Caponi (2007), “a proteção contra os riscos implicou nas sociedades modernas organizadas, a construção de redes de solidariedade profissionais integradas com um Estado capaz de garantir a existência de estratégias de proteção (...)” (p. 5). A proteção civil se refere a políticas e serviços públicos que se orientam ao estudo e à prevenção de situações de riscos e de desastres. Deve atuar por meio de procedimentos de ordenação, planejamento, coordenação e direção desses distintos serviços. Requer uma estrutura administrativa e, fundamentalmente, uma estrutura organizativa e operativa capaz de propor e executar diferentes ações dentro desse escopo. Para desenvolver uma política de proteção civil aos desastres é necessário, primeiramente, analisar as principais fontes de risco (características, gravidade, periodicidade e magnitude), vulnerabilidade da população, identificando os grupos mais afetados por esses riscos (efeitos das ameaças sobre os grupos sociais expostos). A partir da produção de dados e informações que identifiquem os riscos e os grupos populacionais mais vulneráveis é possível construir uma política adequada de proteção civil frente às situações de emergências e desastres. Mais do que isso, visualizar a possibilidade de intervenção de dois ou três setores e, em nível macro, no desenvolvimento de programas de proteção. As políticas e programas de proteção civil visam reduzir a probabilidade da ocorrência de riscos a desastres, construindo uma cultura de prevenção a desastres. O mapeamento dos riscos deve ser construído integrando a análise das ameaças com os efeitos das mesmas sobre determinada população, considerando renda, relações familiares e institucionais, seguranças, entre outros. É fundamental, entretanto, avaliar a disponibilidade e integração das políticas e recursos já existentes, assim como os recursos e estratégias das próprias comunidades no enfrentamento ao risco, que possam atender a esses grupos sociais mais vulneráveis.


Após a identificação do contexto, da interação entre ameaças, vulnerabilidades e grupos sociais expostos ao risco, é possível determinar: as mudanças necessárias do ponto de vista das políticas, regulamentações, leis ou projetos e programas existentes; quais as problemáticas devem ser priorizadas e de que maneira será possível garantir a proteção da população; quais indicadores para acompanhar e avaliar as intervenções ou iniciativas de proteção civil. Com o objetivo de que esses mecanismos possam, de fato, produzir a condição de segurança ou proteção, um canal de comunicação social aberto com as comunidades é fundamental. De forma que não seja unidirecional das instituições para as comunidades, mas, pelo contrário, também das comunidades para as instituições. Ademais, as estratégias de prevenção a desastres aliadas à garantia de direitos humanos exigem ações que tenham continuidade no tempo e no espaço. Devem ser compostas da combinação de políticas e programas integrados, uma vez que observamos que os riscos de desastres em contextos urbanos, por exemplo, apresentam dimensões complexas, multifatoriais e intersetoriais. Segundo Luz e Espejel (2007), nas últimas duas décadas, têm sido criadas estruturas de proteção civil nos países cada vez mais similares. Em diferentes regiões do mundo, a organização de seus Sistemas de Proteção Civil, em geral, vem se forjando paulatinamente no transcurso dos séculos. Não obstante, a evolução recente é indubitavelmente a mais significativa, pois é a que dá nascimento aos grandes princípios da linha estratégica atual que compreende: a prevenção e mitigação, a previsão, a informação à população e o planejamento de auxilio. Proteção civil é ação e direito de todos, ou seja, é a atividade que deve ser desenvolvida por pessoas, entidades públicas e privadas, autarquias locais, e pelo Estado. Para que se transforme qualitativamente um discurso em uma prática contextualizada, para transcender a uma luta indefinida contra riscos generalizados – tendo em vista que aceitar que vivemos em uma sociedade de risco é, em certo sentido, aceitar uma sensação contínua de insegurança, pouco possível de ser superada – é indispensável, por um lado, delinear quais riscos e quais vulnerabilidades se vai enfrentar na definição de cada diretriz, estratégia, política ou ação. Por outro, é necessário ter clareza quanto ao desenvolvimento de ações pontuais e paliativas, identificando o que, de que maneira e em que proporção elas vão solucionar ou


minimizar determinada vulnerabilidade. Projetos de prevenção tendem a localizar e determinar os riscos para modificar o comportamento das pessoas frente aos mesmos, focando em determinados grupos sociais. Desta forma, desenvolvem-se projetos de percepção de riscos, realizam-se campanhas para mudar hábitos culturais, trabalha-se nas comunidades carentes. Embora essas ações tenham a sua relevância, não podem produzir uma situação de omissão dos gestores públicos com relação à garantia de direitos. Cabe inserir essas ações em um planejamento que englobe os diferentes aspectos da realidade, a integralidade e a universalidade da proteção e da assistência social, construindo corresponsabilidades. A análise permanente dos riscos e vulnerabilidades oferece elementos para planejar e executar ações que viabilizem a redução dos desastres. Quais seriam, então, os indicadores de vulnerabilidade aos desastres?

VULNERABILIDADE SOCIAL A DESASTRES COMO COMPONENTE DA ANÁLISE DO RISCO

O enfoque das vulnerabilidades como dimensão relevante da teoria dos riscos constitui um importante domínio de investigação sociológica e, consequentemente, uma área de fundamental importância para ações de políticas públicas no âmbito da Proteção Civil. Segundo Ribeiro (1995), avançar nos estudos sobre vulnerabilidade é buscar a compreensão dos desastres centrada na estrutura e na sua dinâmica social que, num âmbito multidisciplinar, caminha por várias interpretações acerca das relações sociais, ocupação territorial e aspectos político e institucional, historicamente construídos e reproduzidos. O entendimento sobre vulnerabilidade não está, portanto, somente na identificação dos riscos naturais, antrópicos e mistos, mas na ausência de políticas públicas sociais voltadas às ações de Proteção Civil. O entendimento da vulnerabilidade social a desastre manifesta-se em correspondência direta com as relações sociais geradoras dessa condição, refletindo socialmente os processos que definem o tipo e o modo de desenvolvimento da sociedade. A noção de desastre nesse contexto dimensiona-se interpretativamente numa dupla referência:  O nível e o grau de exposição da sociedade aos desastres;


 A incapacidade de responder, recuperar e adaptar em consequência da ameaça de risco de desastres. Neste sentido, reforça-se o pressuposto de que as condições de vulnerabilidades são resultados dos frágeis processos de relações sociais e dos processos de construção de risco de desastres, constituindo importante elemento de integração e análise para o entendimento do conceito de vulnerabilidade social a desastres (Macías, 1992; Ribeiro, 1995).

CONCEITO DE VULNERABILIDADE GLOBAL COMO BASE PARA CONSTRUÇÃO DOS INDICADORES DE VULNERABILIDADE SOCIAL A DESASTRES

A vulnerabilidade global diz respeito aos vários elementos de exposição a risco, e sua interação com relação aos grupos sociais vulneráveis e às frágeis instituições nas ações de proteção civil. As dimensões de vulnerabilidade têm como objetivo identificar o nível de fragilidade e exposição da sociedade, estando eles estreitamente vinculados e interligados entre si. A vulnerabilidade global, segundo Wilches-Chaux (1986; 1993), surge como consequência da interação de uma série de fatores de risco e características que converge para uma comunidade ou sociedade determinada, tornando-a incapaz de responder a risco de desastres, submentendo-se a uma maior exposição. A sociedade pode enfrentar distintas vulnerabilidades, classificadas nas seguintes dimensões: vulnerabilidade física, ambiental, econômica, social, educacional, cultural, ideológica, política, institucional e técnica. Cada uma das dimensões constitui um aspecto da análise de vulnerabilidade global, estando elas estritamente relacionadas entre si. Por exemplo, dificilmente poderemos entender o conceito de vulnerabilidade física sem considerar a vulnerabilidade econômica e política, esta última tem relação direta com a vulnerabilidade social, cultural e assim por diante. A importância de ter essa visão do conceito de vulnerabilidade global envolvendo um conjunto de dimensões de vulnerabilidade, que caracterizam o estado de fragilidade das


comunidades e instituições para fazer frente aos riscos de desastres, é de fundamental importância para construir os Indicadores de Vulnerabilidade Social a Desastres como importante ferramenta de mapeamento de risco e planejamento de gestão de redução de risco de desastres. Abaixo seguem as dimensões da vulnerabilidade global e as variáveis que irão compor os Indicadores de Vulnerabilidade Social a Desastres (IVSD) (Dutra, 2011).


Dimensões da Vulnerabilidade

Física

Ambiental Econômica Social Educacional

Cultural Ideológica Organizacional Política Institucional

Técnica

Variáveis para Construção de Indicadores de Vulnerabilidade Social a Desastres (IVSD) Assentamentos precários em áreas de risco Resistência física das moradias Condições de acesso e uso das infraestruturas e serviços urbanos Acessibilidade Erosão e deslizamento do solo Desmatamento Moradias em áreas de preservação Moradias em áreas degradadas e de elevado risco Renda Desemprego Dependência econômica Perfil do Chefe de Família Nº de dependentes a programas sociais Grupos Especiais (idosos, crianças, jovens, grávidas, pessoas com deficiências) Saúde Escolaridade Educação orientada às ações de prevenção e mitigação de desastres naturais Acesso aos meios de comunicação Participação do Chefe de Família a atividades de prevenção e mitigação de riscos Membros da família que desenvolvem atividades de prevenção e mitigação de riscos Programas de rádio comunitária local em ações de prevenção de desastres Acomodação diante as atividades de redução de risco Baixa percepção de risco Reação de transferir a causa do desastre a terceiros Percepção fatalista sobre desastre Conselho comunitário atuante nas ações de redução de riscos Mobilização e organização coletiva em ações de prevenção e mitigação Liderança capacitada para trabalhos de prevenção e redução de riscos Nível de confiança nas instituições responsáveis em ações de Defesa Civil Ações clientelistas que dificultam a organização coletiva na comunidade Instituição de Defesa Civil estruturada dentro da comunidade ( NUDEC) Estrutura de abrigamento dentro ou próximo da comunidade Atuação do poder público na comunidade em ações de redução de Risco de Desastres Técnicas inadequadas de construção de obras e de infraestrutura Ausência de Cadastro Técnico Multifinalitário Ausência de tecnologia de monitoramento, fiscalização e controle Ausência de estudos, diagnóstico e mapas de riscos Ausência de Plano Diretor de Defesa Civil voltado às áreas de risco Ausência de corpo técnico capacitado para ações de Defesa Civil na comunidade

Fonte: Dutra (2011)

Essas dimensões de vulnerabilidade, estruturadas a partir da pesquisa teórica e empírica de Rita de Cássia Dutra (2011), em sua dissertação de mestrado, são apresentadas como uma proposta para construção de indicadores de vulnerabilidade social aos desastres. Podem servir como ferramentas de gestão de plataformas e programas de proteção civil, uma vez que possibilitam avaliar e monitorar índices sociais de determinadas áreas, considerando


suas particularidades. Certamente, essas variáveis não dão conta de todos os aspectos e dimensões existentes da realidade. Depois de testadas, contudo, podem oferecer um relevante panorama social, por exemplo, da distribuição de pessoas em determinada localidade, das suas condições de vida, a quais riscos estão expostas e indicar de que forma esses riscos interagem ou podem interagir entre si. Enfim, essas informações permitem olhar e monitorar processos e movimentos da ocupação de grupos sociais no espaço e a qualidade dessa ocupação, para embasar a gestão dos riscos de desastres. Considera-se que aspectos sociais diversos, como as desigualdades e iniquidades sociais, implicam-se na construção do desastre e na sua administração. Mesmo que as variáveis não expliquem como esses processos ocorrem, permitem diagnosticar os principais problemas e definir as áreas onde se concentram. Além disso, fundamentam a definição de estratégias e políticas necessárias para minimizar as vulnerabilidades e como instrumento para avaliar amplamente a eficácia das políticas e programas implantados. Embora a questão central na análise dos indicadores seja a vulnerabilidade, deve-se dar a devida importância às ameaças e aos riscos na sua integralidade. Atentar, também, para a capacidade de preparação e resposta das instituições e das comunidades, pois irá determinar a resiliência das mesmas. A fragmentação no processo de planejamento e gestão de redução de risco de desastres vem reforçar ainda mais as desigualdades e as formas de precarização da vida, consequentemente a vulnerabilidade do sistema. A abordagem social do desastre, ressaltada neste artigo, retira a carga de aleatoriedade que normalmente é atribuída aos mesmos, na medida em que direciona a questão inerente a esses fenômenos com a raiz nos processos de desenvolvimento das relações sociais com o meio ambiente. Os desastres não são acontecimentos meramente circunstanciais e de natureza socialmente incontrolável, mas antes de tudo, processos construídos socialmente, legitimados por ações de âmbito público, coletivo e individual, agravando ainda mais os fatores de risco e vulnerabilidade. As articulações entre o sistema social vulnerável e o ambiente construído evidenciam os fatores de riscos, as vulnerabilidades, as fragilidades das instituições no trato da gestão de risco e a segurança ou insegurança das comunidades frente aos desastres.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECK, U. (1992). Risk society: Towards a new modernity. London: Sage. CAPONI, S. Viejos y nuevos riesgos: em busca de otras protecciones (2007). In: Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23 (1), p 7-15, jan. DUTRA, R. C.. Indicadores de vulnerabilidade: no contexto da habitação precária em área de encosta. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) Universidade Federal de Santa Catarina, 2011. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2009). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/2009), Brasil. LUZ, G; Espejel, O. (2007). Protección Civil. México: CENAPRED. MACÍAS, Jesús Manuel. Significado de la vulnerabilidad social frente a los desastres. Revista Mexicana de Sociologia, México, nº 4, 1992. NAKANO, N. (2010). Para unir o urbano divido. Brasil: Le Monde Diplomatique. http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php? id=633&PHPSESSID=c36a4a87276566f13fb6da7875c9bd82, pesquisa realizada em 30 de março de 2011. RIBEIRO, Manuel João (1995). Sociologia dos desastres. Sociologia problemas e práticas, Lisboa, n. 18. ROBAINA, Luis Eduardo de Souza (2008). Espaço urbano: relação com os acidentes e desastres naturais no Brasil. Ciência e Natura, UFSM, 30 (2), p. 93-105. VILLAÇA, F. (1998). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel.

WICHES-CHAUX, Gustavo (1986). La vulnerabilidades global. Document do programa: herramientas para la crisis. Oficina regional del Cauca, Popayán. Colombia. WILCHES-CHAUX, Gustavo (1993). La vulnerabilidad global. In: MASKREY, Andrew. (Org.). Los desastres no son naturales. Bogotá: Tercer Mundo Editores, p. 9-50, out.

AUTORES


Janaina Rocha Furtado é graduada em Psicologia, doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina e coordenadora de ações sociais do Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED UFSC)| janaina@ceped.ufsc.br | 48 3226-1704. Rita de Cássia Dutra é graduada em Sociologia, mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisadora do Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED UFSC) | dutra.rita@ceped-ufsc.com | 48 3226-1704. Antônio Edésio Jungles é doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (1994), pós-doutor pela University of Alberta (2000), professor adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina e Diretor Geral do Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED UFSC) | ajungles@ceped-ufsc.com | 48 3226-1704. Jucilei Cordini é Engenheiro Civil, Doutor em Ciências Geodésicas pela Universidade Federal do Paraná, professor associado da Universidade Federal de Santa Catarina e Consultor do Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED UFSC) |jcordini@gmx.net | 48 3226-1704.


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