Revista Cásper #33

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CASPER ´

Janeiro, fevereiro, março e abril de 2023

33 #

O novo impressionismo: imagem gerada por inteligência artificial

A REVOLUÇÃO DO NOVO A REVOLUÇÃO DO NOVO

A comunicação sempre se pautou pelas novidades. Mas antecipar-se a elas agora virou a regra do jogo.

DALL-E E CHATGPT

Inteligência artificial já é realidade na comunicação

PODCASTS

De promessa a negócio rentável

MAKING OF

Saiba como fazer uma reportagem investigativa

REVISTA CÁSPER A REVOLUÇÃO DO NOVO Nº33JANEIRO, FEVEREIRO, MARÇO E ABRIL DE 2023

FUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO

PRESIDENTE Paulo Camarda

SUPERINTENDENTE GERAL

Sérgio Felipe dos Santos

FACULDADE CÁSPER LÍBERO

DIRETOR

Welington Andrade

REVISTA CÁSPER

NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS

COORDENADORA DE ENSINO DE JORNALISMO

Helena Jacob

EDITOR-CHEFE

Eduardo Nunomura

EDITORES

Gaba Serpa e Marina Fornazieri

CONSELHO EDITORIAL

Adalton Diniz, Eduardo Nunomura, Helena Jacob, Marco Antonio Vale, Marli dos Santos, Sergio Andreucci, Sonia Castino, Marcelo Santos e Welington Andrade

REPORTAGEM

Ana Cecília Andolfo, Anna Casiraghi, Gaba Serpa, Juliano Galisi, Marina

Fornazieri, Nathalia Jesus e Pedro Moreira

COLABORADORES

Alexandre Silvestre, Camilo Vanucchi, Danislau e Vanessa Bortulucce

EDITORAS DE ARTE E FOTOGRAFIA

Ana Cecília Andolfo

PROJETO GRÁFICO

Giulia Gamba

DIAGRAMAÇÃO

Ana Cecília Andolfo

REVISÃO

Anna Casiraghi, Eduardo Nunomura, Gaba Serpa, Juliano Galisi, Marina

Fornazieri e Nathalia Jesus

NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS

Avenida Paulista, 900 – 5º andar

01310-940 – São Paulo – SP

(11) 3170-5874/5814

revistacasper@casperlibero.edu.br

OQUE ESTÁ POR VIR

Nos preparativos desta edição, durante a reunião de pauta em setembro último, parecia que a vida estava mergulhada numa grande indefinição. O futuro político do Brasil, a Copa do Mundo, o fim do primeiro ano letivo depois da retomada da pandemia, uma guerra em curso na Europa. Mas, apesar das incertezas, pairava por sobre a sociedade um sentimento de querer dar um passo adiante. O novo, como tema, se impôs nas sugestões feitas pelos colaboradores e também pelo conselho editorial da Revista CÁSPER.

O que é novo na comunicação? Para além de responder a essa pergunta, os editores Marina Fornazieri e Gaba Serpa foram investigar o que já desponta como uma novidade no universo comunicacional. A tecnologia está por trás de quase tudo, como era de se esperar. É por meio do chamado aprendizado de máquina (machine learning) e inteligência artificial que reportagens investigativas estão sendo produzidas, que os algoritmos distribuem com mais eficiência conteúdos pela internet, que a propaganda se torna mais assertiva (ou invasiva), entre outras questões.

Um novo governo, eleito democraticamente, assume em 2023 com a esperança de milhões de brasileiros de que algo bom esteja por vir. Tem sido assim em todas as eleições, mas em um Brasil polarizado como nas últimas eleições esses sentimentos se tornaram mais evidentes. É triste lembrar, mas perdemos mais um Mundial de futebol, já no fim do ano passado, quando uma pontinha de esperança surgia para alegrar a população brasileira. Resta-nos voltar aos inúmeros campeonatos transmitidos por inúmeros canais de streaming, graças à tecnologia - outro assunto desta edição.

As novidades no mundo da comunicação são frequentes, notadamente desde os tempos de Johannes Gutenberg. Foi graças à sua máquina de tipos móveis, criada no século 15, que houve a revolução da imprensa, um dos inventos mais extraordinários da Humanidade. Mas nem tudo o que é novo deve ser visto como algo bom ou benéfico per si. Há um certo fetiche, nos tempos atuais, pela inovação. Ela é necessária, sem dúvida, mas não suficiente para fazer frente aos vários desafios. Do nosso lado, modestamente, procuramos enriquecer esse debate.

Boa leitura!

´ CC BY 3

“O NOVO SEMPRE VEM” 6

Os profissionais da comunicação contam com novas tecnologias que facilitam o trabalho

DALL-E 2

O estado da arte na inteligência artificial com imagens assustadoras

:: BITS & BYTES :: 12

13

20

23

46

IMAGENS SABOROSAS 16

Profissionais expõem possibilidades de se fazer jornalismo no TikTok

A BOLA NO STREAMING 34

JORNALISMO EM 60 SEGUNDOS? 36

O que faz um conteúdo explodir nas redes

INVESTIGAR É PRECISO

VIRALIZOU? 43

Hyury Potter conta como é o processo de produção de uma reportagem complexa

26 :: GIRO PELO MUNDO ::

30 :: POR ONDE ANDA ::

O QUIZ DAS COPAS 32

A Copa no Catar já era, mas que tal responder a algumas perguntas para saber o quão boleiro você é?

A proliferação das transmissões de jogos em plataformas digitais

PARA OUVIR 40

O tempo dos podcasts chegou para os brasileiros

JORNALISMO POLÍTICO

Bastidores do Palácio do Planalto e do Congresso, por Vera Rosa

COMUNICAÇÃO EM 2023

O que será da Empresa Brasil de Comunicação?

NO ESTÚDIO

A fotógrafa publicitária Débora Gabrich conta como produzir cliques que dão água na boca 52

Acompanhe as o passo a passo da produção do programa Mulheres, da TV Gazeta

:: CASPERIANAS :: 56

:: ANTENADOS :: 59

SUMÁRIO 4 janeiro • fevereiro • março • abril 2023

COMU NI

6 setembro • outubro • novembro • dezembro 2022
NOVO NA ÇÃO REPORTAGEM DE CAPA CA

Oque antes era transmitido na base do boca-a-boca, a comunicação moderna surgiu para dar alguns passos largos. Telégrafo, telegrama, carta, revistas e jornais impressos, telefone, rádio, TV, as inovações tecnológicas mudaram a forma como o mundo se vê. E então veio a internet, bagunçando todo esse cenário. As noções de tempo e espaço foram ressignificados. “Rápido” não passa de segundos e “perto” é onde temos acesso à web. Agora, a inteligência artificial se soma a um ambiente digital consolidado sob a promessa de liberar as pessoas do trabalho pesado. As novas gerações de profissionais da comunicação chegarão ao mercado com muitos desafios à vista. A tecnologia promete levar a produção de conteúdo a patamares desconhecidos e empolgantes. Resta saber se a sociedade está pronta para usá-la a seu favor. Esqueça o futuro, o presente está repleto de possibilidades.

CÁSPER 7 POR GABA SERPA E MARINA FORNAZIERI

PUBLICIDADE E PROPAGANDA

IMAGINE UMA PESSOA que navega no celular, no computador e em um tablet. Como identificá-la em todas essas telas? Mais desafiador ainda: como identificar esse usuário quando ele está offline? Esse é um dos dilemas que o mundo publicitário pode enfrentar nos próximos anos.

“Existe a necessidade de você reconhecer o consumidor na sua loja online, mas também na física e de fornecer experiências no ponto de compra”, comenta Lúcio Pereira, profissional experiente na área de publicidade e diretor de Desenvolvimento de Negócios da Criteo. Para ele, a principal forma de fazer isso é por meio das contas, mas também pode ser feito pela geolocalização ou pelo login em uma rede Wi-Fi.

Uma empresa que já se adiantou nestes tipos de testes é a Amazon. Na sua loja física nos Estados Unidos, a Amazon Go, não há atendentes ou caixas eletrônicos. Para comprar, o cliente só precisa ter um celular logado no aplicativo - assim, a empresa reconhece o usuário dentro da loja física e sabe o que está levando para casa.

Mas não basta identificar os clientes. Os estabelecimentos precisam for-

necer experiências o tempo todo. “As pessoas vão na loja para se divertir, uma mistura de entretenimento com varejo, o retailment”, afirma Lúcio Pereira, que é responsável pela área de da América Latina para a Criteo. Já foi em uma loja ou cafeteria que tinha um espaço “instagramável”? Essa é uma das formas de entretenimento que estamos falando no retailment (mistura das palavras retail e entertainment, no inglês). Mas existem outras possibilidades mais ousadas.

Imagine que você vai a uma loja de roupas e o estabelecimento recomenda peças que combinam com seu jeito de ser. A loja Amazon Style, inaugurada em Los Angeles, recomenda roupas em tempo real para os fregueses, que aparecem “magicamente” no provador para serem experimentadas - assim, o consumidor não precisa sair dali para continuar a comprar. Tudo com base em algoritmos e pelo histórico de compras do cliente. Por meio do aplicativo da loja, é possível também apontar para o QR Code de uma peça da sua escolha e pedir a cor e o tamanho desejado, além de refinar as recomendações, ajustando sua preferência.

A ideia de reconhecer e atrair o seu consumidor com personalização não é exatamente nova. “Voltamos ao velho dilema da publicidade, fornecer comunicação relevante, um produto correto para o cliente correto e no momento correto”, explica Lúcio Pereira. A diferença, agora, é em como fazer isso.

A partir de 2024, pode ser que as empresas tenham que se reinventar para identificar seus consumidores. Estamos falando aqui do fim dos cookies de terceiros, ou “Cookie deprecation” (termo técnico). Mas o que significa isso? Os cookies de terceiros, ou seja, criados por outros sites, são usados para recolher informações da sua navegação. Assim, é possível entender o seu perfil na internet, recomendar produtos e mostrar anúncios mais relevantes e personalizados.

Lúcio explica que, recentemente, a demanda por privacidade e por uma internet mais responsável aumentou: “O consumidor viu que as empresas estavam usando essas informações em demasia e até para fins errados. Então passaram várias leis de proteção de dados, como a brasileira LGPD”. Com isso, o fim dos cookies pode estar se aproximando e os publicitários terão que encontrar novas maneiras de alcançar seus consumidores.

Uma dessas soluções pode estar nas redes sociais e nos criadores de conteúdo. “Ninguém mais quer ver publicidade, então ela tem que ser inteligente e integrada no que as pessoas estão vendo e fazendo”, comenta Lúcio. Essa publicidade “nativa” está sendo feita dentro das redes sociais, em vídeos curtos e interessantes, onde o consumidor está. (MF)

Amazon Style recomenda peças
de roupa por meio de algoritmo
REPRODUÇÃO AMAZON

O QUE FAZ ALGUÉM registrar um momento? Em 6 de janeiro de 2021, milhares de protestantes invadiram o Capitólio dos Estados Unidos para queixar a derrota de Donald Trump, alegando fraude nas urnas após a eleição do presidente Joe Biden. Grande parte dos manifestantes que tinham um celular ou câmera em mãos, gravaram e publicaram nas redes sociais diversos momentos da invasão. O desejo de registrar o que para eles era um momento histórico e heróico, certamente os levou a gravar tantos momentos do ato.

Em meio às publicações, a equipe de reportagens visuais do jornal New York Times viu uma oportunidade de dar sentido a tudo que aconteceu e de como foi feito. A redação norte-americana recolheu os milhares de vídeos gravados pelos manifestantes, além de registros das câmeras policiais, e transformou em um documentário de 40 minutos publicado no YouTube. O vídeo, denominado de “Day of Rage”, é uma reconstituição da linha do tempo da invasão, minuto a minuto, de como o ataque foi planejado e executado.

Ao assistir o vídeo, é como se o espectador fosse teletransportado para a cena dos atentados. O rearranjo das cenas permitiu a comparação de acontecimentos simultâneos e a identificação de grupos extremistas como os Proud Boys e alguns políticos que participaram do ato. Essa investigação é apenas um dos exemplos do potencial do audiovisual, que pode (e deve) ser incorporado em outras áreas da comunicação.

Marcelo Ikeda, professor de cinema na Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do cinema brasileiro, vê

novas possibilidades no fenômeno em que as pessoas gravam tudo a toda hora: “Cada um pode ser um produtor potencial de audiovisual e isso abre muitas perspectivas de acesso e produção”. Assim, existe a possibilidade de um futuro mais amplo, diverso e com criações independentes.

“O Brasil inteiro está fazendo cinema e criando com as próprias câmeras. A produção já não é mais no eixo Rio-São Paulo”, explica Marcelo. No próprio momento da entrevista com ele, que foi feita por telefone, o professor da UFC se dirigia a um festival em Alagoas, o Circuito Penedo de Cinema.

No entanto, com salas de exibição fechadas durante a pandemia e o desmonte de políticas públicas voltadas para a cultura durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Marcelo aponta que o cinema independente ainda não alcançou a visibilidade desejada: “Seria muito importante ter uma rede de sala de cinema de rua, mais barato que estimulasse a vida em comunidade”. Com o novo governo, Marcelo espera a reconstrução do Ministério da Cultura para um cinema menos elitizado.

Fora dos cinemas, produções brasileiras também ganham espaço nos serviços de streaming. Produções recentes como o documentário “Racionais: das ruas de São Paulo pro mundo”, na Netflix, e a série “Eleita”, na Amazon Prime Video, são apenas algumas das produções nacionais que aproveitam o embalo das transmissões online e encontram espaço nas plataformas. Conforme levantamento do jornal O Globo, os sete principais serviços de streaming do Brasil estão trabalhando em mais de 70 produções nacionais para os próximos anos, entre filmes, séries e reality shows (MF)

A U D I O V I S U A L

CÁSPER 9
Manifestantes na invasão do Capitólio nos Estados Unidos
REPRODUÇÃO YOUTUBE

RELAÇÕES PÚBLICAS

O AMBIENTE DIGITAL modificou a maneira como marcas e organizações lidam com o público. Hoje, já se fala nas mudanças de estratégias, abordagens e até mesmo uma nova compreensão sobre o que é presença. Não importa se uma empresa mantém perfil oficial numa determinada rede social ou não. Se o público dela estiver, a companhia também estará. “Antes, se atingia o público em termos geográficos. Hoje, é global”, explica Carolina Terra, professora da Cásper Líbero. Não existem fronteiras para menções negativas nem para as páginas de um Reclame Aqui da vida — ambos podem ser catastróficos.

Ferramentas de monitoramento como o Buzzmonitor e a Brandwatch permitem que organizações acompanhem comentários e ajam a tempo de proteger sua imagem. Numa crise, pode ser o diferencial entre sair ilesa ou com a reputação manchada - e, às vezes, de forma irreversível. E esse monitoramento traz mais benefícios do que meramente saber quem está falando mal das empresas. “Relações Públicas passa pelo entendimento de onde estão os públicos de uma marca”, complementa Carolina. Mapear a audiência e direcionar campanhas é uma maneira de prospectar o ouro escondido entre vídeos, carrosséis, textos e stories dos bilhões de perfis.

Não é de hoje que marcas buscam associar sua imagem a um público. O caminho escolhido tem sido o de criar uma identidade adjacente. Mas a coisa pode ir além: construir todo um imaginário em torno de si. Uma aposta crescente é investir na produção de conteúdo. “A Red Bull é uma baita publisher de esportes radicais”, exemplifica Carolina ao lembrar das ações encabeçadas pela empresa. O paraquedista Felix Baumgartner vestia as cores e o logo dela quando fez seu salto supersônico no

“limiar do espaço”, a 39 quilômetros do chão. Os voos de wingsuit do Red Bull Skydive Team também consolidam a ideia por trás da marca. Se não dá asas de fato, a empresa chega muito perto.

Mas será que uma organização precisa carimbar presença em toda e qualquer plataforma digital? Com o sobe e desce de mídias sociais e o consequente vai e vem de usuários, a pergunta tem desafiado profissionais de RP nos últimos tempos. “Do mesmo jeito que o Clubhouse ascendeu, descendeu. Assistimos à derrocada do Twitter. Vai todo mundo migrar para o Koo?”, questiona Carolina Terra ao tratar da efemeridade das redes. O olhar crítico também passa por entender qual o perfil de quem está lá e se faz sentido estabelecer comunicação com os usuários. Outro ponto a ser analisado é a credibilidade que uma plataforma passa.

Paradoxalmente, uma rede que defende liberdade de expressão irrestrita escancara suas portas para desinformação e discurso de ódio. Que tipo de usuário e anunciante se sente atraído por esse ambiente? “O Twitter já foi minha plataforma preferida, mas tem uma liderança ali (Elon Musk) que está descaracterizando a ferramenta ao vender perfis verificados”, exemplifica Carolina. A reputação de empresas pode ser impactada pela poluição do ecossistema onde estão. Uma saída possível? Criar plataformas próprias que não sofram com instabilidades geradas pelo ambiente. A professora casperiana afirma que a prática já é comum entre empresas de varejo, e que a tendência é aumentar: “Isso dá controle sobre os dados dos consumidores e permite um relacionamento mais próximo”. No reino das disputas algorítmicas, onde tudo é passageiro, a briga por consumidores fieis é a única que não envelhece. (GS)

10 janeiro • fevereiro • março • abril 2023
O aprendizado de máquina vem contribuindo com ferramentas para a comunicação

O JORNALISMO ESTÁ INSERIDO no ambiente digital até a medula. As possibilidades são muitas, e muitas ainda estão por serem inventadas. O secular jornalismo precisa se reinventar, com urgência. O que está por vir, contudo, ainda é uma sombra perto da realidade esperada para os próximos anos. As lógicas multimídia e multiplataforma já são realidade nas redações. Porém, ainda padecem de um mal de origem: foram transpostas do analógico para o digital. Para atingir públicos mais amplos e engajados, é preciso aproveitar ao máximo um conteúdo e distribuí-lo de várias formas.

Em entrevista exclusiva para a revista CÁSPER, Mattia Peretti, gerente na JournalismAI, da prestigiada London School of Economics, explica o que pensa sobre o novo no jornalismo. Uma de suas apostas

para ampliar o público é a personalização por meio do aprendizado de máquina, hoje ainda sendo testada: “Imagine um artigo ou uma reportagem acessados na íntegra ou em tópicos principais, a depender do usuário. Essas ferramentas deverão ser cada vez mais comuns”, explica.

Outra barreira para a comunicação são as línguas. Quem já tentou assistir a um noticiário estrangeiro sabe: o âncora fala sobre a queda do euro e chama uma reportagem sobre protestos nas ruas de Paris. Dá para decifrar o contexto, mas não passa disso, se não for falante do idioma. No que depender da ferramenta Aloud, esse deve deixar de ser um problema. Ela é um dos principais projetos experimentais do Google (a empresa, de novo!), apostando na dublagem de vídeos de um idioma para outro. Alguns canais do Youtube já testam essa dublagem

automática. Faz parte da Area120, setor da empresa que foca em inovações para produtos e serviços antes de chegarem ao mercado.

O que se tem, por ora, é a tecnologia ajudando a otimizar o trabalho jornalístico. Sempre que um repórter faz entrevistas, ele sabe que vai levar algumas horas ou até dias para ter as perguntas e respostas transcritas, se necessário. Mas hoje esse trabalho braçal já conta com uma “mãozinha” da inteligência artificial (IA). Não é perfeita, mas quebra um galho. O auxílio das máquinas resulta em tempo e energia economizados e realocados para outras atividades de maior relevância, como a própria apuração e produção de notícias.

A suíte de aplicações Journalist Studio, do Google, traz um conjunto de ferramentas desenvolvidas para reduzir o esforço dos jornalistas, dentre elas o Pinpoint. Ele é capaz de transcrever material audiovisual e de pesquisar documentos de texto e imagem. O Journalist Studio faz parte do Google News Initiative, que foca em inovação, diversidade e sustentabilidade. “Aplicativos de IA no jornalismo são pensados para auxiliar no processo de coleta de informações, produção e distribuição de notícias”, explica Mattia Peretti.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) não perdeu tempo. Graças ao Pinpoint, publicou a íntegra de 131 lives do ex-presidente Jair Bolsonaro nos últimos dois anos. Alguém pode se perguntar para que o material seria útil. Aí vão alguns exemplos: o número de vezes em que Bolsonaro recomendou o uso de cloroquina pode ser levantado em questão de segundos. Alegações de fraude nas urnas, idem. Também podem ser localizados com facilidade os ataques dele ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “É como ter mil estagiários analisando todos esses documentos para você”, brinca Mattia ao ressaltar a rapidez com que a ferramenta trabalha. (GS) @

JORNALISMO

CÁSPER 11 DIVULGAÇÃO
REPRODUÇÃO FLICKR

ARTEFICIAL

CHICO SCIENCE NÃO SABIA, mas foi profético ao cantar que “computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro” na década de 1990. Graças à inteligência artificial (IA), a mais estranha das ideias pode se materializar numa nova imagem num piscar de olhos. Nada a ver com aquela arte digital feita em softwares de edição, ao longo de horas e por uma pessoa de carne e osso. A novidade é de outro patamar: a partir de uma descrição textual aleatória, o programa é capaz de produzir uma ilustração novinha em folha, em segundos.

Duvida? Pense numa imagem sem pé nem cabeça. Por exemplo, uma pintura a óleo de um urso panda vestindo sombrero mexicano, segurando um suculento taco? Essa ilustração, apresentada na página ao lado, foi produzida pela ferramenta Dall E 2. Todas as imagens desta reportagem foram criadas dessa forma. O nível de exigência pode variar conforme o gosto do cliente. Reprodução de estilos, como cubismo, e de técnicas, como aquarela? Basta acrescentar isso no pedido e a IA se encarrega da produção.

Ferramentas de geração de imagens criadas artificialmente como o Dall E 2 e o Midjourney estão disponíveis para qualquer um. O que todas têm em comum é associar textos a imagens e, dependendo da programação, geram resultados mais ou menos refinados. Com tanta facilidade, é natural que um amplo espectro de questionamentos surjam. São mesmo criadas “do zero”? Infringem direitos autorais? De quem é a autoria? São consideradas obras de arte? Há originalidade nelas? São eticamente defensáveis? Contribuem para a desinformação? Uma coisa de cada vez.

Bruno Fernandes, mestre e doutor em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que o Dall E 2 se baseia num tipo de aprendizado de máquina, chamado de redes neurais. Elas

operam de maneira parecida ao cérebro humano: cruzam e relacionam informações, enxergam padrões e podem aprimorar suas capacidades na busca por resultados cada vez mais precisos. “A gente consegue fazer com que a máquina aprenda por meio de exemplos rotulados, não-rotulados, por reforço positivo, negativo. Dentro do aprendizado de máquina há vários modelos”, explica Fernandes.

Quanto mais rotulações são feitas pelo programador, mais aprofundada é a busca — e mais sofisticados tendem a ser os resultados. Pelo processo de difusão, o Dall E 2 associa termos e atribui características estéticas a um objeto descrito na caixa de texto. O nome da ferramenta ressalta sua intenção de sintetizar arte e tecnologia de ponta: é um jogo de palavras entre Salvador Dalí, pintor surrealista espanhol, e a animação da Disney/Pixar, Wall-E .

Tamanha sofisticação autômata não poupou nem um dos maiores nomes do barroco europeu — para não dizer da história da arte. Uma campanha de marketing da Microsoft e do banco ING recriou o que seria “a próxima obra” de Rembrandt. O pintor holandês, morto em 1669, teve suas cores, estilo e pinceladas analisados de perto e reproduzidos por inteligência artificial. A máquina “deu à luz” uma pintura totalmente nova, com características de uma obra barroca. Em setembro, o designer Jason Allen venceu um concurso de belas artes no Colorado, Estados Unidos, e gerou polêmica nas redes com sua obra criada por meio do Midjourney: pode uma máquina produzir arte?

As fotografias foram o centro de discussão parecida, e isso já ao longo do século 19. Detratores da então novidade diziam que bastava apertar um botão, e tudo se resolvia. As fotos não passariam de mera reprodução mecânica da realidade. Portanto, eram desprovidas de valor artístico. Aspectos da atividade dos fotógrafos como domínio de técnicas

12 janeiro • fevereiro • março • abril 2023
O uso de imagens geradas por inteligência artificial emerge como uma promissora revolução ou um risco em potencial para a desinformação em massa?
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
POR GABA SERPA

“Pintura a óleo de um urso panda vestindo sombrero mexicano e segurando um suculento taco”*

“Dois jogadores de futebol erguem a taça da Copa da Mundo: Messi e Mbappé, estilo aquarela ”*

“Karl Marx jogando futebol em uma fazenda em um dia chuvoso, pintura a óleo de Rembrandt”*

e “olhar privilegiado” eram relegados ao campo das trivialidades. Não tardou até que o entendimento fosse contestado e desconsiderado. Hoje, é difícil encontrar quem não reconheça a fotografia como expressão artística. No caso das imagens geradas por IA, o caminho é o mesmo?

Obras de arte derivadas são velhas conhecidas do público: são criações feitas a partir de uma original. A debochada Mona Lisa de bigode, de Marcel Duchamp, é um exemplo dessa categoria. Na música, são ainda mais comuns as derivações e samples. Para as ilustrações criadas por inteligência artificial, pode-se dizer que a imagem obtida não se baseia em apenas uma ou duas originárias, mas num conjunto delas. O resultado é uma síntese de sabe-se lá quantas outras — tudo depende da profundidade da busca e do domínio que o usuário tem da ferramenta que utiliza.

Elementos como intenção e originalidade são pontos-chave quando se fala em arte, por se relacionarem com a autoria das obras. A quem se deve atribuí-la: ao usuário que digita termos aleatórios e chega a uma imagem única ou ao programador que “ensina” a máquina como realizar uma pesquisa adequada? São protagonistas e, ao mesmo tempo, variáveis. Seriam coautores? Bruno, que também é professor do curso de Engenharia da Computação na Universidade de

Pernambuco (UPE), prefere não arriscar uma resposta, mas aponta para outra possibilidade: a de pertencer à própria ferramenta — ou ao proprietário dela, para ser exato. Isso porque as imagens podem ser protegidas por direitos autorais.

A OpenAI, empresa desenvolvedora do Dall E 2, se apresenta como uma instituição sem fins lucrativos, com a missão de “assegurar que a inteligência artificial beneficie toda a Humanidade”. Alguns se referem à atividade como “IA amigável”. Pelo menos essas eram as pretensões ao ser fundada, em 2015. Quatro anos depois, a empresa recebeu 1 bilhão de dólares da Microsoft, que se tornou sua principal investidora. Em seguida, a OpenAI anunciou a intenção de comercializar licenças para alguns de seus serviços. Maior banco de imagens do mundo, a Shutterstock declarou, em outubro, que passaria a vender imagens criadas pelo Dall E 2. Contrariou a Getty Images, que, no mês anterior, anunciou que estava descartando a comercialização das imagens produzidas por IA.

SE POR UM LADO as redes neurais podem produzir obras de arte, outro de seus desdobramentos é ainda mais chocante. Olhe para as quatro pessoas na parte inferior da página ao lado e tente adivinhar quantas existem e quantas não. Se respondeu uma, duas ou três, sinto informar, mas errou. Todas foram criadas artificialmente por meio de redes generativas antagônicas — tradução livre de generative adversarial networks (GANs). Essa classe, dentro do que se compreende por machine learning, é capaz de aprender “brincando de polícia e ladrão”, como simplifica o professor da UPE. A máquina extrai dados de uma foto e aplica a outra. Nesse jogo de tira e põe, uma imagem nova é produzida. Assim, ela chega ao cúmulo de apresentar rostos realistas — até familiares — que não existem. Prato cheio para a desinformação, ainda que alguns digam que elas são apenas para ilustrar um conteúdo qualquer.

Qual a chance de uma imagem gerada por IA ser tão parecida com uma pessoa, a ponto de lhe causar problemas? “As bases que a ferramenta usa são conhecidas”, diz Bruno Fernandes, descartando a hipótese de roubo de imagens. Mas não rechaça a eventualidade, ainda que remota. Ensina quais pontos podem denunciar possíveis fraudes: “Olhos, cabelos, fundo da imagem e roupas tendem a sair com mais imperfeições em criações artificiais”.

Uma revolução acontece debaixo dos seus dedos. Avatares personalizados feitos a partir de fotografias reais tomaram conta das redes sociais no fim do ano passado, como os gerados pelo perfil @lensa.ai. E a tecnologia não para. Hoje, sete em cada oito pixels para games online já são produzidos por IA, como no clássico Portal, da NVidia. O risco é grande, principalmente quando fatos valem menos do que convicções e crenças. Não resta dúvida: computadores fazem muito mais do que arte. Fazem, inclusive, o contrário dela. Ou, retomando Chico Science, fica o recado: “Computadores avançam, artistas pegam carona/ Cientistas criam o novo, artistas levam a fama”. @

*As legendas das imagens foram traduzidas para o português. O site do Dall-E 2 exige termo na língua inglesa para geração de imagens.

“Uma renderização 3D de um astronauta caminhando em um deserto verde”* “Uma ruiva lendo um livro no sofá, vestindo camiseta branca, pintura a óleo”*

O ATERRORIZANTE CHATGPT

Nos primeiros dias de janeiro, um assunto antes circunscrito a rodinhas de programadores, nerds e geeks tomou conta do mundo: o ChatGPT, robô de inteligência artificial da OpenAI. Do Vale do Silício ao Fórum de Davos, na Suíça, das redes sociais ao noticiário geral, havia um misto de surpresa e temor em relação ao potencial que

a engenhoca é capaz de fazer. Até a gigante Alpha, dona do Google, começou a se preocupar com o “concorrente”. Pergunte qualquer coisa ao robô, qualquer coisa mesmo, e o ChatGPT levará segundos para responder. Com uma base de dados a partir do que já circula na internet e até 2021, o algoritmo elabora de três a quatro parágra-

fos de resposta. Testado, ele tiraria nota suficiente para ser aprovado em provas para médico, advogado e MBA nos Estados Unidos. Diante da novidade, escolas de Nova York decidiram proibir o acesso à ferramenta (bloqueando seu acesso), uma forma de evitar que os alunos colem respostas de avaliações. É o mesmo que enxugar gelo. (EN)

“Avenida Paulista, São Paulo, realista”*

Postar para ver

:: REDE SOCIAL :: O BeReal é um aplicativo que dá ao usuário dois minutos para tirar uma foto do que estiver fazendo no momento e compartilhar apenas com seus amigos. E não é que essa ideia aparentemente tola se tornou uma febre mundial.

SEM FILTROS - Qualquer criança sabe que Instagram e TikTok são aplicativos viciantes e também nada naturais. Espontaneidade e vida real passam longe de quem quer ser um “influencer”. Já o BeReal surgiu com a promessa de mostrar quem é o usuário, sem filtros, stickers, músicas ou textos.

SOCIAL - Em 2019, os franceses Alexis Barreyat, um ex-funcionário da GoPro na França, e Keviu Perre se uniram para criar o BeReal. Mas o app, disponível nos aparelhos Android e iOS, só explodiu no ano passado depois de vídeos viralizarem no… TikTok. Quer ver o que seus amigos estão fazendo? Só se postar primeiro. Essa é a regra de ouro.

SEM DEMORAS - O BeReal não encoraja que o usuário fique horas preso nele. Sem ferramentas de busca, hashtags e com uma publicação por dia, não é possível stalkear ou acompanhar fofocas.

BITS & BYTES MARINA FORNAZIERI 16

A FÓRMULA DO VIRAL NO TIKTOK

Com o aumento de pessoas

se informando pelas redes sociais, veículos de notícia mudam a forma de contar histórias em vídeos curtos

O QUE FAZ UMA ESTAGIÁRIA de mídias sociais em um dos maiores portais noticiosos da internet no Brasil? Mayara Prado tem a resposta: seis vídeos virais por dia. Essa é a sua meta para a página do UOL no TikTok. É com essa fórmula - nada secreta, mas muito ambiciosa - que a estudante de Jornalismo da Universidade de São Paulo viu o perfil do UOL saltar de 40 mil para 1,2 milhão de seguidores nessa rede social desde 2021, quando ela começou o estágio. “É uma pressão para produzir muita coisa e até o próprio TikTok incentiva essa postagem”, revela.

Quem já produziu algum vídeo viral no TikTok sabe que essa não é uma meta trivial, e muito menos previsível. Tampouco replicável. Com transparência quase zero, a ByteDance, empresa chinesa que criou a rede social preferida dos jovens, conseguiu produzir um algoritmo viciante que até mesmo produtores veteranos penam para descobrir como ele opera. Dave Jorgenson, repórter de vídeo sênior do Washington Post, fez um experimento curioso: ele e sua equipe de três pessoas tentaram ser banidos pelo aplicativo. Produziram dois vídeos parecidos, um para ser “cancelado” e outro como controle. No primeiro conteúdo, usaram palavras e expressões (como “suppressing”, ou suprimindo, em português) que empresas de marketing digital não recomendam. Mas o vídeo chegou a 1 milhão de visualizações.

Tal como Mayara Prado, Dave, também conhecido como “o cara do TikTok” do tradicional jornal Washington Post, se especializou em fazer vídeos virais. Ele abriu a conta do jornal em maio de 2019 e hoje já possui 1,5 milhão de seguidores.

Com uma linguagem despojada e muito bom humor, o jornalista norte-americano se aproveitou da pandemia para oferecer entretenimento e notícias para as pessoas trancadas em suas casas. Num vídeo recente, ele ironiza o permanente estado de vigilância sobre os funcionários da Amazon, empresa do bilionário Jeff Bezos, dono do Post. O conteúdo ultrapassou as 3,2 milhões de visualizações.

No UOL, a equipe de vídeos que trabalha com Mayara é composta por nove pessoas. É um trabalho incessante. Em um debate presidencial, no ano passado, quando a jornalista Vera Magalhães foi insultada pelo então presidente Jair Bolsonaro, o vídeo foi montado em 10 minutos. “Tudo tem que ser postado o mais rápido possível, a plataforma dá prioridade para isso”, ensina. Naquele dia, a estagiária postou 15 vídeos.

Claro que essa é uma exceção. A produção de vídeos pode demorar até duas horas no portal UOL, período em que um roteiro de até 18 mil caracteres será transformado em um vídeo de 90 segundos. Mayara lembra que qualquer vídeo para o TikTok precisa chamar atenção nos primeiros três segundos e seguir a premissa básica de atingir a maior quantidade de pessoas possível. O conteúdo vem dos assuntos do momento, mas diferente do texto que sobe no portal, os vídeos curtos têm de fugir do declaratório e priorizar a contextualização e a informação: “A gente se porta quase como um filtro da redação”.

Para Mayara, os maiores desafios de um profissional de social media é acompanhar tudo o que está acontecendo, inclusive as fake news e desmentí-las. Ela comenta ainda que a questão criativa dos vídeos exige muito: “Muitas vezes que-

CÁSPER 17 REDE SOCIAL

remos ser o mais original possível, mas tudo bem se inspirar no concorrente, replicar um formato que está dando certo. O importante é agir da maneira mais ética e rápida possível”.

No Brasil, o UOL é um dos veículos noticiosos com mais seguidores no TikTok. O Estadão tem 916 mil, CNN Brasil com 650 mil e Folha de S.Paulo com 425 mil, vêm em seguida. Mas nunca é tarde para começar um perfil. A BBC News Brasil só foi se aventurar na plataforma em julho de 2022. Silvia Salek, diretora de redação da BBC News Brasil em Londres, conta que o veículo estava relutante em relação ao TikTok, mas que decidiu entrar pelo sucesso dos conteúdos no Youtube: “Muitos vídeos longos que publicamos no Youtube, de 5 até 30 minutos, tem uma retenção de 50%, o que é muito bom. Então decidimos arriscar no TikTok também”.

A BBC Brasil também buscava ampliar o seu público-alvo, já que 70% da audiência no Youtube era masculina, especialmente para os vídeos de política. “A gente quer levar conteúdo de qualidade para todos, informando também mulheres e não só homens, então esse objetivo foi nosso impulso inicial”, afirma Silvia.

Na fase inicial de testes, a redação chegou a testar vídeos de 15 e 30 segundos. Mas, Silvia e sua equipe logo descobriram que não era possível produzir um conteúdo com um insight único, detalhe e em profundidade: “O nosso diferencial no Youtube é justamente a profundidade interessante, e não queríamos perder isso no vídeo curto”. Por “profundidade interessante”, pode-se entender como uma história bem contada e que traz ensinamentos para o leitor.

Com isso em mente, os vídeos passaram a ter de 1 minuto a 1 minuto e meio. O processo era pensado no ciclo de publicar a reportagem escrita, produzir um roteiro longo para o Youtube e um roteiro curto para o TikTok. Com o tempo, Silvia conta que isso gerou uma espécie de retroalimentação: “Escrever roteiros curtos está ajudando também a melhorar nossos textos. O vídeo obriga a gente a se comunicar de uma maneira mais acessível, detalhada e isso está tornando nossos textos mais orgânicos e redondos”.

NA BASE DE TESTES, o perfil da BBC News Brasil apostou na aparição do repórter, que logo provou ser uma decisão acertada: “A imagem que queremos passar com o repórter ali, com a sua personalidade e seu jeito de falar, é de que também somos pessoas normais, se esforçando para entregar aquele conteúdo”. Silvia Salek afirma que, dessa forma, está contribuindo para aumentar a compreensão do que é o jornalismo e de como trabalha uma imprensa tradicional.

Outra característica da BBC News Brasil são os temas variados. Silvia destaca quatro vídeos: “Quanto ganha o presidente?”, “Os efeitos da maconha”, “4 lugares fascinantes, mas proibidos” e “O que acontece com o seu voto quando você aperta confirma?”. Esse último, para Silvia, é um exemplo de como a redação aborda a desinformação. “Não criamos um grupo para combater a fake news, até porque já tem excelentes veículos fazendo isso. Então,

pensamos nos grandes temas da desinformação e trazemos isso para um campo mais amplo.”

Com uma redação de 38 pessoas e recursos limitados, Silvia comenta que apostar no TikTok foi arriscado, mas que a adesão à plataforma foi um sucesso absoluto. Em mais de 30 vídeos, tanto no TikTok como no Reels do Instagram, as visualizações atingiram 1 milhão ou mais de visualizações e o público-alvo se ampliou: “Em vários desses vídeos com 1 milhão de visualizações, mais de 50% eram de mulheres. Então alcançamos nosso objetivo de democratizar a informação. Não queremos falar com bolha, com nicho, mas com o grande público”. O veículo chegou a mais de 225 mil seguidores no TikTok, em apenas quatro meses.

Em um território de muita experimentação, o TikTok se consolidou como uma mídia social informativa. De acordo com o estudo Digital News Report, da Reuters, 64% dos brasileiros são abastecidos de conteúdos pelas redes sociais. O es-

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REPRODUÇÃO TIKTOK

tudo mostra ainda que os jovens da geração Z visitam menos os portais de notícias tradicionais, como o UOL, a BBC ou o Washington Post, e são mais propensos a usar as mídias para se informar. Entre a publicação dos relatórios da Reuters, que são anuais, o TikTok cresceu 12% como fonte preferida de notícias.

Na Cásper Líbero, o projeto Factual900 produz jornalismo na e com as redes sociais. O portal, voltado para o público jovem, estreou seu perfil no TikTok por iniciativa dos próprios calouros da Faculdade. Nos dois primeiros anos, a produção era tímida, mas sempre crescente. Em 2022, um vídeo descontraído chegou à marca de 1 milhão de visualizações. A ideia dele era simples: pedir que eleitores de Lula e Bolsonaro convencessem os repórteres a votarem em seus candidatos. A combinação de personagens interessantes, tema quente e atual (já que foi postado uma semana antes do segundo turno) e o tempo curto foram a receita do sucesso.

“As visualizações do vídeo cresciam exponencialmente, e

ficando cada vez mais surreal. Em poucas horas bateu 10 mil, 50 mil… O TikTok facilita que contas pequenas viralizem, por ser baseado em recomendações. Quando um vídeo começa a ir bem, eles entregam para cada vez mais gente e muito rápido”, explica Isabella Moretti.

Por trás do “acidente” viral, houve também um debate pedagógico em torno da produção de conteúdos. Em sala de aula, os alunos sugeriram que vídeos longos do Youtube pudessem sofrer os chamados “cortes”, que é a extração de trechos mais impactantes para as redes sociais. O vídeo do grupo de Isabella tinha menos de 500 visualizações no Youtube quando começou a viralizar no TikTok, indo parar na aba “para você”. Uma pessoa pegou o vídeo e compartilhou em seu perfil no Twitter, o que fez o conteúdo viralizar nessa outra rede social também e retroalimentando, daí em diante, audiência de volta para o Youtube - que bateu a marca de 20 mil visualizações. @

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Captura de tela das contas UOL, BBC News Brasil e Factual 900 no Tik Tok em dezembro de 2022

VIRA, VIRA, VIRALIZOU

POR PEDRO MOREIRA

VOCÊ SE LEMBRA DO forninho da Geovanna que caiu? Do óculos perdido da Juliana? E da música “para nossa alegria”? Memes como esses se tornaram tão conhecidos que hoje fazem parte do imaginário e da cultura de qualquer pessoa que esteja nas redes sociais. E o segredo disso? Compartilhamento. Essa é a palavra-chave de um conteúdo viral como são os memes. Produzir propagandas para que grande maioria seja atingida é a busca pelo Santo Graal da publicidade. No audiovisual, terreno onde proliferam os vídeos vistos “por todos”, profissionais fazem toda sorte de experimentação para saber como as pessoas podem compartilhar um conteúdo online . Influenciadores são experts nesse ramo, mas deixam os profissionais de relações públicas de cabelo em pé sempre que atravessam o sinal vermelho e viralizam pelos motivos errados.

Não é preciso uma bola de cristal para saber que a condição necessária para viralizar um conteúdo é que cada pessoa que recebe uma mensagem faça a seguinte pergunta para si: vale a pena compartilhar esse conteúdo? Obviamente, se sentir que a recompensa dele foi

maior que o custo de executar essa ação, vai enviá-lo para mais pessoas. Simples assim, mas na prática ainda há algumas camadas extras que decifram a lógica do compartilhamento viral.

Dez anos atrás, os pesquisadores Jonah Berger e Katherine Milkman publicaram o artigo “What Makes Online Content Viral” (O Que Torna o Conteúdo Online Viral?, em tradução livre) na revista da American Marketing Association. Eles queriam entender o que fazia alguns artigos do New York Times serem mais compartilhados do que outros. Berger continuou nessa linha de pesquisa e formulou um “passo a passo” que explica como o fenômeno do boca a boca virtual, às vezes, funciona extremamente bem. Há seis fatores que permitem que um conteúdo possa ser contagioso: moeda social, gatilhos, emoção, público, valor prático e histórias.

As pessoas querem parecer melhores e mais espertas, por isso compartilham algo que as valorizem (moeda social). Se esse conteúdo puder despertar uma associação natural, melhor (gatilhos), ou sentimentos positivos, de preferência, ou negativos também (emoção).

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INFORMAÇÃO
Não há uma fórmula mágica, mas a esperança de tornar um conteúdo conhecido e reproduzido por todos se tornou a meta de todo influenciador
DIVULGAÇÃO

Quanto mais público for um conteúdo, mais provável é que as pessoas embarquem nele. Assim como aquilo que for útil, como o noticiário, por exemplo (Valor Prático).

E ainda mais se for algo que dê o que falar, histórias que todos vão querer comentar.

Tudo isso só foi possível com o surgimento do botão “compartilhar”, do Facebook. Ele foi um divisor de águas na cibercultura. Na verdade, mudou o jeito que a Humanidade passou a se relacionar. Quem não se lembra da propaganda da Nissan “Pôneis Malditos”? O jingle, que foi um viral “planejado”, chegou a ser o vídeo mais visto do YouTube e aumentou em 80% as vendas da montadora no seu mês de estreia, no ano de 2011. Apesar dos mais de dez anos desse viral, é possível enxergar semelhanças com o que “bomba” nas redes hoje em dia.

Murilo Moreno, consultor de marketing responsável pela propaganda dos “Pôneis Malditos”, explica que a marca queria ganhar representatividade e repercussão na internet, uma vez que não tinha tanto espaço e verba quanto os concorrentes. A solução foi tentar fabricar um viral. “A Nissan tinha pouco dinheiro na época, a única forma de colocar a montadora no mapa brasileiro era fazendo com que as pessoas falassem, organicamente, sobre nós”, diz Moreno.

Luis Mauro de Sá Martino, professor da Cásper Líbero e autor do livro Teoria das mídias digitais: Linguagens, ambientes, redes, explica que a estratégia do viral é a melhor e mais lucrativa que existe, pois com a criação

de um único conteúdo ela proporciona uma visibilidade inimaginável, algo que em nenhuma outra era da mídia se conseguiria alcançar. “Fazer com que todo mundo fale de você ou de seu produto é o sonho de qualquer influenciador ou marca”, afirma.

Outro exemplo que todos lembram é o da menina Zoe, que sorri em frente a uma casa pegando fogo. Zoe tinha 5 anos quando sua foto se tornou a base de uma infinidade de memes, que até hoje continua sendo reproduzido. Recentemente, a imagem original foi vendida como NFT por 473 mil dólares. Também conhecido como Non-Fungible Token, o NFT faz as vezes de uma criptomoeda para qualquer item real que ganha materialidade no mundo digital e passa a ser negociado por meio de leilões virtuais. O NFT garante a autenticidade de uma imagem, como a da menina Zoe.

Hoje, o sucesso de um viral tem de ser imediato e instantâneo. Mas com a miríade de conteúdo que se cria na internet, o desafio é se manter também relevante. Para isso, a estratégia que criadores de conteúdo adotam é manter a lógica que causou a viralização lá atrás, repetindo o mesmo conteúdo, porém com algumas mudanças. Não faltam exemplos dessa estratégia. Um jovem faz um vídeo cometendo erros de português perto de seu pai, professor, e grava sua reação. Esse não é apenas um vídeo da plataforma TikTok, mas uma tendência popularizada por Matheus Costa, que tem mais de 5 milhões de seguidores. Já fez mais de cem vídeos com seu pai, com a mesma pauta, mas com mínimas alterações.

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DAVE ROTH
Dos pôneis malditos à menina Zoe, a internet ressignifica o que era para ser só uma imagem

O TikTok é a plataforma que mais facilita que esse tipo de estratégia funcione. Por ser uma rede baseada em recomendações, por mais que o jovem Matheus Costa poste cem vídeos com o mesmo formato, é possível que cada usuário veja alguns deles e não todos. Assim, a repetição não perde a graça tão facilmente e se mantém relevante para um bom público.

Iran Ferreira, 21 anos, pode não ser um nome tão fácil de ser reconhecido assim. Mas quem não ouviu falar de “Luva de Pedreiro” deve habitar um planeta que não tenha redes sociais. Por causa de seus vídeos virais, pessoas do mundo todo fizeram vídeos comemorando um gol da mesma forma que ele. E a fórmula é simples: o influenciador baiano Luva – popularmente assim chamado por usar, de fato, um equipamento protetivo anticorte para jogar bola – faz um gol em um campo de terra, e comemora com seu sotaque nordestino, agradecendo a Deus e gritando “Receba!”. O que era para ser um único vídeo publicado nas redes sociais se tornou conteúdo viral e replicável para os fãs de futebol.

A má notícia é que um conteúdo viral, ontem e hoje, dura pouco, explica Luis Mauro. A meta é chegar em grandes números o mais rápido possível. “São poucos os que viralizam, mas qualquer um pode viralizar na internet”, explica. “Essa é a esperança de todo influencer: amanhã eu viralizo.” @

Luva de Pedreiro, o jovem do “Receba”, e o pai do Matheus Costa bombam na internet sem muito esforço

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REPRODUÇÃO TIKTOK
DIVULGAÇÃO

INVESTIGAR É PRECISO

Saiba como Hyury Potter produziu a reportagem “As pistas da destruição”, publicada no Intercept Brasil

JORNALISMO E TECNOLOGIA
ANDERSON COELHO/THE INTERCEPT BRASIL
POR MARINA FORNAZIERI Pista “180”, às margens da rodovia Transamazônica, BR - 230

NO FIM DE 2019, já era evidente o retorno do ciclo de destruição da Amazônia. Os dados de satélite permitiam estimar com precisão o tamanho da área desmatada, acendendo um sinal de alerta. Em novembro daquele ano, o site InfoAmazonia lançava o projeto “Amazônia Minada”, uma ferramenta que permite a qualquer pessoa mapear onde há pedidos de garimpo, inclusive em áreas de proteção e terras indígenas - o que é proibido por lei. Hyury Potter, um repórter investigativo daqueles fuçadores, viu algo a mais nesses dados e decidiu ir além. Três anos depois, ele publicou uma reportagem especial pelo Intercept

Brasil que começava assim:

Um pequeno risco marrom que rasga o verde da mata. É assim que uma pista de pouso construída no meio da floresta se parece quando vista por imagens de satélite. Lá embaixo, no chão da Amazônia, são estradinhas de às vezes meros 300 metros de extensão e uns 20 metros de largura, o suficiente para pousos e decolagens de aeronaves de pequeno porte.

Em agosto de 2022, a reportagem “As pistas da destruição” foi ao ar com a denúncia da existência de 362 pistas de pouso clandestinas ou sem autorização da Agência Nacional de Aviação, a Anac, perto de áreas devastadas pelo garimpo na Amazônia. As pistas descobertas por Hyury revelam uma pequena extensão da grande

cadeia do ouro - que começa em um garimpo ilegal na floresta amazônica, passa pelo processo conhecido por “esquentamento do ouro” (similar à lavagem de dinheiro) e termina em mercados internacionais e empresas globais de tecnologia.

A convite da CÁSPER, o jornalista Hyury Potter revela como foi o processo de apuração e produção da reportagem especial, um trabalho que levou mais de um ano para ser feito. Um repórter investigativo enxerga o que a maioria dos jornalistas não costuma ver e sua curiosidade o motiva a não se contentar com a primeira informação. Hyury olhava as imagens de satélite e via que, de tempos em tempos, clareiras em formato de linhas retas eram abertas no meio da mata. O que seriam elas?

“Quando você analisa as imagens por satélite é muito comum encontrar perto de um garimpo ilegal uma pista de pouso. Pelo acesso difícil na Amazônia pode demorar dias para você acessar algum lugar. Se tiver um avião, são alguns minutos, por isso são construídas tantas pistas”, afirma o repórter.

Pelo “Amazônia Minada”, é possível mapear as atividades de mineração que sobrepõem (total ou parcialmente) Terras Indígenas e unidades de conservação da Amazônia Legal. O mapa é atualizado por um robô, acompanhando os dados do governo. O projeto também tem uma conta no Twitter (@amazonia_minada) que tuíta

toda vez que um requerimento de mineração é aberto em uma região ilegal, mostrando o requerimento, o dono do processo, a mineradora e sua dona.

Partindo desse projeto e depois de muita leitura das imagens via satélite, não demorou muito para Hyury ligar os pontos e entender que as pistas estavam sendo usadas para manter a cadeia produtiva de ouro ilegal. Com isso em mente, só foi possível começar uma investigação com financiamento. O repórter aplicou para uma bolsa de um ano, a Rainforest Investigations Network e conseguiu o apoio financeiro do Pulitzer Center. Esse passo foi essencial para garantir que ele tivesse recursos, tempo e apoio para fazer a reportagem.

Com o financiamento em mãos, Hyury precisava de dados. Ele pediu ajuda da organização e agência de produtos digitais para o meio ambiente Earthrise Media, que costuma colaborar com projetos de jornalismo investigativo. A agência criou um programa de inteligência artificial que descobria as pistas abertas no meio da Amazônia. Aquilo que Hyury identificava no olho passou a ser feito por um robô, vasculhando o trecho de terra em linha reta no meio da floresta verde: “Basicamente vamos ensinando um robozinho a detectar as coisas. Ele vai cometendo erros e você tem que ensinar o que está certo ou errado. Então demora, a primeira

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base de dados que eles me enviaram levou cerca de 3 meses”.

Com esses dados detectados, Hyury utilizou o programa gratuito QGIS, que permite fazer upload de dados geoespaciais e mapas. Nesse caso, ele utilizou o programa para fazer o carregamento dos dados entregues pela Earthrise Media e imagens de satélites de outro programa, o Planet. Por meio do QGIS, foi possível ver a localização das pistas em cima do mapa e das imagens de satélite, que aparecem em pontos vermelhos.

Com essa base de dados no programa, o próximo passo foi a checagem manual e individual das pistas. Primeiro, excluir da conta as pistas já registradas pela Anac, incluindo aeródromos privados, pistas civis, militares e aeroportos - elas eram legais.

PARA ESSA CHECAGEM, Hyury teve o auxílio de alguns colegas da rede Rainforest Investigation Network, da bolsa do Pulitzer. Os jornalistas Manuela Andreoni e Blacki Migliozzi do New York Times, o ajudaram a levantar os dados e checar as pistas individualmente, processo que durou mais alguns meses. Como resultado dessa colaboração, Manuela e Blacki utilizaram o programa e a base de dados para fazer uma outra reportagem, denunciando como as pistas ilegais levam minerais tóxicos para comunidades indígenas, contaminando-as. Essa repor-

tagem, intitulada The Illegal Airstrips Bringing Toxic Mining to Brazil’s Indigenous Land, foi publicada no New York Times em agosto de 2022.

Para Hyury, grande parte da reportagem é um trabalho coletivo: “Aquela ideia do repórter que vai fazer tudo sozinho, quietinho na sua casa e conseguir aquele grande furo não existe mais. Muitas vezes você vai precisar de ajuda, seja por que não tem acesso a um site, documento ou lugar específico, ou por que outra pessoa tem uma expertise maior em um determinado assunto ou por que algum documento está em uma língua que você não domina”.

Paralelamente ao longo processo de checagem, também foi feito uma extensa apuração sobre as mineradoras, a cadeia do ouro, documentos, pesquisas, inquéritos e entrevistas para entender melhor o assunto. Hyury precisou ainda viajar para Santarém e Itaituba, no estado do Pará, e para a capital Manaus (AM) para fazer entrevistas. Uma dessas viagens rendeu um mini-documentário sobre os pilotos por trás das pistas da Amazônia.

Outro braço da reportagem principal foi uma investigação sobre uma mineradora da empresa Gana Gold Mineração, que começou a operar irregularmente e já extraiu 32 vezes mais ouro que o previsto. Como resultado, Hyury publicou no Intercept Brasil a reportagem “Gana por Ouro”.

Na era do digital, a produção de conteúdo muitas vezes é pautada pela quantidade de cliques e pelo engajamento. Já o jornalismo investigativo prefere ir por um outro caminho: “Uma coisa que sempre aconteceu comigo durante a minha carreira é que quando você faz uma história bem apurada, por mais que ela não fique muito popular, as pessoas que efetivamente trabalham com isso (pesquisadores, pessoas do Ministério Público, Polícia Federal) sabem reconhecer o que é uma matéria frágil e o que é uma bem apurada e confiável.”

É por meio dessas pessoas que o trabalho jornalístico transforma a sociedade: “A Polícia Federal cita a gente em um dos inquéritos, o Ministério Público abriu investigações depois da nossa matéria da Gana Gold, procuradores, delegados de polícia e pesquisadores pediram para ver os dados e conversar também”.

No caso dessa reportagem, um outro exemplo de uma boa consequência foi o da empresa Apple. A gigante mundial de tecnologia retirou a refinadora Marsan Refinadora de Metais da lista de seus fornecedores por ela comprar ouro da Gana Gold. Outras empresas, como Google, Amazon, e Tesla, também estavam entre os compradores de ouro retirado ilegalmente da Amazônia. O mundo agora sabe disso graças a Hyury Potter. @

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Captura de tela do programa QGIS. Acima, os pontinhos vermelhos identificam as pistas na região. À esquerda, um exemplo de uma dessas pistas de voô detectada pelo programa

A ERA DA INTELIGÊNCIA ARTIFI

:: MUDANÇAS :: Se depender das grandes corporações tecnológicas, a comunicação será regida por algoritmos e pela inteligência artificial

O VALE DO SUPLÍCIO

A cultura do pegar ou largar (ou ser obrigado a) o emprego emerge como a nova onda do mundo corporativo das big techs. Elon Musk não está inventando a roda ao comprar o Twitter e, de cara, demitir cerca de 3.700 funcionários “comuns”. O bilionário selou, sem dó, o destino de colaboradores que fizeram a rede social ser o que é, sem ao menos dar a eles um aviso prévio e impedindo o acesso ao e-mail corporativo. Aos remanescentes, Musk disse que o “novo Twitter” precisaria de funcionários que trabalhassem longas horas em alta intensidade. E, em um dúbio tuíte, ele definiu que a plataforma é uma “rede social e uma cena de crime”. Crítico das políticas de restrição de conteúdo das mídias sociais, o empresário lança uma grande incógnita sobre o destino do Twitter, a rede número 1 dos jornalistas.

OS TWITTER DO B

A bagunça deixada por Elon Musk no Twitter fez emergir duas novas redes sociais em tempo recorde: Koo e Mastodon. O primeiro é um aplicativo indiano lançado em 2020, mas que atingiu um pico de 50 milhões de usuários no segundo semestre de 2022. Até o influenciador Felipe Neto entrou nessa rede. Já o Mastodon é composto de “comunidades” temáticas, que o usuário se junta a eles livremente. Os potenciais substitutos do Twitter, contudo, parecem fogo de palha.

META DIPLOMÁTICA

Uma inteligência artificial que consegue imitar tão bem um ser humano já está entre nós. A Meta AI, divisão da empresa de Mark Zuckerberg, anunciou “Cícero”, a máquina de inteligência artificial que é capaz de conversar e negociar dentro do jogo “Diplomacia”. Cícero conseguiu

estabelecer boas relações diplomáticas com os demais jogadores, que não desconfiaram que estavam jogando contra um robô. E, de quebra, atingiu mais que o dobro da pontuação média dos jogadores humanos na versão online do jogo, de acordo com a Meta.

26 janeiro • fevereiro • março • abril 2023 GIRO PELO MUNDO
WIKIPÉDIA
MARINA FORNAZIERI E EDUARDO NUNOMURA WIKIMEDIA COMMONS

O ELIXIR DA DISNEY

Já assistiu a um filme em que um personagem aparece em diferentes fases da vida? Para gerar esse efeito, os estúdios contratavam atores parecidos, mais novos ou mais velhos, ou recorriam a um processo de digitalização e modelagem 3D, alterando o rosto quadro a quadro. Uma nova tecnologia da Disney, apelidada de FRAN (Face Re-aging Network), envelhece ou rejuvenesce o ator automaticamente. Ela recorre a uma inteligência artificial que foi treinada para aprender como as pessoas mudam.

O DRONE INVASOR

Pesquisadores da Universidade de Waterloo, no Canadá, desenvolveram um drone que consegue identificar os aparelhos conectados a uma rede Wi-Fi. Isso significa que, se passar pela sua casa, o aparelho consegue enxergar seu computador, tablet, celular, televisão e onde eles estão. Batizado de “WI-Peep”, o dispositivo consegue manipular os dados das redes Wi-Fi. Já imaginou esse drone nas mãos de uma pessoa má intencionada?

A COR PANTONE

Viva Magenta. Essa é a cor do ano pela Pantone. Da família dos vermelhos, a magenta é uma cor que transmite ousadia, otimismo e energia. Escolhida pela empresa desde 1999, a “cor do ano” faz parte de um programa educacional que engaja a comunidade do design. Na Copa do Mundo do Catar, torcedores e turistas foram proibidos de levar a bandeira LGBTQIA+. A Pantone foi rápida ao criar uma bandeira que substitui as cores tradicionais do arco-íris pelos respectivos códigos no catálogo da marca. Mas a iniciativa recebeu críticas, alegando que a empresa estava tentando apagar a identidade da comunidade.

POR MAIS DIVERSIDADE

O censo da World Federation of Advertisers, feito em 27 países, incluindo o Brasil, mostra que o mundo do ma rketing precisa mudar. De cada 7 trabalhadores, 1 con sidera abandonar a indústria por falta de diversidade e inclusão. Mulheres e minorias étnicas questionam por não serem ouvidas, subvalorizadas ou pior remuneradas. Colaboradores LGBTQIA+ relataram maiores índices de situações negativas ou ansiedade no trabalho. Pessoas com deficiência representam 7% dessa indústria - en quanto na sociedade, esse índice é de 15%.

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REPRODUÇÃO YOUTUBE

NAMING O QUÊ?

Como os naming rights têm se tornado uma valiosa estratégia de marketing

UM TORCEDOR APAIXONADO pelo Corinthians embarca na estação Saúde-Ultrafarma do metrô, na zona sul, em direção à Neo Química Arena, no extremo leste de São Paulo. É dia de rodada do Brasileirão Assaí. Ao fim do jogo, ele volta para casa feliz pela vitória minguada por 1 a 0 diante do Red Bull Bragantino. Mas no retorno ainda recebe um lembrete dos amigos: amanhã, filme no Petra Belas Artes ou uma peça no Teatro UOL?

Notou alguma coisa estranha na descrição acima? Se não, saiba que é exatamente isso o que desejam as empresas que adotam essa estratégia denominada de naming rights. Eles nada mais são do que o direito de dar nome a um bem específico em troca de um parrudo investimento. O estádio do Palmeiras, hoje Allianz Parque, valeu ao clube 300 milhões de reais pagos pela seguradora alemã, que poderá batizar a arena por duas décadas. Emissoras de TV não gostam nem um pouco dessa estratégia, já que exibem para um grande público o nome de um potencial anunciante, porém sem receber um tostão por isso.

Para as empresas, os naming rights têm se tornado um ótimo negócio. “A marca gera uma conexão afetiva com o consumidor. A empresa se dispõe a cuidar, preservar e investir naquele espaço, gerando um efeito de responsabilidade social”, afirma Alessandra

Marassi, professora de Mídia no curso de Publicidade e Propaganda da Cásper Líbero. A própria Faculdade já adotou a estratégia, no início da década de 2000. Salas de aula bem equipadas foram batizadas com nomes como Petrobras, CitiBank e McCann Erickson. “Essa iniciativa foi super bem vista por todos. Os alunos que viveram aquilo saíram da Faculdade com muito carinho pelas marcas”, conta Sergio Andreucci, professor e coordenador que viveu o período.

Nos Estados Unidos, onde tudo começou, arenas, premiações e especiais de televisão são tradicionalmente batizados com o nome da principal patrocinadora das iniciativas. Em 1920, o estádio de beisebol do Chicago Cubs passou a se chamar Wrigley Field, uma marca de chicletes. Nos anos 1940 e 1960, o Repórter Esso, um dos mais célebres programas de rádio e televisão do País, copiou essa estratégia do “Your Esso Reporter”. Na mesma época, havia também o Espetáculos Tonelux. Os naming rights foram o meio mais prático de bancar os custos da incipiente radiodifusão brasileira e, de certa forma, foram cruciais para a história do jornalismo nacional. A primeira casa de espetáculos a adotar a estratégia foi o Credicard Hall, que abriu suas portas em 1999. E o mesmo espaço foi sendo rebatizado por outras empresas: Citibank, Unimed e, atualmente, Vibra. @

28 janeiro • fevereiro • março • abril 2023
PROPAGANDA
POR JULIANO GALISI
JEAN CARLOS DANIEL AUGUSTO JR DIVULGAÇÃO DIVULGAÇÃO DIVULGAÇÃO DIVULGAÇÃO DIVULGAÇÃO DIVULGAÇÃO DIVULGAÇÃO JUCA REINES DIÁRIO DOS TRILHOS DIÁRIO CPTM

ACABOU-SE O QUE ERA DOCE

O fim dos cookies, ainda que só em 2024, já é visto como inevitável pelo mercado publicitário, que busca alternativas

O GOOGLE ADIOU, pela terceira vez o fim do suporte de cookies de terceiros no seu navegador Chrome. Significa que seremos obrigados a conviver até 2024 com aquela propaganda irritante de tênis que aparece nas suas redes sociais só porque pesquisamos “tênis” - ou mesmo falou esta palavra

alto perto de um dispositivo que capta o áudio, como o seu… celular. O Mozilla Firefox e o Safari, da Apple, já removeram os cookies de terceiros. Com leis de proteção de dados, como a brasileira LGPD, se espalhando no mundo, recolher essas informações será um mau negócio. As multas para

quem invadir a privacidade dos usuários é caríssima. Mas o que farão os profissionais de marketing que se acostumaram a entregar as verbas da publicidade digital para essa estratégia cômoda de deixar que Google e Facebook trabalhem por eles? Veja abaixo algumas das possibilidades:

O Google desenvolve o Privacy Sandbox, uma alternativa aos cookies. Em vez de propaganda específica, uma seleção de “anúncios relevantes” serão entregues.

Uso da técnica do fingerprinting, que coleta informações de resolução de tela, navegador, plugins instalados, fuso horário. Esses dados permitem criar um perfil que é quase único.

Cookie é um arquivo de alguns milhares de caracteres que identificam o visitante de cada site ou aplicativo

As publicidades são ofertas a partir do reconhecimento do ID (que permite georreferenciar o consumidor).

Empresas testam o uso de inteligência artificial e machine learning para descobrir sites onde é possível exibir anúncios ligados ao conteúdo editorial.

Cada site/empresa já começa a criar suas estratégias de recolher dados consentidos dos usuários.

CÁSPER 29 CÁSPER 29 MARKETING DIGITAL

Grandes coberturas

Jorge Corrêa não tem medo de se reinventar. Depois de trabalhar 12 anos no UOL, sendo 10 deles na área do esporte, hoje ele é editor-chefe do Omelete. Emprego dos sonhos para jornalistas de cultura, o portal de notícias de entretenimento e dos mundos nerd e geek é referência número 1 entre fãs da cultura pop. Formado em Jornalismo na Cásper Líbero na turma de 2007, ele estagiou na Gazeta Esportiva, o diz ter tido ótimos editores e colegas. Da Gazeta, Jorge prosseguiu na trilha do jornalismo esportivo, cobrindo Libertadores, NBB e MMA. Nesse período, organizou as coberturas das Copas do Mundo de 2014 e 2018 e das Olimpíadas de 2016. Com essa bagagem, ele se desafiou a dar um novo rumo para sua carreira: “Chegou um momento em que tinha que escolher continuar sendo repórter ou ir para o caminho de gestão de equipe, que foi o que escolhi.” A primeira missão foi montar do zero uma equipe de hard news para o UOL. Foi esse emprego que lhe abriu oportunidades para assumir uma nova equipe, desta vez no Omelete: “Meu trabalho está sendo olhar para as raízes do portal e trazer isso para a nova equipe, com um olhar diferente e mais plural”. Outra incumbência do ex-casperiano foi preparar a sua primeira cobertura de uma CCXP, a Comic Con. “Acredito que a grande tendência do mercado agora é o nicho e um público fiel ao seu conteúdo. E o Omelete tem muito disso”, aponta. Para os universitários de comunicação, ele aconselha que procurem seu público, seu nicho e aproveitem as novas oportunidades do mercado no momento. (Marina Fornazieri)

POR ONDE ANDA
Jorge Corrêa estudou Jornalismo na Cásper Líbero e se formou em 2007

A minha primeira Copa do Mundo como torcedor foi a de 1982, na Espanha. Seleção mágica de Telê Santana, Falcão, Sócrates e Zico, eliminada pela Itália de Paolo Rossi, na tragédia (para nós) do estádio Sarriá. Como jornalista, a minha primeira cobertura foi em 2006. Era na Alemanha, mas realizei ela do Brasil mesmo. A de 2014, esta teve um gostinho especial. Fiquei junto da Seleção durante a preparação na Granja Comary (Centro de Treinamentos), em Teresópolis. Um trabalho que marcou minha carreira.

E então surge a Copa de 2022, no Catar. Algo que sonhei a vida inteira e que faltava no meu currículo de 25 anos militando nos esportes. Viajei para Doha de mala, cuia, câmera e tripé. E não é que quase deu zebra?

A credencial da Fifa chegou em cima da hora, mas o pior estava por vir. Na véspera da viagem, peguei covid. Tive de cancelar o voo e esperar “zerar” a infecção em uma semana. Embarquei nervoso. O tempo perdido me obrigou a acelerar a compreensão da cidade sua logística e do uso do equipamento de transmissão.

Já nos primeiros dias, a cobertura deslanchou. Fiquei convencido de que uma cultura tão diferente da nossa merece respeito, admiração, mas também crítica. O Catar é um país rico, limpo e seguro, que contrasta com os hábitos machistas, homofóbicos e nada democráticos. Mas a justiça do Catar é implacável. Uma jornalista argentina que foi roubada, num caso raro e isolado, teve o telefone móvel recuperado pela polícia. As autoridades deram a ela o direito de decidir a punição: deportação ou cinco anos de prisão.

Prós e contras de uma nação forjada na riqueza da extração de petróleo, na religião muçulmana e numa ditadura que não se esconde debaixo do tapete. Numa certa manhã, adentrei no suntuoso complexo de imprensa gravando imagens para uma reportagem. A segurança do Midia Center levantou a sobrancelha e me obrigou a mostrar as fotos e os vídeos. Tentei argumentar, como faria no Brasil. Arrisquei-me a perder meu direito de ir e vir e percebi que liberdade de expressão não é um conceito popular no país. Já sabia, mas quis experimentar na prática. A própria Fifa, poderosíssima, controla demais o trabalho da imprensa. Comentaristas mais ácidos e investigativos podem dar suas opiniões contrárias, desde que longe dali. Chorei quando percebi que não veria os jogos do Brasil. O “tiozão” aqui, de 49 anos, tinha de cobrir a Copa do lado de fora dos estádios. No segundo jogo, em frente ao portão de uma das arenas, liguei para a minha mãe, filha, esposa e meu pai. Lembrei dos meus saudosos avós. As Copas mexem muito comigo. Nem tanto pelo jogo (que adoro) ou pelo patriotismo (que tenho). É que o futebol me traz lembranças de tempos que não voltam mais.

Ao final, pude mostrar diferentes aspectos que rondam a realização de uma Copa. Um deles foi flagrar a realidade de muitos trabalhadores estrangeiros que foram para o Catar. Mais de 80% são formados por imigrantes de países vizinhos, como Índia, Bangladesh e Paquistão. Eles, como nós, sofreram com mais uma eliminação precoce da Canarinho em Mundiais. Isso foi bonito e triste de se ver.

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* Alexandre Silvestre, repórter da TV Gazeta
ARTIGO MINHA 1ª COPA
Fortes emoções com credenciamento em cima da hora, covid antes do embarque e cobertura extracampo.

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Qual foi o primeiro jogo da Copa?

A) Catar e Equador

B) Catar e Senegal

C) Catar e Arábia Saudita

Quem é boleiro de verdade não erra nenhuma dessas perguntas e chega até a “final” de goleada. Vai tentar?

Qual desses jogadores não foi convocado para defender a seleção brasileira no último Mundial?

A) Martinelli

B) Gabigol

C) Rodrygo

Que jogador fez o primeiro gol do torneio em 2022?

A) Sarmiento

B) Enner Valencia

C) Felix Torres

Qual o maior jejum de Copas vivido pela Seleção Brasileira desde a primeira conquista?

A) 20 anos

B) 24 anos

C) 28 anos

05 06

Em que estádio foi disputada a final da Copa?

A) Lusail

B) Al Bayt

C) Al Thumama

Qual desses países jogou pela primeira vez na Copa?

A) Canadá

B) País de Gales

C) Catar

Confira sua posição com base no número de acertos:

0 ou 1 = Eliminado

2 ou 3 = Chegou na fase de grupos

4 ou 5 = Chegou nas oitavas de final

QUIZ

Que jogador brasileiro jogou mais Copas até agora?

A) Neymar

B) Daniel Alves

C) Tiago Silva

07 08

Qual desses países não constava no “Grupo C”?

A) Argentina

B) Arábia Saudita

C) Estados Unidos

Qual desses cantores esteve presente na cerimônia de abertura da Copa de 2022?

A) Jennifer Lopez

B) Jung Cook

C) Shakira

Qual seleção chegou na semifinal pela primeira vez nessa Copa?

A) Marrocos

B) Croácia

C) Argentina

De que país foi o árbitro da estreia da seleção brasileira?

A) Irã

B) Catar

C) Alemanha

6 ou 7 = Chegou nas quartas de final

8 ou 9 = Chegou na semifinal 10 ou 11 = Chegou na final

12 = Campeão!

Qual jogador croata fez o gol que levou o Brasil aos pênaltis?

A) Livakovic

B) Petkovic

C) Modric

09 10 11 12
RESPOSTAS: 1-A, 2-B, 3-B, 4-B, 5-A, 6-C, 7-B, 8-A , 9-C, 10-B, 11-A, 12-B

MULTITELAS

Acompanhar uma partida de futebol é um hábito secular no Brasil, mas com o streaming ele se tornou muito mais diverso e caro

POR NATHALIA JESUS

HÁ 100 ANOS, o jornalista e empresário Cásper Líbero, dono do jornal A Gazeta, se tornava pioneiro na transmissão esportiva no Brasil de um jeito, no mínimo, peculiar. Nos meses de setembro e outubro de 1922, o locutor Leopoldo Santana narrava por telefone as partidas do Campeonato Sul-Americano de Futebol, que ocorriam no Estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Na outra ponta da linha, o áudio era reproduzido por alto-falantes colocados em lugares estratégicos de São Paulo, como o Viaduto do Chá. De lá para cá, acompanhar uma partida de futebol ao vivo se tornou um hábito bem mais simples, seja pela plataforma que for. Na Copa do Mundo do Catar, o canal do Casimiro, no Youtube, bateu seguidos recordes de audiência ao transmitir as partidas do Brasil dentro de um novo paradigma: o das transmissões futebolísticas por streaming.

O fenômeno Casimiro não foi obra do acaso. Havia tecnologia e público consolidados ao longo dos últimos anos. O brasileiro se acostumou a ver a partida que quiser nas multitelas disponíveis. Há uma profusão de opções, o que dificulta a vida do torcedor. Primeiro para encontrar onde acompanhar o jogo. São nove plataformas de streaming que disponibilizam os principais campeonatos mundiais, sem contar com as plataformas exclusivas dos times. O segundo problema é o custo. Uma pessoa fanática por futebol, se quiser ter à disposição todos os jogos, teria de desembolsar aproximadamente 295 reais por mês para assinar a todos os canais.

Em 2022, um torcedor do Flamengo que não mora no Rio de Janeiro teve três opções para acompanhar o time na final do Campeonato Carioca: Twitch, YouTube ou pelo FlaTV, que custa cerca de 90 reais por mês. “Às vezes tinha transmissões em alguns canais que não conhecia direito. Hoje estou em um grupo de WhatsApp com outros flamenguistas que vão atualizando onde vai passar a partida. A gente dá um jeito, só não pode perder o jogo”, comenta Alan Carvalho, de 56 anos. O torcedor rubro-negro se acostumou a acompanhar as partidas do Flamengo desde que morava em Minas Gerais ainda na infância. Mas ao se mudar para Jundiaí, na Grande São Paulo, descobriu que os times cariocas não tinham tanta vez nas transmissões pelas emissoras paulistas de rádios ou TV.

DE OLHO NESSE FILÃO, boa parte dos grandes clubes de futebol brasileiro já possui os seus próprios canais de streaming, que oferecem conteúdos exclusivos sobre os bastidores de jo-

gos, transmissões de partidas e até mesmo abordam questões administrativas. A ideia ganhou força durante a pandemia da covid-19, quando as principais franquias esportivas do mundo perderam parte de seus lucros com as vendas de ingressos. O torcedor já pode voltar aos estádios, mas o hábito de ver pelo streaming permaneceu.

Segundo Walace Borges, coordenador da transmissão esportiva da WarnerMedia, a interatividade e o imediatismo fizeram com que a demanda por esse tipo de transmissão só cresça. “O público é diferente até dentro de si. As transmissões dentro da HBO Max e dentro do Star+ são muito mais parecidas com as de televisão, ao passo que as transmissões do YouTube são muito diferentes, têm uma pegada muito mais leve, um pouco mais rede social”, afirma.

De acordo com um levantamento da consultoria Sports Value, a projeção de perda do setor esportivo mundial era de 15 bilhões de dólares em 2020. Com a pandemia, surgiu a oportunidade de transformar as redes sociais em canais lucrativos e ainda gerar uma maior aproximação com o público. “O público tem conseguido participar mais das transmissões, ficar mais próximo das próprias empresas e não só do seu clube. Todo clube brasileiro tem a sua TV, como a FlaTV e a TimãoTV. Você consegue ver que, mesmo que elas não tenham o direito [de transmissão de imagem das partidas], elas conseguem aproximar muito mais o clube do seu torcedor”, explica Borges.

Nos canais que permitem transmissões por streaming, os números de audiência em partidas de futebol durante o período já podem ser vistas como consideráveis. A final da Champions League de 2020, entre Bayern de Munique e Paris Saint-Germain, transmitida pelo Esporte Interativo atingiu 4,2 milhões de espectadores no Facebook, assumindo o posto de maior live já transmitida dentro da plataforma em todo o mundo.

É fato que o futuro das transmissões esportivas passam pelas redes digitais. Porém, apesar de expressivos, os números do streaming ainda não são capazes de fazer cócegas com a audiência da televisão. Para que a transição para esses canais seja feita com maior êxito, os profissionais de comunicação terão que aguardar até que uma parcela da população apaixonada por futebol também possa se sentir incluída nessa nova fase de uma das maiores tradições do país, agora colocada em polegadas menores. Segundo a pesquisa TIC de 2021, cerca de 18% dos lares brasileiros ainda não possuem nenhum tipo de conexão à internet. @

34 janeiro • fevereiro • março • abril 2023
TRANSMISSÕES

A ARTE DE OUVIR

Se antes faltava público para prometida “era do podcast”, agora não falta mais: são 34,6 milhões de ouvintes no Brasil

PODCASTS
POR GABA SERPA
ANGÉLICA PAULO

COMO SE TORNAR PESSOAL , falando com milhões? Essa pergunta, um dos grandes enigmas que os comunicadores tentavam desvendar há tempos, agora já tem uma resposta: podcasts. Promessa desde pelo menos 2004, quando surgiram os primeiros produtores, esses programas audiofônicos já conquistaram uma audiência estimada em 34,6 milhões de ouvintes no Brasil. E se ainda hoje persiste uma maioria que produz episódios por hobby (65,7%, segundo a Podpesquisa 2020/21), há outros 14,6% que contam com uma equipe de produção remunerada. Em outras palavras, a brincadeira ficou séria.

A hora e a vez dos podcasts chegou e sempre que isso acontece pipocam marcos aqui e acolá. Foi o que aconteceu com os sete episódios de A Mulher da Casa Abandonada, podcast produzido pelo jornalista Chico Felitti para a Folha de S.Paulo. A reportagem especial fez história ao bater 7 milhões de downloads pouco mais de um mês após ser disponibilizada. Virou febre, até mesmo entre quem nunca tinha ouvido um podcast na vida.

“Onde faço natação, velhinhas de 60 ou 70 anos comentavam sobre o podcast enquanto faziam hidroginástica”, conta Chico Felitti à revista CÁSPER. Com bom humor, ele comenta que ficou ainda mais surpreso com o conteúdo sendo consumido pela outra ponta da pirâmide etária: “Amigos me escreviam, dizendo que filhos e sobrinhos estavam escutando o podcast. Eram grupos demográficos com os quais não contava”.

A Mulher da Casa Abandonada, história investigada e narrada por Felitti, causou comoção por tratar de um caso de escravidão moderna soterrado sob as paredes de uma mansão em Higienópolis, tradicional bairro da elite paulistana. O jornalista se interessa por “lendas urbanas”. Em 2017, fez uma longa reportagem sobre o “Fofão da Augusta”, forma folclórica e pejorativa como era conhecido Ricardo Corrêa da Silva. A reportagem viralizou no Buzzfeed. Naquela época, Felitti já era consumidor e entusiasta dos podcasts, tanto que chegou a transformar o conteúdo viral sobre Ricardo em material audiofônico. “Mas o texto acabou tendo um alcance muito maior”, conta ele, num misto de orgulho e lamento.

Ao avaliar sua produção mais recente para a Folha, Felitti não esconde a expectativa que tinha antes de ir ao ar: “Sabia que não seria um flop”, brinca. Explica que empenhou à série grande esforço de apuração, que resultaram em 5 horas e 23 de minutos de programa. Além disso, seria improvável que o desenrolar da história de Margarida Bonetti não gerasse espanto e burburinho. No entanto, confessa que não imaginava bater números tão expressivos. Toda a mídia tradicional, sensacionalista inclusive, correu atrás da história pinçada por Felitti.

NA CORRIDA POR CLICKS, sai na frente quem pode dar visibilidade ao conteúdo que faz — mesmo que seja em nome de likes e shares. Grandes empresas de jornalismo

CÁSPER 37
Tiago Rogero durante as gravações do Projeto Querino

inseridas no eixo Sul-Sudeste, como a Folha de S.Paulo, são velhas conhecidas do público e dos produtores de conteúdo. Esses veículos contam com milhões de seguidores nas redes sociais. Isso facilita impulsionar aquilo que produzem com facilidade e “cutucam” os algoritmos a todo momento. A disputa acaba se tornando desleal quando ao lado estão jornalistas independentes de iniciativas nativas digitais.

Aldenora Cavalcante é jornalista, podcaster e co-fundadora do Malamanhadas. A iniciativa nasceu e se consolidou com quatro mulheres que queriam abordar questões de gênero e classe. “Eu trabalho num podcast independente do Piauí que trata de direito das mulheres. Minha possibilidade de furar bolhas é menor”, avalia ela. Mesmo assim, Aldenora conta que seus episódios “são consumidos por pessoas de outros gêneros, Estados e regiões do País” e favorece a difusão de narrativas não hegemônicas, produzidas por pessoas que não estão nos veículos tradicionais. Para a jornalista, a essência do podcast é essa.

O Malamanhadas é hoje uma produtora que incentiva a criação de conteúdos do Nordeste. Para captar recursos e alcançar a sustentabilidade, as empreendedoras oferecem serviços de consultoria, roteirização, pós-produção e distribuição. Elas realizam palestras e cursos, contam com financiamento coletivo e, recentemente, ganharam seu primeiro edital. “Nós ainda não nos financiamos de maneira satisfatória, mas estamos construindo o que queremos.”

Podcasts levam uma vantagem sobre outras mídias por serem compatíveis com a lógica “multitarefa” do cotidiano. Quem nunca ouviu um programa arrumando a casa, lavando louça ou no deslocamento para o trabalho? Mas o hábito não é unanimidade: “Prefiro parar para ouvir, assim como para ler um livro. É uma mídia de aprendizado”, confessa Aldenora. A podcaster atesta o potencial educativo dos podcasts citando o Projeto Querino. Ao ler a biografia da filósofa brasileira Sueli Carneiro, Aldenora se deparou com informações sobre o movimento negro, trazidas por episódios produzidos por outro podcast.

O Projeto Querino é uma iniciativa do jornalista Tiago Rogero para recontar a história do Brasil de um ponto de vista afrocentrado. A inspiração veio do jornal New York Times, que aposta no formato e, em 2019, lançou uma série de cinco episódios em podcast chamada 1619 Project. A produção abordava o racismo presente na sociedade norte-americana. Os 400 anos da chegada dos primeiros africanos escravizados às colônias britânicas da América do Norte serviram como ponto de partida. Apresentado pela jornalista Nikole Hannah-Jones, o podcast rendeu a ela, no ano seguinte, o maior prêmio do jornalismo: o Pulitzer. Tiago Rogero ficou tão impactado com o programa que partiu em busca de parceiros para tirar um projeto seu do papel. A solidez chamou atenção do Instituto Ibirapitanga e da Rádio Novelo, com quem Rogero firmou parceria.

Chico Felitti, responsável pela apuração da série de reportagens “A Mulher da Casa Abandonada”.

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FOTO: INSTAGRAM
CHICOFELITTI

Durante um ano, o jornalista reuniu fontes documentais, preparando-se para a etapa das entrevistas. Mas nada poderia antecipar o contato tête-à-tête com os personagens. Rogero lembra de Anderson, que ao sair para procurar um emprego, foi preso sob a acusação de roubo por 16 meses. Na delegacia, embora a vítima do assalto tenha dito que o ladrão tinha uma cicatriz no rosto — e Anderson não tinha — ele foi detido por ser o único negro entre dois brancos na sala de reconhecimento. “Aquilo mexeu muito comigo. Quando saí da entrevista, entrei no carro e desabei a chorar”, lembra Rogero, que decidiu se dedicar de corpo e alma ao Projeto Querino. O podcast ganhou o reforço de mais de 40 profissionais, em sua maioria negros e mulheres.

Para Tiago Rogero, pesaram dois aspectos na escolha do formato podcast: a vontade que ouvintes têm de aprender algo novo e o potencial de atingir públicos amplos — “furar a bolha”, no jargão digital. Terminar um episódio sabendo mais do que quando ele começou gera bem-estar e vínculo entre o conteúdo e seus consumidores, ainda que o formato seja pouco explorado no Brasil: “Tem gente que acha que podcast é sinônimo de vídeo.”

ESTÉTICA SONORA é outro aspecto do qual não se pode abrir mão para criar um podcast. “Tem produção que é fast food. Aqui, a gente faz maniçoba”, conta Tiago. O prato típico do Pará, feito com a folha da mandioca mo-

ída, demanda sete dias de cozimento até que possa ser consumido. Criar ambiência, textura e sensações, assim como preparar maniçoba, leva tempo. O resultado é uma imersão na narrativa, graças ao trabalho de estimular o imaginário por meio de sons.

Autor do livro A República das Milícias, Bruno Paes Manso proporcionou ao ouvinte um mergulho no ambiente da violência urbana. Em 2021, ano seguinte à publicação do livro, o jornalista aceitou a proposta da Globoplay de adaptar sua obra para oito episódios do podcast homônimo, produzido também pela Rádio Novelo.

Relatos desconfortáveis sobre a criminalidade, vividos por carrascos e vítimas do mecanismo miliciano fluminense, ganharam melodia e sotaque. Os áudios captam riso, choro e hesitação. Humanizam personagens de maneira única, como o impresso jamais conseguiria. O objetivo do jornalista, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) é o de analisar a criminalidade dos pontos de vista histórico e sociológico. Ele também faz parte do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Ao longo da carreira, a maioria em veículos impressos como Veja e Estadão, Bruno Paes Manso se habituou a entrevistar criminosos, sempre procurando ouvi-los e não julgá-los. Temas delicados nem sempre podem ser sonorizados, como as tantas confissões de crimes que ouviu dos entrevistados. Mas o jornalista conta que gravar entrevistas vai além da ambientação: “É um método. Gosto de gravar sempre que posso”, revela.

A vivacidade dos relatos também implica em dilemas: as fontes podem ser reconhecidas? Quais descrições fazer das personagens? Como selecionar o grau de exposição? São questionamentos éticos presentes quando vidas estão em jogo. Bruno Paes Manso afirma que não fez acordos formais: “É mais uma conversa, o santo que bate e a pessoa topa falar”. Os riscos que as revelações poderiam significar para todos os envolvidos foram devidamente avaliados. Depois de colhidas e publicadas as entrevistas, nenhum contato adicional foi feito com as fontes: “Nunca mais conversei. Publiquei na torcida de que tudo desse certo. Esse é o espírito”, diverte-se Bruno. Com o podcast, boa parte das histórias que só o jornalista tinha colhido agora pode ser ouvida por milhões. @

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“Ele foi detido por ser o único negro entre dois brancos. ‘Quando saí da entrevista, entrei no carro e desabei a chorar’, lembra Rogero.”
Bruno Paes Manso, autor do livro “A República das Milícias” e do podcast homônimo. WIKIMEDIA COMMONS

DO LADO DO PODER

DAS JORNADAS DE JUNHO de 2013 à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas últimas eleições, o Brasil passou por inúmeras convulsões. A esquerda foi da Presidência da República ao impeachment de Dilma Rousseff (PT), seguido da prisão de Lula. Já a direita foi da apatia do sofá às ruas e às redes sociais. O ex-deputado Jair Bolsonaro se tornou presidente em um País que rachou entre a operação Lava e Vaza Jato. Parece muito? Pois esse período é apenas um terço de tudo o que Vera Rosa já viveu cobrindo política. Da cobertura de movimentos sindicais no hoje extinto Diário Popular, a jornalista segue a trajetória de Lula desde os anos 1990 e cobriu todas as eleições de 1989 até 2022. Há 30 anos, trabalha no Estadão, onde hoje é coordenadora e assina uma coluna política. Nesta entrevista, realizada no fim de novembro, ela deu dicas de como ser um bom jornalista político.

Como chegou à cobertura política?

Comecei num jornal que não existe mais: o Diário Popular, em 1983. Fazia cobertura geral. Passei a cobrir sindicalismo em 1986. Ia muito a São Bernardo do Campo (SP) e me aproximei da cobertura do Partido dos Trabalhadores (PT). Fui para a Gazeta Mercantil, em 1990. Passei pelo Jornal do Brasil, numa newsletter

chamada Informe Sindical, até que cheguei ao Jornal da Tarde (JT) para cobrir política, em 1991. Era um jornal prestigiado em São Paulo. Pertencia ao Grupo Estado. Do JT, fui para o Estadão, em 1993, e segui na política. A passagem da editoria sindical para a de política foi natural, até porque os líderes sindicais se tornaram políticos. Tinha o Lula, óbvio. Mas tinha o Luiz Antônio de Medeiros, o Joaquinzão [Joaquim dos Santos Andrade].

Como foi sua ida a Brasília?

Fui “carrapato” do Lula nas campanhas presidenciais de 1994, 1998 e 2002. Cobria o PT havia anos. Quando Lula ganhou, o jornal me fez proposta e fui transferida da sede do Estadão para Brasília, em março de 2003. Lá, fazia o dia a dia do Planalto, mas também tentava fazer bastidores do Congresso. Depois de um tempo, você passa a conhecer os mecanismos e dá para fazer ambos. As coisas aqui são muito perto, é só atravessar a rua. Achei que ficaria em Brasília não mais que quatro anos. Mas a cidade vai te cativando. Para quem cobre política é muito interessante.

Qual a diferença entre “carrapato” e outros repórteres?

O “carrapato” cobre o dia a dia de um candidato. Tem que cobrir desde de ma-

nhã até de noite. Ficar grudado mesmo. Os outros ficam soltos para cobrir bastidores e fazer coisas diferentes. A atividade do “carrapato” é mais intensa, mais hard news. É fundamental passar por essa etapa, porque você conhece não só um candidato, mas o entorno dele. Mas a época em que fiz não tinha cobertura online. Tinha mais tempo para escrever. Não era como hoje que o repórter passa a matéria enquanto a fonte fala. Não é fácil.

Como se constrói a relação com políticos, assessores e ministros?

Muita gente quer plantar notícias sob o anonimato. Quem fala nem sempre quer se expor. A gente se apresenta, tenta marcar um café, vai aos gabinetes. É importante, mas é preciso ter cuidado. Não dá para acreditar na primeira pessoa com quem falamos. Tem que cruzar informações, mesmo aquelas em off. Se tiver que publicar em off, precisa trazer vários detalhes. Tudo que puder enriquecer a descrição é aconselhável, para não parecer invenção. O contato com as fontes é construído com o tempo. Pode não render matéria, mas conversar te direciona na apuração.

Quem ajuda mais o jornalista numa apuração: assessores, advogados, aliados ou opositores?

40 janeiro • fevereiro • março • abril 2023
A jornalista Vera Rosa que completa 40 anos de carreira, 30 deles só no Estadão, conta à revista CÁSPER sobre os bastidores da cobertura política
ENTREVISTA
POR GABA SERPA

Vera Rosa, na imagem durante visita presidencial em Cuba, tem 30 anos de jornalismo político

Não dá para afirmar quem ajuda mais, é relativo. Assessores de imprensa podem te ajudar, mas têm um limite do que podem dizer. O ideal é construir um arco de relações para poder consultar várias pessoas. Às vezes, de onde menos se espera sai. Já aconteceu no café da Câmara Federal, com um deputado que eu mal conhecia. Ele havia viajado no avião presidencial. Perguntei sobre uma questão específica relativa ao presidente, e ele negou. Mas emendou dizendo que Bolsonaro estava chateado com Hamilton Mourão. O vice-presidente estava falando coisas que atrapalhavam o governo, de

acordo com o deputado. E ele foi me contando. Fui atrás de outras fontes que estavam no voo, outro confirmou.

Balões de ensaio são mesmo comuns? Sim, muito. Por exemplo, a cobertura sobre quem vai ser ministro é muito difícil. Às vezes, plantam um nome para ver se ele pode vir a ser escolhido. Em outras situações, podem plantar com o intuito contrário. O nome fica lá para ser queimado. No governo Dilma acontecia muito. A oposição vivia fazendo isso: ‘Dilma vai chamar fulano’. Aquele nome saía, ela ficava irritada. A ex-presidente Dilma detes-

tava que vazassem informações. Mas o próprio governo testa nomes. Não é só a oposição que faz isso.

O que mudou na cobertura com Jair Bolsonaro na Presidência?

A comunicação não existe. Ele tem a própria: as lives semanais nas quais ele fala o que bem quer. Construiu-se aquele cercadinho no Palácio da Alvorada, onde a imprensa ia. Depois, passou a ser frequentado só pelos militantes. A imprensa virou refém disso. O jornalista sempre precisa ouvir o outro lado, mas eles não respondem. Quando mandamos perguntas aos

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CELSO
JUNIOR/ESTADÃO

Ministérios, é raro responderem. Teve gabinete do ódio, fake news. A comunicação foi pautada pelo acirramento. É um governo fechado.

E como era o comportamento de Jair Bolsonaro (PL)?

Ele não admitia ser questionado. Quando se perguntava o que ele não gostava, acabava a entrevista. Mandava calar a boca, ofendia repórteres. A cobertura foi um divisor de águas. Cobrir o poder é sempre difícil. Tem coisas que ninguém quer divulgar. Não foi às mil maravilhas com a Dilma Rousseff (PT). Ela se irritava e tinha mais dificuldades que Lula em lidar com jornalistas. Mas, aos poucos, foi entendendo o nosso papel. Com Bolsonaro não havia cobertura. Onde circulávamos livremente, no segundo andar do Planalto, encheram de portas de vidro. Até a Secretaria de Imprensa, que era no segundo andar, foi para o subsolo, onde fica a garagem, no governo Bolsonaro.

Em 8 de janeiro, o Brasil presenciou uma tentativa de golpe de Estado. Como foi cobrir esse episódio?

Em todos esses anos de carreira, nunca tinha visto nada parecido. No domin-

go 8 de janeiro, era para eu estar de folga e até havia sido convidada para um jantar naquele dia, com outros jornalistas. Claro que foi tudo cancelado. Embora não fosse meu plantão, já estava de sobreaviso porque, dias antes, vimos aquelas convocações nas redes sociais para um ato na Esplanada dos Ministérios. Imaginei que poderia ser algo na linha do vandalismo de 12 de dezembro, dia da diplomação do presidente Lula, quando vândalos queimaram carros, ônibus e tentaram invadir a sede da Polícia Federal. Mas foi infinitamente pior. Foi uma tentativa de golpe. Naquele e nos outros dias, tentei apurar o que estava por trás daquela barbárie e por que o esquema de segurança não havia funcionado. Como o Batalhão da Guarda Presidencial não entrou ali com contingente suficiente para proteger o Palácio do Planalto?

Por que a PM do Distrito Federal abriu a Esplanada, que era para estar fechada naquele dia? Era tudo inacreditável. No 8 de janeiro, além de ir atrás dos bastidores e das reações dos Poderes, eu ajudei na edição. Mas até hoje há perguntas sem resposta. Ainda não sabemos, por exemplo, quem preparou aquela “minuta de golpe” encontrada na casa do ex-ministro da Justiça e

ex-secretário da Segurança Anderson Torres e até que ponto as Forças Armadas foram contaminadas.

Qual é a lição que fica?

Não há dúvida de que houve conivência e omissão de militares, da PM e do governo do Distrito Federal naqueles atos de vandalismo. O Exército não podia ter permitido aqueles acampamentos em frente aos quartéis-generais. Nem aqui em Brasília nem em outro lugar do País. Precisamos preservar a nossa democracia.

Que dicas daria para quem deseja seguir carreira na cobertura política?

Começar com muita humildade. Ouvir todos os lados. Não acreditar na primeira fonte. Tem muita gente querendo jogar informação distorcida. Ser muito cauteloso com entrevistas em off. Ouvir pelo menos três pessoas para ter respaldo. E outra coisa que sempre falo para os repórteres daqui: releia os textos. Mesmo que tenha que mandar logo para o editor, porque hoje tudo é muito rápido, envie e leia de novo. Às vezes, pode ter um erro, e é importante avisar o editor para não deixar passar. Não é perfeccionismo. É responsabilidade com a informação. @

42 janeiro • fevereiro • março • abril 2023
ACERVO PESSOAL
Para Vera Rosa, a tentativa de golpe de Estado foi um ato sem precedentes
“Não há dúvidas de que houve conivência e omissão de militares, da PM e do governo do Distrito Federal naqueles atos de vandalismo.”

APESAR DE VOCÊ

POR JULIANO GALISI

A EDIÇÃO 2022 do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, relatório elaborado pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF) há duas décadas, reserva ao País a amarga 110ª posição entre 180 nações. É uma queda de 11 postos da classificação de 2015, quando o Brasil ocupava o 99º lugar. Para o verbete brasileiro, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é considerado o principal responsável pela “deterioração das relações entre governo e imprensa”, sobretudo por “atacá-la regularmente com a mobilização de exércitos de apoiadores nas redes sociais”.

“Jair Bolsonaro apresentou um comportamento fora da liturgia e institucionalidade com a qual se estabeleceu o relacionamento entre imprensa e poder”, afirma Rogério Christofoletti, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e criador do Observatório de Ética Jornalística. Para Christofoletti, a postura “ofensiva e agressiva” do ex-presidente insuflou aliados e apoiadores a fazerem o mesmo, criando, assim, um clima hostil. Se fosse considerada apenas a falta de segurança dos jornalistas, o Brasil cairia ainda mais no ranking da RSF, para a 124º colocação.

“Órgãos de Estado passaram a perseguir jornalistas, como a Advocacia-Geral da União e o instituto da Lei de Segurança Nacional”, ressalta Christofoletti. Até mesmo o dispositivo legal da Lei de Acesso à Informação (LAI), que completou 10 anos, sofreu sob um governo que obstruiu seus preceitos e processos.

“Ficou evidente uma reinterpretação da LAI, principalmente para que o interesse público não fosse atendido nas requisições”, diz Danielle Bello, coordenadora da Open Knowledge, entidade que promove debates e ações em prol do acesso à informação. “Sabemos que as negativas à informação aumentaram nos últimos tempos. Foi contrariado um princípio de que a publicidade é regra e o sigilo, exceção.”

No fim da última disputa presidencial, a RSF emitiu um comunicado institucional lembrando os principais desafios do governo de Luiz Inácio da Silva nesta área: restabelecer a cultura de acesso à informação de interesse público, adotar um discurso que valorize o trabalho da imprensa e, por fim, a reabilitação da Empresa Brasil de

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O Brasil terá nos próximos anos um longo caminho a percorrer na gestão de políticas para a comunicação pública
COMUNICAÇÃO PÚBLICA

Comunicação (EBC) como instrumento de comunicação pública.

Em entrevista à CÁSPER, Artur Romeu, diretor do escritório da RSF para a América Latina, detalha o plano de ação para cada um desses eixos. “O governo tem um papel fundamental na prevenção de crimes contra jornalistas. Agir nesse sentido prevê a adoção de uma retórica de valorização do trabalho da imprensa. É o contrário do que se viu na gestão Bolsonaro. Seguindo os passos do trumpismo, o discurso público foi bélico e pintou um alvo no jornalismo, acusando os veículos de inimigos da nação”, diz Romeu.

Para Christofoletti, o “clima de guerra” fomentado pelo governo federal ameaça a liberdade de imprensa e prejudica a própria gestão. “Jornalistas são profissionais que levam informação ao público e, nessa tarefa, facilitam o trabalho de prestação de contas do governo. Cabe a Lula deixar de tratar os jornalistas como inimigos e resgatar a institucionalidade”, afirma. O professor da UFSC e Artur Romeu, da RSF, ressaltam a importância de não se perder de vista os problemas estruturais do cenário midiático no Brasil, como a concentração socioeconômica da propriedade dos meios de comunicação e a perseguição a profissionais de imprensa. Nas oportunidades em que Bolsonaro e Lula se enfrentaram nos

debates presidenciais, o petista fez questão de mencionar os sigilos de cem anos decretados pelo então presidente, prometendo revogá-los. Segundo Artur Romeu, o recurso dos sigilos foi “banalizado” por Bolsonaro. Danielle Bello diz acreditar que a promessa de revogação sinaliza uma nova postura por parte do governo, ao qual cabe um trabalho de reabilitação institucional. “É um trabalho de fortalecer a Legislação de Acesso à Informação, recuperando justamente o que já está previsto na lei. Ela é muito clara em relação aos procedimentos, prazos e tipos de informação que podem ser obtidas”, afirma.

A revogação dos decretos de sigilos é necessária, mas não contempla todo o processo de resgate da cultura de acesso à informação.

“A LAI surge para estabelecer uma postura ativa na transparência pública e obteve sucesso, pelo menos até a gestão Bolsonaro, na esfera federal. Ainda há dificuldade em estender isso a estados e municípios. Um dos compromissos do novo governo pode ser estimular a criação desses mecanismos mais descentralizados”, acrescenta Romeu.

O último eixo a ser trabalhado pela equipe de comunicação social da futura gestão diz respeito à Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Rogério Christofoletti e Artur Romeu ressaltam que a in -

gerência do governo federal sob a EBC começou já na gestão de Michel Temer. Sob o emedebista, houve a exoneração do presidente nomeado e a dissolução do conselho curador da empresa.

“Temer atacou a autonomia da gestão na EBC. Bolsonaro complementou esse ataque na medida em que unificou os dispositivos de comunicação pública e estatal. A programação da NBR, emissora de comunicação estatal, foi unificada à TV Brasil, que deveria ter um caráter de programação com interesse público”, destaca Renata Mielli, coordenadora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, uma das entidades promotoras do documento Reconstrói EBC.

“A comunicação da atual TV Brasil, na verdade, nem é estatal, pois promove um pensamento ideológico alinhado ao governo. É um proselitismo político-partidário. Comunicação estatal seria um espaço para divulgar as ações do Estado, e não exatamente do presidente da República, como é feito agora”, completa Renata. Em 25 de outubro, os traba-

ANNA CASIRAGHI Lula terá um longo caminho a percorrer na reconstrução da EBC e da TV Brasil

lhadores da EBC foram homenageados por sua “resistência na defesa da comunicação pública” na 44ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. A premiação foi concedida em caráter excepcional, justamente pelo aparelhamento ideológico que Bolsonaro adotou na empresa, que, por sorte, resistiu.

Rogério Christofoletti relembra o contexto de criação da EBC. Logo após a fundação da empresa, foi realizada a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), na qual mais de 600 sugestões legislativas foram aprovadas. Segundo ele, há muitos projetos represados ao longo da última década que podem ser retomados. “São 600 teses e sugestões que poderiam sinalizar ao governo federal a construção de um cenário mais plural e democrático para a comunicação social. Seriam medidas para aumentar a pluralidade da mídia, fomentar a cultura criativa, discutir o papel das big techs no discurso público etc”, afirma o professor da UFSC. @

Desde o início da gestão Bolsonaro, pontuação brasileira no ranking da liberdade de imprensa derreteu em 20%

CÁSPER 45 FONTE: RANKING MUNDIAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA (20152022)
Em sete anos, Brasil caiu onze posições em ranking que avalia a liberdade de imprensa em 180 nações Segundo a RSF, Brasil figura como uma das nações em situação sensível para o exercício do jornalismo BRASIL DESPENCA No Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, País só vem perdendo posições

É PAVÊ OU PARA COMER?

A história de Débora Gabrich, uma fotógrafa publicitária que ganha a vida produzindo imagens saborosas

46 janeiro • fevereiro • março • abril 2023
PORTFÓLIO
Bue Burger
POR ANA ANDOLFO
Tost Café D’Artagnan O Bowl
48 janeiro • fevereiro • março • abril 2023
Bolo na Hora

A

PUBLICITÁRIA DÉBORA GABRICH,

de 31 anos, começou a sua vida profissional dentro do próprio apartamento. Ela tirava fotos de pratos feitos por Rafael Perdigão, seu namorado, um cozinheiro profissional de mão cheia. Isso permitiu a ela montar um portfólio vistoso, enquanto ele podia divulgar seus dotes gastronômicos. Pequenas empresas passaram a contratá-la só por causa das imagens. Mas não demorou muito para que suas fotografias culinárias ganhassem visibilidade e atraíssem olhares também de grandes marcas, como Vigor, Aurora, UberEats, Subway, H20H e Catupiry.

Há dois anos, Débora recebeu uma proposta que gerou grande lembrança emocional: fotografar para a rede de restaurantes Outback. “Minha família sempre teve a tradição de ir ao Outback em datas especiais como forma de comemorar algo incrível. Inclusive, se os restaurantes estivessem abertos no dia em que recebi a proposta, com certeza eu teria ido comemorar no Outback”, lembra. Como o convite veio durante a pandemia, Débora voltou para o mesmo esquema de trabalho do início da carreira. A sessão de fotos iria ocorrer dentro do seu apartamento. Em questão de horas, sua casa se tornou quase uma franquia Outback, com direito a 12 costelas tradicionais do restaurante prontas para receber os flashes.

Formada em Publicidade e Propaganda pela PUC Minas, a fotógrafa sempre recorre à criatividade para achar uma solução em casos de imprevistos. Uma fatia de bolo cortada de forma errada pode gerar um certo desespero, uma vez que a empresa contratante nem sempre envia mais unidades de determinados produtos. “Nessas horas você levanta e vai dar uma chorada rápida no banheiro”, brinca a publicitária. “Normalmente eu faço o seguinte: pego o bolo, tiro uma foto de segurança e depois faço o

CÁSPER 49
Espetacular Doceria
“Eu preciso que você olhe para a comida e tenha a sensação que sente ao comer, porque é isso que vai te atrair”

que tiver que fazer. Se der errado, deu. Cortou o bolo torto? Vira para o outro lado e corta outra fatia. Você precisa inventar soluções criativas, porque isso acontece mesmo.”

Dentre todos os alimentos, Débora relata que o sorvete é um dos mais difíceis de fotografar, já que as luzes do estúdio aceleram o processo de derretimento. Para dar certo, ela e a equipe precisam deixar tudo pronto para que quando o protagonista – o sorvete – chegue em cena, a sessão seja extremamente rápida.

Fotografar alimentos para o ramo publicitário vai muito além de apenas produzir uma imagem bonita. Uma foto tem de convencer o consumidor de que ele vai querer provar aquela refeição. “Eu preciso que você olhe para a comida e tenha a sensação que sente ao comer, porque é isso que vai te atrair”, reforça a fotógrafa.

Algumas vezes, Débora recorre a pequenos truques para dar um toque de realidade nos alimentos. Quando ela fotografa pães de alho, por exemplo, não segue as instruções de tempo de cozimento recomendadas na embalagem. Com o prato semi-cru, recomenda ela, as imagens vão conferir maior suavidade e suculência ao produto.

Com o objetivo de ajudar ainda mais aos que sonham em entrar no ramo, a publicitária administra o “Mais que um click”, um curso fotográfico online que aborda as diversas etapas da criação de um projeto, do início ao fim. Nele, ela ensina algumas das dicas que aprendeu ao longo de dez anos de carreira. Mas nem todos os truques utilizados pela publicitária foram aprendidos de forma instantânea. A fotógrafa ensina que, antes de acertar, primeiro precisou errar, e muito. Ela incentiva a todos que têm o sonho de iniciar na profissão de se arriscar e não desistir, por mais que no começo as fotos pareçam catastróficas - e nada apetitosas. @

Portfólio de curso

3,

2, 1 3, 2, 1

GRA VAN DO!

POR ANNA CASIRAGHI E NATHALIA JESUS

Já parou para pensar como os programas ao vivo são exibidos em tempo real? Para responder a essa pergunta, a reportagem da CÁSPER acompanhou as etapas de produção do programa Mulheres, exibido na TV Gazeta de segunda à sextafeira, às 14 horas. Um dos mais tradicionais programas femininos da televisão brasileira, o Mulheres é um programa de variedades que foi ao ar pela primeira vez em 22 de setembro de 1980.

52 janeiro • fevereiro • março • abril 2023
GRA VAN DO! AUDIOVISUAL

1REUNIÃO DE PAUTA

Tudo começa com uma reunião de pauta. Os colaboradores envolvidos na produção apresentam suas sugestões para os quadros e convidados do programa, praticamente montando uma espinha dorsal da linha editorial que será seguida pelo diretor na hora das gravações. Elaine Siqueira, coordenadora de produção do Mulheres, afirma que esse trabalho de construção do programa é, literalmente, colaborativo.

São apresentadas várias e criativas opções de caminhos a serem seguidos pelo programa e todos são responsáveis por avaliar a viabilidade e a chance da ideia ser um sucesso entre o público. Ou seja, é muito mais que propor um tema. A reunião só termina quando todos os quadros e participantes do próximo programa exibido ao vivo forem definidos, assim como a linha editorial que o Mulheres irá seguir. Com a pauta montada, segue para a segunda etapa, a produção. Junto da equipe, o diretor de programas Ocimar de Castro faz questão de estar ciente de todo processo de construção do produto que vai ao ar. “Sempre presente. Toda semana. É importante que o diretor esteja desde a reunião de pauta para saber o rumo das novas ideias com toda a equipe.”

As ideias precisam sair do papel. A equipe de produção entra em ação para realizar a apuração das pautas, captar as imagens de inserção no VT (videotape), fazer os contatos com os convidados, elaborar os cenários e, até mesmo, conseguir os ingredientes da receita do dia - sim, um clássico do programa. Para um programa ao vivo na televisão, a orientação é seguir uma ordem dos quadros familiares ao telespectador assíduo e conta, na maioria das vezes, com o mesmo cenário já produzido no estúdio.

Isso não ocorre com as produções dos especiais, que são pensados para datas comemorativas. O “Especial de Natal do Mulheres”, por exemplo, é recheado de novidades, convidados e decoração temática. Os coordenadores têm a missão de elaborar um programa quase do zero, mas ainda mantendo a identidade que reserva uma relação afetiva com o público. Além disso, Ocimar de Castro considera que é essencial que o programa ao vivo traga novidades. “O principal é ser um programa diferente a cada dia e também pautas de interesse do nosso público, como por exemplo prestação de serviços. O programa ao vivo precisa ser mais dinâmico”.

Antes de partir para a gravação em si, é necessário a organização de mais uma reunião para o alinhamento da produção. Nela, os coordenadores e diretores checam com a equipe se foi possível alinhar todos os elementos necessários para tornar o programa viável de ser realizado e transmitido de forma fluída para o telespectador, e, também, o gerenciamento de possíveis crises e pendências.

CÁSPER 53 2 PRODUÇÃO
Reunião
Natal
ANNA CASIRAGHI
de pauta da edição especial da

3 EXECUÇÃO

Depois de todas as reuniões e da correria na produção do pré-programa, chegou a hora de ligar a luz do estúdio e ir para as gravações. A execução é o resultado final de todo o trabalho realizado nos dois primeiros passos, em que apenas é colocado em prática tudo o que foi acordado nas reuniões de pauta e de planejamento do programa. Não há muito espaço para o improviso no Mulheres - o que não significa a perda da naturalidade.

Durante a gravação, a equipe de produção se divide em três: um grupo fica posicionado dentro do estúdio, participando da organização do programa

que está no ar; o segundo grupo auxilia o diretor na sala do switcher; e o terceiro permanece na redação do Mulheres realizando o planejamento dos programas a serem gravados nos dias seguintes. No programa ao vivo, é preciso que todos estejam em sincronia absoluta. Não há margem para erros, e a pauta elaborada deve ser seguida à risca para a organização do estúdio e dos convidados. Na parede, a pauta fica colada à vista de todos, com a ordem dos quadros, inserções de merchans (aparição ou menção de uma marca durante o programa), pausas para os comerciais e chamadas para entrevistas.

O espaço de gravação da Gazeta é dividido em três cenários para a gravação, com funções específicas a depender do quadro. Enquanto a apresentadora Regina Volpato está sendo filmada no primeiro cenário, a produção se mobiliza para organizar os outros dois, adicionando os elementos que serão necessários durante a filmagem, e os convidados já estão aguardando atrás das câmeras para serem chamados. Para a troca de cenários, todas as câmeras se movimentam ao mesmo tempo, como se fossem uma só, para que se crie a ideia de que o cenário é um só e tenha a sensação de movimento. Truques da televisão.

Bastidores da gravação do programa Mulheres

Enquanto as filmagens estão ocorrendo, o diretor e seus assistentes estão posicionados em uma pequena sala localizada dois andares abaixo do estúdio. Por lá, eles ficam responsáveis pela coordenação do programa, inserção de imagens e de todo o conteúdo visual que compõe a identidade visual do Mulheres: VTs, textos de teleprompter e GCs (geração de caracteres). Diferente de um show gravado, que passa por um processo de edição após ser filmado, o programa ao vivo precisa que os elementos que seriam adicionados na edição sejam colocados durante a exibição do programa, e essa é a função dos funcionários do switcher

A sala do switcher é como se fosse uma concentração pré-jogo, todos focados nas demandas do programa e acompanhando cada passo que está sendo dado no estúdio, estudando as melhores formas de colocar as ideias apresentadas nas reuniões no ar. Nas quatro horas de duração do programa, a concentração de toda a equipe é primordial.

Você já ouviu aquela frase típica de programas ao vivo: “O diretor está dizendo aqui no meu ponto”? É no switcher que essa comunicação acontece. No caso do programa Mulheres, o diretor, Ocimar de Castro, utiliza dessa tecnologia para passar informações para os apresentadores e convidados sobre audiência e atualizações dos assuntos que estão sendo comentados em tempo real.

Para Elaine Siqueira, coordenadora de produção, não há parte mais difícil ou mais fácil para o Mulheres ir ao ar. Todas possuem suas características próprias, demandam o trabalho em equipe do time e, sobretudo, precisam estar em sincronia. O sucesso não é igual a uma das tantas receitas que o programa apresenta, com passos e medidas bem definidas para alcançar o resultado ideal – para a coordenadora de produção, entender a audiência é uma parte imprescindível para alcançá-lo. “É preciso saber exatamente qual o público-alvo que se deseja atingir para que a gente desenvolva conteúdos com a linguagem adequada”, finaliza. @

CÁSPER 55
4 EXIBIÇÃO
ANNA CASIRAGHI
FOTOS: ANA ANDOLFO Operação do switcher durante exibição ao vivo do programa

FOME DE QUÊ?

O padre Júlio Lancellotti se revoltou com as cenas que viu durante a Copa no Catar. Jogadores da seleção brasileira de futebol se refastelavam em um restaurante chique e cuja iguaria, uma carne de churrasco temperada ao vivo com ouro em pó, chegava a 9 mil reais. “Enquanto milhões pelo mundo passam fome, nos chega um vídeo deste acintoso e que causa indignação e tristeza”, escreveu o religioso. No Brasil, são 33 milhões passando fome.

O jornalista Camilo Vanucchi, professor de Jornalismo na Cásper Líbero, e a especialista em agroecologia Simone de Camargo ficaram indignados antes mesmo do surgimento dessas cenas de ostentação. Foi em abril de 2021, quando a dupla se deparou com os dados de que 55% da população brasileira vivia sob insegurança alimentar. Então eles decidiram escrever um livro cujo “personagem” seria a fome. Mas como dar vida a algo tão abstrato e, ao mesmo tempo, tão real? Mostrando que ela está mais presente entre nós do que fingimos não ver.

Em 1946, Josué de Castro escreveu o livro definitivo sobre o tema, Geografia da Fome. Traduzido em mais de 25 idiomas, essa obra clássica evidencia como a fome no Brasil é endêmica e epidêmica, partindo de sua experiência em Pernambuco, sua terra natal. Dito assim, parece que tudo o que foi publicado depois se faz desnecessário. Não é o caso da obra Fome/ A Terra é plena (Editora Discurso Direto), de Camilo e Simone.

Os autores referenciam o notável geógrafo, mas não deixam de mostrar que hoje já se sabe muito sobre como enfrentar essa chaga nacional. A fome está, sim, estampada em páginas de jornais, como a clássica capa do Extra, que mostra moradores de rua se digladiando por ossos doados por um açougue no Rio. Foi a falta de alimento que levou à prisão uma mulher, que tentou furtar dois pacotes de macarrão instantâneo e um saquinho de suco artificial. Cenas como essas se acumulam no Brasil.

Camilo e Simone tiveram a sorte de acompanhar, de dentro, o proces-

so de combate à fome empenhada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, no início dos anos 2000. Ele é filho de Paulo Vanucchi, que veio a ser ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Já ela é filha de José Alberto de Camargo, presidente do Instituto Cidadania e que dividiu com Lula a coordenação executiva do Projeto Fome Zero. A iniciativa, que derivou para o Bolsa Família, procurou enfrentar o problema, dando vozes às pessoas na linha de frente dessa guerra invisível.

Fome/ A Terra é plena é um livro que fala do problema, mas também traz soluções. Com duas capas e dois títulos, a obra apresenta um diagnóstico repleto de dados e casos reais de como a fome voltou ao Brasil (de um lado) e com experiências exitosas como a agricultura familiar respondendo pela comida que chega à mesa do brasileiro (do lado invertido). Fome, a primeira parte, é ilustrada com fotos em preto e branco; Já A Terra é plena é colorida. (Eduardo Nunomura, professor de Jornalismo)

Fome/ A Terra é plena

De Camilo Vanucchi e Simone de Camargo. São Paulo: Editora Discurso Direto, 2022

56 janeiro • fevereiro • março • abril 2023 ASPERIANAS C
Antonia Oliveira no lançamento da Cásper Social

AO TERCEIRO SINAL, O DESPERTAR

Em 2020, um plano idealizado por Pedro Cantelli saiu do papel e preencheu um espaço vazio dentro da Faculdade Cásper Líbero. Em plena pandemia do novo coronavírus, o coletivo de teatro musical “Despertar” foi criado para aproximar os alunos. Já em 2021, conseguiram estrear sua primeira peça, O Despertar da Primavera, reunindo uma plateia de 800 pessoas.

Com um elenco formado por 37 alunos, sem contar os seis outros da produção e direção, o coletivo chegou no fim de 2022 com mais um espetáculo no portfólio. Reunindo quase 200 pessoas por show, Se essa rua fosse minha teve quatro sessões e foi exibido no Teatro UOL entre 1º e 4 de dezembro. O musical é uma releitura do clássico Romeu e Julieta, de William Shakespeare, tendo como cenário a Batalha da Maria Antônia, que aconteceu em São Paulo na década de 1960.

Para 2023, o próximo espetáculo ainda permanece uma incógnita. Mas as expectativas são altas. “Tivemos um salto muito grande na procura para o coletivo. Esperamos que essa tendência continue pelos próximos anos, estamos crescendo cada vez mais”, afirma Pedro Cantelli, atual diretor do coletivo. (Anna Casiraghi)

CÁSPER 57
MARIANA MARQUES

A BATALHA CONTRA O RELÓGIO

Você já parou para pensar quanta coisa tem para fazer hoje? Nos prazos de entrega? Cada dia precisaria de umas 48 horas para dar conta de tudo. Parece que já acordamos devendo alguma coisa. Até os finais de semana parecem estar cheios de compromissos. E você que lute com a culpa de não fazer o impossível. O resultado, mais do que o cansaço, é o esgotamento – físico, mental e emocional. Ao que parece, literalmente, perdemos a noção do tempo.

Como chegamos a esse ponto? As atividades aumentam, mas o dia continua tendo 24 horas. E, quanto mais coisas temos para fazer, mais acelerado o ritmo. Em vez de aproveitar as atividades, precisamos terminar cada uma o mais rápido possível para começar a próxima. Quando tudo é urgente, não conseguimos ver o valor real de cada momento.

Essa aceleração de todas as atividades prejudica diretamente as relações pessoais – o amor resiste à muita coisa, menos à falta de tempo. O encontro com outra pessoa, com a alteridade, precisa de seu momento – o tempo da escuta, do acolhimento e da percepção das diferenças, assim como do que existe em comum. Relações apressadas tendem a ser superficiais: talvez não seja coincidência que, na velocidade das redes sociais, vemos todos os dias julgamentos e sentenças apressadas. Na pressa, a diferença se transforma em problema, e o outro, reduzido a uma imagem rápida, pode ser visto como ameaça.

Quando o tempo é entendido só como quantidade, deixamos de lado algo importante: a qualidade de cada momento. Uma hora com alguém que você ama é sempre pouco; cinco minutos em uma situação chata parecem uma eternidade. Estamos cada vez com menos paciência para esperar qualquer coisa, e basta ter um instante livre para pegarmos nosso smartphone e ocupar o tempo novamente com os posts de uma rede social.

Outra consequência dessa aceleração é a relação com a nossa memória e nossa história. Registramos rápido para esquecer depressa. Quando o presente é tudo o que importa, o passado se dilui, e coisas importantes podem se apagar. Tiramos mais e mais selfies, mas raramente olhamos para elas novamente.

O problema, evidentemente, não são as mídias sociais. A questão é dar a elas a devida importância, e saber desconectar. Avaliar corretamente nosso tempo é um primeiro passo para pensar como usá-lo de uma maneira mais saudável. Por exemplo, procurando deixar de glamourizar o excesso de atividades, e respeitar um pouco mais os ritmos do corpo – porque quando ele manda a conta, o valor costuma ser alto. Outro aspecto é resgatar o tempo livre. Não desconcentramos, e o resultado é uma saturação de informações que pode se transformar em um cansaço crônico, que não passa depois de uma noite de sono.

Não existem soluções fáceis. A mudança não vai aparecer em um passe de mágica. Mas podemos, como sociedade, pensar em alternativas para fazer do tempo, novamente, um aliado. (Luís Mauro Sá Martino, professor da Cásper Líbero e publicou, em outubro, o livro Sem tempo para nada (Editora Vozes))

58 janeiro • fevereiro • março • abril 2023 ASPERIANAS C
ARTIGO

VIDA REAL

O (NEM TÃO) DISCRETO CHARME DA MONARQUIA

Das várias séries de sucesso que integram a plataforma de streaming Netflix, certamente The Crown tem o seu lugar garantido. Criada em 2016 pelo argumentista e dramaturgo britânico Peter Morgan, a história concentra-se no reinado da rainha Elizabeth II (1952-2022) desde sua coroação até o início dos anos 2000.

A série tem chamado atenção da crítica e do público por várias razões: a reconstrução histórica cuidadosa; a atuação primorosa do elenco; os diálogos afiados e delicadamente conduzidos pelo texto de Morgan, que conseguem revestir de elegância até os escândalos mais ásperos. Mas, existem outros motivos.

A quinta e atual temporada – a primeira desde a morte da Rainha em setembro último – tem despertado algumas críticas hostis por parte da realeza e também dos plebeus. É inegável que a série, de qualidade acima da média, aborda em sua última temporada eventos que ainda estão recentes na memória do público. Está tudo lá: a crise no casamento de Charles e Diana, a conversa íntima entre o príncipe e Camilla, a história de Dodi

Al Fayed e da fortuna de seu pai, a antipatia dos plebeus diante de uma monarquia cada vez mais vista como obsoleta. Há, também, um incômodo particular: mesmo se tratando de uma obra “baseada em fatos reais”, e não documental, The Crown não pode (e talvez nem queira) disfarçar as inúmeras rachaduras presentes na história da monarquia britânica – que

vão desde as infidelidades de Charles até como o rei inglês George V decidiu de certa forma o destino de seu primo-irmão Nicolau II, czar da Rússia – o que gerou a fúria de muitos. A monarquia dos sonhos, pois bem, existe apenas nos sonhos de seus súditos.

E é por este motivo que The Crown afirma-se como um interessante trabalho, pois escapa dos maniqueísmos, rejeita os estereótipos e oferece personagens com alta carga dramática, cada um a seu modo. As frustrações, o senso de dever que implode os amores e gera ressentimentos, nos faz pensar na força da tradição como um nó cego, que abafa as individualidades e fragiliza, a longo prazo, os afetos.

Por fim, e me dirijo especialmente aos estudantes de comunicação, The Crown põe o dedo na ferida na imprensa britânica, notória pelo seu sensacionalismo. As práticas antiéticas utilizadas pelo jornalista da BBC para obter uma entrevista exclusiva com a princesa Diana nos mostram como a busca desenfreada pela noticia pode levar a consequências desastrosas. Nesse caso, a morte de Diana e Dodi em Paris, em 1997, em um acidente de carro. Público e privado: quem decide os limites entre os dois conceitos?

(Vanessa Bortulucce, professora de História Contemporânea)

ANTEN DOS
DIVULGAÇÃO The Crown, Quinta Temporada (2022), Netflix.
No entretenimento, grandes histórias audivisuais se inspiram em fatos marcantes da Inglaterra à periferia paulistana

ANTEN DOS

A HISTÓRIA DA POLÍCIA QUE MATA

O livro Rota 66: a História da Polícia que Mata levou sete anos para ser escrito, mas a investigação por trás dele atravessa pelo menos duas décadas de violência e injustiça. Antes de Caco Barcellos mergulhar na reportagem mais importante de sua vida e transformá-la numa espécie de obsessão pessoal, entre 1985 e 1992, algumas perguntas jamais eram feitas em voz alta: quantas pessoas a Polícia Militar mata por ano? Quantas com passagem pela polícia? Quantas são executadas com tiros na nuca ou nas costas? Por que os algozes são frequentemente agraciados com medalhas e promoções?

Gaúcho radicado em São Paulo, Caco Barcellos tinha 35 anos quando começou a reunir informações sobre as mortes praticadas por policiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), tropa de elite da polícia paulista. Todos os dias, execuções atribuídas à Rota eram festejadas em programas de rádio e em jornais como o Notícias Popula-

res. Bandido bom é bandido morto, diziam. Eram tempos de ditadura, e bem sabemos o que isso poderia significar. Em 1986, um desses radialistas tornou-se o deputado mais votado da história da Alesp.

Caco decidiu cavoucar fundo e remexer onde ninguém mexia. Quantas armas teriam sido “plantadas” naquelas operações? Quantos boletins de ocorrência acusavam legítima defesa sem que a vítima tivesse resistido? Ao cabo de sete anos, o repórter havia registrado mais de 4 mil vítimas fatais da Rota e descobriu que três em cada cinco não tinham ficha criminal. Mais da metade foi morta apesar de já estar rendida. Eram, quase sempre, pessoas pretas e pobres, moradoras da periferia.

Passados 30 anos desde a publicação do livro, a história da polícia que mata virou série de ficção da Globoplay pelas mãos dos diretores Philippe Barcinski e Diego Martins. Em oito episódios, a saga de Caco Barcellos (interpretado

UM BARDO EM CRISE

Circula por aí uma lenda segundo a qual certo jogador brasileiro, algum tempo depois de se transferir para o futebol inglês, desencontrou-se com a própria língua, como se tivesse “esquecido” o português. O que foi agravado pelo fato de não ter aprendido a língua inglesa. Em semelhante estado de indefinição, guardadas as devidas ressalvas, encontram-se as comunidades marcadas pelo processo de colonização: com o genocídio dos povos originários e o apagamento das culturas nativas, essas comunidades, deixando de ser o que vinham sendo até então, não chegaram a se reconfigurar de maneira clara, assumindo feições difusas, por vezes bizarras. É a concretização do mito de Macunaíma – deixaram de ser “primitivas”, mas não chegaram a ser civilizadas. Fica a pergunta:

DIVULGAÇÃO

por Humberto Carrão) adquire cores épicas e a cadência de um lamento constante: o choro das mães que perderam seus filhos pelo cano de quem deveria protegê-los.

Há pouco de ficção nessa série de ficção. Está lá o trabalhador, fã da PM, morto por ela na volta para casa. Está lá o jovem universitário, filho de um policial, assassinado por um colega do pai a caminho de sua formatura em Direito. Hoje, algumas perguntas são feitas em voz alta. Quem matou Marielle? Onde está o Amarildo? Por que o senhor atirou em mim? Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. E é assim que Rota 66 deve ser vista. Para a gente lembrar que ninguém é repórter à toa. E que há um mundo a ser construído.

Em 2022, os paulistas elegeram um governador que prometeu acabar com as câmeras de monitoramento incorporadas às fardas dos policiais – ferramenta que vem contribuindo para a queda nas estatísticas de homicídio. Ao mesmo tempo, nunca houve tanto policial eleito para o Legislativo. Neste sentido, é bom ficar de olho Rota 66 é uma reportagem inconclusa. (Camilo Vannuchi, professor de Jornalismo)

quem sou eu, se não sou mais quem era, nem cheguei a ser claramente uma outra coisa?

Bardo – Falsa crônica de algumas verdades, de Alejandro Iñarritu, volta-se justamente para esse assunto. No filme, Silvério Gama, jornalista e documentarista mexicano, depois de ter se mudado para os Estados Unidos, onde conquistou sucesso e dinheiro, retorna para o México para receber importante prêmio. A homenagem, que deveria ser causa de alegria pessoal, é vivida por Silvério como verdadeira tormenta: mais que reconhecimento pela qualidade de seu trabalho, o processo de premiação se construiu como uma negociata – prestigiado pelo prêmio, Silvério deveria empenhar seu nome como avalista de suspeitíssimas ações americanas em solo mexicano. O filme dá conta justamente dessa temporada no México, marcada por momentos de angústia, crises de identidade, farras, brigas, culpa e delícia.

Em seu próprio país, Silvério vive algo semelhante a uma crise de lucidez – que se converte, paradoxalmente, numa coleção de emblemáticos delírios. O jornalista emite sinais de total consciência das muitas camadas de violência que constituem a história do México, encobertas pela enganosa camada de verniz modernizante

aplicada pelos discursos oficiais que ele próprio, após a negociação do prêmio, ajudaria a construir.

Impossível deixar de considerar o aspecto autobiográfico do filme: Alejandro Iñarritu já consta entre os grandes nomes do cinema contemporâneo. É provável que tenha experimentado, ao longo dos anos, angústias semelhantes às de Silvério: até que ponto um artista, evadido de seu país –marcado a ferro e fogo pelos horrores da colonização e pela condição de subalternidade perante o vizinho rico –, não teria realizado essa evasão como um modo de, isentando-se do horror e da barbárie que violentam o povo mexicano, capitalizar alto com a estetização da miséria de seus conterrâneos?

Autobiográfico ou não, o filme é uma obra-prima. Merece consideração a alucinante abertura do filme. Ou a cena em que, bailando loucamente ao lado de amigos na festa de premiação, Silvério deixa-se absorver pelo canto a capella de Let’s Dance, canção de David Bowie que, emblematicamente, sobrepõe-se, na intimidade de sua mente singularíssima, à música mexicana que até então dominava a cena. A letra de Bowie é reveladora: Because my love for you/ Would break my heart in two. (Danislau, professor de Língua Portuguesa)

CÁSPER 61 ANTEN DOS
DIVULGAÇÃO

Comunicação disruptiva

:: NOVO :: Transformações e novas ferramentas chegam para mudar o jeito que nos comunicamos e recebemos informações

DALL-E 2

Quer criar suas próprias imagens usan- do a nova ferramenta de inteligência artificial? Confira o link e se divirta.

INVASÃO DO CAPITÓLIO

O New York Times foi fundo na investigação sobre os Proud Boys, o principal grupo que liderou os ataques do Capitólio, em 2021. Assista o vídeo:

TIKTOK

Ainda está em dúvida se jornalismo e TikTok combinam mesmo?

Veja essa pesquisa de alunos da USP sobre veículos jornalísticos na plataforma, e as principais estratégias usadas por eles.

COMUNICAÇÃO PÓS-BOLSONARO

Conheça a íntegra do caderno de propostas do Reconstrói EBC, apresentado ao gabinete de transição de governo por diversas entidades de comunicação.

PODCAST EM NÚMEROS

A grande maioria dos novos produtores começou a produzir programas sonoros a par tir de 2018. Saiba mais da PodPesquisa em:

62 janeiro • favereiro • março • abril 2023 PARA ENTENDER MAIS

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Comunicação disruptiva

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ANTEN DOS A HISTÓRIA DA POLÍCIA QUE MATA

4min
pages 60-61

VIDA REAL

1min
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A BATALHA CONTRA O RELÓGIO

2min
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AO TERCEIRO SINAL, O DESPERTAR

1min
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FOME DE QUÊ?

2min
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3 EXECUÇÃO

2min
pages 54-55

1REUNIÃO DE PAUTA

1min
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É PAVÊ OU PARA COMER?

2min
pages 46-51

APESAR DE VOCÊ

4min
pages 43-45

DO LADO DO PODER

6min
pages 40-42

A ARTE DE OUVIR

6min
pages 36-39

MULTITELAS

3min
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Grandes coberturas

4min
pages 30-33

ACABOU-SE O QUE ERA DOCE

1min
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NAMING O QUÊ?

1min
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A ERA DA INTELIGÊNCIA ARTIFI

2min
pages 26-27

INVESTIGAR É PRECISO

5min
pages 23-25

VIRA, VIRA, VIRALIZOU

4min
pages 20-22

A FÓRMULA DO VIRAL NO TIKTOK

6min
pages 17-19

Postar para ver

1min
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ARTEFICIAL

6min
pages 12-15

RELAÇÕES PÚBLICAS

4min
pages 10-11

PUBLICIDADE E PROPAGANDA

4min
pages 8-9

COMU NI

1min
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OQUE ESTÁ POR VIR

2min
pages 3-4
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