Revista Cásper #6

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´ CASPER Nº 6 – Maio de 2012

Videogames De entretenimento a ciência

Agências de Notícias Indústrias da informação

O folhetim em alta

Novos rumos da teledramaturgia

Cadão Volpato

Personagem multifacetada

raciocínio

ilustrado O ilustrador Weberson Santiago fala sobre a relação entre desenho e pensamento


Seu relacionamento com a Faculdade não precisa acabar na colação de grau.

´ CASPER Fundação Cásper Líbero Presidente Paulo Camarda Superintende Geral Sérgio Felipe dos Santos

Faculdade Cásper Líbero Diretora Tereza Cristina Vitali Vice-Diretor Welington Andrade

Revista Cásper Núcleo Editorial de Publicações Coordenador de Ensino de Jornalismo Igor Fuser Editor-chefe Carlos Costa Editora Gabriela Sá Pessoa Conselho Editorial Adalton Diniz, Carlos Costa, Elisa Marconi, Igor Fuser, Luiz Alberto de Farias, Rodney Nascimento e Welington Andrade Reportagem Camila Luz, Caroline Mendes, Deborah Rezaghi, Mariana Marinho e Tiago Mota Editora de Arte e Fotografia Mariana Oliveira Diagramação Camila Luz, Mariana Oliveira e Rafaela Malvezi

A Faculdade Cásper Líbero orgulha-se dos seus formandos e não quer perder contato com eles. Acesse o Portal Ex-Aluno e fique por dentro de tudo o que acontece na Cásper.

Colaboraram nesta edição Amanda Massuela, André Silva, Diogo Sponchiato, Natalí Coelho, Patrícia Homsi e Thiago Tanji Redação Avenida Paulista, 900 — 5º andar 01310-940 — São Paulo — SP Tel.: (11) 3170-5874 E-mail: revistacasper@casperlibero.edu.br Site: http://www.casperlibero.edu.br Capa Ilustração criada pelo ilustrador Weberson Santiago

/portalexalunos www.casperlibero.edu.br

Jogos, novelas:

comunicação

Com este exemplar que chega agora às suas mãos, caro leitor, a revista Cásper completa seis edições, cumprindo a proposta que assumiu desde o início, em julho de 2010: discutir os principais assuntos da comunicação com os profissionais da área e com o público, em seu sentido mais amplo. A propósito, as duas principais reportagens desta edição – Brincar, jogar e comunicar e No próximo capítulo... – abordam temas que não somente suscitam aprofundadas discussões na esfera acadêmica, mas também afetam nosso cotidiano. Brincar, jogar e comunicar esclarece que o universo dos videogames vai além de uma bilionária indústria do entretenimento – em 2011, acumulou faturamento de 71 bilhões de dólares. Os jogos virtuais também são expressão cultural e meios de comunicação. Uma nova forma, enfim, de contar histórias. A reportagem reúne depoimentos interessantes de jogadores fanáticos, profissionais e estudiosos da área, como a professora de Semiótica Lúcia Santaella, que defende o valor desses jogos como narrativas: “Quando eles assumem essa outra dimensão, tornam-se um veículo e um produto também cultural”. A novela a que assistimos ainda dialoga com a sociedade? No próximo capítulo... investiga as mudanças na audiência, no conteúdo e na forma dos folhetins eletrônicos. Se por um lado a teledramaturgia brasileira conta com avançados recursos que permitem melhorar a qualidade das imagens, por outro, sua linguagem, em geral, ainda se assemelha à utilizada nos folhetins do século XIX. E o gênero continua em alta: novos núcleos de criação são fundados, e crescem os investimentos na experimentação de formatos. A minissérie bíblica Rei Davi, recentemente exibida pela Rede Record, é um bom exemplo. A produção representou um salto qualitativo nos figurinos, cenários e preparação da emissora – alguns capítulos conseguiram liderar os índices de audiência na faixa das 23h30. Jornalista, ilustrador, músico e escritor, esse é Cadão Volpato, o perfilado desta edição. Com passagens por Veja, além de ter sido o primeiro homem a assumir a direção da revista Capricho, Cadão foi vocalista da banda Fellini, um dos principais nomes do rock brasileiro dos anos 1980. Ao longo do perfil, descobrimos como ele tenta conciliar os diferentes lados de sua personalidade e o que tem a dizer sobre a TV Cultura, emissora onde trabalhou até março, no comando do programa Metrópolis. O ilustrador Weberson Santiago é um dos entrevistados desta edição. Com trabalhos publicados em mais de 50 revistas, ele, que prefere desenhar à mão a utilizar softwares como o Photoshop, fala sobre a importância de adotar o desenho como forma complementar de raciocínio. A outra entrevista que dá a marca dialógica desta revista é a realizada com Julio Ribeiro, fundador e diretor da agência Talent e um dos maiores nomes da publicidade no Brasil. Na conversa, Julio divide suas experiências e analisa o mercado publicitário. Um belo caso a ser analisado por quem atua na área da propaganda e do marketing. Há ainda muitas leituras, resenhas, crônica, notícias do mundo da Cásper, seguindo a proposta de suscitar o debate e promover a troca de informações. Boa leitura a todos!

Tereza Cristina Vitali Diretora

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Sumário 6

22 6 Raciocínio Ilustrado

Entrevista com o ilustrador Weberson Santiago, que prefere desenhar à mão a criar em programas de edição de imagem

12 Do papel para o tablet

As revistas tiveram de readequar sua linguagem e se tornar mais interativas para entrar no mercado dessa plataforma digital

16 Por dentro das agências de notícias A internet fortaleceu o negócio das agências de noticias, historicamente responsáveis por alimentar boa parte do jornalismo internacional

22 Brasil sob os holofotes

Entenda como é o trabalho de Relações Públicas na organização e divulgação de grandes eventos internacionais no país

28 Brincar, jogar e comunicar

Além de mero entretenimento, os videogames movimentam um mercado bilionário e atraem a atenção de estudiosos da comunicação

38 Blogar ou não blogar?

Após ganharem popularidade, os diários virtuais se tornaram rentáveis e passaram a ser encarados como uma atividade profissional

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50 No próximo capítulo... 42

A teledramaturgia brasileira se adapta às mudanças na sociedade e ao surgimento de novas tecnologias de produção

Múltiplos de mim 50

Jornalista, músico, escritor e ilustrador – um perfil do multifacetado Cadão Volpato

Homem de talento 56

Julio Ribeiro, um dos mais importantes publicitários do Brasil, fala sobre suas experiências e analisa o mercado em que atua

Notícias Casperianas 62

Os principais acontecimentos na Faculdade nos primeiros meses de 2012

Resenha 65

O homem que lia para Borges, por Carlos Costa

Crônica 68

A relatividade do trânsito, por Diogo Sponchiato

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ENTREVISTA

Homemde

talento As histórias de Julio Ribeiro são ensinamentos sobre a trajetória e os rumos da publicidade no Brasil

Por Gabriela Sá Pessoa e Natalí Coelho

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DIVULGAÇÃO/AGÊNCIA TALENT

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m profissional apaixonado pelo que faz e que não se arrepende de suas escolhas. Assim é Julio Ribeiro, um dos mais importantes nomes da publicidade no Brasil. Criador da agência Talent, também das mais importantes do país, atua desde 1958 e se define como um homem de sólidos julgamentos éticos, com vontade de “tirar o máximo da vida”. Ainda jovem, sonhou ser diplomata – para isso, entrou nas faculdades de Direito e de Sociologia da USP. Não chegou a se tornar sociólogo e, enquanto estudava para a advocacia, começou a trabalhar na agência McCann Erickson. Indeciso quanto à profissão a seguir, fez testes de orientação vocacional. Resultado: ele poderia ser “qualquer coisa” que “daria certo”. Nesses 54 anos de carreira, aprendeu a respeitar as transformações do mercado e a se adaptar às novas maneiras de fazer publicidade, ensinamentos que reuniu nos livros Fazeracontecer.com.br (Editora Saraiva, 2009) e Tudo que você queria saber sobre propaganda e ninguém teve paciência para explicar (Atlas, 1989), do qual é co-autor com Walter Longo. Algumas dessas lições foram compartilhadas com os alunos de Publicidade e Propaganda da Faculdade Cásper Líbero, para quem ministrou a aula magna de 2012 na noite de 12 de março. Minutos antes do encontro com seus futuros colegas de profissão, Julio Ribeiro conversou com a reportagem no camarim do Teatro Cásper Líbero e falou sobre sua trajetória e a da Talent, além de avaliar as condições históricas e atuais da área em que atua.

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Porém, dentro de publicidade eu não queria ser publicitário. Queria ser dono de uma agência. Fiz várias tentativas, perdi dinheiro... Mas não me arrependo.

DIVULGAÇÃO/AGÊNCIA TALENT

Ainda existe um aspirante a diplomata dentro do profissional de publicidade Julio Ribeiro? Sim, existe, porque você não tem aspiração para fazer alguma coisa se ela não estiver no seu coração. Sempre quis viajar, trabalhar no exterior – coisas que fiz como publicitário. Também pratico várias outras atividades, aprendo línguas e novas culturas. Não que eu necessariamente tenha vocação para cada uma dessas práticas, mas gosto de fazê-las. Toda pessoa, pela multiplicidade inerente ao ser humano, pode muito mais do que apenas ficar preso no trabalho. Meu coração sempre quis experimentar coisas novas e tirar o máximo da vida.

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o produto que te interessava e a vendedora que se interessou por você. A experiência de compra positiva leva as pessoas a quererem repeti-la. Por que uma vendedora se interessaria por você? E aí a gente descobriu, em pesquisas, que o dono da loja, em geral, não se interessa por seus funcionários. E como eles agem em relação aos clientes? Reproduzindo a relação que mantêm com o patrão. E o que faz as pessoas procurarem algumas coisas e não procurarem outras coisas? Por que elas escolhem uma marca e não a outra? Essa mágica de fazer o consumidor escolher determinado produto se chama marketing de atitude. Como o senhor, que pretendia cursar direito e ser diplomata, decidiu se tornar publicitário? Entrar na McCann Erickson, em 1958, foi decisivo? Esse foi um fenômeno interessante. Estudava direito à noite e trabalhava com publicidade durante o dia. Mas não era uma ambivalência você tirar o chapéu de publicitário e vestir o de advogado num mesmo dia? Aquilo começou a incomodar. Então decidi buscar orientação vocacional. Passei quinze dias realizando testes e preenchendo uma série de questionários. Quando recebi o resultado, eles disseram que tinham uma boa notícia para me dar: eu poderia fazer qualquer coisa na vida que daria certo. A publicidade me agradava muito e já trabalhava com aquilo, então, decidi seguir esse caminho.

Trecho de campanha da Talent criada para a rede de postos de combustível Ipiranga, em 2012

Como era o mercado de publicidade aqui quando o senhor criou a Talent? O Brasil tinha o vício de atender a muitas contas governamentais e em torno desses contratos se formaram grandes agências. Eram negócios prósperos, com uma concentração de empresas que começou a atrair gente criativa. A propaganda no Brasil, quando comecei, era muito pobre. Esse monopólio acabou quando algumas dessas empresas foram vendidas, mas a estrutura das agências brasileiras já estava estabelecida. Realmente, foi um período áureo, que passou

“Não queria ser publicitário. Queria ser dono de uma agência” conta Julio Ribeiro

DIVULGAÇÃO/CECL

O livro Fazer Acontecer é um clássico da publicidade, adotado inclusive como bibliografia para os alunos de Publicidade e Propaganda da Cásper. Desse modo, de alguma forma o senhor faz parte da formação desses estudantes. Qual é a expectativa para o encontro de hoje à noite? Que assuntos o senhor pretende abordar? Esse livro vai ser substituído por outro, que vamos editar em março ou abril. Analisando o subtítulo do livro, percebemos coisas extremamente importantes que o diretor, o gerente, enfim, todos que trabalham na área de estruturação de empresas precisam saber. Sinto que alguns princípios que estão no livro [“algumas coisas que aprendi, gastando um bilhão de dólares de grandes empresas”], se modificaram, existem novas possibilidades que descobri em pesquisas, e que podem ser muito importantes para a prática publicitária. São esses temas que abordarei na palestra hoje. Nesses estudos, descobrimos que um fator pouco explicado é a atitude do dono e dos funcionários de uma empresa para cativar os compradores. Veja, se você vai a uma loja comprar roupas, por exemplo, e a vendedora está de mau humor e te trata mal, você jura nunca mais voltar lá. E há outras lojas em que você entra e se sente bem. Quando você se sente bem, se a vendedora bate com o seu astral, você fica satisfeito com o que escolheu. E se você for comprar outra roupa, deverá voltar à loja em que achou

E foi esse espírito que fez com que o senhor fosse trabalhar nos Estados Unidos, sem falar uma palavra em inglês? Quando tinha vontade de alguma coisa, logo a fazia. Queria há muito tempo participar de um curso de criatividade na Universidade de Nova York, que formava os homens mais criativos do mercado. Fiz também o curso de Marketing da Universidade de Stanford, que me ajudou bastante. Quando fundei a Talent, em 1980, já

havia criado várias outras agências, como a Julio Ribeiro Mahinovich e a MPM-Casabranca. Pouco antes disso, tinha concluído uma fusão com a MPM-Casabranca e fui para a Itália, porque já tinha assumido a conta da Fiat em uma concorrência. Em Turim, cidade-natal da empresa automobilística, conheci uma agência que contava com mais ou menos 17 funcionários e atendia contas enormes, num modelo chamado “Clients Dream”. Conversei com o dono dessa agência e ele me disse que conseguia ter aqueles clientes todos com poucas pessoas porque sua equipe era de altíssimo nível. Fiquei tão impressionado com aquilo que voltei com essa ideia e abri a Talent. Foi a melhor coisa que fiz e até hoje não me arrependo, me dá muita alegria saber que construí essa agência.

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“As agências são associações de criativos e eles só funcionam dentro delas, pois essas empresas oferecem os meios para que os publicitários desenvolvam as ideias e estratégias de que os clientes precisam.”

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A campanha acima, criada para a empresa de telefonia NET em 2012, brinca com os conceitos de banda larga, internet com fio e Wi Fi

por mudanças, pois as tradicionais agências nacionais estão desaparecendo, compradas por grupos internacionais que não têm a mesma criatividade que os nossos. Como o senhor disse, a Talent foi fundada em um mercado dominado por contas governamentais. Naquela época, outros grandes clientes eram as marcas de bebidas destiladas e cigarros. Sua agência também se negou a atendê-los? Não aceitamos porque sabemos que essas três coisas fazem mal à saúde [risos]. Em relação às contas governamentais, não as aceitamos por acreditarmos que nos envolveríamos em esquemas políticos e outras dificuldades. Quanto à indústria do cigarro, já é assustador vê-la prejudicando a saúde de milhões de pessoas. Levar, por meio da propaganda, o filho dos outros a fumar é ainda pior. Tenho julgamentos éticos que sempre busquei respeitar. Existe alguma alternativa ao modelo atual, em que as agências integram grupos controlados por multinacionais do setor? Como sobreviver no mercado? Bem, a Talent é um modelo muito diferenciado de agência. Ela é formada por grandes profissionais e isso faz toda a diferença. Além disso, a agência continua se reinventando e se adaptando às mudanças do mercado. Se você pegar A Origem das Espécies [livro escrito em 1859 pelo

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naturalista Charles Darwin que teoriza a evolução dos seres vivos], percebe que quem sobreviveu à extinção não foram nem os mais fortes nem os mais inteligentes, mas os mais adaptáveis. E a Talent foi uma agência que sempre tentou se adaptar. O exemplo que mais uso é o da Kodak, que em janeiro pediu concordata. Há dez anos, ela dominava totalmente o mercado, porém não investiu na fotografia digital. A IBM produzia máquinas de calcular, depois começou a fabricar calculadoras elétricas, máquinas de escrever eletrônicas, computadores, depois inventaram o PC. No fim, a marca IBM foi vendida para um grupo chinês. Isso se chama adaptação e é por isso que algumas agências continuam muito fortes, enquanto outras perderam substância porque não tiveram a capacidade de inovar. Nunca houve tanta demanda por comunicação, porém, em geral, os publicitários, tanto os formados quanto estudantes, têm fixação por agências de propaganda, quando é possível trabalhar com diversas possibilidades a que ninguém se dedica ou explora. E como a Talent tem se adaptado na prática? Em 2010, quando realizamos a fusão com o grupo francês Publicis, estabeleci as regras para essa associação. Eles sempre permitiram que tivéssemos independência criativa e isso facilita muito as coisas. Atualmente, adotamos um modelo novo de criação. A agência não tem mais departamentos, todos os funcionários – inclusive os diretores – se sentam à mesma mesa e

dialogam durante o trabalho. Não precisamos incentivar disputas de egos. A harmonia é a primeira condição para que se possa prosperar, pois a empresa que gasta toda a energia em conflitos e disputas não consegue ir adiante. Inventei uma agência sem brigas internas, até hoje trabalho lá. Estipulamos a encarregada da interação dos funcionários, distribuímos entre eles cada parte da criação, promovemos sessões de filmes. Tudo para que as pessoas se sintam parte da Talent. Acredito que os funcionários são felizes assim. O problema das disputas internas é que elas ocorrem quando os funcionários não se sentem parte da empresa. Eles acham que o patrão manda e o funcionário apenas recebe o salário. E, cá pra nós, como falta integração no mundo da publicidade! Outra mudança é a crescente presença das mulheres nas agências, o que exige a adaptação de quem está acostumado a receber ordem apenas de homens. E se você não aceita isso, está comprometido. É aquele negócio: meu pai morreu do coração; meu tio, do pulmão; e eu não estou me sentindo muito bem. Se você não se cuida, irá morrer.

criadores da Fiat [empresa que também controla a Ferrari] descobriram que o comendador da Ferrari tinha um Fiat. Eles o convenceram a tirar uma foto e fazer um anúncio que dizia algo como “o seu Ferrari dirige Fiat”. Esse é um anúncio brilhante em qualquer época. O que os clientes buscam é essa criatividade, essa inventividade. Eles querem ser surpreendidos e receber ideias que jamais teriam imaginado.

O publicitário acredita que o mercado nunca teve tanta demanda por comunicação como agora

Como o senhor avalia o impacto das novas plataformas digitais no fazer publicitário? Temos um departamento digital na Talent, porém ainda é complicado trabalhar com esses meios. Todo mundo usa o digital, mas ninguém quer pagar. Diante desses novos desafios e complexidades, em quê a publicidade não mudou ao longo dos anos? Criatividade. Ainda é preciso ter boas ideias. As agências são associações de criativos e, por uma razão misteriosa, eles só funcionam dentro delas, pois essas empresas oferecem os meios para que os publicitários desenvolvam as ideias e estratégias de que os clientes precisam. Há anúncios de 1910 tão ou mais criativos quanto os pensados para a Copa de 2014. Tem uma campanha da década de 1950, creio, em que os

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JORNALISMO

MARIANA OLIVEIRA

Por

dentro das

agências de notícias

Responsáveis por produzir grande parte das informações que alimentam o jornalismo internacional, as agências de notícias se mantêm fortes sobretudo em tempos de internet Por Gabriela Sá Pessoa

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S

oa uma campainha na redação. É o aviso do telex, que começa a receber um informe urgente da agência de notícias. Instantaneamente, o aparelho reproduz, como uma máquina de escrever, o texto enviado pelo terminal da fornecedora por meio de sinal telegráfico. Era assim que, do século XIX até o início dos anos 1990, os periódicos se informavam, quase em tempo real, sobre os acontecimentos ao redor do mundo. “Os telex funcionavam o tempo todo. Era que nem rolo de papel higiênico, uma folha contínua que a gente ia cortando com a régua”, lembra Igor Fuser, coordenador do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Nos anos 1980, Fuser foi repórter de internacional – “inter”, no jargão das redações – da Folha de S.Paulo

e, na década seguinte, chefiou essa mesma editoria nas revistas Veja e Época. “Havia uma pessoa responsável por separar os principais assuntos, mas quase todos os despachos eram jogados fora.” Ao longo da década de 1990, as máquinas de escrever deram lugar aos computadores e o telex desapareceu das redações – em seu lugar, softwares colocam as informações enviadas pelas agências na tela de cada redator. No mundo conectado à internet, a quantidade de papel dentro dos veículos de comunicação é significativamente menor e o acesso a informações, mais fácil. Porém, com a possibilidade de ler diretamente os sites da imprensa local de cada país, os serviços oferecidos pelas agências ainda são tão necessários como no tempo do

telégrafo. “Num primeiro momento, eu diria que a internet ajudou os negócios das agências, porque havia diversos sites com uma demanda absurda por informação em tempo real, então naturalmente eles acabaram tornando-se nossos clientes”, afirma a jornalista Adriana Garcia, business editor da Reuters no Brasil. Walter Lima, doutor em Ciências da Comunicação e pesquisador da cultura de rede, acredita que as agências mantiveram seu negócio por investirem em novas tecnologias e, ao longo da história, estarem na fronteira do conhecimento científico. “Quem, como as agências, viu e entendeu o surgimento do telégrafo, compreendeu o que vem agora por aí”, comenta. “Foi o telégrafo que quebrou a barreira do tempo e do espaço na comunicação.”

Redação do escritório da Reuters em São Paulo, localizado na Zona Sul da capital

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oferecer mais informações por um preço menor, a partir de um grupo de repórteres que produz e vende matérias para diversos veículos da imprensa. Em 1846, uma associação de repórteres de seis jornais estadunidenses fundou, durante a Guerra Civil, a AP (Associated Press). Doze anos depois, essa agência faria o primeiro despacho transatlântico. Exfuncionário da Havas, Paul Julius Reuter criou, em 1851, a Reuters. Seguindo a máxima de seu fundador, “follow the cable” (siga o cabo, em português), em sete anos de existência a empresa sediada na Inglaterra já contava com escritórios em toda a Europa. “Sem as agências, poucos jornais teriam meios para uma cobertura internacional com um mínimo de peso”, afirma João Batista Natali, ex-correspondente da Folha na França e professor do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. É o que também defende Gabriel Toueg, editor de “inter” do Estadão online. Para ele, o jornalismo internacional

Telex Siemens, de 1955. Desenvolvido a partir do telégrafo, o aparelho foi fundamental para a velocidade na distribuição das notícias

REPRODUÇÃO/CREATIVE COMMONS

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nasceu com as agências, pois considera difícil, mesmo para os jornais e grupos de mídia mais ricos, bancar uma boa cobertura sem elas. “Não dá para ter correspondentes no mundo inteiro”, acredita. Já o pesquisador Walter Lima argumenta que “as agências compreenderam, desde seus primeiros anos, que sua commodity era a informação. Elas sempre foram agressivas em seu negócio.” A partir dessa premissa, essas empresas criaram métodos para elaborar e transmitir as notícias, para diversos clientes ao redor do mundo. Para tanto, é necessário abordar os assuntos de maneira genérica, evitando transparecer preferências ideológicas na mensagem. “O que é notável num bom repórter de agência é o seu poder de síntese. Eles também são obrigados a levar em conta que escrevem para assinantes de perfis bastante díspares”, aponta Natali, autor do livro Jornalismo Internacional (Contexto Editora, 2004). Porém, para Marina Terra, editora do Opera Mundi, site especializado em jornalismo internacional, é preciso lembrar que as agências não são veículos de comunicação. Ela acredita que os despachos enviados por algumas dessas empresas são “informações em seu estado mais bruto”, e, por isso, exigem que o repórter cheque e complemente o texto com novos dados para, só assim, construir uma matéria propriamente jornalística. Marina comenta que, com a internet e a necessidade de dar a notícia mais rápido, em geral copia-se e cola o texto enviado pela agência, sem nenhuma edição prévia. “Prefiro não publicar a matéria imediatamente, mas que o repórter a retrabalhe, tornando a narrativa melhor e mais contextualizada”, diz a editora do Opera Mundi – veículo que considera

O processo de apuração e das diferentes editorias da Reuters pode ser acompanhado na tela do computador da business editor da agência

“menor e com menos contas a pagar”. O trabalho do repórter, explica, consiste em tornar o texto minimamente autoral, abordando o acontecimento com uma perspectiva analítica. A redação de O Estado de S. Paulo, tanto do impresso quanto do digital, conta com um programa, o Hermes, que acessa a rede de todas as agências e, a cada atualização, emite um alerta na tela do computador. “Além disso, temos um programa que publica os textos automaticamente em português, nas ‘Últimas Notícias’ do portal”, pontua Gabriel Toueg. Ele esclarece que isso acontece devido à necessidade de atualização do portal: “temos um fechamento por minuto”. No entanto, para entrar na página inicial, a matéria deve ser minimamente editada, seguindo os padrões estabelecidos pelo manual de redação do jornal. “Outro trabalho é o de consolidar determinado fato”, explica o editor. “Primeiro a gente tuita, depois lança uma nota no site e, na medida em que as informações começam a sair, a partir das agências e dos correspondentes,

construímos o texto.” Já no impresso, o tratamento do texto tende a ser mais acurado. É o que explica Roberto Lameirinhas, editor do caderno Internacional de O Estado de S. Paulo. “O ideal é que apuremos em cima do despacho das agências. Não copiamos os textos”, afirma o jornalista. Lameirinhas conta que o impresso não passou incólume às novas possibilidades trazidas pela rede mundial de computadores – principalmente no que diz respeito à checagem de informações. “As agências ainda são necessárias, mas não somos mais totalmente dependentes delas como éramos antes dos anos 1990”, conta. De acordo com o editor, isso acontece porque, com a internet, é possível acessar os sites dos jornais de vários países e, assim, verificar se as informações enviadas pelas agências estão corretas ou a dimensão do impacto.

MARIANA OLIVEIRA

Inventado em 1844, o telégrafo foi o pai do rádio e da telefonia. Pela primeira vez na história, duas pessoas situadas em locais diferentes puderam se comunicar em tempo real, por meio do código Morse – linguagem que combina símbolos e pulsos elétricos para transmitir informações por meio de cabos. No século XIX, o mundo vivia a consolidação do capitalismo industrial. França, Inglaterra e Alemanha tornavam-se potências imperialistas, expandindo seu domínio econômico aos continentes africano e asiático, além do sul-americano. Nas cidades europeias, crescia o número de leitores e de periódicos, em virtude do desenvolvimento de novas técnicas de impressão que baratearam o custo das publicações e a atualidade da notícia. É nesse contexto que nasce a primeira agência de notícias, em 1831: a francesa Havas, que posteriormente originaria a AFP (Agence France-Presse). A ideia básica por trás de cada uma dessas empresas é

MARIANA OLIVEIRA

“Siga o cabo”

“As agências não são veículos de comunicação”, opina Marina Terra, editora do Opera Mundi

Outros tempos Checar informação foi uma das dificuldades que Lameirinhas enfrentou quando iniciou a carreira na cobertura internacional, Maio de 2012 | CÁSPER

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MARIANA OLIVEIRA

Para Adriana Garcia, business editor da Reuters, a internet favoreceu o negócio das agências

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há 24 anos. “Era difícil até mesmo telefonar para o exterior”, conta. Ele se lembra de que era comum publicar notícias que se desmentiam no dia seguinte, “exatamente em razão da dificuldade de se checagem.”. No entanto, o editor da versão impressa do Estadão acredita que, para o jornalismo internacional, a principal vantagem da combinação agência de notícias e internet é a praticidade do modelo de distribuição. “Sou do tempo em que era necessário separar manualmente todos os despachos recebidos pelo telex para ver o que traziam de melhor”, conta. “Havia uma quantidade absurda de papel que, depois de usada, era jogada fora.” De sua época como repórter de “inter” da Folha, Igor Fuser se recorda, além do acúmulo de papéis na redação, “do forte cheiro da tinta do papel carbono e da sujeira que ele deixava nas mãos”. O papel carbono era utilizado para copiar os despachos para todas as publicações que então pertenciam ao Grupo Folha, como os jornais Agora e Notícias Populares. Há mais de meio século na profissão, a jornalista Regina Helena de Paiva Ramos, apo-

sentada desde 1991, passou pelas publicações Manchete, A Visão e Correio da Manhã. Ela conta que se emocionava cada vez que ouvia a campainha do telex: “Era uma coisa engraçada, você estava na redação e de vez em quando soava uma campainha: ‘Tlim! Tlim! Tlim!’”. Na redação de A Gazeta havia uma “salinha” separada para o aparelho telegráfico. Lá ficava o operador de telex, que também era responsável por traduzir os despachos. Exceto os da France-Presse, que, segundo Regina, já chegavam em português – isso graças ao trabalho das brasileiras Edith Negraes e Patrícia Galvão, a escritora modernista Pagu. Elas viviam em Paris e colaboravam com a agência francesa nos anos 1950. “A notícia da morte do Kennedy chegou por telex. Lembro que o rapaz que o operava gritou ‘Deram um tiro no Kennedy!’ e imediatamente todos correram para a salinha. Antes de todo mundo chegar lá, ele já estava gritando ‘Parece que ele morreu!’. São coisas que gravam na nossa mente e a gente nunca mais esquece”, lembra Regina, que, em 1963, ainda era repórter de A Gazeta. Durante o período em que

foi correspondente na França, entre 1974 e 1982, João Batista Natali conviveu com profissionais de agências de notícias. Na memória do professor da Cásper, eles ficaram gravados como “pessoas muito atarefadas, com quatro ou cinco pautas por dia”. Ele também diz que alguns repórteres da Reuters e da AFP que conheceu tinham “conhecimento enciclopédico fabuloso. Um amigo meu acompanhava detalhes da política interna de cada país africano. Eu telefonava para ele quando precisava de algum contato ou informação”. Gabriel Toueg foi correspondente freelancer em Israel de 2008 a 2009 e conta que seu contato com as agências, quando estava “do outro lado”, era “delicado”. “Eu precisava concorrer com o repórter da agência de maneira quase desleal”, revela o editor do Estadão online. Essa “deslealdade”, de acordo com Toueg, se dava em virtude da maior capacidade logística das agências: “muitas vezes, quando eu mandava a notícia para algum portal, eles já a haviam recebido”.

a partir de uma estrutura “rígida”, contando o que aconteceu, porque aconteceu e porque o acontecimento é importante. “Cai um avião. Você tem um ciclo de 24 horas para

O CAMINHO DO TEXTO NA REUTERS Para Adriana Garcia, business editor da agência, o processo de finalização das notícias é como o desenvolvimento de uma árvore. Veja como isso acontece:

Dependendo da complexidade do acontecimento, depois de algumas horas o texto principal – o trunk – é consolidado com pedaços de outras matérias

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Ao longo do dia, a redação da Reuters edita cada texto para ver se a matéria está coerente e checa se as informações veiculadas estão corretas

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Na outra ponta do terminal “Acredito que metade do sucesso de uma agência é a logística. Saber como contar uma história nas piores circunstâncias possíveis – estar pronto, chegar lá e escrever a matéria – é o que garante a rapidez”, defende Adriana Garcia. A business editor da Reuters explica que os repórteres da empresa passam constantemente por treinamentos, que os capacitam a agir de imediato em situações delicadas como terremotos e golpes de Estado. Adriana esclarece que o processo de apuração da Reuters, para garantir credibilidade, exige uma disciplina “quase militar” de seus jornalistas. Quanto aos textos, ela diz que eles são feitos

escrever a matéria. O fato é que caiu um avião, então a princípio essa vai ser a notícia principal. Passado certo tempo, o CEO da companhia aérea terá de se pronunciar, depois a

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Agência recebe informações sobre um fato. Em 10 minutos, a redação deve publicar matéria com um ou dois parágrafos, contando o que aconteceu e as possíveis implicações do evento

Em 20 minutos a matéria deve ser atualizada com mais quatro ou seis parágrafos, que desenvolvem o contexto da notícia com mais dados ou declarações das pessoas envolvidas

polícia e o corpo de bombeiros. Todas as informações são reunidas em um único texto – são pedaços de matérias que estão embutidos na matéria principal, o trunk [veja infográfico]”, exemplifica a editora. Além desse esquema de apuração, Adriana Garcia ressalta a importância de “não assumir ou editorializar a notícia e manter-se fiel aos fatos”. No entanto, de acordo com a jornalista, a rapidez com que as informações devem ser produzidas leva a Reuters a depender de fontes oficiais. “Muitas vezes não temos tempo para ouvir o outro lado da história. Mesmo assim, o que uma pessoa ligada ao governo revela é importante. Tudo o que o presidente fala é publicável”. Para Igor Fuser, a maioria das agências se pauta pelas prioridades geopolíticas do Departamento de Estado dos Estados Unidos, órgão responsável pelas relações internacionais norte-americanas. “Isso é reproduzido acriticamente por publicações do mundo inteiro. Eu vivi isso”, avalia o coordenador de Jornalismo da Cásper Líbero. “Se o editor resolve falar sobre a fome no Congo, e nenhuma publicação concorrente também o fizer, ele será cobrado. A não ser que a Casa Branca considere importante falar sobre o assunto, por estar preparando uma intervenção naquele país.” “As agências têm competência para entregar o que é relevante, seguindo seus próprios padrões”, analisa Walter Lima. Essa competência, segundo o pesquisador, se deve à ousadia e aos investimentos que essas companhias fazem em novas tecnologias da informação. “Elas funcionam de maneira diferente das empresas de mídia, que, em geral, não são arrojadas. Por isso dependem tanto das agências de notícias.” Maio de 2012 | CÁSPER

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TABLETS

As revistas migram seu conteúdo, mas ainda buscam adequar sua linguagem à nova plataforma digital

Por Mariana Marinho

O D PEL A P RA O T E A P BL A T

N

MARIANA OLIVEIRA

o dia 16 de março, centenas de consumidores espremiamse em longas filas entre guarda-chuvas e sacos de dormir. O motivo de tanto alvoroço em frente à loja da Apple em Nova York nada mais era do que o último lançamento da marca: a nova versão do iPad. Nessa data, o tablet chegou às lojas de dez países e vendeu aproximadamente 3 milhões de unidades em menos de duas semanas. Milhares de dedos esperavam ansiosos para deslizar sobre a superfície touch screen, de aproximadamente 10 polegadas, e degustar a experiência proporcionada pela plataforma. Os tablets apareceram no mercado em 2010 e, desde então, vêm desafiando o nosso processo de cognição. “Ele é um dispositivo móvel que pressupõe a interatividade. Você amplia a tela com os dedos, abre outras telas com eles. Nele você tem uma experiência tátil, um contato manual”, explica Helena Jacob, jornalista e professora da disciplina Jornalismo em Revista da Faculdade Cásper Líbero. Se antes a interatividade ocorria, basicamente, no plano audiovisual e mediada por uma tela, agora temos o toque, aumentando as relações interativas entre indivíduo e plataforma. Assim, alteram-se também as possibilidades de produção e recepção de conteúdo.

Os veículos de comunicação impressa, na ânsia de pertencer ao universo digital, começaram a adaptar suas publicações para o tablet. Porém, devido à ausência de paradigmas para essa nova plataforma, os caminhos dessa transição ainda são nebulosos. Tenta-se compreender qual a melhor maneira de trabalhar o conteúdo diante de um leque de recursos interativos e da busca por uma linguagem própria do tablet. Para Manoel Lemos, diretor das iniciativas digitais da Editora Abril, “A opção agora é que a revista no tablet seja fiel à revista impressa. O conteúdo é exatamente o mesmo. Por outro lado, a gente quer que a revista tenha toda a plasticidade e a interatividade que a plataforma permite”. Até o final da apuração, a Abril oferecia 25 títulos dos 54 publicados em formato eletrônico para tablet nos sistema IOS da Apple e no sistema Android. A pioneira da empresa foi a revista Veja, lançada juntamente com a chegada do iPad no Brasil, em 2010. “Nós estudamos todas as tecnologias que havia naquele momento e fizemos uma opção tecnológica”, comenta Lemos. “No final de 2010, colocamos mais quatro títulos e depois entramos em um processo de linha de produção com os 25 que temos até hoje.” Maio de 2012 | CÁSPER

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Busca pela linguagem

CAMILA LUZ

Rafael Costa acredita que um dos maiores desafios na produção de revistas para tablets é o financeiro

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CÁSPER | Maio de 2012

Todas as revistas da editora Abril são produzidas pelo WoodWing, um software comprado recentemente pela Adobe que permite a elaboração de aplicativos para tablets. Nele, os plugins para a produção editorial permitem a utilização de ferramentas para a criação de publicações interativas sem a necessidade de conhecimento em programação. “Nesse sistema específico, nós fazemos o layout no InDesign [software de diagramação da Adobe] e migramos o arquivo com uma série de automatizações que o transforma em um arquivo lido pelo iPad e aceito pela App Store”, esclarece Rafael Costa, diretor de arte da revista Info. Diferentemente da maioria das revistas da casa, a Info não

De acordo com Rafael, a variedade de produtos oferecidos pela Info em diferentes plataformas apresenta linguagem e abordagem mais jovens. Essa diretriz faz parte do novo projeto editorial e visual que completa um ano em abril de 2012. Com isso, a Info foi a primeira revista da Abril a linkar e compartilhar o conteúdo do tablet em redes sociais, como Twitter e Facebook. Outro diferencial da revista é a clara orientação de navegação. “O leitor sempre sabe onde estão as áreas clicáveis, pois elas têm uma cor diferente. A revista emprega uma lógica e uma coerência muito grande, com interações que não a descaracterizam”, explica Gustavo Poloni, redator-chefe da publicação. Com relação à linguagem, a revista apresenta, na versão para tablet, um texto semelhante ao encontrado no impresso, assim como os outros títulos da Abril. Gustavo acredita que as pessoas estão buscando modelos diferentes, mas que ninguém os encontrou ainda. “O tablet é muito novo e nós ainda estamos entendendo como ele funciona”, comenta. O que a Info propõe é a complementação do conteúdo com material audiovisual. “Acho que não chegamos de fato a entender todo o potencial da plataforma. O que existe são migrações, transições e adapta-

ções. Talvez o ideal fosse a criação de algo específico. Isso já foi muito discutido, mas nesse momento não é a linha geral da empresa”, afirma Rafael. A jornalista Helena Jacob sustenta que, aos poucos, teremos a construção de uma linguagem para os tablets. “Acredito que ela seja uma fusão do texto da internet com o texto impresso. Mas deve ser uma linguagem específica, tanto visual quanto editorial”. Para Daniela Ramos, pesquisadora de interfaces da comunicação e professora da Faculdade Cásper Líbero, ainda é muito difícil para as redações entenderem que o meio digital é realmente outra plataforma. “O interessante seria continuar buscando aquele conteúdo referendado por aquela marca em um formato que não seja o texto escrito. Talvez não seja para colocar texto e sim para transformar aquele conteúdo em coisas para brincar na tela touch screen”, pontua.

Questões mercadológicas Para alcançar uma linguagem ideal, em que o leitor tenha uma experiência plena na plataforma, seria preciso experimentar várias maneiras de produzir conteúdo. Porém, existe uma questão de gestão de negócios. “As empresas ainda não sabem muito bem o que fazer com o tablet. Elas criam revistas e jornais, mas ainda não estão focadas na nova ferramenta”, acredita Helena. “Estão pensando muito com o olhar do impresso. É preciso realmente ver o tablet como uma possibilidade de veículo de comunicação.” Rafael Costa pensa que um dos maiores desafios para produzir esse conteúdo digital é o financeiro, pois o problema está em ser viável. “Se isso virar um negócio e der lucro, as pessoas começarão a investir

em termos de atenção, esforço e dinheiro para realmente fazer acontecer. É também uma questão de tempo.” O mercado de tablets no Brasil está crescendo em bom ritmo, segundo a consultoria Internet Data Center (IDC). No primeiro semestre de 2011, foram vendidos cerca de 200.000 desses aparelhos – o dobro do vendido durante todo o ano de 2010. Mesmo assim, o produto continua com o preço elevado, ficando restrito a uma minoria. Um levantamento realizado pela Ipsos, empresa de pesquisa de mercado, no primeiro semestre de 2011, apontou que a maior parte dos 196 mil brasileiros usuários de tablets são homens da classe A entre 18 e 24 anos. “Além de ser caro, o Brasil tem um problema de segurança pública. As pessoas não têm coragem de usá-lo em qualquer lugar. Essa questão ainda irá impactar bastante a construção de uma linguagem específica aqui no Brasil”, argumenta Helena.

DIVULGAÇÃO

adapta a versão produzida para o iPad para o sistema Android. “As pessoas falam de tablet, mas o que você tem é uma versão emulada, com duas tarjas de ponta a ponta, adaptada para a tecnologia Android. Nós layoutamos duas edições, uma para iPad e outra para Android. É o mesmo conteúdo, mas as dimensões, resoluções e limitações são diferentes. Nós prevemos tablet, não apenas iPad”, acrescenta o diretor.

Um novo paradigma O tablet apresenta uma quebra de paradigma que, de acordo com Daniela Ramos, implica em uma mudança não apenas no entendimento mercadológico, mas também na formação jornalística. “Os leitores sabem que a plataforma não é apenas para ler, mas para copiar, colar, retransmitir, jogar e navegar em audiovisual. Então, o jornalista deste meio deve pensar conteúdo não apenas com base no texto escrito e na foto, mas sim

Para Manoel Lemos, é preciso estudar a melhor forma de realizar essa transição

de uma forma hipermidiática.” Manoel Lemos acredita que virão mudanças, mas que ainda não é o momento de causar essa ruptura, pois é necessário estudar qual seria a maneira mais correta de realizar essa transição. “Estamos no começo deste processo, no qual as revistas no tablet deixam de ter cara de revista impressa. Esta é particularmente uma das minhas maiores preocupações. O que a gente vai fazer neste sentido é começar a experimentar mais coisas e ferramentas diferentes”, defende. Helena pondera que o universo dos tablets é algo muito novo com o qual o jornalismo ainda está aprendendo a lidar, mas teme que o conservadorismo inato das empresas de comunicação brasileiras impeça que arrisquemos mais para encontrar o formato e a linguagem do tablet. “Talvez, quando a plataforma se popularizar e o mercado ficar mais competitivo, comecem a aparecer produtos diferentes.”

Do site para o tablet

O

s veículos impressos não foram os únicos a migrar suas publicações. Nascida em maio de 2011 com a proposta de trazer para o leitor um conteúdo personalizado, a revista digital mymag também disponibiliza sua publicação para o tablet. Porém, a dinâmica ainda é diferente. Felipe Mendes, editor da mymag, explica que, no site, o leitor escolhe sete matérias de conteúdo frio, entre aproximadamente os cem disponíveis, para compor a sua edição. Para a capa, ele pode optar pela foto relacionada a uma das matérias ou enviar uma foto própria. “Depois, basta escolher um nome para a revista e partir para a leitura que é, inicialmente, em uma plataforma digital. Caso ele queira, pode pedir a revista impressa, mas essa versão tem um custo.” Já no tablet, o leitor encontra publicações gratuitas editadas mensalmente pela redação da revista. Ivan Zumalde, cofundador da mymag, diz, no entanto, que já está sendo desenvolvido um sistema para montar a mesma dinâmica no tablet: “Estamos indo para o HTML5, uma programação que permite mais interação com o leitor”. Segundo ele, a mudança de estratégia está acontecen-

do porque, com o aplicativo nos moldes atuais, a resposta não veio na escala imaginada. “Não se paga pela operação ainda e, pior, você não sabe quem são seus leitores, pois fica tudo com a App Store. Em um modelo HTML5, no caso da mymag, fica mais fácil de entender e customizar de acordo com o nosso público”, complementa. Ivan Zulmade explica que a mymag realizou um trabalho de ergonomia visual, pois o tamanho da revista impressa veio a partir do tablet. “Nós já entendemos que aqui existe um caminho a ser trilhado. Leitura de revistas é daqui para frente”, afirma. Em agosto e setembro de 2011, Zumalde foi convidado pela Associação dos Editores de Revista (ANER) para falar sobre a readequação do conteúdo e como aproveitar melhor as possibilidades do tablet. “Minhas impressões a partir desse congresso é que estamos em uma transição. Mas sinto que a mymag está um pouco à frente por ter nascido customizada na internet. As pessoas ainda não sabem direito como transpor a revista para o tablet. É como aqueles sites horríveis que havia no começo da internet. Todos nós estamos aprendendo.”

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ENTREVISTA

raciocínio

ilustrado Com trabalhos publicados em mais de 50 revistas, o desenhista Weberson Santiago defende a ilustração à mão e acredita que ela é a melhor forma de pensamento lógico Por Caroline Mendes

WEBERSON SANTIAGO

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omo um jogador de paintball de primeira viagem se esconde e atira aleatoriamente, torcendo para acertar uma bolota de tinta em algum distraído, assim Weberson Santiago começou a carreira de ilustrador. Desde a adolescência, lançava tinta para todos os lados, esperando que alguém notasse seu talento. “Talento? Se dependesse de talento, eu não estaria onde estou.” Certo. Então fiquemos com persistência. “E muita!”, ressalva o rapaz. Nascido e criado em Mauá, na região do ABC Paulista, Weberson se apaixonou pelas ilustrações e histórias em quadrinhos quando começou a trabalhar na banca de jornal do seu bairro. “Todo o meu salariozinho ficava lá mesmo, na banca. Lia e comprava tudo quanto era revista em quadrinhos e adorava os jornais. Tinha apenas 11 anos, mas sentia que queria trabalhar com aquilo.” Mais tarde, aos 13 anos, ele se mudou para a capital, para estudar. E para trabalhar, depois de muito teimar com os professores na Quanta Academia de Arte, escola que lhe ofereceu o primeiro emprego e à qual diz dever “tudo o que sabe sobre ilustração”. A partir daí, não parou mais de desenhar.

Hoje com 28 anos, Weberson Santiago dá aulas no curso de Design Gráfico da Universidade de Mogi das Cruzes, mesma instituição em que concluiu a graduação, também em Design Gráfico. Além de ensinar, realiza trabalhos de ilustração para o jornal Folha de S.Paulo, para as revistas Menu, Aventuras na História e Info, além de encomendas da Editora Moderna. Sempre pegando um trabalho aqui e outro ali, já publicou criações suas em mais de 50 títulos de revistas, jornais e livros. E teve seu talento – sim, ele o tem! – celebrado em 2009, ano em que ganhou o Troféu HQMIX como melhor ilustrador de 2008. “Fiquei honrado só por competir ao lado de tanta gente boa. Foi bem bacana”, afirma. O currículo é de gente grande, mas a fala descontraída, carregada de gírias e palavrões, e a paixão com que Weberson Santiago fala do desenho são iguais às de um moleque que ainda adora história em quadrinhos. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a relação da imagem com o jornalismo, o papel da ilustração na comunicação e como é a sua relação de amor e ódio com o desenho. Maio de 2012 | CÁSPER

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CAMILA LUZ

Como é a relação da ilustração com o texto jornalístico? Ou seja, em quais situações o desenho é necessário para compor uma matéria? A concepção deve sempre ser em conjunto, com o diretor de arte, o ilustrador e o jornalista trabalhando em parceria. Nenhum dos três realiza o trabalho sozinho. Quando existe uma boa comunicação e todos se dedicam igualmente, não há como o resultado não ser legal. Em colunas, principalmente, utiliza-se a ilustração em vez de foto para chamar mais a atenção, dialogar de uma maneira mais light com o leitor. No caso de reportagens policiais, que requerem reconstituição dos fatos, a ilustração é o único recurso viável. Já em matérias factuais do dia a dia, a fotografia funciona melhor, pois exerce o papel que o desenho não consegue, mostrando o carro que capotou ou o presidente apertando a mão do pobre. Os jornais têm muitas fotos, quase todas as matérias são fotografadas. Então quando uma ilustração aparece, dá um toque artístico ao texto, desperta curiosidade. O desenho deveria ser mais utilizado, os jornais e revistas seriam bem mais legais. Com o avanço da tecnologia, as revistas ganham formatos para tablets e os jorna24

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Apesar de usar o Photoshop, o ilustrador prefere o trabalho à mão

Seu perfil no Facebook tem muitas fotos suas desenhando e pintando à mão, sem usar computador. Você usa pouco a tecnologia para criar? Prefere o modo tradicional? Gosto de trabalhar dos dois jeitos, mas estou cansado de computador. Não aguento mais trabalhar com Photoshop! Ando produzindo tudo à mão: risco e tinta no papel e a digitalização só no final do processo. O ritmo da feitura à mão é mais lento e, por isso, consigo ter uma relação diferente com o trabalho, consigo dar mais atenção a ele e melhorar sua qualidade. Estou cansado de fazer tudo rápido no computador. Quero ilustrar cada vez mais livros, que são trabalhos mais demorados, permitindo essa relação de dedicação total. Para jornais e revistas, é traço no papel e logo vem o Photoshop, porque é tudo para ontem. Uma ilustração perde força, espontaneidade ou qualidade quando feita no computador? A qualidade e a força não são perdidas, mas as chances de espontaneidade diminuem, sim. Quando você está desenhando ou pintando no papel, uma tinta que respinga ou um traço que escorrega podem deixar o trabalho muito mais interessante. Essas coisas acontecem e são muito bacanas durante o processo. Mas um não tira o mérito do outro, é claro. A tecnologia e o modo tradicional têm suas vantagens e desvantagens.

WEBERSON SANTIAGO

listas encontram dificuldade nesse novo fazer jornalístico, que dialogue com essa realidade. E a ilustração nessa transição? Os ilustradores também precisam se adaptar e mudar o modo de pensar e executar seus trabalhos? A tecnologia ajuda muito nos desenhos, tornando o processo bem mais rápido. Para as versões para tablets das revistas, por enquanto, não são necessárias muitas adaptações das ilustrações, já que o designer continua fazendo o seu trabalho como se fosse para o impresso. Mas para livros eletrônicos, sim, houve mudança. As ilustrações para e-books têm de ser interativas, principalmente se o livro for infantil. Isso está se tornando cada vez mais comum, o que acho que pode ser um grande tiro no pé. A ilustração está deixando de ser uma ilustração propriamente dita e está virando animação. Vai chegar um momento em que as pessoas sentirão falta do desenho paradinho, como ele sempre foi. É como o cinema 3D: não é porque existe a tecnologia que todos os filmes devem ser em 3D. Há filme que não é para ser tecnológico, que não funciona. Aos poucos, é preciso dosar essa coisa da ilustração e da animação.

Você já fez anúncios, livros, revistas, jornais, capa e encarte de CD, animação... Há algum tipo de trabalho que ainda não tenha feito e quer fazer? Quero produzir livros meus, escritos e ilustrados por mim. Inclusive, tenho dois livros prontos, mas ainda não foram publicados. Outra coisa que quero muito é me dedicar a pintar telas e a fazer exposições. Como são esses livros já prontos? Por coincidência, os dois são livros infantis. Um deles é sobre um hipopótamo adotado, gordinho e desastrado, que pensa que ninguém gosta dele e por isso vive triste. Mas, no final, ele descobre que tem tudo o que precisa para ser feliz e as pessoas gostam dele como ele é. O outro fiz em parceria com minha esposa e se chama Pipa, o Papagaio. Ele só tem imagens, sem texto, e narra a história de um menino que está soltando uma pipa bonita e colorida em um bairro rico. De repente, a linha estoura e ele persegue o brinquedo até uma favela. Quando ele chega lá, vê sua pipa na mão de um garotinho todo sujo e descalço. Acontece um pequeno confronto, mas no final eles ficam amigos e brincam juntos com suas pipas. Fofas as histórias, não são? Mas tenho outro livro que é totalmente diferente e nem um pouco fofo que se chama Os Olhos da Cara e as Pregas do Cu, de contos pornográficos. Este ainda não está 100% pronto, porque não é muito fácil fazer um trabalho assim [risos]. Acho que ninguém vai querer publicá-lo... Mas não tem problema, eu publico. E se ninguém ler, eu leio! [risos]. E histórias em quadrinhos? Já fez esse tipo de trabalho profissionalmente? Tem vontade de trabalhar com isso? Fiz uma história em quadrinhos para o personagem Quebra-Queixo do quadrinista Marcelo Campos, que é um amigão meu. Agora estou preparando outra HQ com o Alexandre Cavalo, guitarrista da banda Velhas Virgens e também meu amigo. Esta última é uma história sobre a banda, tendo como base o álbum Ninguém Beija Como as Lésbicas, do qual eu fiz a capa e o encarte, inclusive. Está difícil de terminar, mas está ficando muito legal. Até tenho vontade de fazer mais quadrinhos, mas quando penso no trabalho que dá, desisto. Sou apaixonado por HQ, mas não é algo que queira enfrentar como compromisso. Vou fazendo no meu tempo, na hora que der, sem cobranças. Já a ilustração é um trabalho mais rápido e dinâmico, diferente das histórias em quadrinhos que devem ter uma narrativa certinha com começo, meio e fim. Doume melhor com as ilustrações. Mas tirinhas eu

adoraria fazer, acho demais! O problema é que é muito difícil, sou incompetente para fazer tiras. Tenho algumas, mas são horríveis, sempre tem um palavrão no meio. Não consigo fazer nada sem palavrão [risos].

Capa do CD Ninguém Beija Como as Lésbicas, da banda Velhas Virgens

Quais ilustradores, quadrinistas, pintores, designers influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho? São vários ilustradores, mas cito apenas dois: Al Hirschfeld e Ralph Steadman. O Hirschfeld era um caricaturista norte-americano com um trabalho espetacular. Durante cerca de 80 anos ele trabalhou para o jornal The New York Times, fazendo a capa do caderno de cultura e caricaturas. Ele desenhou todo mundo da Broadway que você possa imaginar! Não sou caricaturista, então a influência dele no meu trabalho é indireta. Ele tem um desenho limpo e lindo, que me inspira demais, mas infelizmente não consigo reproduzir. Já o traço do Steadman é mais sujo, visceral mesmo. Ele e o jornalista Hunter Thompson eram completamente loucos e construíram uma história incrível no jornalismo, trabalhando juntos na cobertura de eventos e na produção de reportagens e entrevistas para a revista Rolling Stone. Hirschfeld e Steadman desenhavam com bico de pena, ou seja, usavam a mesma técnica e produziam trabalhos completamente diferentes. Eu vejo e revejo os desenhos dos dois e fico maluco! Aliás, tem desenho que me tira o sono de verMaio de 2012 | CÁSPER

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dade! Na [feira de quadrinhos] Rio Comic Con do ano passado, tinha uma exposição do Milo Manara que eu deixei para ver no último instante do último dia porque, se visse antes, não conseguiria parar de pensar no trabalho do cara e nem dar as minhas palestras! Outro monstro que tenho que citar é o Ziraldo. A maioria das pessoas conhece apenas O Menino Maluquinho e O Bichinho da Maçã, mas ele tem uma produção de cartazes de cinema, por exemplo, que é espetacular. O desenho dele é muito bom! Tenho inveja desse cara.

“O desenho é uma bênção e uma maldição para mim, porque ao mesmo tempo em que me acalma, fica na minha cabeça 24 horas”

Em quase todas as entrevistas, você fala da questão da espontaneidade do desenho. A ideia tem de surgir na sua cabeça e ser logo passada para o papel. Como organiza, então, as etapas de produção de uma ilustração para não perder a espontaneidade? Ultimamente, tenho trabalhado com mais atenção e dedicação, mas tentando manter essa espontaneidade que penso ser o principal. Por exemplo, acabei de entregar na Editora Moderna um livro infantil do Robin Hood. Foi um trabalho longo com mais de 50 ilustrações em página dupla. A história é um clássico, então muita gente já elaborou desenhos para ela, vários filmes foram rodados e eu não quis fazer só mais um Robin Hood entre todos os que já existem. Procurei todas as adaptações para estudar o que tinha sido feito para ter referências. Em uma obra grande como esta, a narrativa contada pelos desenhos deve acompanhar a história. Para cada imagem, faço um rascunho a lápis e vou aperfeiçoando, ajeitando um traço aqui, um detalhe ali, até ficar pronto para pintar, primeiro em sulfite, depois em um papel mais grosso, que aguente a tinta. Em cinco ou seis horas de trabalho finalizo um desenho de página dupla. Parece complexo, mas, na verdade, é simples. E por isso dá para manter a espontaneidade dos traços.

WEBERSON SANTIAGO

Capas dos livros da Editora Martin Claret: O Menino Lobo (à esquerda) e Alice no País das Maravilhas (acima)

WEBERSON SANTIAGO

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Você procura criar além das encomendas e desenhar puramente por prazer para se distrair do trabalho? Sempre! Quando você fica só na encomenda, não tem como ser completamente realizado. Não dá tempo de fazer as suas coisas, os desenhos da sua cabeça. O bacana da encomenda é que existe um desafio imposto por um editor de arte de realizar um trabalho de tal jeito para tal dia. É importante sair da zona de conforto de fazer só o que dá na telha, no tempo que der. Ando sempre com um caderninho, no qual rabisco minhas ideias. O desenho é uma bênção e uma maldição para mim, porque ao mesmo tempo em que me acalma, fica na minha cabeça 24 horas.

Nas aulas e workshops que ministra, o que você busca despertar nos alunos? O que privilegia na hora de ensinar? O que tento transmitir é a importância do desenho no raciocínio, ou seja, na hora de pensar e realizar tarefas ou resolver problemas. Sempre dei aula para cursos que trabalham com criação – Publicidade e Propaganda, Jornalismo, Design e Ilustração – e acredito que os alunos devam aprender a utilizar o desenho não somente para se tornarem ilustradores, mas como uma ferramenta cotidiana. Na escola, todas as crianças aprendem a escrever e poucas viram escritoras. Nós usamos a escrita para planejar nosso dia, nos expressar, organizar e raciocinar. Com o desenho, deve ser a mesma coisa. Para a publicidade, por exemplo, ele pode ser uma forma de criar um anúncio. Sou muito satisfeito com o progresso que vejo nos alunos. Crio o dia inteiro e, nas aulas, busco compartilhar o que produzo. Sempre mostro estudos de caso e desenhos para eles verem como a teoria funciona na prática. Desde que comecei a ensinar, com 16 anos, fiquei apenas seis meses fora da sala de aula. É uma coisa de que gosto muito. A ilustração fala por si própria, tem uma linguagem específica? Existem efeitos e linguagens que só a ilustração consegue comunicar. Pequenas histórias em quadrinhos, por exemplo, são muito úteis para divulgar uma campanha de segurança do trabalho em uma fábrica ou de prevenção de doenças em postos de saúde. Nesses casos, a ilustração é super viável, porque transmite a informação de um jeito rápido, fácil e interativo. Já na publicidade, por exemplo, você pode pegar a melhor foto de um morango lindo, vermelhinho, coberto de gotículas de água para colocar em uma embalagem de suco que a foto não alcança a perfeição de uma ilustração. Nas propagandas de cerveja, o que parece ser uma latinha de cerveja, nunca é uma latinha de verdade, mas uma ilustração feita na unha mesmo e pintada no Photoshop. Chega a ser irônico isso, mas é verdade. Seu filho mais velho, Enrique, gosta de desenhar? Você o deixa mexer nas suas tintas, pincéis, canetinhas...? Ele adora desenhar, mas o deixo livre. Não forço essa relação e nunca vou forçar. Se ele quiser ser ilustrador, ótimo! Porém não vou obrigá-lo a isso. Meu pai queria que eu fosse uma coisa que não queria ser. Não vou fazer isso com meu filho. Compro lápis, pincéis e tintas para ele e desenhamos juntos. No meu material, ele não mexe, não! Maio de 2012 | CÁSPER

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VIDEOGAMES

BRINCAR,

JOGAR e

COMUNICAR Videogames são divertidos, sim, mas os jogos eletrônicos formaram um sólido mercado e atraem a atenção da academia – inclusive da comunicação. Será que os games vão além da simples diversão? Por Tiago Mota

TIAGO MOTA

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artindo de SpaceWar!, o primeiro jogo eletrônico desenvolvido em 1962, a história do videogame completa cinco décadas. E o que antes era encarado como uma brincadeira, hoje é uma força econômica. “Videogame é o produto de entretenimento de maior lucro na história da humanidade”, afirma Fernando Souza Filho, editor-chefe da EGW, revista especializada em games. O jornalista começou a jogar em 1982 em um Atari 2600 e presenciou todas as mudanças do segmento. “Era uma novidade tecnológica que alguns consumidores com muito dinheiro conseguiam usar como diversão. Dos anos 1990 para cá, começou a ganhar um ar de seriedade, não só pelo

conteúdo dos jogos, mas pela produção que envolvem.” No ano passado, segundo o Gartner, centro americano de pesquisas estatísticas em tecnologia, o faturamento da indústria de games foi de cerca de 71 bilhões de dólares. Em 2015, o previsto é de 112 bilhões. O jogo Wii Sports (Nintendo, 2006) é o mais vendido da história, com mais de 60 milhões de cópias vendidas. Outro exemplo de bom desempenho em vendas? Call of Duty: Moder Warfare 2 (Activision, 2009) rendeu 400 milhões de dólares em apenas 24 horas de lançamento. GTA IV (Rockstar, 2008), um dos favoritos de Fernando Souza Filho, envolveu o trabalho de mil profissionais durante três

anos de projeto. Ao todo, um investimento de 100 milhões de dólares, que rendeu apenas no ano de estreia mais de 19 milhões de unidades vendidas (num cálculo estimativo, algo como 1,14 bilhão de dólares de retorno). Nada mal. Essa indústria cresce assombrosamente. Na mesma escala, cresce o número de fãs em torno de cada título lançado – e eles não são mais garotos desocupados. Somente nos Estados Unidos, segundo dados da Entertainment Software Association (Associação de Softwares de Entretenimento) 67% dos chefes de família americanos jogam videogames (PC e consoles). E – veja só! – o jogador médio tem 34 anos e já joga há doze anos. Maio de 2012 | CÁSPER

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Startups e hard gamers

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DIVULGAÇÃO

É comum encontrar salas de cinema em completa histeria no dia de estreia de algum filme de apelo popular. Foi assim com Harry Potter e As Relíquias da Morte Parte 2 (Warner Bros., 2011). O último episódio da saga do personagem de J.K. Rowling arrecadou 200 milhões de dólares no primeiro dia de exibição em 26 países. Mas este não é mais um fenômeno exclusivo do cinema. Às vésperas da meia-noite do dia 11 de novembro de 2011, os fãs de videogame aguardavam o lançamento de The Elder Scrolls: Skyrim (Bethesda Softworks, 2011), eleito pelo Video Game Awards, o Oscar dos games, como o melhor jogo eletrônico daquele ano. Nos dois primeiros dias de venda, mais de 3,5 milhões de exemplares foram adquiridos pelos gamers ao redor do mundo. Até o final da apuração, esta marca já passava das 11 milhões de cópias vendidas, e os números continuam a crescer. O universitário Angelo Dias, de 22 anos, foi um dos que compraram o RPG (RolePaying Game) Skyrim no minu-

to em que apareceu na internet naquele 11 de novembro. “Eu sabia que o jogo seria lançado à meia-noite”, narra o estudante de jornalismo. “Eu falei no meu trabalho que precisaria faltar por causa de um contratempo. Disse aos meus colegas da faculdade que não iria para aula. Avisei o meu pai que não poderia ajudá-lo nos favores que ele havia pedido, pois teria trabalhos para fazer. Eu menti para todo mundo, menos para a minha namorada. Quando faltava meia hora para meia-noite, postei no Facebook: ‘Skyrim em meia hora’. Esperei o download e comecei a maratona.”. Angelo jogou até as 7 horas da manhã, e só parou vencido pelo sono. Acordou depois do meio dia, almoçou, sentou em frente ao computador e lá ficou até as 17 horas. Ao todo, foram 11 horas de imersão. “Esse jogo estourou a minha cabeça!”, exclama. O termo hard gamer se aproxima, em comparação, ao

que seria um cinéfilo: alguém que dedica horas do dia jogando videogames e detém amplo conhecimento sobre o assunto. Em tradução livre para o português, um “jogador cascagrossa”. “Eu sou um hard gamer. Eu me empenho em um jogo e quero espremê-lo até a última gota do conteúdo que pode me oferecer logo na primeira jogada”, explica Angelo. Nem todos os fãs de games são tão aficionados assim. Anderson Ferminiano, de 17 anos, já se considerou um hard gamer quando mais jovem – por mais estranho que isso possa soar. Por coincidência, começou a jogar também aos 7. “Curtia demais videogame e tinha muita imaginação e vontade de querer saber como se produzia aquilo”, comenta Anderson. “Atualmente, gosto de jogos de diversão rápida. Bem tranquilo. Nada de hardcore, que eu fique jogando o dia inteiro”, detalha o garoto. Se ele não é tão fã assim,

Taikodom: Living Universe, da Hoplon, é exemplo de um jogo nacional bem sucedido

o que pode acrescentar sobre videogames? Ferminiano é um startup – para explicar em português bem claro, um programador de games independente, ainda em início de carreira. Em janeiro de 2012, fundou a GamerSeed, que nasceu como uma rede social sobre games, não vingou e acabou se transformando em uma pequena desenvolvedora de aplicativos interativos para iPhone, Android e Facebook. O estúdio funciona em sua casa, na Ponte Rasa, zona leste de São Paulo, e já produziu dois jogos: Luiza No Canadá, para Facebook, lançado em fevereiro, na onda do viral da internet. Space Boost veio logo depois, para iPhone. Ambos curtos, rápidos e divertidos, bem como gosta Anderson. “O público que quero atingir é o casual. O cara que foi demitido em reunião porque estava jogando. Não queremos quem joga 10 horas por dia, porque ele é atingido por outro tipo de

jogo: é o que levou dois anos de projeto e investimentos de bilhões de dólares”, explica. Tanto que o budget de produção dos jogos da GamerSeed não é alto. Na verdade, não custa quase nada. Para começar os trabalhos, Ferminiano investiu em torno de mil reais em softwares. Depois disso, convidou seu amigo Vitor Yoshio, ou Yoshi – tal qual o dinossaurinho de estimação de Mario, de Super Mario Bros. (Nintendo, 1985) –, para ilustrar os jogos. Passado um mês, um produto já fica pronto. Se alguma quantia a mais é gasta, destina-se à divulgação em blogs e outros sites. “A ideia é fazer um jogo bom, torná-lo popular e depois ganhar de várias marcas que queiram se divulgar por meio dele”, detalha Anderson. “O investimento é em longo prazo. Talvez daqui a um ano eu tenha 2 milhões de jogadores, que é a nossa meta em 2012, e poderemos lucrar, tanto com o usuário quanto com divulgação das marcas.” O risco de perder o investimento é mínimo. Afinal, como ele mesmo explica, “alcançar um público que me dê de volta 300 ou 500 mil reais não é difícil. E toda renda que entra é lucro, pois quase não tenho despesa”. Aos 12 anos, Anderson fez parte de uma febre: o jogo Tibia (CipSoft, 1997). Trata-se de um MMORPG ou Massive Multiplayer Online RolePlaying Game, uma complexa estrutura de jogo online de que jogadores ao redor do mundo participam. No caso de Tibia, são 300 mil jogadores ativos ao redor do mundo, entre eles o próprio Ferminiano. O adolescente começou jogando em um servidor open source, que dá permissão ao usuário de modificar os códigos do jogo. Nesse ambiente interconectado, Anderson Ferminiano conheceu designers

que foram lhe ensinando as linguagens da programação. A atividade o envolveu de tal maneira que seus planos são de ir aos Estados Unidos em junho deste ano para estudar computação e – quem sabe? – levar a GamerSeed para o exterior. “Na Califórnia há milhões de caras do mundo inteiro querendo investir nisso. Seria muito mais fácil do que aqui”, sonha o garoto. Angelo Dias não é programador, mas também faz planos de trabalhar com games. Ele desenvolve o site dominaromundo.com, que, conforme diz, “será um site de resenhas e artigos sobre cultura nerd. No começo, iremos escrever

Angelo mostra alguns jogos de sua coleção. “Eu já joguei muitos, mas muitos mesmo!”

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Os jogos têm a capacidade de agregar fãs, formar comunidades em torno de si e, segundo Cristiano Max Pereira Pinheiro, doutor em Comunicação Social pela Pontífice Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), “são meios de comunicar e, desde que nasceram, expressões culturais. Dependendo do contexto, os jogos são criados por uma necessidade sociológica da época. Os jogos digitais, especificamente, nascem com a determinação de as pessoas exercitarem sua naturalidade com interfaces”. Expressão cultural? Arte? Meio de comunicação? Ou puro entretenimento? Videogames podem ser tudo isso.

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“Videogame é um meio de comunicação. O jogo, enquanto linguagem, conta uma história e transmite mensagens”

Ferminiano se dedica a produzir jogos para iPhone. “O público que quero atingir é o casual”, aponta

sobre cinema e pretendemos ampliar para outras mídias, incluindo o videogame”. Para Angelo, os elementos que mais o fascinam em um jogo são o enredo, a originalidade e a inovação, tanto em forma como em conteúdo. “O videogame é um formato de arte pela interação. E também uma expressão cultural e uma nova forma de comunicar”, acredita. Opinião muito diferente tem o programador Anderson Ferminiano, para quem os games “são como uma bola. Posso pegá-la e jogar com meus amigos, assim como posso pegar um iPhone e jogar SpaceBoost. É um produto de entretenimento”.

Brincadeira de adultos No dia 30 de julho de 1961, estudantes da Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, testavam o SpaceWar!, o primeiro jogo eletrônico da história. Desenvolvido em um computador 32

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DEC PDP-1, o jogo não foi criado com fins lucrativos – afinal, quem desembolsaria 120 mil dólares em um equipamento somente para jogar um pouco? Spacewar! foi finalizado em 1962, com o mísero tamanho de 2 kilobytes – hoje, jogos como GTA IV são maiores que 10 gigabytes. O início da história dos games já derruba a ideia de que são produtos infantis, conceitua David de Oliveira Lemes, mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital e professor de Jogos Digitais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Não foram as crianças que inventaram os jogos, mas sim adultos, e todos engenheiros”, conta. “Esse era um trabalho desenvolvido em uma das mais importantes universidades do mundo e com um equipamento de milhões de dólares para produzir um jogo. Só pode ser brincadeira de adulto.” Porém, os jogos só chegaram ao mercado no início da

década de 1970, com a criação de Pong pela desenvolvedora Atari, em fins de 1972. “O objetivo de Pong era levar uma bola de um ponto A para um ponto B. Não havia história ou enredo. Apenas o aspecto lúdico de movimentar interativamente a imagem na televisão, o que já era uma inovação”, explica Fernando Souza Filho, editor-chefe da revista EGW. De lá para cá, diversos elementos foram acrescentados à produção de um jogo, incluindo complexas estruturas narrativas e eficientes sistemas de interação, trilha sonora, efeitos visuais e uma parafernália audiovisual. Muito disso por influência da evolução tecnológica. “À medida que os jogos se desenvolveram tecnologicamente, aumentou a quantidade de ações e a possibilidade de cenários”, explica Souza Filho. “Começou a surgir a necessidade de criar um enredo e de desenvolver personagens com os quais o

público pudesse se identificar. A produção de um jogo hoje não é feita só por engenheiros, mas por roteiristas, designers e tantos outros profissionais.” Lucia Santaella, livre-docente em Semiótica e uma das principais pesquisadoras de videogames do país, acredita que os games costumavam ser vistos como um entretenimento vulgar, vicioso e incitador de comportamento agressivo e violento. Entretanto, garante ela, “o ritmo de crescimento da indústria dos games é assombroso. Se a indústria cresce é devido ao apelo e poder de adesão que os games exercem sobre os jogadores”. Para a semioticista, a academia deveria investigar melhor como os jogos eletrônicos provocam o interesse de seus usuários e aficionados. “Também não deve ser ignorada a crescente inovação e experimentação criativa operada pela indústria dos games”, destaca. Não é à toa que, ao redor do mundo, diversos estudiosos voltam sua atenção para os videogames – desde as áreas de tecnologia, passando por design, engenharia, ludologia, estudos literários e narrativos, e, finalmente, a comunicação.

Games e comunicação “Videogame é um meio de comunicação”, defende Cristiano Pinheiro. “Os jogos, enquanto linguagem, contam uma história e transmitem mensagens.” Para o estudioso, o potencial midiático desses produtos cresceu no momento em que profissionais da área da comunicação e da produção

SpaceBoost é o carro-chefe da GamerSeed, que tenta alcançar 2 milhões de jogadores em 2012.

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de conteúdos se aproximaram deles. “Os jogos ganharam uma grande parcela de entusiastas a partir dos anos 1980, quando os games também passaram a ser narrativas. Quando assumiram essa outra dimensão, tornaramse um veículo e um produto também cultural”, defende. Há outras funcionalidades dos jogos além do entretenimento, muito embora entreter seja a principal função deles. Na Publicidade, criaram-se os advergames, isto é, jogos com a finalidade de promover uma determinada marca, como já o fizeram McDonald’s, Burger King e O Boticário. “É tudo muito novo. Existe muita experimentação. Mas o que a empresa quer?”, elucida David de Oliveira Lemes. “Não dá para você simplesmente fazer games e inserir sua marca ali. Deve-se saber muito bem qual é o público-alvo.” Para o jornalismo não são feitos games comerciais, mas há produções cujo intuito é conseguir que as pessoas entendam como o fato ocorreu

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– os news games. “A CNN, por exemplo, usa um jogo de quizz sobre as notícias da semana”, exemplifica Cristiano Pinheiro. Da mesma forma fez a revista SuperInteressante, com o game Filosofigthers, colocando em um

Anderson Ferminiano passa só duas horas por semana no videogame

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Arte ou entretenimento? Como um novo meio de contar histórias, o videogame é constantemente comparado a seus predecessores, como o cinema e, antes dele, a literatura. Para David Lemes, “O videogame tem a capacidade de juntar elementos de todos estes meios, mas ainda explora a interatividade”. Cristiano Pinheiro complementa: “Quando se está Para Santaella, experimentando uma nova lin“Não pode guagem, é comum pegar caracser ignorada terísticas de outras, modificáa inovação e a las e agregá-las”. É costumeiro, experimentação inclusive, que as mídias se criativa operada remodelem com o surgimento pela indústria das novas. “O que não pode dos games” ser feito é um comparativo no

sentido de julgar em termos de qualidade. Cada um tem uma linguagem”, fala o pesquisador. As constantes comparações levantam um debate insistente: afinal, videogames podem ser considerados uma forma de arte? Fernando Souza Filho, editor-chefe da EGW, defende que não. “O produto artístico é autoral, sai das mãos e da inspiração de uma pessoa. Quando uma enorme equipe trabalha para produzir um produto, como considerar isso arte? É entretenimento”, entende o jornalista. Além de professor em tecnologia para jogos digitais, David Lemes é o fundador do blog GameReporter, o primeiro especializado em games no país. O blogueiro se lembra de que este debate já foi pauta na comunidade de seus leitores. “As boas histórias estão em todos os lugares. Vivemos em uma época da transmídia. Um conteúdo pode começar num livro, passar pelo cinema e continuar nos games”, comenta. David Lemes define os games como “arte digital interativa”, pois entende que “existem jogos com narrativas complexas e roteiristas empe-

Tarquínio Teles, presidente da Hoplon, acredita que o Brasil é a “menina dos olhos” do mercado mundial de games

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ringue as ideias de alguns dos principais filósofos da humanidade, um contra o outro. Qual é, afinal, a diferença entre o videogame e as outras mídias? “É a primeira mídia digital verdadeiramente interativa”, destaca Cristiano Pinheiro. Assim como o fonema é a menor das unidades que compõem um idioma, os jogos possuem ludemas, que, na concepção de Pinheiro, são “a menor parte de uma sentença de jogo”. Existem diversos tipos de ludemas, elementos únicos da linguagem dos games enquanto mídia. Como os cognitivos, que são os desafios que o jogo oferece ao jogador, também chamados de puzzles. O casamento desses elementos poderá gerar maior ou menor telepresença, que é a imersão do usuário no game. “Basicamente, o processo de significação dos videogames ocorre com uma capacidade muito maior de gerar sensações do que o das mídias tradicionais”, explica Pinheiro. “Portanto, a significação e ressignificação da história ocorrem dependendo do grau de telepresença. É nesse sentido que direcionamos as nossas pesquisas, utilizando ludemas e teorias de interação e da capacidade de promover imersão, seguidas pela semiótica.” Sob a análise de Lúcia Santaella, “uma semioticista de plantão”, como ela mesma se define, “Videogames são

uma mídia que possui linguagem própria. Ela é complexa e envolve uma série de sub-linguagens, tais como: programas computacionais, modelagem, arquiteturas, design interativo, animação, ergonomia, usabilidade, roteiro audiovisual e narrativa – que prefiro chamar de estratégias semióticas”. Para ela, “É claro que o game tem de comunicar, mas, além disso, ou melhor, por meio da comunicação, ele deve incitar o ato de jogar”.

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“As boas histórias estão em todo lugar. Vivemos em uma época da transmídia”

nhados. Se cinema pode ser arte, o videogame não pode ser também? Há grandes artistas, trabalhando lá, como desenhistas, modeladores, ilustradores e programadores”. Lucia Santaella define os jogos digitais com a expressão “estéticas tecnológicas”, correndo o risco, segundo ela mesma, “de que a palavra ‘estética’ seja confundida com salão de beleza ou dayspa” . “Os games têm uma estética específica que implica criatividade em todas as facetas das sub-linguagens. Trata-se de uma estética que é colocada a serviço do entretenimento, assim como a da publicidade é colocada a serviço do consumo”, argumenta. Uma vez assumido o videogame como mídia, Cristiano Pinheiro acredita que qualquer

conteúdo pode ser produzido e transmitido por meio dos jogos, inclusive o artístico. “Portanto, eu posso fazer arte em formato de videogame”, pontua. Para ele, existe um preconceito comum quando uma nova mídia começa a ingressar no campo que já era dominado por outras. “É natural que existam debates acalorados”, conclui.

Brasil entrando no jogo Seguindo o exemplo de Estados Unidos e Canadá, por exemplo, o Brasil já encara a indústria dos videogames como força econômica e os jogos como manifestações culturais. Em dezembro de 2011, foi aprovada a portaria nº. 116, que inclui os games como abrangidos pela Lei Rouanet, ou Lei de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313).

Os jogos nacionais passaram a se enquadrar na categoria de mídia audiovisual. A partir de 2012, os desenvolvedores podem captar investimentos para as suas produções por meio de incentivo fiscal. A Newzoo, empresa americana de estatísticas sobre o setor, levantou que, em 2011, o Brasil possuía 35 milhões de jogadores ativos. Deste número, 47% compraram 2 bilhões de dólares em jogos originais. David de Oliveira Lemes, que acompanha de perto a produção nacional, destaca que o grande trunfo da indústria brasileira são os advergames e os jogos para dispositivos móveis – como desenvolve Anderson Ferminiano, proprietário da GamerSeed. “Existem pequenas empresas abrindo. São jogos baratos. Três bons funcionários conseguem produzir um jogo desses”, comenta. “Mas não temos nenhuma grande produtora estrangeira por aqui. Ninguém aguenta a carga tributária.” A Hoplon Infotainment, fundada em 2000, em Santa Catarina, é uma das empresas que atua e cresce no país. Ela é a produtora e distribuidora do MMORPG Taikodom: Living Universe, lançado em 2010. O jogo será comercializado internacionalmente pela americana GamersFirst, com mais de 28 milhões de usuários. Ao todo, jogadores de 31 países poderão ter acesso ao jogo. Tarquínio Teles, presidente da Hoplon, acredita que “não estamos decepcionados com o crescimento da indústria de games no Brasil. Pelo contrário, ele tem sido tão bom que o país está se tornando a nova ‘menina dos olhos’ do setor”. Porém, o executivo alerta: “Uma das principais dificuldades é a excessiva carga tributária, que dificulta a aplicação de recursos em investimentos”. Maio de 2012 | CÁSPER

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Quer jogar? Para quem ainda está começando a se aventurar pelos games, a revista Cásper perguntou aos especialistas e fanáticos do assunto: Qual jogo você indiciaria? Conheça a seguir os títulos renomados e favoritos de cada um deles. FINAL FANTASY VII Desenvolvedora Square Soft Distribuidora Square Soft e SCEA Lançamento 31/01/1997 Plataforma PC Gênero RPG

RED DEAD REDEMPTION Desenvolvedora Rockstar San Diego Lançamento 18/05/2010 Distribuidora Take-Two Plataformas PS3 e XBOX 360 Gênero Ação em terceira pessoa

FATAL FRAME Desenvolvedora Tecmo Lançamento 10/12/2003 Distribuidora Tecmo Plataforma PS2 Gênero Terror

THE ELDER SCROLLS V: SKYRIM Desenvolvedora Bethesda Lançamento 11/11/2011 Distribuidora Bethesda Plataformas PS3, XBOX 360 e PC Gênero RPG 36

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O RPG foi o primeiro jogo que Anderson Ferminiano completou 100%. A narrativa se passa no planeta fantasioso Gaia. Cloud Strife é o personagem principal da trama, um supersoldado treinado pela empresa Shinra – exploradora da Lifestream, energia que dá vida ao mundo, o que coloca o ecossistema em risco. Enquanto Cloud combate essa atividade, Sephiroth, um herói de guerra dado por morto, retorna enlouquecido. Na época do lançamento, o site Gamespot, um dos maiores especializados no assunto, assim o resenhou: “Nunca antes tecnologia, jogabilidade e narrativa foram tão bem combinados em um game como em Final Fantasy VII”.

Para Fernando Souza Filho, este é o melhor jogo da história dos videogames. O jogador controla John Marston, um forada-lei no velho oeste americano que busca a redenção. O cowboy abandona sua gangue de marginais e pretende voltar para o colo da família. Porém, o governo americano mantém cativos a mulher e o filho, forçando-o a perseguir seus antigos companheiros de bandidagem em troca das pessoas amadas. Os belos cenários, a narrativa envolvente e jogabilidade instigante são os pontos fortes do game. DIVULGAÇÃO

Cristiano Max Pinheiro acredita que jogos de terror são os melhores exemplos da capacidade do game de promover a telepresença. Em Fatal Frame, o jogador é colocado em uma vila mal assombrada armado apenas com uma câmera capaz de fotografar espíritos e sugar seus poderes. A personagem explora o mapa com sua irmã, cuja deficiência visual traz culpa à protagonista. Toda vez que aparece um espírito -- o que já amedronta bastante -- o controle do console vibra, potencializando o susto. Que medo! DIVULGAÇÃO

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Este é o RPG que “estourou” a cabeça de Angelo Dias. Skyrim é uma província da terra fantasiosa de Tamriel. Lá, coexistem diversas raças, entre seres humanos, homens-lagartos e orcs, além de gigantes, trolls, tigres dentes-de-sabre, mamutes e, o mais importante, dragões. No jogo, o protagonista é o Dragonborn, herói lendário capaz de absorver a alma dessas imensas criaturas aladas. Mas é só isso que a narração define. Tudo mais depende do jogador -- e as opções são inúmeras. O atrativo no jogo é o imenso mapa que pode ser explorado em um mundo que remete à cultura e às antigas lendas nórdicas, além da liberdade de ação e batalhas empolgantes que oferece.


Os diários virtuais ganharam popularidade, se tornaram rentáveis e passam a ser encarados como uma atividade profissional por alguns blogueiros Por Deborah Rezaghi

C

om linguagem informal e carregada de opiniões pessoais, os blogs ganharam importância e passaram a frequentar o espaço nobre dos principais portais do país. Ao longo dos anos, o que poderia ser mero passatempo ganhou outras proporções, e muitos jornalistas de veículos tradicionais aderiram aos chamados diários da internet. Quando os blogs foram criados, o usuário precisava conhecer, entre outros requisitos técnicos, linguagem HTML e FTP para compartilhar conteúdos de sites da web. Assim, a popularização dos diários eletrônicos não foi imediata, e começou efetivamente a partir de 1999, quando Evan Williams (que depois criaria o Twitter) lançou o Blogger – sistema que, em 2002, foi abrasileirado pelo portal Globo.com. Os mais variados assuntos 38

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são abordados pelos blogs. Moda, humor, política, cultura, games – não importa a temática, eles servem como fonte de informação para as diferentes audiências da rede. O cartunista Carlos Ruas criou o blog de tirinhas Um sábado qualquer e acredita que a independência dessa plataforma reforça a influência dela junto aos leitores. “Não sendo manipulado por uma força maior, temos várias opiniões sobre um mesmo tema”, aponta. Um blog profissional, de acordo com Renato Rovai, editor da revista Fórum e professor da Faculdade Cásper Líbero, é o que proporciona determinado rendimento financeiro e é atualizado com uma grande frequência. “Um diário virtual profissional terá uma média de quatro posts por semana. Já um blog amador é menos descompromissado e o autor pode postar conteúdos apenas uma vez

por mês, afinal ele irá utilizá-lo mais como hobby do que como ferramenta de trabalho”, afirma Renato, que também assina o Blog do Rovai, no site da Fórum. No começo dos anos 2000, os blogs passaram a ganhar popularidade. Já na primeira metade da década havia 30 milhões de endereços cadastrados, que reuniam mais de 700 mil atualizações diárias – o equivalente a 29 mil publicações por hora. Esse crescimento mostrou que os leitores buscavam nos blogs algo que eles não encontravam nas outras plataformas digitais. Os sites jornalísticos, revistas, jornais ou emissoras de televisão inundam os leitores com informações o tempo todo – alguns portais, dentre eles o IG, publicam uma notícia por minuto. Com isso, falta ao leitor uma análise mais aprofundada dos fatos, que pode ser encontrada nos blogs. Para Carolina

Profissão: blogueiro De acordo com o livro Hipertexto, Hipermídia (Editora Contexto, 2007), escrito por Pollyana Ferrari, pesquisadora

em mídia social, a imprensa tradicional costuma desqualificar a iniciativa dos blogueiros, alegando que nas matérias publicadas por eles falta organização das notícias e limitação da diversidade de fontes, além da baixa confiabilidade e de pouca periodicidade. Mas isso nem sempre acontece. “Há blogueiros jornalistas que primam pelos princípios da imparcialidade, diversidade de fontes e clareza. E há aqueles que dão a sua própria versão dos fatos, afinal, o blog é um veículo opinativo e pode refletir o ponto de vista de quem escreve”, afirma Carolina Terra. Para André Rosa, “tanto jornalistas da imprensa tradicional quanto autores de blogs sem formação em comunicação podem aproveitar a ferramenta para estreitar relacionamentos e publicar conteúdos interessantes”. O jornalista pensa que essa discussão é ultrapassada e que os veículos de comunicação já enxergaram na relação direta com o público proporcionada por essa plataforma uma possibilidade de ampliar a aproximação e o diálogo. Um grande diário eletrônico é aquele que consegue criar algo inovador com notícia, humor e críticas, e não aquele que apenas copia e cola uma matéria. “O grande sucesso dos blogs vem do que cada um consegue fazer de diferente, da arte de inovar e não de copiar. Existem vários blogs que querem reunir as melhores tiras da rede e não se destacam”, lembra Carlos Ruas. É possível, então, praticar jornalismo com um diário virtual? Ser blogueiro é de fato uma profissão? Renato Rovai pontua que, no Brasil, a maior parte dos blogueiros não são profissionais – ou seja, os blogs não são sua principal fonte de renda. O editor da Fórum acredita que, apesar de ser incomum no

país, muitas pessoas já se sustentam escrevendo nos diários online. “Assim como qualquer outro veículo de comunicação, a plataforma vende espaço publicitário. Quando uma dessas páginas virtuais tem muitos acessos, consegue anúncios de produtos que tenham a ver com sua temática.” Além disso, Rovai destaca que grande parte daqueles que decidem se tornar blogueiros profissionais utilizam suas páginas para promover outras atividades. “Essas pessoas recebem convites para realizar palestras, por exemplo, por serem especialistas nos assuntos que abordam nos blogs.” Essa prática, no entanto, requer alguns cuidados: “É preciso estar atento aos princípios que regem o jornalismo, segui-los e se tornar fonte de informação realmente confiável”, afirma Carolina Terra. O Papel Pop, blog do jornalista

Carolina Terra é autora do livro Blogs Corporativos - Modismo ou Tendências?

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BLOGAR?

não

BLOGUEIROS

BLOGARou

Terra, doutora em interfaces sociais da comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP e autora do livro Blogs Corporativos - Modismo ou Tendência?, esse fator está relacionado com a credibilidade de cada blogueiro. “Dependendo da expertise de quem bloga, o leitor irá procurar uma análise mais profunda dos fatos noticiados na grande imprensa.” Será? Ou os blogs são acessados com outra finalidade? Carlos Ruas defende que os leitores dessas páginas procuram humor, afinal, é preciso sair um pouco do universo tenso em que se vive hoje. “Existem vários blogs que colocam opiniões sobre assuntos sérios, mas na blogosfera predominam o humor e o entretenimento”, acredita o criador de Um sábado qualquer. André Rosa integrou o grupo pioneiro que realizou a transição do jornal impresso Gazeta Esportiva para o site Gazeta Esportiva.net, e foi um dos primeiros jornalistas a usar os diários digitais para a divulgação de conteúdos noticiosos. É autor do blog Marmota, mais dos mesmos e resume o papel dos diários eletrônicos: “Seja qual for o objetivo, ainda é uma ferramenta simples e robusta, capaz de funcionar perfeitamente como um agregador de ideias consolidadas”. A empresa Boo-Box, especializada em tecnologia de publicidade, fez um levantamento recente com base no número de blogs que utilizam seu sistema de anúncios. A pesquisa mostrou que os principais assuntos procurados nos blogs giram em torno de esportes e tecnologia, humor e entretenimento humor, .

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“Os blogs passam por uma curva que começa em ascensão do lançamento à popularização, e decai em função de fatores distintos”

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os auxiliam nas atualizações. Marcelo Katsuki, editor de arte de mídia digitais da Folha de S.Paulo, vive uma situação diferente. Ele é autor do blog Comes e Bebes, que fala sobre gastronomia e chega a ter 80 mil acessos por dia, quando é mencionado na página inicial do UOL. Contudo, o editor afirma que escreve porque gosta de gastronomia e não por querer se profissionalizar no assunto. “Trabalho oito horas por dia no jornal, cuido do blog no tempo que sobra. Muitas vezes, preparo as postagens às 3h da manhã, mas só as publico durante o dia, depois de revisar o texto.” Katsuki não recebe nada para escrever em seu diário virtual, porém acredita ser possível se sustentar apenas escrevendo para essa plataforma. “Isso requer dedicação total, bom conhecimento do tema, leitores fiéis e a capacidade de equilibrar a necessidade de captação de recursos com jornalismo idôneo. Afinal, a audiência não é burra.” Acima de tudo, uma coisa é certa: para um diário eletrônico se destacar, ele precisa de leitores. E quanto maior o número de leitores, mais caro o blogueiro cobrará pelo anúncio. Há três maneiras de ganhar dinheiro com um blog: com anúncios, quando o anunciante paga pelo número de visitantes ou um preço fixo estipulado; com patrocínio de uma empresa, que banca o ano todo o blogueiro para ele seguir postando, ou com produtos – se a temática do blog ou seus personagens forem marcantes, é possível fazer brindes e

vendê-los. Carlos Ruas sempre gostou de estudar religiões e mitologia, por isso criou Um Sábado Qualquer com tirinhas de personagens bíblicos – Deus, Eva, Adão e Caim, por exemplo. O blogueiro aproveitou a temática e lucra com as suas criações. “Vendo produtos inspirados em meus personagens, como camisetas, bichos de pelúcia, canecas e brindes.”

Tirinha de Carlos Ruas publicada no blog Um Sábado Qualquer em abril de 2012

jornais locais concorrem com portais e blogs independentes. “Em diversas situações alguns deles apresentam tráfego em quantidade mais alta do que a tiragem do jornal impresso”, explica André Rosa. Com 73 milhões de internautas no país, a abrangência dos blogs é maior do que a da mídia impressa: a circulação dos dez maiores jornais impressos brasileiros variam entre 125 e 295 mil exemplares diários, apontam dados da Associação Nacional dos Jornais.

Novas possibilidades O Twitter e o Facebook contribuíram para a mudança que os blogs sofreram nos últimos tempos. Boa parte dos campeões de audiência da época de maior sucesso dos blogs, em 1999, quando eles começaram a ganhar popularidade, migraram para as novas mídias e não atualizam os seus blogs com a mesma frequência. André Rosa

CARLOS RUAS

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interação no topo da página. Mas o começo não foi fácil. Carlos Ruas ficou dois anos elaborando sua página virtual por hobby até que as empresas interessadas em anunciar, como a Claro, começassem a aparecer. Ruas compara o sucesso de um blog ao mundo do futebol: muitos garotos pretendem ser jogadores famosos, porém apenas uma minoria alcança seu objetivo. “O diário eletrônico não precisa necessariamente dar dinheiro, pode ser uma válvula de escape, algo que você cria com prazer após o trabalho”, acredita o blogueiro. “Não se pode começar um blog pensando em dinheiro.” O jornalista André Rosa, conhecido na rede como Marmota, criou o blog Marmota, mais dos mesmos há 10 anos. Ele utiliza o diário virtual como válvula de escape para publicar textos de caráter pessoal, que não teriam espaço em qualquer outra plataforma. “Minha vida profissional impede que cuide do blog como gostaria”, conta Rosa. “Porém, aqueles que decidem se profissionalizar levam a sério prazos e atualizações.” A vida de quem resolve fazer do blog uma atividade profissional, Phelipe Cruz, é parecida com a de qualquer outro profissional – a diferença é que geralmente não há um chefe nem rotina de trabalho. No entanto, o fato de Phelipe ser seu próprio chefe não significa que ele tenha menos responsabilidades. De acordo com Renato Rovai, alguns blogueiros dedicam várias horas ao dia para trabalhar no diário online e, para isso, há funcionários que

e o Facebook podem oferecer a mesma coisa de uma maneira mais atraente. Aqueles blogueiros que conseguiram manter algum ritmo de atualizações com conteúdos relevantes, mesclando diálogo permanente com os leitores, certamente ainda contam com bons números de acessos e participações. As mídias sociais continuam sendo pautadas pela imprensa tradicional, mas o fluxo inverso já é possível: o meme (fato, imagem ou vídeo que se populariza na internet, tornando algum assunto célebre por certo tempo) “Menos Luísa que está no Canadá” nasceu na mídia digital e pautou a mídia tradicional. Assim como um dos blogs de humor mais acessados do Brasil, o Kibe Loco, que lançou em 2007 a dança do quadrado (uma brincadeira que alcançou grande sucesso na internet e se tornou tão notória que chegou a outras mídias). Em algumas cidades do interior, esse fluxo inverso é visto com mais frequência, pois os

ANDRÉ SILVA

André Rosa, conhecido como Marmota, usa o blog como válvula de escape

Phelipe Cruz, é especializado em celebridades. Phelipe acredita ser possível viver da renda dos blogs e ressalta que há diferentes formas de ganhar dinheiro: “Pode ser com anúncios das mais variadas formas. Às vezes é um post patrocinado, um banner diferente, uma parceria com uma rede grande de varejo. Depende muito”. Hoje, Um sábado qualquer recebe 48 mil visitas diárias. Para associar sua marca à página, um anunciante deverá desembolsar quantias que variam entre R$200 e R$1400, dependendo do formato da publicidade: o mais barato é uma menção no perfil do blog no Twitter e o mais caro, uma

Renato Rovai, editor da revista Fórum e professor da Cásper, acredita que algumas pessoas conseguem se sustentar escrevendo em seus blogs

acredita que nem todos os diários virtuais que eram então populares continuam sendo acessados. “Os blogs, como outras apropriações tecnológicas, passam por um ciclo, uma curva que começa em ascensão do lançamento à popularização, e decai em função de fatores distintos, baseados na percepção da audiência ou no empenho de quem o mantém.” Quem via o blog como uma plataforma de compartilhamento e diálogo, segundo Rosa, percebeu que o Twitter

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EVENTOS

O país tornou-se palco para grandes eventos internacionais, mas ainda precisa atender a muitas exigências para melhorar o trabalho do profissional de Relações Públicas

Por Camila Luz Colaboração Gabriela Sá Pessoa

E

Brasilsob os

holofotes MARIANA OLIVEIRA

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m virtude de suas belezas naturais e a hospitalidade de sua população, o Brasil sempre foi atraente aos olhos dos estrangeiros. Nos últimos anos, porém, estes viajantes têm colecionado mais motivos para visitar o país. Os festivais de música Lollapalooza, SWU e Rock In Rio, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 – esses são apenas alguns dos grandes eventos que já passaram ou acontecerão por aqui. Responsável pela realização de eventos, o relações públicas atua em todas as etapas de sua produção: desde a apuração do conteúdo e divulgação até a organização do espetáculo. E são muitos os cuidados a serem tomados. Com a consolidação do país como rota de passagem de cantores e personalidades estrangeiras e acontecimentos de grande porte, essas preocupações se tornaram ainda maiores. O festival Hollywood Rock, realizado pela primeira vez em 1975, foi um dos pioneiros no Brasil e recebeu cerca de 10 mil pessoas. As edições seguintes contaram com atrações internacionais, assim como o Rock In Rio, que aconteceu pela primeira vez em 1985. “A estrutura desses festivais foi

precursora das megaproduções agendadas hoje no país”, avalia Ethel Shiraishi, professora do curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero e especialista em eventos. Na década de 1980, porém, a estrutura desses festivais ainda era precária, se comparada a de hoje. Para o Rock In Rio de 2011 foi construída até uma “cidade do rock” para suportar a estrutura do evento. Para Ethel, os shows internacionais são mais uma oportunidade para a atuação dos relações públicas, assim como para os demais profissionais de comunicação. “Ele é o profissional com expertise para construir uma mensagem adequada e comunicar a proposta do evento, projetar a imagem dos patrocinadores de forma positiva ou cuidar dos aspectos do cerimonial para receber as grandes celebridades e autoridades, entre outros”, explica a especialista. “Os relações públicas se utilizam de técnicas adequadas para se relacionar com os públicos estratégicos dos eventos, como a imprensa ou a comunidade que será impactada pelos espetáculos.” Fora os cuidados com a produção em si, outras preocupações têm surgido em torno

da organização de megaeventos. Devido ao crescimento econômico – que até o final do ano levará o Brasil ao posto de quinta maior economia do mundo –, o país entrou na rota de eventos culturais e esportivos. Com a contrapartida da crise econômica afetando os países do Norte, tradicionais consumidores desses espetáculos, os agentes e empresários desses artistas e grupos vêm fazer caixa por estes lados. O que ocorre nesses eventos ajuda a configurar a imagem nacional transmitida no exterior. Luiz Alberto Farias, coordenador do curso de Relações Públicas da Cásper e presidente da Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP), ressalta a importância da divulgação da imagem do Brasil como um país com boa infra-estrutura. Por estar sob os holofotes mundiais nos últimos anos, essa promoção positiva funciona como atrativo para que mais eventos sejam realizados aqui. No que diz respeito à imagem, Farias destaca o fato de inúmeras celebridades estarem vindo para o Brasil com o intuito de promover o próprio nome. Segundo o presidente da ABRP, os artistas internacionais, muitas vezes, já possuem Maio de 2012 | CÁSPER

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“Para quem não entende do assunto, as regras para a organização do evento parecem uma bobagem. Mas para quem sabe, há ali uma representação de espaço de poder” para a América Latina, turnês internacionais costumavam se alojar em Buenos Aires”, argumenta Ethel. “Hoje, o Brasil entrou nessa rota, com destaque para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, passando eventualmente por outras capitais.” Um evento internacional, como a vinda do papa Bento XVI para as Jornadas da Juventude, que terá palco no Rio de Janeiro em 2013, ou os jogos da Copa, no ano seguinte, atrai muitos estrangeiros ao Brasil. Esses são acontecimentos com forte apelo turístico. Para isso, é necessário considerar se a cidade possui a infraestrutura necessária para receber tantos visitantes. Comenta-se que o Rio de Janeiro não tem um lo-

EDUARDO PELOSI/CREATIVE COMMONS

Atenção aos detalhes Todos os profissionais de comunicação acabam envolvidos na organização de um grande evento: jornalistas, publicitários, produtores culturais e o relações públicas, que pode atuar em todas as etapas, da preparação ao desmonte no final. Porém, algumas atribuições dessa categoria são mais específicas, como o planejamento e a organização. 44

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Nesse contexto, destacase o cerimonial, um conjunto de regras para a realização do evento, como a correta disposição dos objetos em uma recepção, os locais a serem ocupados por cada participante e a ordem dos palestrantes em uma conferência ou coletiva de imprensa. Essas convenções podem ser definidas por lei ou norma escrita, portanto, o relações públicas precisa ficar atento, pois o desrespeito ao protocolo é também um desrespeito à legislação. Segundo Luiz Alberto de Farias, essa é uma questão simbólica: “Para quem não entende do assunto, as regras para a disposição e organização dos elementos parecem até uma bobagem. Mas para quem sabe, há ali uma representação de espaço de poder”. As regras de organização também podem ser estabelecidas pelo próprio promotor do acontecimento, que define todos os elementos de acordo com sua preferência. Nesse ponto, também há uma questão simbólica, pois o evento

representará a imagem construída pelo artista ou pelo seu agente. Há, então, uma série de exigências a serem atendidas pelo relações públicas, que deve zelar para que o cliente seja bem representado e fique satisfeito. Dentre os cuidados a serem tomados na organização, a professora Ethel Shiraishi cita o relacionamento com a imprensa. “Em eventos de grande visibilidade, é comum que um grande número de publicações e jornalistas se interesse pela cobertura”, pontua. “Os profissionais que terão acesso devem ser bem selecionados, na medida em que contribuirão com a construção da imagem do evento na mídia.” A segurança também é outro elemento destacado pela professora, dada a quantidade de pessoas que comparecem aos megaeventos. Além disso, o próprio local onde é realizado deve ser levado em conta, principalmente do ponto de vista estrutural, logístico e econômico. “Anos atrás, ao vir

Apresentação da banda Red Hot Chili Peppers, no Rock In Rio 2011

visibilidade para que as marcas patrocinadoras tenham o esperado retorno do investimento. Quanto aos erros a serem evitados, o publicitário Horácio Brandão, fundador e diretor da Midiorama, aponta que a apuração dos fatos é a primeira preocupação para organizar um evento. Essa apuração implica checar com a máxima cautela o que será divulgado pela mídia, como qual será o local do evento, quanto irá custar, qual será o repertório, qual a censura e quais serão as atrações. “Informações erradas ou mal apuradas são erros graves, porque hoje em dia o que é compartilhado na internet toma proporções gigantescas, é repassado muito Luiz Alberto Farias, presidente da Associação Brasileira de Relações Públicas, reforça a importância de seguir as regras de organização de um evento

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um agente que os acompanha, portanto, não são profissionais brasileiros que se responsabilizam pelo trabalho de RRPP com esses artistas. “As agências já possuem convênios operacionais com empresas estrangeiras, que assessoram a passagem da personalidade pelo país e organizam os eventos que ela venha promover.” Sejam palestras, shows ou participação de celebridades em campanhas publicitárias, como a da atriz Jennifer Lopez que em 2012 veio participar do camarote da Brahma no carnaval carioca.

cal apropriado para abrigar os quase 4 milhões de jovens que se espera para o encontro com o papa. Nem local nem meios adequados para deslocar tamanho público num encontro com hora marcada. O próprio evento exige do profissional de relações públicas que uma lista de exigências seja cumprida: a estrutura que irá atender ao acontecimento, disponibilidade de hospedagem na cidade, além de variedade e quantidade suficiente de alimentação, bem como a eficiência dos transportes públicos e do deslocamento. O fator financeiro também é importante e a captação de patrocínios, indispensável. Além disso, deve ser garantida a

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Público presente

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O diretor da Midiorama também ressalta a importância de se manter conectado às redes sociais, criando, dessa forma, uma relação de proximidade com o público. “Atualmente, com as mudanças no mercado cultural e a facilidade com que se dissemina uma informação, as agências de assessoria de imprensa e relações públicas devem aproveitar as ferramentas oferecidas pela internet para se tornarem mais democráticas e ampliarem o número de clientes”, avalia. “Além disso, ao tratar de eventos que lidam com a participação de fãs, é importante que o responsável conheça ao

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máximo a relação entre o público e o ídolo.” Brandão acredita que ser criativo e inovador são atributos indispensáveis para quem lida com a realização de eventos de grande porte, uma vez que considera importante que a empresa crie uma identidade própria e se destaque, principalmente, aos olhos do público. “Se você pensar apenas com a cabeça do patrocinador, não atinge a essência do business, que é a paixão. Comunicação não é apenas o transitar de informações, fazer entrevista, realizar agendamentos. O segredo está em justamente lapidar a pedra, criar um conceito trazendo sempre novas ideias”, afirma. Ethel Shiraishi concorda que conhecer o público é importante para o sucesso de um evento. “A parte de divulgação reúne o trabalho de relações públicas, publicitários e assessores de imprensa, que traçam o perfil do público alvo”, expli-

ca a professora. “A partir daí, os profissionais pontuam as necessidades a serem atendidas, adequando itens como o preço e o local de realização.”

Transformação conjunta

Segundo Ethel Shiraishi, professora do curso de Relações Públicas da Cásper Líbero, conhecer o público é imporante para o sucesso de um evento

O aumento do número de megaeventos internacionais no Brasil, assim como a transformação do país em plataforma de promoção da imagem de celebridades estrangeiras, se deve a alguns fatores. Um deles, aponta a professora Ethel, é o crescente interesse pelo mercado emergente, devido à crise econômica que abala os Estados Unidos e a União Européia, além do aumento do poder de consumo dos brasileiros. Segundo ela, até mesmo a escolha de atores brasileiros famosos no elenco de filmes de alta bilheteria tem o objetivo de ampliar mercados na América do Sul. A professora cita a participação de Rodrigo Santoro no filme 300, com estreia realizada no Brasil, no Copacabana Palace. Segundo ela, as escolhas do local de realização de uma estreia, ou que personagens estarão presentes nesta festa, nunca são por acaso. “Por isso, o crescente índice da vinda desses eventos para o país indica que o mercado do mundo inteiro está focado no novo poder aquisitivo dos brasileiros”, explica. Janaíra França, especialista em marketing e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que o crescimento econômico também impulsionou o acesso ao ensino superior. “Com isso, mais gente tem consumido conteúdo cultural e se interessado pela aprendizagem de outros idiomas”. Segundo ela, esse fator permite que o brasileiro, “que já possui a característica de ser multicultural”, fique ainda mais aberto para o resto do mundo.

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rapidamente”, explica o dono da empresa responsável pela realização dos festivais Planeta Terra e do Lollapalooza. Horácio Brandão tem no portfólio showscomo o de Justin Bieber, Katy Perry, Amy Winehouse e Red Hot Chili Peppers.

A forte inserção do país na internet também contribuiu para que se integrasse com o resto do planeta. De acordo com Janaíra, “isso permitiu que os brasileiros tomassem conhecimento de novas marcas e bandas, atraindo grandes eventos culturais, que se apresentam aqui por causa da alta possibilidade de lucro”. Dessa maneira, as empresas têm alterado sua estrutura interna para abraçar o mercado de eventos, criando segmentos específicos para a área. O Brasil, hoje, abriga algumas das maiores agências de relações públicas do mundo, como a Edelman e a Buster-Marsteller. De acordo com Farias, isso se deve ao fato de o país funcionar “como uma ponte para a América Latina, além de fazer parte dos BRICs”. Outro modelo de atuação na área de relações públicas é a cooperação entre agências brasileiras e estrangeiras, por meio de acordos operacionais. Por exemplo, a CDN,

empresa que atua na área de comunicação corporativa e atende clientes – como CocaCola, Avon e a companhia aérea TAM – possui acordo com a Fleishman-Hillard, dos Estados Unidos, líder mundial em Relações Públicas.

Meios para crescer A realização de megaeventos movimenta a economia. No caso do Brasil, não é diferente. De acordo com a SPTuris, empresa responsável por turismo e eventos na cidade de São Paulo, em 2009, foram realizados mais de 90 mil eventos na capital paulista. Para Janaíra França, as empresas de comunicação e relações públicas têm sido obrigadas a se aperfeiçoar para sobreviver à concorrência com as multinacionais instaladas no país. “Para os próprios profissionais locais, a vinda de agências estrangeiras é positiva, pois permite melhores condições de trabalho.” Quanto à infraestrutura e à logística, porém, o Brasil ainda

enfrenta sérios problemas. Segundo França, o país dispõe da maior rede de prestadores de hotelaria da América. Entretanto, ainda peca nos quesitos hospedagem e transporte. Mário Carlos Beni, professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP e membro do Conselho Nacional de Turismo, afirma que o Brasil não possui a estrutura necessária para receber os turistas que virão para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas, em 2016. “A mobilidade será um empecilho, pois a maior parte da locomoção depende da aviação, que não suportará um alto fluxo de pessoas.” Além de driblar a infraestrutura precária do país, outro ponto merece destaque. Janaíra França alerta para o fato de que o Brasil é multicultural e cada região destaca-se por sua singularidade. “Por isso, devese ter cuidado ao generalizar o país com a imagem de nação que está sempre de braços abertos ao que vem de fora.”

Horácio Brandão, à direita, fundador da Midiorama, com Steve Tyler e Joe Perry, da banda Aerosmith

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TELEDRAMATURGIA

No próximo

capítulo... Quais seriam os rumos da teledramaturgia brasileira em uma sociedade circundada por novas tecnologias e novos anseios? por Mariana Marinho

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TV GLOBO/DIVULGAÇÃO

Rainha Cristina (Alinne Moraes) e Rei Augusto (Carmo Dalla Vecchia) em cena da novela Cordel Encantado, da Rede Globo

empre imagino qual seria a reação de notórios romancistas como José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo diante da tecnologia das telenovelas atuais”, reflete Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana pela Universidade de São Paulo (USP). No livro A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil, Mauro explica que na obra de Macedo temos a mesma estrutura dramática, as mesmas redes de intrigas e os mesmos pequenos momentos de clímax ao longo do texto que estruturaram a teledramaturgia moderna. Já na obra de José de Alencar, encontramos uma coerência maior das tramas, como acontece hoje na telenovela. Aliás, esse formato de narrar uma história sempre foi muito bem aceita pelo público brasileiro, tanto na era de ouro do rádio como na televisão. Tanto o rádio como a telenovela são filhos dos folhetins, romances

publicados meio a conta-gotas nos rodapés dos jornais, na metade do século XIX. Os leitores esperavam ansiosos pelo desenrolar da história no minicapítulo da próxima edição do jornal ou revista. Foi assim com o romance O Guarani, de José Alencar (publicado no Diário do Rio de Janeiro entre fevereiro e abril de 1857) ou a história de Olaya e Julio (também conhecida como A periquita, primeiro folhetim brasileiro, ou “novela nacional”), divulgado pela revista O Beija-Flor. Por razões que remetem à colonização ibérica e à tradição da escuta das narrativas orais, transpostas mais tarde para o romance e o folhetim, as telenovelas seguem como o principal produto de ficção popular da América Latina. Em nosso país, ela está presente na rotina de milhões de lares desde 1963, quando foi ao ar 2-5499 Ocupado, na extinta TV Excelsior. Hoje, é possível falarmos em indústria da telenovela e,

explica Mauro Alencar, “ao introduzir esse conceito, somos obrigados a reconhecer que há um mercado da telenovela vinculado a essa indústria”. Nos últimos dez anos, a produção desses folhetins eletrônicos das três principais emissoras brasileiras – Rede Globo, Rede Record e SBT – cresceu, alcançando uma média anual de dez telenovelas, duas minisséries e seis séries. No caso das telenovelas, Mauro Alencar não enxerga esse crescimento como uma novidade ou exceção, pois entre 1967 e 1968 cinco emissoras – Tupi, Globo, Record, Excelsior e Bandeirantes – exibiam novelas. O que implicava também em uma produção em série, com roteiristas, contra-regras, cinegrafistas e continuístas se esbarrando pelos estúdios das emissoras, correndo contra o tempo para colocar no ar o próximo e emocionante capítulo de... O pesquisador acredita, no entanto, que o aquecimento do Maio de 2012 | CÁSPER

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produzidas pela Rede Globo e duas pela Rede Record, num total de 11 séries naquele ano. “A partir da popularização da TV a cabo, o brasileiro descobriu o que a televisão americana tem de melhor, que são as séries”, comenta Nilson Xavier. “As emissoras abertas viram que existe um potencial de teledramaturgia baseado no formato desses seriados. Então, desde 2006, investe-se fortemente neles.” Mauro Alencar entende que hoje há melhores condições de realizar séries e minisséries com qualidade, além da existência de maior procura no mercado internacional. “Observo isso, com frequência, nos congressos e

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seminários dos quais participo mundo afora. México, Uruguai (com O Bem-Amado) e China (com Escrava Isaura) foram os primeiros países a propagarem a boa aceitação de nossa novela.”

Tecnologia em foco Devido ao maior profissionalismo nas telenovelas e à grande oferta de tecnologia, há uma mecanização no processo de produção. “Hoje, com um suporte de computação, é possível afinar a iluminação de todos os cenários montados em um estúdio”, afirma Márcio Tavolari, roteirista e dramaturgo, atualmente diretor do programa Todo Seu, da TV Gazeta. Se antes a cada troca de iluminação era necessário que uma equipe subisse nas escadas para mexer em refletores e trocar gelatinas, hoje o processo é bem menos moroso. “O computador tem cada luz memorizada. Todos aqueles refletores já descem, se posicionam e se intensificam na medida da luz que o light designer programou”, explica o roteirista. A tecnologia garante mais agilidade de modo que seja possível gravar “uma quantidade cinco, sete, oito vezes maior de cenas”. Na novela Cordel Encantado, da Rede Globo (exibida entre os meses abril e setembro de 2011, às 18 horas), a iluminação que reproduzia ambientes à luz de velas trazia um calor diferente à telenovela. “Você via que tinha uma pós-produção trabalhosa que colocava textura na imagem”, observa José Armando Vannucci, crítico de TV do portal Parabólica da Jovem Pan News. Nessa pós-produção, graças aos recursos da tecnologia e da computação, um negativo captado de forma neutra pode ser modificado de acordo com as necessidades da trama. “Eu posso contrastar mais as cores,

MICHEL ANGELO/RECORD

Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia, afirma que hoje as histórias são pensadas como no século XVIII, mas as ferramentas para realizá-las são mais sofisticadas

mercado é resultado da estabilidade econômica brasileira, que fez com que o investimento em telenovelas fosse menos arriscado do que na época da inflação, nos anos 1980. Além disso, é necessário considerar a existência de cursos e graduações voltados para a formação do profissional especializado em televisão e um mercado internacional a conquistar. Para Nilson Xavier, autor do livro Almanaque da Telenovela Brasileira, o aumento de séries no país deve-se ao boom de séries americanas. Em 2006 foram produzidas quatro séries, três pela Rede Globo e uma pela Rede Record. Já em 2009, houve um crescimento: nove foram

sepiar a imagem, além de ser capaz de inserir e apagar coisas. Eu mudo o que eu quero no contexto da imagem captada, faço uma sofisticação do seu resultado final”, conta Tavolari. Para Vannucci, essa parte técnica também é responsável por envolver o telespectador. “Aos poucos, ele percebe que há algo diferente.” No entanto, a sofisticação da imagem na pós-produção não é a única responsável por tal envolvimento. À medida que a estética da imagem se aproxima do real, tudo tende, para Tavolari, a ficar mais bonito e sutil. “A televisão utilizava basicamente o zoom, que possibilitava abrir e fechar a imagem. Porém, ele a puxava de uma maneira bruta, assustando o telespectador. Era uma aproximação grotesca e falsa. Hoje, a linguagem é mais próxima ao cinema. É possivel aproximar o ator e afastar o cenário utilizando uma grua ou o movimento de travelling. Desta forma, fica mais sutil e natural”. Além disso, completa o dramatur-

go, “tenho a possibilidade de focar e desfocar o primeiro e o segundo plano ganhando uma estética mais aprimorada”. Tavolari ainda comenta que desde que, nos anos 2000, a teledramaturgia migrou para a realidade do high definition (HD), todos tiveram de reaprender a fazer televisão. “O quadro tem uma proporção diferente, a câmera tem lentes que veem de uma forma muito mais detalhada. Então, tudo aquilo que ficava desfocado, que não se percebia no fundo falso, hoje aparece”. Seria, para ele, a tecnologia fazendo com que a arte, a iluminação, a interpretação, a maquiagem se afinassem de acordo com as suas regras. Para Mauro Alencar, a tecnologia é responsável pela roupagem mais sofisticada das produções, mas não as influencia de modo decisivo. “O máximo de interferência que detectamos é que a tecnologia viabiliza a realização de algumas cenas que antes seriam muito mais complicadas ou caras ou impossíveis. Temos de reconhecer

que não há melhor exemplo para atestar a evolução tecnológica do que os voos de Zelão, João Gibão [Juca de Oliveira em Saramandaia, exibida em 1976] e Emanoel [Selton Mello em A Indomada, de 1997]”. Para o autor de A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil, as histórias são imaginadas hoje da mesma forma que no século XIX, entretanto, “as ferramentas pelas quais conseguimos realizar as nossas ideias é que foram evoluindo”. Com o advento das novas mídias, no entanto, é possível pensar teledramaturgia de maneira diferente. “A tendência será fazermos novelas para a internet. Já são possíveis algumas experiências, mas ainda é necessário encontrar esse caminho”, comenta Renato Modesto, coautor da novela Máscaras, produção da Rede Record que estreou em abril. “O desafio será produzir teledramaturgia para ser assistida em movimento. Hoje, o autor deve pensar em histórias adaptáveis para a internet, para as

Rei Davi, da Record é para Nilson Xavier “um upgrade em questão de minisséries bíblicas”

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Palanque para discussões

Na cena da minissérie Rei Davi, Bete-Seba (Renata Dominguez) e Davi (Leonardo Brício) se encontram pela primeira vez

Por mais que sua estrutura seja a mesma do folhetim do século XIX, a teledramaturgia atual se difere das narrativas de outrora não apenas pelas possibilidades de adaptação a novas plataformas e pelo aprimoramento visual tecnológico. Renato Modesto aponta que agora as novelas apresentam um número maior de tramas paralelas. “As produções hoje são muito maiores, mais caras e com mais personagens interagindo em histórias que se intercomunicam. Um capítulo da Janete Clair, por exemplo,

era escrito em 15 páginas de roteiro. Hoje, um capítulo de novela das 9 tem em média 40 páginas.” Em compensação, hoje elas são escritas por um grupo de roteiristas e dirigidas por ao menos duas duplas de assistentes, sob coordenação do responsável pelo “núcleo”. Autora, em parceria com Duda Rachid, de Cordel Encantado, Thelma Guedes defende que a teledramaturgia é diferente hoje porque a sociedade mudou. “O que não muda, morre. A base da telenovela, que é o folhetim, permanece. Porém, sobre essa base houve todas as mudanças de comportamento, valores, da forma de pensar e até no modo de recepção da sociedade.” “A função da teledramaturgia é ser um palanque de discussões sobre temas que interessam ao público atualmente”, pontua Renato Modesto. Sendo assim, as narrativas audio-

visuais tendem a acompanhar as transformações da opinião pública e atualizar sua temática ou o modo de abordagem. “A teledramaturgia, por ser reflexo da sociedade que a produz e consome, não tem outra alternativa senão acompanhar as mudanças substanciais do comportamento dessa mesma sociedade.”, afirma Alencar. De acordo com Thelma, a dinâmica rápida e ágil que rege a sociedade atual se reflete nos cortes, mudanças de plano e passagens da novela, que é trabalhada para uma geração que nasceu sob o império do videoclipe. “Nós somos expostos a informações a todo momento, e isso influencia também a forma de criar as narrativas na televisão”. No entanto, para Lauro César Muniz, autor de telenovelas desde 1966, as tramas ainda precisam se adequar ao mundo circundado pela tecnologia de informação e pela velocidade da internet. MICHEL ANGELO/RECORD

na telenovela apenas como uma mercadoria. No entanto, não é possível deixar de considerar que um fracasso na televisão implica em perdas consideráveis, como lembra a crítica argentina Beatriz Sarlo: a TV não se permite hoje, pelo elevado custos das produções, apostar na dúvida, e crava no garantido, no que é conhecido e aceito.

Para Lauro César Muniz, autor de telenovelas, existe uma defasagem entre a realidade que vivemos e as novelas a que assistimos

O imaginário popular

MICHEL ANGELO/RECORD

pessoas que assistem à TV no celular, no carro ou no ônibus”, opina Vannucci. Aparecem ficções como o mobizóide, “episódios rápidos e curtos, podendo ser até mesmo uma compilação do capítulo da telenovela, para assistir no celular”, explica Tavolari.

“Nós produzimos novelas longas, vagarosas e com um ritmo cansado, enquanto na internet tudo acontece rapidamente”, contrapõe o criador da clássica novela Casarão – uma história contada em três épocas simultâneas, que exigia do espectador da época um malabarismo mental para acompanhar o mesmo personagem vivido por três atores distintos nos anos 1910, 1930 e 1970, época em que era exibido o folhetim. Algo impensável nos elétricos dias atuais. Muniz conta que durante o regime militar os autores se sentiam obrigados a dar “um escape de lucidez”, para que o público entendesse o que estava acontecendo no país naquele momento. Porém, o autor não acredita que isso aconteça com as telenovelas atuais. “Considero que existe uma de52

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fasagem muito grande entre a realidade que estamos vivendo e as novelas a que assistimos. Elas estão muito pobres, com poucas ambições e contando historinhas por vezes fantasiosas”, afirma. “De maneira geral, ninguém põe o dedo na ferida falando e apontando a realidade do país. Acho que estamos fazendo más novelas.” Para o dramaturgo, é necessário pensar em novelas mais ligadas ao contexto e à própria dinâmica do país. “Sinto falta de atitude daqueles que dirigem as emissoras. Eles incentivam produções facilitadoras e simples demais, maniqueístas e esquemáticas, ao contrário de outros tempos em que éramos incentivados a ir fundo no assunto.” O autor alega que as emissoras são dirigidas por pessoas alheias à criação artística, que pensam

Com tudo isso, Muniz acredita que há um empobrecimento do que se exige dos autores. “Nós fazíamos a melhor telenovela do mundo nas décadas de 1970 e 1980, até o início dos anos 1990. Hoje nossas telenovelas falam da Índia, do Marrocos e de outros países de maneira fantasiosa, como se o mundo estivesse em um tapete voador. Deve-se pensar a novela como um gênero artístico sério, que pode dar um norte para o povo”, afirma. Nilson Xavier concorda e considera as novelas dos anos 1970 e 1980 como melhores elaboradas e mais ousadas. “Os riscos de ousar eram menores. A televisão não pode mais se dar o luxo de inovar tanto por questões de mercado e audiência, a concorrência com outras mídias é grande. Você pode simplesmente desligar a televisão e ir para internet ou mesmo para o canal pago.” Segundo ele, apenas as duas últimas novelas das 6 da Rede Globo foram inovadoras. “A Vida da Gente e Cordel Encantado são bons exemplos. Em Cordel, misturar conto de fada com cangaço brasileiro chegou a soar como uma ousadia por parte das autoras. Já A Vida da Gente era uma novela absolutamente naturalista, que se distanciou do lado maniqueísta do folhetim.” Lauro faz uma leitura muito parecida ao analisar Cordel Encantado: “Essa novela teve uma preocupação artística e foi Maio de 2012 | CÁSPER

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Thelma Guedes, autora de Cordel Encantado, acredita que a grande quantidade de informação em nossa sociedade influencia na forma de criar telenovelas

buscar uma temática diferente. Fez uma fábula com uma mistura de personagens muito interessante. De longe, foi a melhor dos últimos tempos”. Porém, o autor discorda quanto A Vida da Gente: “Acho uma novela ruim, mal escrita e com uma postura amadora”. Thelma comenta que ela e Duda Rachid trabalharam com elementos da cultura popular, que acabaram lançando mão de símbolos, memórias e elementos da alma do telespectador. “Cordel Encantado tinha essa coisa do imaginário popular, da literatura universal e dos contos de fada que são fortíssimos na nossa constituição identitária. A novela trazia muito essa verdade nossa.”

MARIANA MARINHO

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Para um novo público Existe uma tendência na teledramaturgia, principalmente nas novelas do horário nobre da Rede Globo, em investir num caráter mais popular. “Nós vemos um interesse maior das emissoras em atenderem o que eles chamam de ‘a nova classe C’, um novo padrão de público representativo no momento. Pesquisas sobre esse mercado confirmam que essa classe assiste mais à televisão”, explica Nilson Xavier. “A maior prova disso é Fina Estampa, uma novela com uma pegada popular totalmente voltada para esse público”, exemplifica. Xavier acredita que Fina Estampa, última novela das 8, seja um modelo de reformulação visando a retomar audiência para as telenovelas. Segundo o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), Fina Estampa obteve uma média geral de 41 pontos, ficando à frente de suas quatro antecessoras – Insensato Coração, 35,9 pontos; Passione 35,3 pontos; Viver a Vida, 35,8 pontos; e Caminho das Índias, 38,8 pontos. No entanto, observa-se que a audiência das telenovelas tem decaído, visto que, em 2005, Senhora do Destino terminou com média geral de 50 pontos. Naquela época, a internet não tinha a penetração de hoje, nem a “nova classe média” começara a pagar prestações do novo aparelho de TV. Mas Nilson Xavier lastima que a reformulação para cativar esse novo público implique em simplificações: “Infelizmente é uma reformulação por baixo, se formos analisar. Artisticamente, não vejo, no caso específico de Fina Estampa, uma novela que tenha contribuído com algo coisa ou tenha feito alguma campanha ou conscientização social”, argumenta. Lauro César Muniz concorda: “acreditam que essa classe C

emergente tenha uma percepção inferior de arte, por isso seria necessário baixar o nível da telenovela. Isso é uma tolice, pois essa é a mesma classe que nos assistia com aplausos e aceitação em seus televisores preto e branco chuviscados”. Para o dramaturgo, a classe é a mesma, porém com maior status e poder de compra. “Até grandes autores da Globo estão escrevendo novelas ruins seguindo este pensamento. É um equívoco monumental que está anestesiando o público e destruindo a telenovela brasileira”, conclui. Outra tendência observada na Rede Globo é a renovação do quadro de autores. Vannucci comenta que estamos em uma nova fase, na qual “nomes consagrados começam a fazer seus filhotes”. “Acho natural que haja essa passagem de bastão, até por uma questão física, pois uma novela exige muito de nós. Esse arejamento é bom para o mercado, para os profissionais e também para os telespectadores”, afirma Thelma Guedes. Nilson Xavier lembra uma entrevista concedida pelo dramaturgo Aguinaldo Silva ao programa Roda Viva da TV Cultura, em março de 2012. “Ele disse que Sílvio de Abreu, Manoel Carlos, Gilberto Braga e Glória Perez fazem parte das últimas ararinhas-azuis do horário nobre da Globo. Então, essa emissora precisa renovar porque essas ararinhas-azuis estão em extinção.”

“A caminho da liderança” Com relação às produções da Record, Muniz acredita que elas melhoraram tecnicamente e falam sobre as diferentes realidades do país. “Embora eu não goste muito desta novela que está no ar [Vidas em Jogo], por não achá-la bem elaborada, ela tem essa qualidade de buscar assuntos pungentes como a Aids,

TV GLOBO/DIVULGAÇÃO

o crack e uma série de outras calamidades. Não vejo isso nas novelas da Globo.” Em Máscaras, atual telenovela da Rede Record escrita por ele, Muniz aborda a necessidade que as pessoas têm de usar máscaras, “de se esconderem atrás de nomes falsos para fugir de punições”. A minissérie bíblica Rei Davi chegou a ultrapassar a audiência da Rede Globo em alguns dias. Em 24 de fevereiro, superou a série As Brasileiras por dois pontos, chegando a liderar a audiência com uma média de 34%. Nilson entende que seja um sucesso momentâneo, mas que pode vir a ser crescente. “A Record teve antes duas minisséries bíblicas [A História de Esther e Sansão e Dalila], que não repercutiram tanto. Rei Davi é um upgrade em questão de

minisséries bíblicas. É um momento em que a Record está usufruindo com todo mérito e, se continuar nesse patamar, terá ainda mais sucesso nas próximas produções.” José Armando Vannucci vê o crescimento da Record como uma necessidade de mercado, pois comercialmente uma emissora precisa oferecer o maior leque possível de produtos. “Por mais que a Globo ainda seja hegemônica no mercado da teledramaturgia”, diz Renato Modesto, a tendência é que o público queira mais opções e possa optar pela produção de sua preferência. “Essa concorrência é bem-vinda”, conclui. Alencar não acredita em interferência direta da Record no cenário da teledramaturgia da Globo, “pois são dois cami-

nhos distintos: públicos relativamente diferentes, horários de exibição complementares (quando um capítulo de Fina Estampa terminava ainda estava por começar o de Vidas em Jogo, por exemplo), temáticas e identidades diversas e questões de produção opostas”. Mauro Alencar pensa que, independentemente da emissora, “o grande desafio enfrentado pela televisão brasileira, em geral, é continuar jovem, dinâmica e interessante sem desprezar seus 61 anos de existência em nosso país”. Ademais, completa o doutor em teledramaturgia, “atualmente, temos grandes responsabilidades sociais e produtos com a mais esmerada tecnologia. Isso implica em um grande e intenso trabalho de aperfeiçoamento da teledramaturgia.”

Nas cenas da telenovela A Vida da Gente, a possibilidade de focar e desfocar o primeiro e o segundo plano garantiram uma estética mais aprimorada

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PERFIL

Múltiplos

de mim

De personalidade multifacetada, Cadão Volpato constrói a sua carreira diante de um mundo de possibilidades Por Amanda Massuela

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olhas de cadernos pautados, guardados durante anos, acumulam traços múltiplos. Ali, caligrafia e gravura preenchem, por vezes, a mesma página e é a partir desse processo que Carlos Adão Volpato costuma dar forma a seus pensamentos. O jornalista – que também é músico, escritor e ilustrador – prefere assim: colocar no papel, em um canto solitário e à mão livre, tudo o que vem a seu pensamento, seja por meio do verso, da prosa ou da cor. “Meus desenhos e textos nascem muito desses cadernos que coleciono ao longo da vida. Gosto de escrever, anotar à mão. Desenhar cada letra me faz pensar”, diz ele, habituado a essa experiência que revela suas diversas facetas. Tal pluralidade já é sua velha conhecida. Tanto a música quanto a ilustração e a literatura o tocaram desde cedo, antes mesmo de surgir qualquer interesse pelo jornalismo. Numa ordem cronológica em que a curiosidade marca o tempo, seu primeiro contato efetivo com a atmosfera artística deu-se ainda na infância, com os desenhos feitos de maneira despretensiosa em papel de pão. A música chegou com a adolescência, quando, aos 15 anos, começou a arranhar os primeiros acordes no violão. Costurando todas essas atividades, viria a poesia. “A música e o desenho vieram primeiro, mas

também sempre fui muito próximo da poesia, então acredito que as letras, a música e até os desenhos tenham ligação com ela”, admite Cadão, que nem sempre conseguiu manter harmoniosa a coexistência entre as diversas vocações. Foi o que aconteceu em meados dos anos 1980. Quando à frente da icônica banda póspunk Fellini, Cadão sofria ao tentar introduzir literatura em pesadas melodias de rock, algo ainda pouco feito no Brasil. Ao mesmo tempo, acreditava que sua carreira de escritor, iniciada oficialmente com a publicação de Ronda Noturna, em 1995, precisava ficar isolada da música e da ilustração – esta, sempre encarada como atividade periférica. Hoje, aos 55 anos de idade, acredita que tais atritos provinham da “incapacidade de admitir que todos esses lados integravam um mesmo conjunto, que era eu”. Ainda assim, é fácil notar que, de alguma maneira, essas facetas se cruzaram ao longo de sua carreira. Ao ilustrar todas as capas dos discos da Fellini, atrelou o desenho à música, bem como aliou música à poesia no momento em que escreveu as canções que, mais tarde, seriam acompanhadas por melodias repletas do pós-punk inglês e da música brasileira. Além disso, traz pela primeira vez a ilustração junto da literatura em Meu filho, meu besouro, seu último livro publicado Maio de 2012 | CÁSPER

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em 2011. E a literatura se junta com a música no novo romance, atualmente em elaboração. “Acho que todos esses lados se entendem muito bem. Hoje, admito isso perfeitamente. São coisas diferentes, mas têm uma ligação”, afirma, referindo-se à multiplicidade que não é mais causa de conflitos. Paralelamente, o jornalismo se apresenta como uma possibilidade de exercitar a escrita. Formado pela Escola de Comunicações e Artes da USP, Cadão, que sempre estudou em colégios públicos, pensou em enveredar-se pelos caminhos da Publicidade, aos

Contamos histórias porque o mundo é imperfeito O nome da banda pode ter surgido por acaso, mas a ligação entre Cadão Volpato e o cineasta italiano Federico Fellini não para por aí. Na época, “Fellini” surgiu apenas como sugestão engraçada, mas com o passar do tempo ele foi se dando conta de que sua relação com o cineasta era mais estreita do que imaginava. “Acabei descobrindo que tenho uma afinidade engraçada com Fellini, pois ele também desenhava”, comenta ao se lembrar de O Livro dos Sonhos, obra em que o italiano registrou, a partir de desenhos e anotações, o ambiente onírico que o envolvia ao fechar os olhos. No entanto, foi recentemente que Cadão redescobriu seu gosto por Fellini, reafirmando uma relação que é ao mesmo tempo de atração e de repulsa: “Às vezes é tão próximo de mim que eu não admito tanto. Mas tem muito a ver”. A ilustração é uma atividade que se desenrola de maneira totalmente intuitiva e solta. Cadão nunca fez cursos de desenho e não se considera ilustrador. A primeira referência artística foram os desenhos da Disney: “Todos os domingos era exibido na TV o programa Disneylândia, e eu era apaixonado por ele, adorava os personagens”. Com o passar do tempo, ampliou o repertório para as criações do francês

Jean-Jacques Sempé, responsável pela série de livros infantis ilustrados O Pequeno Nicolau, e também Maurice Sendak, criador de Onde Vivem os Monstros. Mas uma nova ferramenta está permitindo que ele una o mundo analógico ao virtual. Trata-se do Instagram, aplicativo criado para facilitar o compartilhamento de fotos por meio de dispositivos móveis. Influenciado pela esposa Dani Bianchi, Cadão começou a publicar regularmente desenhos já esquecidos em seus tantos cadernos. Foi de maneira parecida que decidiu iniciar o quinto e último livro publicado, Meu filho, meu besouro, de 2011. “Minha filha mais velha, de 15 anos, ficava me cobrando: ‘Você escreve, você desenha, por que não escreve para crianças?’”, menciona Cadão, cuja grande motivação para escrever é a vontade de contar boas histórias. Com os livros publicados, Ronda Noturna; Dezembro de Um Verão Maravilhoso; Questionário; Relógio sem Sol e Meu Filho, Meu Besouro, ele segue o caminho pela literatura buscando preencher com suas verdades as páginas de seus livros. Imbuída de cotidiano, sua obra literária também nasce das próprias experiências pessoais – algo que se torna visível em Meu filho, Meu Besouro. Neste conjunto de poemas ilustrados, Cadão aborda temas comuns ao universo infantil e muito disso vem da própria rotina junto dos filhos. “É evidente que cada um tem a sua experiência pessoal, e se não fosse por ela, os livros não valeriam”. Admirador da literatura italiana e influenciado por nomes como Natalia Ginzburg, Italo Calvino, Cesare Pavese e Ellio Vittorini, Cadão acredita que a beleza da arte é saber contar algo e transformá-lo em realidade para quem está do outro

“História Natural”

“Para onde vai o coração dessa música?/Você sabe” CADÃO VOLPATO

As criações de Cadão Volpato reúnem música, jornalismo, literatura e ilustração

Ainda hoje, 22 anos após o término oficial da banda Fellini, pessoas o param nas ruas para dizer frases do tipo: “Eu me casei por sua culpa”. Em tempos em que o efêmero é praticamente regra geral, esse fato constitui, além de uma exceção, um importante indicador da relevância do grupo na música brasileira, em especial na cena independente do rock dos anos 80. Formada por Volpato, Thomas Pappon, Jair Marcos e Ricardo Salvagni, a Fellini nasceu em 1984, de uma conversa franca entre Thomas e Cadão, num dos tantos botecos paulistanos. “O Thomas chegou pra mim e disse: ‘Escuta, estou querendo montar uma banda e gostaria que você fizesse as letras e todos os vocais’”, conta. Thomas, de acordo com Ca-

gráfica. Em sua opinião, ela já se dissolveu e não sabe por que caminho irá seguir. Do outro lado, os artistas ainda não possuem o pleno domínio da internet como ferramenta de divulgação. Por isso, hoje Cadão escuta música “de forma meio vagabunda”. Em seu carro, podem ser encontrados CDs dos jazzistas norte-americanos Chet Baker e Yusef Lateef.

CADÃO VOLPATO

“No fundo, todo mundo gosta de uma melodia”

dão, queria formar um conjunto em que pudesse tocar baixo e encontrou nessa parceria a possibilidade de fazê-lo. Em meio ao surgimento de bandas como Legião Urbana e Ira!, iniciou-se a curta, porém emblemática, carreira da Fellini. Com a junção de guitarras do pós-punk inglês e de poesia com música brasileira, o quarteto alcançou algo singular que, mais tarde, seria considerado cult, como o próprio Volpato define. Por cima de tudo, vinha a “capacidade de falar sobre coisas estranhas, às vezes até surreais”. “Fellini é uma banda que tem a ver com essa junção da música brasileira com rock, mas de um jeito meio maluco, cheio de imaginação. Aí entram as minhas letras, porque eu era um cara repleto de influências”, aponta Cadão, que costumava acompanhar, ainda na infância, os festivais de música popular brasileira pela televisão. Foi assim que travou o primeiro contato com compositores como Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento e Nara Leão, de quem é “fã absoluto”. Para além do território brasileiro, os Beatles figuraram entre suas principais influências, mesmo num momento em que o pós-punk era extremamente presente em sua vida. A explicação é simples: “Minha geração se definia como punk, mas a verdade é que, no fundo, todo mundo gosta mesmo é de uma boa melodia”. Hoje, longe dos palcos, Cadão não acompanha de perto a produção musical contemporânea: acha tudo muito repetitivo e sem imaginação. “Não encontro nada que me cative, não só no movimento independente, mas na música como um todo”, afirma. Ele considera este um momento delicado para a indústria fono-

CADÃO VOLPATO

18 anos. Desistiu logo no início: “No segundo semestre, vi que aquilo não tinha nada a ver comigo e pensei em jornalismo, porque era um jeito de escrever”. Assim, passou a se revezar entre as aulas na faculdade, seus três empregos como revisor e a rotina em uma das tantas repúblicas estudantis de São Paulo – para onde se mudou após deixar a casa dos pais, na própria capital paulista. “O período em que vivi na universidade foi quase idílico. Era um tempo bom e ele está presente em tudo o que faço: livros, talvez até nos desenhos e na música”, relembra, saudosista. Longe da vida universitária há mais de vinte anos, Cadão Volpato tenta encarar os dias atuais da maneira mais prática possível. Casado e pai de quatro filhos, continua se dividindo em letras, desenhos e alguns acordes esporádicos, produzidos entre quatro paredes para apreciação própria.

“Xangai 1956”

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Passado e futuro O jornalismo veio caminhando ao lado dessas outras atividades. De início, passou certo tempo trabalhando como revisor para alguns órgãos da imprensa, como o Leia Livros

– um dos primeiros informativos da Editora Brasiliense – e O Estado de S. Paulo. “Fui revisor numa época em que era a única ocupação possível para um jornalista, era muito difícil”, relata Cadão. Chegou a integrar, durante quatro anos, o “pelotão de elite” da revista Veja, primeiro como revisor e, mais tarde, na função de checador: “Era responsável pela qualidade das informações que estavam sendo publicadas”, relembra. Cadão também marcou seu nome como o primeiro homem a ocupar o cargo de

editor-chefe da revista Capricho, publicação voltada a um público feminino e adolescente. “Foi uma experiência, no mínimo, curiosa”, conta. Porém, foi a partir da ida para a editoria de artes e espetáculos que iniciou uma longa relação com o jornalismo cultural. Depois dessa experiência, ele acumularia duas passagens pela TV Cultura, além de ocupar o cargo de editor cultural do portal IG e trabalhar no jornal Valor Econômico, no qual ainda publica textos regulares. Durante um período de três anos (1991 a 1994), Cadão, contratado pela TV Cultura, comandou o programa Metrópolis, informativo relacionado com arte e shows em geral: o cinema, a literatura, o teatro e a música eram abordados diariamente, de acordo com os principais acontecimentos programados na cidade. Em 2010, após um hiato de quase quinze anos, foi convidado a retornar à emissora e ocupar o mesmo cargo. Desta vez, a trajetória seria interrompida por uma onda de demissões que abalou a emissora. Em março deste ano, a Cultura anunciou a demissão de 50 funcionários. Seria o segundo corte em seu pessoal desde fevereiro de 2011, quando outros 150 empregados haviam sido dispensados. “Essa volta foi um pouco melancólica, porque a TV Cultura está em uma situação muito ruim”, desabafa. Para ele, os problemas vão desde a falta de dinheiro em caixa até a eterna corrida pela audiência, que compromete a qualidade dos programas exibidos. “Basta olhar para a programação para ver o quanto ela está extremamente equivocada.” O jornalista não atribui tais disfunções a eventuais trocas de governo e acredita que a emissora continua pública e

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Cadão Volpato foi o primeiro homem a se tornar editorchefe da revista Capricho: uma “experiência, no mínimo, curiosa”

lado. É o que tenta atingir por meio de seus desenhos, textos, ilustrações e canções. “Tenho vontade de contar histórias. Nós só fazemos essas coisas porque o mundo é imperfeito. Caso contrário, você não sentiria necessidade de ficar completando as coisas.”

pobre. “É preciso olhar para trás e ver quais foram as administrações que deixaram a TV no estado em que ela está agora. Não acho que um outro governo teria feito diferente”, pontua. Para ele, a tendência é que a Cultura se arraste até o ponto em que receba grandes investimentos, o que, em sua opinião, dificilmente acontecerá. O próprio Metrópolis sofreu com as consequências deste processo: ele foi completamente reformulado e se uniu a outros programas da casa, como Entrelinhas e o Vitrine. Para Cadão, esta é apenas uma tentativa de “juntar os náufragos dos programas que eles mesmos eliminaram”. Olhando pra trás, Volpato acredita ter feito um bom tra-

balho na emissora e ressalta: “Agora é passado, porque a televisão não é minha vida, acho que o meu nome foi construído muito antes disso”. Dentre seus projetos atuais e planos futuros, corre-se uma longa lista. Com um novo romance para ser lançado este ano, Cadão pretende se expor mais: quer aproveitar a sua capacidade de entrevistar, de lidar com a imagem, a escrita e o desenho, num conjunto. “Estou procurando um caminho exato em que possa desenvolver essas atividades todas de um jeito mais integrado”, conta ele, que pretende montar um site capaz de aglutinar todas as suas atividades em um único ambiente. A curiosidade e gosto por

diversas atividades – a leitura, em especial –, acredita, são fatores essenciais a quem deseja seguir o jornalismo. “O importante é manter o foco sobre a vida, a curiosidade acesa e a leitura sempre em dia. Com a internet, as pessoas tendem a se perder muito rapidamente, falta conteúdo.” Em 2012, Cadão mediará o Festival da Mantiqueira, evento realizado em São José dos Campos, no interior paulista, com o objetivo de incentivar a leitura. Além disso, participará da Flipinha, extensão educativa da Feira Literária Internacional de Paraty, e é um dos convidados do Salão do Livro de Guarulhos. O horizonte, para Cadão Volpato, apresenta-se amplo e cheio de possibilidades.

“É preciso ver quais foram as administrações que deixaram a TV Cultura como ela está. Não acho que um outro governo teria feito diferente”, comenta

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Georgia Guerra Peixe na aula magna: cinema e publicidade segue costurar esses mundos que nem sempre convivem de maneira harmoniosa. Por isso ela foi a escolhida para a aula inaugural do curso”, explica a coordenadora Elisa Marconi. No encontro com os alunos, Georgia falou principalmente sobre seus projetos em anda-

mento e sobre seu método de trabalho. “A palestra encantou os alunos de Rádio e TV, que adoraram as técnicas de produção da cineasta, e também os alunos de Publicidade que compareceram, pois a diretora tem um jeito delicado de lidar com os clientes”, conta Elisa.

Nova Luz, Velhas Sombras – Os Conflitos Pelo Espaço Urbano em São Paulo foi o tema do I Encontro Cásper, realizado no dia 21 de março, com a presença de João Whitaker, arquiteto, urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Durante cerca de duas horas, João Whitaker discutiu

Cultura Árabe é tema de mostra na Faculdade A Coordenadoria de Cultura Geral – em uma parceria com a Unesco, com o Ministério das Relações Exteriores e com a Biblioteca e Centro de Pesquisa América do Sul Países Árabes – realizou nos dias 28 e 30 de março a Mostra de Cultura Árabe, parte da programação do III Festival Sul-Americano de Cultura Árabe. O evento contou com debates, declamação de poe-

sia e exibição de filmes, além de exposições de charges, fotografias e painéis com arte caligráfica, nos corredores da faculdade. “A proposta era mostrar a influência árabe no Brasil, ainda pouco percebida no país, e incentivar a diversidade cultural”, explica Adalton Diniz, coordenador de Cultura Geral. Dentre as atividades programadas para o evento, Diniz

destaca o debate com o professor Paulo Daniel Farah, doutor em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e professor da mesma instituição. Farah comentou o documentário Nós e os Outros, de Edward Saïd. Ainda para este ano a Coordenadoria de Cultura Geral planeja realizar outra mostra abordando a Cultura Judaica.

Fotografias e ilustrações sobre o Mundo Árabe foram expostas no Espaço Verve

ção. No dia 13 de abril, os estudantes assistiram a palestras com Roberto Chiachiri, doutor em semiótica pela PUC-SP e professor da Cásper Líbero, e Celso Figueiredo Neto, também doutor em semiótica pela PUC, sobre a importância da semiótica para a profissão de publicitário e os desafios de pensar a comunicação para pequenas empresas. Rodney Nascimento, coordenador de Publicidade e Propaganda, esclarece que o objetivo do encontro era “falar de comunicação como um todo, desta vez, não só para os futuros publicitários”.

com os alunos de Jornalismo questões como a concentração de usuários de crack na região da Luz, a desapropriação de moradores do bairro devido ao projeto de revitalização do centro, o comércio informal e as providências que o Governo do Estado de São Paulo deve tomar ao longo da implantação do Projeto Nova Luz. Devido

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ao sucesso do encontro, a Coordenadoria pretende continuar com o projeto Encontro Cásper, trazendo um convidado por mês, em média. “Sendo os temas e as pessoas interessantes, é possível incentivar os alunos a participarem de eventos fora do horário de aula”, empolgase Igor Fuser, coordenador do curso de Jornalismo.

Aula Magna inicia as comemorações dos 40 anos do curso

Gisele Lorenzetti, diretora executiva da LVBA

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Roberto Chiachiri, professor da Cásper Líbero

Encontro Cásper discute o espaço urbano paulistano

JORNALISMO

Documentário, cinema de ficção e peças publicitárias. Essas três vertentes da produção audiovisual foram tratadas pela cineasta Georgia Guerra Peixe, diretora da BossaNovaFilms e convidada para a aula magna de Rádio e TV em 2012, no dia 15 de março. “A cineasta con-

RELAÇÕES PÚBLICAS

CULTURA GERAL

RÁDIO E TV

Aulas magnas, palestras e oficinas movimentam o início de 2012 dos quatro cursos da Faculdade Cásper Líbero

No dia 24 de março, os alunos de Publicidade e Propaganda puderam desenvolver suas habilidades em criação e direção de arte. Nessa data, a Sala Aloysio Biondi recebeu o Mica Day, com aulas experimentais sobre a história da empresa Mica, de mídia indoor, seus cases mais famosos e formatos inusitados de relacionamento com o público (postais com divulgação de peças publicitárias, por exemplo). Outra atividade que também movimentou o primeiro bimestre na coordenadoria foi o Ciclo Cengage de Comunica-

DIVULGAÇÃO/CECL

PUBLICIDADE E PROPAGANDA

notícias CASPERIANAS

Mica Day e Ciclo Cengage de Comunicação estimulam a criação publicitária

Gisele Lorenzetti, diretora executiva da agência de relações públicas LVBA, foi a convidada para ministrar a aula magna do curso de Relações Públicas de 2012, realizada no dia 15 de março. “Como no ano passado trouxemos a Margarida Kunsch, uma figura acadêmica, escolhemos este ano alguém do mercado para falar sobre o dia-a-dia e sobre as tendências da profissão”, explica Luiz Alberto de Farias, coordenador do curso. Essa aula iniciou as comemorações dos 40 anos do curso de Relações Públicas da Cásper

Líbero, que serão finalizadas na Semana de Relações Públicas, em novembro. Gisele Lorenzetti abordou as transformações e perspectivas para o trabalho do profissional de RP na nova realidade da comunicação digital. Seguindo essa tendência, os alunos do 2º ano estão realizando flash mobs semanalmente no espaço Verve, no 3º andar da faculdade. “A cada semana é promovida uma atividade diferente, que dialoga com essa nova realidade digital e mobiliza os alunos em torno de um projeto”, esclarece Farias. Maio de 2012 | CÁSPER

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RESENHA

O homem

que lia para Borges

Por Carlos Costa

A

Wikipédia anda meio pobre, pelo menos na versão em português. Uma consulta sobre o que essa “enciclopédia livre que todos podem editar” diz sobre o grande leitor e escritor Alberto Manguel mostra colheita escassa. Diz ali que “Alberto Manguel (nasceu em 1948, em Buenos Aires) é um escritor nascido na Argentina e hoje é cidadão canadense. Passou a infância em Israel, estudou na Argentina e vive atualmente no interior da França. É ensaísta, organizador de antologias, tradutor, editor e romancista”. É pouco, muito pouco para um homem tão criativo e especial. A Wikipédia não esclarece que Alberto morou em Israel porque durante um tempo seu pai foi embaixador da Argentina naquele país, nem que ao voltar para sua Buenos Aires natal encontrou problemas de adaptação pela pouca fluência do idioma pátrio. Nesse período, descobriu as aventuras da Emília, do Sítio do Pipa-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato. Confessa que sentiu empatia pela boneca por enfrentar como ela os mesmos problemas com a escola, no caso dele, o Colegio Nacional de Buenos Aires. Adolescente, Alberto Manguel fazia bicos e numas férias de verão alistou-se como ajudante da Livraria Pigmalión, no número 512 da Avenida Corrientes, especializada em literatura alemã. Foi a oportunidade para conhecer um célebre frequentador do lugar, Jorge Luis Borges. Conversa vai, conversa vem, ou o garoto, então com 16 anos, se ofereceu; ou Borges, com 58 anos e quase cego, pediu a Manguel que fosse a seu apartamento, ler em voz alta para ele. Tarefa que o leitor incansável repetiu duas ou três vezes por semana entre os anos de 1964 e 1968. Manguel chegou a iniciar, em 1967, um curso na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires, mas abandonou os estudos para dedicar-se ao que realmente gostava de fazer: ler. Foi trabalhar na Editora Galerna, de Guillermo Schávelzon (que mais tarde se tornou seu agente literário). Em busca de sua vocação, acabou mudando-se para a Europa, trabalhando como parecerista de diversas editoras na Espanha, França, Itália e Inglaterra, lendo textos originais para decidir ou

não sobre sua publicação. Passou por casas editoras de prestígio, como a Gallimard e Les Lettres Nouvelles, de Paris, além de Calder & Boyars, em Londres. Aos poucos, começou também a escrever. Seu primeiro prêmio foi conquistado quando morava em Paris, em 1971: tirou o primeiro lugar num concurso do tradicional diário portenho La Nación, atribuído a uma coleção de contos escrita em parceria com Bernardo Schiavetta (poeta franco-argentino). Talvez esse prêmio influenciasse sua decisão de voltar para a Argentina em 1972, com o convite para trabalhar no mesmo jornal La Nación, considerado o porta-voz da “oligarquia argentina”. Mas foi uma curta permanência, pois em 1974 a famosa e chique casa editorial Franco Maria Ricci, de Milão, fazia uma proposta, imediatamente aceita. Ali conheceu o jornalista Gianni Guadalupi, especializado em roteiros e guias turísticos, com quem escreveu o primeiro livro, Dicionário de Lugares Imaginários, publicado aqui pela Companhia das Letras em 2003 (leia o quadro “Jóias em Língua Portuguesa”). Exatamente um dicionário, o livro revisita lugares imaginários da ficção mundial, começando de A, de Abadia da Rosa (referência ao romance de Umberto Eco) a Zuy, próspero reino dos elfos na Holanda. No meio do caminho, passeia por Atlântida, Xanadu, Shangri-La, a Terra do Nunca, Antares (no Rio Grande do Sul, extraído do romance de Érico Veríssimo), Sabá, na Etiópia, de onde teria partido um dos reis magos, o arquipélago Mundo Fulgurante, com seu rio de cristal, ou o País das Maravilhas, refazendo o caminho da Alice de Lewis Carrol. A estas alturas um nômade assumido, Alberto Manguel segue em 1976 para o Taiti, convidado para ser editor assistente da Les Editions du Pacifique. Dois anos depois, agora de volta à Inglaterra, se instala na cidadezinha de Milford (Surrey), criando ali a pequena editora Ram Publishing Company, projeto de curta duração. Retorna em 1979 ao Taiti e às Editions du Pacifique, agora para uma temporada de três anos. Em 1982, já no limiar da maturidade com seus 34 anos, instala-se em Toronto, adotando a nacionalidade Maio de 2012 | CÁSPER

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A Biblioteca à Noite Quando se mudou para a França, Alberto Manguel foi morar num antigo convento em ruínas, comprado por ele e reformado para se transformar em residência. E no galpão dessa construção medieval, instalou sua fantástica biblioteca, que soma mais de 40 mil exemplares, segundo sua mais recente entrevista, concedida durante uma palestra na Ottawa Public Library Foundation (o tema do encontro foi sobre o futuro do livro!). A organização de seus livros é o gancho para Manguel discorrer sobre muitas outras bibliotecas, como a do rei Assurbanípal, em Nínive; a de Alexandria; a Biblioteca do Congresso Americano. Ou a enciclopédia de Diderot e d’Alembert, monumental enciclopédia chinesa Yongle Dadian ou até de sua própria coleção de literatura de cordel, adquirida no nordeste do Brasil. Ficamos sabendo ainda sobre as bibliotecas gratuitas criadas pelo milionário americano Andrews Carnegie, nascido na Escócia: sovina e unha de vaca com seus empregados, Carnegie criou mais de 2.500 bibliotecas nos Estados Unidos e em países de língua inglesa. Manguel esmiúça ainda a fantástica coleção de Aby Warburg, judeu alemão que viveu em Hamburgo na virada do século XIX para o século XX. Aby, que herdaria a instituição financeira da família, abdicou do direito de primogenitura em favor do irmão, em troca da garantia de que este compraria todos os livros que ele quisesse. Figura emblemática de amor ao livro, Aby Warburg organizou sua biblioteca pela afinidade ou “proximidade” que encontrava entre os livros, espécie de política de boa vizinhança. (Mesmo critério utilizado por ele no Atlas Mnemosyne, espécie de paineis visuais mapeando al-

guns temas da história da arte.) O arranjo de sua própria biblioteca dá margem para Manguel, um excelente contador de histórias, discorrer, com requintada erudição, por temas como a forma das bibliotecas, a ordem e a organização e sobre como classificar livros. Dá o exemplo: “Por que ponho García Márquez em G e García Lorca em L?”, se pergunta, para dizer que toda ordem é apenas arbitrária. Em “o poder”, discorre sobre a possibilidade de colecionar livros ou construir templos para abrigá-los. São quinze deliciosos ensaios, que valem a viagem. O “À noite”, do título, se refere ao horário que Manguel considera o ideal para reler seus livros, sem os ruídos do dia, em paz com os sussurros de seus autores queridos.

e a própria descoberta é feita pela criação dessas narrativas. Afinal, “as palavras não apenas nos conferem realidade; elas podem ainda defendê-la para nós”, escreve. Como as palavras conferem identidade a indivíduos, grupos e sociedades? Serão elas capazes de mudar quem somos e o mundo em que vivemos? Para responder à pergunta “Afinal, por que vivemos juntos e para onde nos encaminhamos?”, Alberto Manguel discorre sobre as tabuletas de Gilgamesh, encontradas no Museu Britânico, provenientes da biblioteca do rei Assurbanípal, em Nínive. Escritas pelo monge Sin-leqiunninni, é um dos poemas épicos mais antigos da história da humanidade. Gilgamesh é o mais forte dos homens, mas como abusa de seu poder, o povo de Uruk, sua cidade natal (no atual Iraque), pede ajuda aos deuses. E estes atendem ao clamor do povo oprimido criando a figura do Enkidu, que será o contrapeso de Gilgamesh – “o outro” em que o mais forte dos homens se verá espelhado. Com ele, Gilgamesh aprende que “nossa vida nunca é individual; que é infinitamente enriquecida pela presença do outro e, portanto, empobrecida por sua ausência. Sozinhos, não temos nome nem rosto, ninguém que

nos chame e nenhum reflexo que permita reconhecer nossas feições”. Ao descobrir o amigo morto, Gilgamesh declama um poema sublime (pág. 40). Manguel conclui: “Se Gilgamesh contém alguma lição, ela ensina que o outro torna possível a nossa existência”.

O chapeleiro maluco Finalmente, mais um convite, entre tantos outros. Difícil escolha. A indicação poderia ser Lendo Imagens, que contém um belo ensaio sobre o Alejadinho, ou Uma História da Leitura, em que o recurso da leitura oral ganha um belo capítulo e ajuda a compreender por tabela como se deu, no Brasil analfabeto do século XIX, a repercussão de textos e debates dos jornais. Mas fiquemos

com o delicioso À Mesa com o Chapeleiro Maluco. A loucura, desde Erasmo de Roterdam, explica muitas das ações dos seres humanos, da guerra ao amor, da política às artes. E toda época teve seus loucos, sendo que na tradição judaica o louco do vilarejo tem o poder premonitório dos profetas, pois em seu alheiamento ele percebe o que os outros não veem. Partindo de algumas das frases mais famosas de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, o grande leitor que é Alberto Manguel passa a compor um rosário de personagens, artistas e obras que se nutrem da sublime demência que desde tempos imemoriais desafia as instituições e as regras. Pinóquio, Dom Quixote, Van Gogh, Gaudí e Borges estão em uma bela companhia nessa viagem pelo mundo da cultura, composto de sonhos e de realidades em mutação constante. Definitivamente, Manguel é um autor que não tem contraindicações para quem busca o prazer de ler – que, para Borges, era a única forma de leitura que conta. Carlos Costa é professor titular de História da Comunicação no curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e edita as revistas Cásper e Diálogos&Debates.

A Cidade das Palavras Outro livro a destacar é A Cidade das Palavras, as Histórias que Contamos para Saber Quem Somos. Escrito em 2007 e publicado no Brasil no ano seguinte, é certamente a obra prima do Alberto Manguel ensaísta. Num corte próximo da leitura psicanalítica lacaniana sobre as narrativas, o autor mergulha nos significados que produzimos ao contar nossas histórias, muitas vezes com tom mítico. São os relatos que contamos para entender quem somos,

Jóias em língua Portuguesa

DIVULGAÇÃO/CIA DAS LETRAS

canadense. Nos próximos dezoito anos dará vazão a sua verve ensaística, escrevendo regularmente em jornais como Globe & Mail, de Toronto, The Times Literary Supplement, de Londres, e os conhecidos New York Times e The Washington Post – além de outros, como The Sydney Morning Herald e Australian Review of Books, e o Svenska Dagbladet, de Estocolmo, além de resenhas regulares de livros e de obras de teatro para a Canadian Broadcasting Corporation. Nesse período, dedicou-se a produzir uma dezena de antologias, resultado do vasto conhecimento acumulado nos anos em que operou como parecerista. Professor visitante e pesquisador bolsista de diversas instituições de fomento canadenses, produziu muitos livros de ensaio e poucos romances. Atualmente mora num vilarejo de Poitou-Charentes, na França, com os livros amealhados em tantas andanças. Boa parte de suas obras, publicadas no Brasil pela Companhia das Letras, têm o apoio do The Canadian Council for the Arts. (A relação completa destes livros traduzidos estão relacionados no quadro “Jóias em Língua Portuguesa”.) Como não é possível falar de todos, escolho três. Começando por A Biblioteca à Noite, que acabo de ler.

Todos os homens são mentirosos (2010) - Autor À mesa com o chapeleiro maluco (2009) - Autor A cidade das palavras (2008) - Autor Contos de amor do século XIX (2007) - Organizador A biblioteca à noite (2006) - Autor O amante detalhista (2005) - Autor Os livros e os dias (2005) - Autor Contos de horror do século XIX (2005) - Organizador Dicionérios de lugares imaginarios (2003) - Autor Lendo imagens (2001) - Autor No bosque do espelho (2000) - Autor Stevenson sob as palmeiras (2000) - Autor Uma história da leitura (1997) - Autor

Maio de 2012 | CÁSPER

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CRÔNICA

A relatividade do

trânsito

Por Diogo Sponchiato

H

á quem me chame de louco quando confesso que um dia apreciei os semáforos mais lentos, as paradas nos pontos de ônibus ou aquela visão de uma avenida travada pelo excesso de veículos. Era, não nego, uma belle époque particular, carente de deveres e responsabilidades. A vida girava em torno da faculdade e as viagens de ônibus rumo à Avenida Paulista ofereciam a oportunidade de ler, ler e ler mais um pouco – ou, de vez em quando, roubar com os ouvidos algum causo desfiado por um vizinho de assento que conversava no celular. Cada minuto potencialmente desperdiçado no balançar do intermunicipal era convertido em um virar de página, na leitura de um novo parágrafo... Quantos livros não foram saboreados e deglutidos naquele sacode, às vezes com alguma indigestão. Eram tempos de fome por histórias e peço licença a Otto Lara Resende para pegar emprestada uma de suas reflexões sobre a paixão literária na juventude: “Eu queria adolescentemente ler a vida, não queria vivê-la”. Exageros à parte, há melhor lugar para levar isso a sério do que dentro de um ônibus que demorava quase duas horas para cumprir a via crúcis do ABC paulista até a Faculdade Cásper Líbero? Retificando o mestre: “eu tinha de ler a vida, porque não dava para vivê-la”. Poético demais, bem sei, mas tem lá seu fundo de verdade. O adeus à faculdade trouxe um emprego e a chance de trocar o transporte público pelo conforto e a pretensa liberdade do automóvel. E aí, meu amigo, você percebe em poucos meses que a literatura o abandonou e começa a padecer de uma doença sem vergonha e tratamento: a pressa. O semáforo vira o demônio quando espreita seu olho vermelho e o vislumbre de uma via congestionada só atormenta o peito e faz imaginar como são as estradas no inferno. Cada minuto perdido é simplesmente perdido. E nem Bach consegue abrandar o coração. Mas ninguém ousaria, agora, chamá-lo de louco, porque você compartilha de um 68

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mal coletivo, comum aos motoristas de São Paulo. Antes que o tráfego intenso consumisse estas entranhas, decidi criar uma ocupação (terapia?) que aplacasse o ócio e o estresse ao volante e que ainda rendesse algum aprendizado ou história para contar. Fundei, então, meu próprio Laboratório Móvel de Psicoantropologia do Trânsito. Através das lentes do para-brisa é possível espreitar comportamentos, investigar a interação entre homem e carro (que transforma o veículo em extensão do corpo) e ainda elaborar uma taxonomia dos condutores – a moça que se maquia e não deixa ninguém ultrapassar, a mãe que julga necessitar mais espaço para a família (e, por isso, ocupa duas faixas da pista), o playboyzinho que esnoba e fecha o carro alheio, o executivo vesgo de tanto dividir o olhar entre o telefone e a rua, o rapaz que procura impor respeito obrigando os colegas de suplício a ouvir seu som... Enquanto reúno material para um tratado, convém recorrer a um antropólogo de verdade, e dos bons, que se debruçou sobre o trânsito capixaba, Roberto DaMatta. Ele observa em seu livro Fé em Deus e pé na tábua (Ed. Rocco): “(...) essa individualidade [despertada pelo automóvel] é vivida como sinal de sucesso e, sobretudo, como sinal de superioridade social. Ela confirma de modo dramático que o transporte personalizado por meio do carro (...) infunda o medo e o respeito, e diz algo sobre quem é o seu dono”. Na ânsia de se distanciar da manada, nos colocamos todos dentro de outra, só que esta não galopa porque vive engarrafada. Será que adianta apenas ampliar o transporte público? É preciso rever alguns conceitos e paixões. Tempo teremos. Basta entrar no carro. _____________________________________________ Diogo Sponchiato formou-se em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero em 2007 e hoje é editor da revista Saúde, da Editora Abril.



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