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Coração do Brasil

Dia 8 de outubro é dia do nordestino e todo ano nesta data meu coração se enche de orgulho por ter nascido na região mais rica do país. O Nordeste é rico em cultura, ritmos, recursos naturais, poesia, beleza, folclore, gastronomia, paisagens e, principalmente, pessoas. Não vivo lá, mas é de lá que eu vim, é lá que estão fincadas as minhas raízes e a origem de tudo que eu sou.

O Nordeste é uma região tão plural quanto o Brasil. Só de sotaques diferentes na região consigo contar pelo menos três. No Piauí e no Ceará, a gente fala anasalado e chia só quando o ésse vem antes de tê: “revixta”, “surfixta”, “dentixta”. No Maranhão, todas as consoantes são pronunciadas com precisão, especialmente se tem um agá depois de um ene: “bichinio”, “gatinio”, “maninio”, “Maranião”. Na Bahia, da voz manhosa e melodiosa do baiano, usa-se muito o “pronto”, em outros estados do Nordeste também. Eu, particularmente, sou muito fã do “pronto”. Ele é colocado na frente das frases mais aleatórias como interjeição de decisão ou afirmação, mas também como forma de apaziguar qualquer situação. É quase uma forma de dizer “calma, está tudo bem agora”. É um acalento para o coração. O “bom Dia” dos paraibanos, pernambucanos e potiguares é uma das maiores assinaturas da região.

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Os neologismos e expressões nordestinas são valiosos demais para serem abolidas, por isso, eu tento ao máximo não deixar de usá-las e explico com calma e orgulho o que significa cada coisa que digo e ninguém entende. “Bonito pra chover”, “caçar conversa”, “viçar”, “rebolar no mato”, “aperreada”, “arrudear”, “mangar”, “frescar”, etc. No Piauí, de onde eu vim, vocabulário próprio é tão múltiplo que precisou ser consolidado na Grande Enciclopédia Nacional do Piauiês, uma preciosidade literária escrita pelo brilhante jornalista Paulo José Cunha. Uma obra-prima que conta com três volumes. Um favor que o Paulo fez ao Brasil.

Tem gente que não entende quando nordestino se chateia ao ver alguém misturando os regionalismos e nos tratan- do como se o Nordeste fosse um só lugar: uma região onde as pessoas passam férias e os nativos falam engraçado. “Ah, que legal, você é de Recife, meu vizinho nasceu lá também, no Ceará”. “Que bacana, você nasceu no Piauí, já passei as férias lá uma vez, na Praia do Futuro”. “Uau, você se formou na Universidade Federal da Paraíba, eu conheço Natal”. Eu aposto que todo nordestino já ouviu algo parecido. Eu já ouvi. É ofensivo porque somos a segunda maior região do Brasil e temos várias identidades pulsantes e distintas.

Tem gente que chama nordestino de “Paraíba” ou de “baiano” de forma pejorativa. Eu desisti de me ofender. Aceito, altiva, qualquer associação da minha pessoa com o Nordeste.

Eu tenho um orgulho danado de ser nordestina e não baixo minha cabeça para nenhuma tentativa de depreciação das minhas origens.

Desde a infância, sempre quis ser jornalista, profissão que exerço há 14 anos. Desde sempre, me incomodava quando não via telejornais ou programas nacionais apresentados por pessoas com sotaque nordestino. Os jornalistas da região que trabalhavam em rádio e TV fora do Nordeste eram obrigados a neutralizar o sotaque. Um verdadeiro assassinato de um regionalismo tão identitário. Hoje em dia, isso mudou. Ainda temos muito o que avançar, mas eu mesma já participei de alguns cursos e media trainings para TV aqui na capital do país, onde vivo há 18 anos. E me sinto feliz em ver que ninguém é mais obrigado a neutralizar sotaque nordestino. Eles corrigem postura, figurino, dicção, projeção de voz, entre outros detalhes. Mas o sotaque não. Afinal, como diria o baiano Caetano Veloso, gente é pra brilhar.

Viva o Nordeste!

*Mila Ferreira, repórter do Correio Braziliense. Formada em Jornalismo pelo IESB e pós-graduada em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC-RS

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