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“From Portugal With Love” Portugueses nos Estados Unidos querem elevar “marca Portugal” na cena internacional

CCOMUNIDADES

“FROM PORTUGAL WITH LOVE”

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PORTUGUESES NOS ESTADOS UNIDOS QUEREM ELEVAR “MARCA PORTUGAL” NA CENA INTERNACIONAL

Lá fora ouvem-se os aplausos, os holofotes estão apontados, uma vez mais, para o talento português. Desta vez, nos Estados Unidos. Foi no Sihana Café, em Newark, que conversámos com Carlos Ferreira e Isabelle CoelhoMarques, os responsáveis pela participação lusa no Mesa International Film Festival, que decorreu no passado mês de dezembro, na cidade de Mesa, no Arizona.

TEXTO DE MARIA JOÃO COSTA COORDENADORA EDITORIAL DA REVISTA COMUNIDADES

Foi entre a paixão pela música e o jornalismo que Carlos Ferreira, um português de 39 anos a residir em Newark, Estados Unidos, fundou a agência de relações públicas Plusable, que levou, pela primeira vez, um bloco de realizadores nacionais ao festival de cinema na cidade de Mesa, no Arizona. No projeto, um braço direito: Isabelle Coelho-Marques, presidente emérita da NYPALC (federação sem fins lucrativos que congrega as organizações portuguesas e luso-americanas do estado de Nova Iorque), defensora de causas, líder comunitária e analista luso-americana, cuja formação profissional inclui advocacia legislativa e regulatória para o setor de financiamento imobiliário comercial.

E é do outro lado do Atlântico que os dois fundadores da empresa têm trabalhado para elevar a “marca Portugal” na cena internacional. O Mesa International Film Festival contou, pela primeira vez, com uma secção dedicada ao talento nacional, sob a responsabilidade desta agência. No rol dos realizadores que a Plusable levou ao evento de 2021 está André Bráz, cujo documentário sobre o basquetebolista português Neemias Queta, atualmente a driblar na NBA, foi distinguido como “Melhor Documentário Internacional”, assim como Diogo Varela Silva, que conquistou o galardão “Indian´s Pick” com o filme dedicado à vida e talento musical do guitarrista dos Xutos & Pontapés falecido em 2017.

Na programação deste festival incluíram-se ainda uma série de outros filmes portugueses, entre os quais “Equinox”, de Bruno Carnide, “Encontradouro”, de

Da Esquerda para a direita: Isabelle Coelho-Marques (Plusable); Troy Kotsur (ator que venceu o prémio Gotham em NY com o filme CODA); Carlos Ferreira (Plusable) e “Indian”

“SE QUEREMOS EVOLUIR COMO PAÍS NO MUNDO E COMO ´NOVA MARCA PORTUGAL´, TEMOS DE TER A PERFEITA NOÇÃO QUE JÁ NÃO É BEM A ´ALDEIA´ QUE DEIXÁMOS NO CONTEXTO DE DITADURA”

José Afonso Pimentel, “A green house”, de Francisco Pereira Coutinho, “Um quarto de mim”, de Ana Domingues, “Os vivos”, de Gonçalo Robalo, “Natureza Morta”, de Bruno Fraga Braz, “Flumen”, de Frederico Ferreira, e “Em junho”, de Henrique Brazão.

O Mesa International Film Festival nasceu há três anos pelas mãos do visionário, e também luso-americano, José Antão, mais conhecido entre os americanos e a comunidade portuguesa como “Indian” (alcunha em inglês), na sequência da sua vontade de ver Mesa “no mapa” e torná-la mais “inclusiva e diversa” em termos culturais. Uma peça fundamental na participação lusa nesta 3ª edição, já que da amizade e do trabalho que mantém com os fundadores da Plusable se montou o cenário ideal para a estreia e vitória portuguesa neste festival.

“Achámos estratégico e interessante levar este bloco português, porque quisemos demonstrar que é possível fazer isto para países como Portugal”, começa por dizer Carlos Ferreira, enquanto pede um café no Sihana.

Apesar do carinho inquestionável que sentem pelas comunidades, os dois fundadores da Plusable acreditam que Portugal já não é bem aquilo que estas tendem a preservar e sentir. “As comunidades tendem a preservar a saudade e a nostalgia, das festas, da terra que deixaram, que faz parte do património saudosista português, mas se queremos evoluir como país no mundo e como ´nova marca Portugal´, temos de ter a perfeita noção que já não é bem a ´aldeia´ que deixámos no contexto de ditadura, continuou a evoluir, e convém que acompanhe a evolução”, defende o responsável.

As limitações associadas à indústria portuguesa de não ter, por vezes, um motor de arranque que potencie a expansão do talento, da cultura, do empreendedorismo nacional “cá fora”, faz com que se façam as coisas, muitas vezes com algum receio e alguma hesitação. “Tentamos compensar isso com algum do nosso dinamismo e com o facto de estarmos numa ´posição chave´, também como forma de facilitar essas pontes e de inspirarmos outros, noutros pontos do mundo, para que entendam que a diáspora já não é o que era. Existe uma nova geração, também integrada e em posições chave, que facilita este tipo de acessos e que permite criar este tipo de festivais, muitos deles também a arrancar ainda. E foi esse o nosso objetivo neste festival, enquanto Plusable”, explica.

A agência de RP, que arrancou no início de 2021, em Newark, decide então colocar em prática esta visão e organiza, em muito pouco tempo, esta curadoria em jeito de campanha de relações públicas. “Tratámos de tudo, no que diz respeito a estratégia de marketing, criámos toda uma campanha associada a que chamámos carinhosamente ´From

Portugal With Love´, e andámos (eu e a Isabelle) literalmente com o nosso cartaz às costas”, conta Carlos Ferreira entre risos.

Automaticamente esse carinho “from Portugal”, e o tom da campanha, acabou por ser recebido também com carinho pelas pessoas que participaram no Mesa Festival, “não muito habituadas a receber pessoas de outros países, com uma presença tão forte”.

Este “From Portugal With Love” foi um projeto que não estava nos planos imediatos da Plusable e, no entanto, a marca Portugal sobressaiu em todo o lado neste festival.

No desenrolar da nossa entrevista, envoltos num ambiente artístico, onde se misturam livros com o aroma agradável a café e o suave burburinho proveniente das conversas no Sihana, quisemos saber se esta vitória lusa, num festival com esta dimensão, é um incentivo a que esta nova geração de portugueses a residir no estrangeiro “faça mais”, com esse objetivo de levar Portugal cada vez mais longe e de colocar o país no mapa e no mundo.

“Acima de tudo que inspire e que mostre que Portugal e que o talento português dá cartas em várias frentes, que sirva, através da arte, para se promover o património cultural e intelectual português de uma nova geração, para que se identifique com aquilo que é a representação portuguesa no mundo e que o talento português (de Portugal) hoje em dia, nesta era de comunicação, não está limitado ao espaço demarcado ou região demográfica portuguesa. E se servir para abrir portas, tanto melhor”, responde o fundador da Plusable.

“Com este festival, houve um outro objetivo de promoção do talento, que foi dar oportunidade a jovens, a uma nova geração, que fizeram curtas-metragens associadas à Universidade do Porto, estudantes universitários, com qualidade, sem serem propriamente nomes sonantes”, acrescenta. “A eles, também, que lhes sirva de alento e de propósito, e que estimule outros em Portugal a acreditar que se calhar para o ano podem ser eles a estarem associados a um festival no Arizona. A ideia é levarmos Portugal cada vez mais longe, com a grande responsabilidade de o fazermos da maneira mais digna possível”, frisa.

LEVAR O PROJETO A OUTROS FESTIVAIS DE CINEMA ESPALHADOS PELOS ESTADOS UNIDOS ESTÁ NOS HORIZONTES DA PLUSABLE

A agência de Carlos Ferreira e Isabelle Marques ambiciona levar este projeto para outros festivais de cinema, espalhados pelos Estados Unidos, sobretudo a Estados onde não tenha havido ainda uma grande presença de artistas portugueses.

O objetivo é reproduzi-lo em Estados americanos onde o nome Portugal não é tão reconhecido e em festivais que não “os grandes festivais de cinema”, adiantam os fundadores.

“Acho que o impacto será sempre maior e apesar de darmos a conhecer projetos não tão grandes, o facto de não serem sonantes em termos mediáticos não significa que não sejam igualmente estratégicos, porque continua a ser uma realidade, em termos de números, muito superior à questão portuguesa, não em termos de qualidade, porque em Portugal também se fazem muitas coisas boas, mas em termos de números. É realmente expor este talento a um número cada vez maior de pessoas, porque têm o seu valor e é isso que tentamos fazer”.

“Esperamos incorporar, nas próximas mostras de filmes, não só o que fizemos este ano, de trazer o talento português de Portugal, mas incluirmos também luso-americanos, dar destaque ao que está a ser feito pelos lusodescendentes cá fora, esperamos que na próxima edição possamos incluir também talento luso das outras diásporas, de outros países, como França, África do Sul, ou outros”, acrescenta Isabelle Coelho-Marques.

Sendo filha de emigrantes, e vivendo “a realidade emigrante”, Isabelle considera importante “dar este destaque a esses portugueses que estão pelo mundo fora e ao trabalho que eles fazem”, como faz questão de vincar.

OLHAR PARA A PARTE PORTUGUESA NA CENA INTERNACIONAL COMO UMA PARTE NÃO DE “SEGUNDA”, MAS ESTRATEGICAMENTE PRIORITÁRIA

Neste âmbito, tanto a analista luso-americana como Carlos Ferreira têm uma visão “muito idêntica”, ambos considerando que existe ainda “uma falha muito grande dentro das comunidades”, de não haver uma projeção de vida do Portugal atual: um Portugal mais dinâmico, inovador, supermoderno, sofisticado, um Portugal cool. E é este o Portugal que os fundadores da Plusable querem promover e fazer chegar aos quatro cantos do mundo.

“Os bailes e as festas da aldeia são muito engraçados, mas Portugal já

é muito mais do que isso”, explica Isabelle, clarificando que não se pode perder, no entanto, “esta conexão com a comunidade,” sob pena de as pessoas deixarem de se identificar com o trabalho desenvolvido pela agência. “Sabem qual é a nossa posição, mas também sabem que se for preciso arregaçamos as mangas e também contribuímos a esse nível, e somos defensores de todos”, refere a líder comunitária.

“Como temos uma visão idêntica, começámos a pensar em realizar projetos diferentes e a dinamizar essa área e outras, claro. Também, criar pontes maiores com os políticos locais para poder influenciar e ajudar também a nossa comunidade”, continua Isabelle.

“Queremos estar de mãos dadas com Portugal e fazemos questão que saibam que têm nas comunidades grandes aliados, que podem facilitar estes contactos, a integração, que estamos em posições estratégicas”, salienta.

“Uma coisa são os organismos institucionais virem cá, como o Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou o Turismo de Portugal, outra coisa é contarem com alguém deste lado, que trabalha no terreno, que conhece as particularidades e as necessidades dos nossos emigrantes”, como a Isabelle, que trabalha em lobbying, é especialista em relações governamentais, que mantém uma relação privilegiada com os governadores americanos, que se envolve em trabalho de voluntariado, fazendo com que seja recebida com muita seriedade e credibilidade, tanto dentro da comunidade portuguesa, como americana.

“Somos militantes da causa portuguesa no mundo, e queremos fazê-lo de uma forma o mais digna possível e ao assumirmos essa intenção claro que dai advém uma grande responsabilidade e tentamos fazer sempre mais e melhor”, remata Carlos Ferreira.

Constatamos, à medida que a conversa se desenrola, que estes portugueses fazem muito mais do que promover o talento luso além-fronteiras. Trabalham de forma incansável para levar a bandeira nacional mais além, com o objetivo de elevar a “marca Portugal” na cena internacional.

Com esta porta aberta, quem sabe se a própria organização do Mesa International Film Festival não pondera contratar outro tipo de pessoas para fazer curadoria para outros países, e torna o festival cada vez mais internacional, como acontece em Cannes, ou outros, onde há secções dedicadas a “países”. No fundo, o propósito do seu fundador, José Antão, o tal luso-americano mais conhecido por “Indian”. Carlos e Isabelle foram “disruptivos”, abriram novos caminhos, numa fase em que “nem o próprio festival tinha noção de que alcançaria esta projeção”.

Tivemos ainda a oportunidade de conhecer o Gabriel, lusodescendente com origem vianense e proprietário do café Sihana, ponto de encontro de tantos portugueses que vivem em Newark, ponto de encontro entre a Revista Comunidades e os fundadores da Plusable. Numa última visita guiada, vislumbramos numa das paredes do estabelecimento um sinal: “Newark is for artists, Newark is for Imigrants”, que é como quem diz “Newark é para artistas, Newark é para imigrantes”. E é neste ambiente eloquente, em jeito de art caffe, salpicado de grafitis, neóns e livros, que ficamos com a certeza de que os portugueses lá fora não baixam os braços no que toca a elevar a bandeira nacional ao mais alto nível.

Evento contou com a presença de Rui Pereira, Cônsul Honorário de Portugal em Arizona e Presidente da Câmara de Wickenburg Vista exterior do Sihana Café, onde Maria João Costa entrevistou Carlos Ferreira e Isabelle Coelho-Marques

OPINIÃO

MANUEL BETTENCOURT – ENTRE O SONHO AMERICANO E O ORGULHO NAS RAÍZES PORTUGUESAS

DANIEL BASTOS HISTORIADOR

Acomunidade lusa nos Estados Unidos da América (EUA), cuja presença no território se adensou entre o primeiro quartel do séc. XIX e o último quartel do séc. XX, período em que se estima que tenham emigrado cerca de meio milhão de portugueses essencialmente oriundos dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, destaca-se hoje pela sua perfeita integração, inegável empreendedorismo e relevante papel económico e sociopolítico na principal potência mundial.

Atualmente, segundo dados dos últimos censos americanos, residem nos EUA mais de um milhão de portugueses e luso-americanos, principalmente concentrados na Califórnia, Massachusetts, Rhode Island e Nova Jérsia. A grande maioria da população luso-americana trabalha por conta de outrem, na indústria, mas são já muitos os que trabalham nos serviços ou se destacam na área científica, no ensino, nas artes, nas profissões liberais e nas atividades políticas.

No seio da numerosa comunidade lusa nos EUA, onde proliferam centenas de associações recreativas e culturais, clubes desportivos e sociais, fundações para a educação, bibliotecas, grupos de teatro, bandas filarmónicas, ranchos folclóricos, casas regionais e sociedades de beneficência e religiosas, destacam-se percursos de vida de vários compatriotas que alcançaram o sonho americano (“the American dream”).

Entre as várias trajetórias de portugueses que começaram do nada na América e ascenderam na escala social graças ao trabalho, ao mérito e ao empenho, destaca-se o percurso inspirador e de sucesso do comendador Manuel Bettencourt, uma das figuras mais gradas da comunidade luso-americana.

Natural de Ribeirinha, uma aldeia do concelho de Santa Cruz da Graciosa, ilha Graciosa, arquipélago dos Açores, Manuel Bettencourt emigrou para a América no final dos anos 60, na casa dos vinte anos de idade, ao encontro dos pais que tinham partido um ano antes em demanda de melhores condições de vida para uma família humilde e numerosa, marcada pelo espectro de grandes carências, na esteira da larga maioria da população que durante a ditadura portuguesa vivia na pobreza, quando não na miséria.

A chegada à Califórnia, estado no oeste dos EUA, numa fase de crescimento da emigração açoriana para o território americano, marca o início de um percurso de vida de um verdadeiro “self-made man”, que sem saber falar inglês, desde logo arranjou trabalho no hotel onde o pai fazia limpezas. Durante cerca de uma década, Manuel Bettencourt, ao mesmo tempo que lavava pratos e servia às mesas, compondo assim os rendimentos da família formada por uma dezena de irmãos, deu asas ao sonho de estudar, de tirar um curso superior, que acalentava desde o torrão natal, em particular do Faial onde tirou o segundo ano do liceu.

MANUEL BETTENCOURT EMIGROU PARA A AMÉRICA (...) AO ENCONTRO DOS PAIS QUE TINHAM PARTIDO EM DEMANDA DE MELHORES CONDIÇÕES DE VIDA

O trabalho, o esforço e a resiliência, valores coligidos no seio familiar, permitiram ao jovem graciosense fazer, em regime noturno, o ensino secundário, e depois graduar-se em Educação Geral no San Jose City College e posteriormente licenciar-se em Biologia na San Jose State University.

A progressão na carreira e a valorização profissional levariam Manuel Bettencourt nos quatro anos seguintes a ir para o México, para Guadalajara, estudar Estomatologia, com o objetivo de regressar à Califórnia e abrir um consultório em Santa Clara, atual centro de Silicon Valley, desígnio que cumpriria e que o levou a exercer cirurgia dentária durante 30 anos.

Profissional de medicina dentária renomado, com uma trajetória marcada pelo carecimento, humildade, dedicação e mérito, o dentista luso-americano que sempre trabalhou de perto com os seus compatriotas, demonstrou sempre ao longo da sua vida uma faceta de apoio aos mais necessitados. Contexto que concorreu para que nunca tenha recusado um paciente por falta de dinheiro, ou se mostre ainda hoje disponível para prestar cuidados dentários a inúmeras crianças de agregados carenciados de imigrantes mexicanos.

Atualmente reformado, o sucesso que alcançou no campo da cirurgia dentária foi constantemente acompanhado de uma enorme dedicação às tradições e instituições da comunidade portuguesa na Califórnia, tendo ao longo das últimas décadas ocupado diversos cargos de direção no movimento associativo.

Os notáveis serviços de cidadania e os relevantes contributos em prol da comunidade luso-americana, assim como o reiterado orgulho nas raízes portuguesas que o levam quase todos os anos ao torrão natal, estão na base das condecorações de Comendador da Ordem de Mérito (2002), Comendador da Ordem do Infante D. Henrique (2011) e Insígnia Autonómica de Reconhecimento (2015) que lhe foram atribuídas pelas autoridades nacionais e regionais.

Uma das figuras mais gradas da comunidade luso-americana, o exemplo de vida do comendador Manuel Bettencourt, inspira-nos a máxima do escritor indiano Rabindranath Tagore: “Quanto maiores somos em humildade, tanto mais próximos estamos da grandeza”.

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