Por um Amor como dos Livros

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São Paulo 2017


Copyright © 2017 by Paula Toyneti Benalia Todos os direitos reservados Copyright © 2017 by Editora Pandorga

Direção Editorial Silvia Vasconcelos Produção Editorial Equipe Editora Pandorga Revisão Elise Garcia Tássia Carvalho Diagramação Renato Klisman Composição de Capa Marina Avila

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo Nº 54 de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha elaborada por: Tereza Cristina Barros - CRB-8/7410 Benalia, Paula Toyneti Por um amor como dos livros / Paula Toyneti Benalia. -1.ed. — São Paulo : PandorgA, 2017. 192 p. ; 16 x 23 cm. ISBN 978-85-8442-263-0 1. Romance brasileiro. I. Titulo. 09.11/048-2017 1. Romance Brasileiro

CDD- 869.93

2017 IMPRESSO NO BRASIL printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA PANDORGA AVENIDA SÃO CAMILO, 899 CEP 06709-150 - GRANJA VIANA - COTIA/SP TEL.: (11) 4612-6404

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Para todos aqueles que, como eu, sonham com um mundo cada vez mais repleto de livros. Eles nos fazem sonhar e acreditar. E tudo o que a humanidade precisa para não se perder são os sonhos e os livros.

“Muitas vezes perdemos a possibilidade de felicidade de tanto nos prepararmos para recebê-la. Por que então não agarrá-la toda de uma vez?” Jane Austen



Janeiro de 2011 De novo a mesma história. Meu pai tinha recebido o salário do mês e havia saído de casa bem cedo. Minha mãe passou o dia todo sorrindo falsamente para mim, inventando doces e conversas para me distrair. Ou, talvez, a tentativa era distrair a si mesma. Às oito da noite, meu pai começou a esmurrar a porta de casa. Não estava trancada, mas ele estava bêbado e não ia perceber isso. Nas próximas horas, ele bateria na minha mãe, e, se tudo corresse bem, não encostaria as mãos em mim. Contudo, geralmente, nada ocorria bem e eu entrava na rodada. Era um revezamento. Quando minha mãe já estava caída no chão, cansada de apanhar e tentar me defender, era a minha vez. Quando eu também já estava exausta e ferida o suficiente para não ir à escola na próxima semana, ele voltava para ela. Até se cansar. No outro dia, o efeito do álcool já tinha passado e ele fingia não se lembrar de nada; com isso, minha mãe acompanhava sua amnésia. Mas meu corpo e o dela não esqueciam. Eu tinha vontade de matar os dois. Raiva, ódio, vergonha, humilhação e mais uma centena de sentimentos tomavam meu ser. Para aliviar? Eu entrava no meu quarto, pegava meus livros e entrava nesse mundo paralelo, e dele retirava todas as informações e numerava em uma lista denominada “amor como o dos livros”. Eu precisava de um namorado que seria meu futuro marido. Só assim eu poderia ficar livre desse inferno, já que a condição financeira da minha família não proporcionaria um estudo decente que me garantiria um futuro brilhante. Porém, esse homem teria que ser como os homens dos meus romances. Se ele não se encaixasse nos seis itens por mim descritos, não teria espaço no


meu coração. E eu preferia morar na rua a ter um homem desprezível como meu pai ao meu lado. LISTA POR UM AMOR COMO DOS LIVROS: 1. Tem que ser homem de verdade. Homens de verdade não são covardes, não batem e nem abusam de uma mulher. Não tiram proveito e nem promovem desrespeito. Um homem que honre as calças que usa. 2. Tem que ser fiel. E ser fiel não é só no sentido de ser monogâmico. Ser fiel é não trocar a mulher por nada. Nem por trabalho, dinheiro ou bebida. A mulher tem que ser o principal do seu ser, e o resto, ser o resto. 3. Tem que ser romântico. Muito romântico. Quero flores, presentes, abraços e beijos constantes. Não pode esquecer nenhuma data, seja aniversário de namoro, de casamento ou até aniversário do peixe (quero ter um peixe). 4. Tem que ser carinhoso. Me abraçar como se abraça a vida, me amar mais que a si mesmo e me beijar até quando os dentes não estiverem mais na boca. 5. Tem que ter defeitos aceitáveis. Já que ninguém é perfeito, eu aceito alguns defeitos. Ciúmes na medida exata, esnobe quando está comigo e quer mostrar ao mundo que me ama, protetor em excesso; na verdade, quero defeitos que nos livros se tornem qualidades fofas. 6. Tem que ser lindo. Lindo de morrer! 7. Tem que me amar. Amar até o infinito, e assim viveremos felizes para sempre.

Obs.: não aceito mudanças em nenhum item!

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CAPÍTULO 01 Eu queria que tantas coisas dessem certo. Sonhava com um mundo onde todas as coisas se encaixassem. Então, comecei a colocar amor em tudo e, por fim, encontrei sentido até na dor.

Nicolle 2016 Respirei fundo, apoiei-me na parede para não desmaiar e apertei os lábios. Não ia chorar. Chorar reduz o ser humano a uma condição infeliz. Todas as suas fraquezas expostas, seus medos escancarados e sua dor dando um show gratuito para uma plateia que sempre olhava com pena. — Você está bem, querida? — uma senhora que passava na rua perguntou. — Sim. É apenas o calor — respondi sem nem olhar. Ficou mais alguns instantes do meu lado e depois desistiu, saindo sem dizer tchau. Eu estava com câncer! Com leucemia! Estava com os dias contados e eu... nem o pensamento conseguia completar, tamanho meu desespero. Só 21 anos. Eu não tenho namorado, não tenho filhos e tudo que tenho é uma família ferrada. Eu tenho várias opções em mente. Chorar era a que meu corpo mais pedia. Estava fora de cogitação! Eu poderia me jogar da próxima ponte. Seria uma morte mais rápida e, talvez, pouparia meus pais de um trabalho maior. Mas eu não faria isso. Não ainda. Eu poderia sair gritando, berrando para o mundo e encontrar uma amiga que me desse o ombro para descansar. Escutaria que tudo ficaria bem e que era passageiro. Não aceitaria esse discurso também, porque não seria real. Ou poderia aproveitar os últimos dias, meses, ou anos, e buscar aquilo que anotei em uma lista há muito tempo: o meu amor como dos livros. Sem medo de errar, de ser feliz, ou infeliz, sem nada a temer, afinal, o próximo dia poderá não existir e meu fim poderá ser esquecido facilmente. Era isso que eu faria!


Eu encontraria a minha luz e depois a deixaria brilhando aqui no mundo e partiria. Morrer deve ser terrível, mas morrer com um sorriso no rosto pode ser melhor do que só morrer. Tudo bem que eu só tinha 16 anos quando fiz aquela lista, mas os sonhos não têm idade e nem validade. Apesar de os meus estarem com a validade bem próxima do vencimento. Antes de ir para casa e explicar para minha mãe por que eu tinha saído mais cedo do trabalho, decidi andar sem rumo e tentar me acalmar. Ninguém sabia que eu estava doente. Eu tive perda de apetite e de peso nos últimos meses, estava sempre indisposta, e, como estava ficando sem ânimo de sair para o trabalho, resolvi procurar um médico e pedir umas vitaminas. Pediu alguns exames e ali estava eu saindo do consultório com um encaminhamento para um especialista, doutor Melier, oncologista. Minha casa ficava a meia hora de onde estava, se eu estivesse de carro; a pé, demoraria horas. Era isso que eu faria: iria a pé. Comecei minha caminhada a passos de tartaruga e andei como se meu corpo fosse um fardo. Na verdade, hoje, ele era um. Um fardo pesado que eu tinha que carregar sozinha por um tempo determinado. O médico tinha sido o mais sincero possível: “Nicolle, eu não sou especialista, mas creio que já está bem avançado pelos seus sintomas e alguns meses é tudo o que você tem”. — Alguns meses de tratamento? — perguntei sem entender. Sempre fui um pouco lenta. — Não. Alguns meses de vida. Dentre todas as reações que eu poderia ter no momento, sorri. Não, não estava feliz! Sorri porque não soube fazer outra coisa e ele me olhou com pena. Andei alguns quarteirões e, quando tudo não poderia ficar pior, tropecei em um buraco no asfalto. Como estava de rasteirinha, levei de brinde a tampa do dedão arrancada. A última vez que fiz isso, eu tinha cinco anos. Gemi, xinguei e amaldiçoei todos os fabricantes de sapatos e políticos existentes no mundo. Eu me abaixei e levantei a tampa, colando ela novamente sobre o sangue que escorria. Respirei fundo de novo e continuei minha caminhada sobre o sol escaldante em pleno verão do Rio de Janeiro. Conferi e vi que tinha dez reais no bolso. Desviei um pouco do meu percurso até chegar à avenida da orla da praia e parei para comprar uma água de coco bem gelada. Tomei a água, em pé mesmo, ignorando meu dedo que doía para cacete e depois pedi que o dono da barraca colocasse o coco vazio 10


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