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3. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
from POPULAÇÃO DE RUA
by Rede Código
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
Em um primeiro momento é preciso entender o que é estereótipo. Esse conceito pode ser entendido pela forma a qual a sociedade constrói padrões sem nenhum fundamento teórico sobre pessoas ou grupos sociais, criando rótulos, padronização de comportamento e imagens preconceituosas.
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Um sistema de tipos sociais e estereótipos aponta tudo o que está, por assim dizer, dentro e fora dos limites de normalidade (ou seja, comportamentos aceitos como normais em qualquer cultura). Tipos são instâncias que indicam aqueles que vivem segundo as regras da sociedade (tipos sociais) e aqueles que as regras são delineadas para excluir (estereótipos). Por essa razão, os estereótipos também são mais rígidos do que os tipos sociais [...] (DYER, 1977, p. 29 apud HALL, 2006, p. 191).
Dessa forma, compreende-se que algumas das características da estereotipagem é a exclusão e a desigualdade de grupos minoritários como, por exemplo, a população de rua e refugiados, estabelecendo limites simbólicos entre o aceitável e o inaceitável ou o pertencente e o que não pertence (HALL, 2006).
Excluídos da sociedade, esses grupos precisam lidar com a invisibilidade, o preconceito, a falta de oportunidades e de moradia, além de não terem espaços para falar. Em entrevista ao Portal Ponte, o ex-morador de rua e militante de movimentos sociais, Paulo César de Paula diz que, “a população de rua precisa ser ouvida. Se a gente ouvir o
que ela quer, resolve o problema dela” (PORTAL PONTE, 2015). Partindo da questão
de não ouvir o outro, é que a sociedade impõe rótulos e reafirma os estereótipos sobre determinados grupos sociais e os definem enquanto a sua aparência, classe social e econômica, comportamentos etc. Exemplo disso é a associação e generalização do uso de drogas, bebidas alcoólicas e violência em relação às pessoas em situação de rua ou a ideia de que moradores da periferia ou comunidades são criminosos. O afastamento dos direitos humanos, das políticas públicas e a mera associação à pobreza também são fatores que fortalecem a ideia de que esses indivíduos são apenas pessoas isoladas da sociedade.
A destituição vista como fenômeno isolado termina por ser banalizada como parte da paisagem: o bêbado, o mendigo, o homem do saco- que assustava as crianças- e assim por diante. No caso das mulheres, sua presença nas ruas sempre adquiriu o rótulo imediato de prostitutas, todavia muitas mulheres em situação de rua, sós ou com seus filhos, fogem da violência de seus maridos e companheiros. Preferem a rua ao sofrimento em casa (SPOSATI, 2009, p. 194195).
Tendo em vista que os estereótipos também estão presentes nos meios de comunicação como a televisão, rádio e mídias digitais. Será que o Jornalismo cumpre com o seu papel social de dar voz a quem não tem? Será que ele mostra os dois lados da história e é imparcial nas suas narrativas, enquanto ao grupo populacional de rua, refugiados ou as pessoas que vivem em comunidades carentes?
A pesquisadora Suzana Rozendo Bertoli, realizou uma pesquisa para sua tese de doutorado defendida na USP com o objetivo de dar voz às pessoas marginalizadas, especificamente mulheres adultas que vivem na rua, e descobrir como elas são retratadas na mídia. Para tal pesquisa, Suzana analisou matérias publicadas nos jornais cariocas Extra e O Globo e concluiu que jornalistas eram parciais em suas narrativas. Alguns exemplos mostram que os periódicos não traziam pluralidade de fontes, ao divulgar somente a versão dos que se queixavam das pessoas nas ruas de seus comércios e casas. Também os associavam à degradação urbana, à violência e ao uso de drogas (JORNAL DA USP, 2018).
A partir da investigação, percebe-se como o jornalismo pode reforçar imagens e discursos narrativos estereotipados, já enraizados na sociedade ao longo de vários séculos. De acordo com a pesquisadora, "O jornalista precisa ouvir os dois lados da história. O repórter não pode ser parcial e divulgar as ‘vozes oficiais’, ele precisa ter contato com
aquela pessoa em situação de vulnerabilidade”
Objetividade, transparência, imparcialidade, neutralidade, simplicidade. Termos como estes têm sido insistentemente adotados em manuais da área e nos círculos profissionais para designar os requisitos da prática jornalística e os princípios para a produção de boas matérias ou reportagens (MENDES, MAIA, 2017, p. 7).
O papel do jornalista é apurar os fatos, dialogar com diferentes públicos da sociedade e informar. Além disso, o jornalismo em seu papel social deve construir narrativas mais próximas à realidade, ter a capacidade de olhar o outro com empatia e dar voz a quem precisa. José Augusto Mendes e Mayara Luma Maia (2017, p. 9) entendem que “a narrativa jornalística é, por excelência e em respeito ao ethos campo profissional, lugar de encontro com o outro”. Mendes e Maia (2017, p. 10) ainda destacam a hipótese
do “falar- do- outro pode emergir como exemplo de construção de empatia: as narrativas jornalísticas que abordam processos de exclusão”.
A pesquisadora Suzana Rozendo Bortoli comenta que para desmistificar estereótipos associados a essas pessoas marginalizadas e excluídas:
“O jornalista também tem que ouvir as entidades que apoiam esse público, como as instituições públicas, religiosas e as ONGs. Deve divulgar serviços de atendimento a essa população, serviços que podem melhorar a qualidade de vida, e fazer denúncias quando encontraram algo errado” (JORNAL DA USP, 2018).
Ainda partindo dos fatores de invisibilidade nos telejornais, pode-se destacar os serviços sociais que contribuem e servem como mediadores para garantia dos direitos não reconhecidos e não acessados muitas vezes por esses sujeitos marginalizados e excluídos dos processos de participação social (ABREU, SALVADORI, 2015). Com o objetivo de combater a desigualdade social e diminuir os impactos negativos causados pela má distribuição de renda como a fome, que também é um reflexo da desigualdade, os projetos sociais têm como missão dar assistência e incluir na sociedade os grupos populacionais que vivem nas ruas ou em comunidades. No entanto, as ações sociais praticadas por esses projetos nem sempre possuem muita visibilidade e reconhecimento. “Muitas vezes, o público dos projetos sociais é visto como sendo de risco ao invés de serem abordados em termos do seu potencial” (FRIAS, 2016, p. 19).
A comunicação é um fator contribuinte para produção e divulgação de imagens e informações e como citado anteriormente é um meio de construir um olhar sobre a realidade. Entretanto, existe um processo que determina o que será divulgado para a população de acordo com interesses políticos, financeiros e individuais que possuem mais repercussão no momento.
[...] A mídia hierarquiza os assuntos no sentido de selecionar e determinar aqueles que serão discutidos, pensados e debatidos pela população, gerando pensamento binários, empobrecendo as análises e privando o espectador de ter um discurso mais aprofundado em relação aos acontecimentos do cotidiano. Além disso, atua no sentido de homogeneizar o pensamento e o modo de vida da população (FRIAS,2016, p. 31).
Segundo Andrea Monteiros Frias (2016) “a imagem passada pela grande mídia
sobre esta parcela da população marginalizada e excluída é preconceituosa, discriminatória e nos faz crer que o fato da população pobre ser diferente das elites, deve ser tratada de outra maneira”. Frias (2016 p.32) afirma também que “as mídias
comunitárias e alternativas noticiam fatos que não aparecem nos grandes veículos de comunicação e, por este motivo, muitas vezes, não chegam ao conhecimento do grande
público”. A partir desse ponto de vista, é relevante destacar as mídias alternativas como
o “SP Invisível” que divulga histórias e o cotidiano de pessoas que vivem em situação de rua e mostra para a população uma outra forma de enxergar o mundo e os grupos populacionais que precisam lidar com o desprezo da sociedade. Essa forma de comunicação abre espaço para discussões menos superficiais sobre temas, desmistifica rótulos e estereótipos apresentados pelas grandes mídias, dá voz às camadas populacionais mais esquecidas e mostram a opressão e violência vivida nos espaços populares da cidade. Além disso, dão visibilidade às iniciativas e ações coletivas e individuais de projetos sociais que colaboram para a melhoria da vida de pessoas que vivem em situações mais vulneráveis.
Marcus Paulo Sphor (2018) destaca que os projetos continuarão sendo a maneira mais adequada para promover a visibilidade e o êxito de ações sociais transformadoras. Visibilidade essa que poderia ser encontrada junto aos veículos de comunicação, através da veiculação de notícias relacionadas aos projetos sociais.
Spohr (2018) ainda afirma que os organizadores e participantes dos projetos sociais devem ser considerados fontes noticiosas. Porém ele ressalta que como a mídia usa determinados valores-notícia para definir o que será noticiado, muitas vezes, essas pessoas acabam sendo esquecidas (SPOHR, 2018, p. 20). O fato é que as grandes mídias, na maioria das vezes, determinam quem serão as fontes, os entrevistados, o tipo de abordagem, narrativa e discurso que farão parte da matéria ou reportagem. Para aumentar a audiência da emissora e chamar a atenção dos telespectadores, a mídia muitas vezes, acaba provendo o “showrnalismo” e a espetacularização da notícia, usando técnicas como
imagens que acabam reforçando o que a mídia quer passar para o telespectador, sendo difícil identificar até que ponto é notícia ou espetáculo.
Em um cenário em que a qualidade da informação é, muitas vezes, inversamente proporcional ao índice de audiência, o racional é, portanto, superado, com certa frequência, pelos desvios discursivos, pelo espetáculo, pelo conflito, pela instauração do medo e pela fantasia das imagens. Através da mídia, vislumbra-se uma realidade na qual o discurso noticioso é substituído por uma espécie de discurso publicitário, que tem a pretensão de homogeneizar identidades, estereotipado e mercadológico, a-histórico e sem aprofundamento [...] (CRUZ, 2011, p. 6 apud SPOHR, 2018, p. 74). O jornalista deve ser transparente ao transmitir informações para a população, sem querer “maquiar”, estereotipar ou reforçar imagens que muitas vezes não são um reflexo
da realidade. Como já citado anteriormente, pessoas que vivem em situação de rua e que são excluídas da sociedade, estão totalmente associadas à marginalidade.
[...] a noção de excluídos está ligada a invisibilidade e marginalidade a que determinados grupos sociais, culturais ou étnicos são submetidos, por isso, a existência de iniciativas que permitem a exposição de sua identidade, seus percalços e experiências, além da construção de um lugar de reverberação de discursos, pode sinalizar uma renovação temática contribuitiva à prática jornalística em geral (MENDES, MAIA, 2017, p.10).
Por esse motivo, o objeto de estudo para este projeto é o Programa Profissão Repórter que tem como lema “os bastidores da notícia”. O programa busca pautar o olhar
do jornalista e apuradores de conteúdo sobre as populações excluídas e marginalizadas, apostando no método de entrevista com viés testemunhal, além de mostrar os desafios enfrentados pelo próprio repórter que vivencia muitas experiências junto com o entrevistado, a fim de dar sentido e aprofundamento para as reportagens e chamar atenção da audiência para uma realidade que muitas vezes não é exposta.
O Programa Profissão Repórter tem a proposta de desmistificar a figura do jornalista, mostrando dificuldades do seu trabalho. Suas pautas têm como carro-chefe histórias de vida e, por consequência, a entrevista é seu principal método. Jovens repórteres, capitaneados por um jornalista experiente, conversam com seus personagens no local e no instante onde ocorre ação (SOARES; GOMES, 2013, p. 15).
A partir dessa visão, compreende-se que o programa tem como objetivo tornar o repórter e entrevistador como protagonistas das reportagens, mas sem tirar o destaque do entrevistado como protagonista ou personagem principal, com a intenção de aproximar o público de um recorte da realidade. Entretanto, é preciso tomar cuidado ao transmitir histórias com profundidade, para não abrir espaços para os estereótipos, já que a maioria dos episódios do programa promove pautas de cunho social, como a fome, questões de exclusão e marginalização e suas consequências.
Para a realização desse projeto, o processo foi iniciado pelo levantamento de todos os programas do Profissão Repórter desde 2015 até 2021, totalizando 222 episódios. A partir dessa execução foi possível identificar que em 2017 e 2021 respectivamente tiveram 3 episódios relacionados a população de rua, assim como em 2018 e 2019 tiveram 2 episódios sobre o assunto. O objetivo foi fazer uma análise de conteúdo do objeto escolhido, o Profissão Repórter. Para esse processo foi estudado o episódio exibido no dia 04/09/2019, com duração de 36min47s. Foi analisado quais eram as principais fontes, padrão de linguagem