MEMORIAL | COMPLEXO GASTRONÔMICO CAIÇARA DE BERTIOGA

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RAQUEL MENDES RODRIGUES

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS - SP

ESCOLA DE ARQUITETURA ARTES E DESIGN

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO 2024

RAQUEL MENDES RODRIGUES

ORIENTADORA

MÔNICA MANSO MORENO

/ dedicatória

“O velho pensava sempre no mar como sendo la mar, como lhe chamam em espanhol quando verdadeiramente o querem bem (…) Alguns dos pescadores mais novos, aqueles que usam boias como flutuadores para sua linhas e têm barcos a motor ( ) ao falarem do mar dizem el mar (…) Falam do mar como de um adversário, de um lugar ou mesmo de um inimigo. Entretanto, o velho pescador pensava sempre no mar no feminino e como se fosse uma coisa que concedesse ou negasse grandes favores; mas se o mar praticasse selvagerias ou crueldades era só porque não podia evitá-lo.”

O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway

Dedico este Trabalho Final de Graduação à minha abuela Marina, que cruzou mares. E aos meus pais, que moveram montanhas para que tudo isso fosse possível.

Agradeço aos meus pais, Ana Maria e José Eduardo, por me permitirem ser livre para ser quem eu queria ser. Por fazerem o possível e o impossível, atravessando mares e movendo montanhas para que todos meus sonhos, inclusive a faculdade de Arquitetura e Urbanismo, fossem realizados.

Ao meu irmão Vítor, com quem divido as alegrias, as tristezas, as conquistas e o banheiro. Possivelmente a pessoa a quem mais amo e implico neste mundo. Obrigada por me inspirar e me influenciar tanto, dentro e fora do mundo acadêmico. Espero um dia ser brilhante como você. Aos meus amigos que percorreram as tempestades e os dias de calmaria comigo durante toda a jornada que foram esses cinco anos. Em especial à Helena, Juliana, Laís, Maria Luiza e Victoria. Mulheres fortes e inteligentes que encontrei nos meandros da vida.

À minha amiga e ex colega de trabalho, Gabriela, que me deu a oportunidade de fazer o que mais amo na vida e ainda chamar de trabalho. E aos amigos irmãos que este trabalho me deu: Cecília, Isabela e Igor. Vocês são meu porto seguro.

E por fim, aos mestres da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, em especial à Professora Doutora Monica Manso Moreno, quem me orientou neste trabalho. Agradeço imensamente por me inspirar, por me guiar durante todo o caminho com tanta clareza e sempre enxergar o que havia de melhor no que eu tinha a oferecer. Obrigada por tantos ensinamentos e pela paciência frente às minhas dificuldades.

Sou complementamente motivada e tocada pelo seu trabalho como professora e urbanista. Desde minha a primeira aula de urbanismo soube que queria ser um pouco como você.

/ sumário

PARTE I introdução objetivos diagnóstico do município o plano síntese das propostas

PARTE II o plano e o projeto referencial teórico referências projetuais proposta de projeto peças gráficas

PARTE I

A escolha do tema "Complexo Gastronômico Caiçara" para o Trabalho de Fim de Graduação (TFG) se justifica pela necessidade de valorizar a cultura caiçara e os pescadores locais, criando um espaço mais atrativo para a venda e consumo direto dos frutos do mar. Este projeto visa eliminar a figura do "atravessador" da cadeia produtiva, integrando o elemento da cooperativa como forma de aumentar a renda dos pescadores e democratizar o acesso aos produtos frescos.

O projeto inclui ainda a criação de um local de permanência que enalteça o consumo dessa culinária e valorize a natureza ao redor, proporcionando uma experiência imersiva que combina gastronomia, cultura e paisagem.

Este espaço será uma fusão multidisciplinar, que incentiva a interação social e a valorização das raízes caiçaras, conferindo um olhar contemporâneo para a pesca.

Além disso, o complexo pretende valorizar a culinária caiçara, um patrimônio tradicional do litoral brasileiro, que mistura influências indígenas, africanas e portuguesas, e se baseia no uso de ingredientes frescos e locais. Assim, ao propor um espaço de apreciação desta herança gastronômica, o projeto busca torná-la acessível a todos e combater a "gentrificação" da cozinha caiçara. Como parte desta valorização, será implementada também uma escola profissionalizante voltada para a culinária caiçara, visando capacitar a comunidade local e fortalecer a preservação e a inovação da gastronomia regional. / introdução

Desse modo, o projeto assume uma visão que resgata as raízes da cultura caiçara, prezando pela inclusão e desenvolvimento da população local. Ao promover uma escola profissionalizante e um mercado mais socialmente justo, ao capacitar a população para que possam manter uma renda estável e contínua, apesar da cultura de veraneio . Além disso, o projeto incorpora uma abordagem contemporânea, que não só enaltece o valor cultural, mas também insere o complexo na esfera do turismo e lazer. A partir da proposta “caminho dos sambaquis” elaborado durante a fase conjunta ao grupo, oferece uma rota turística que celebra o patrimônio arqueológico e natural local, enriquecendo a experiência dos visitantes e fomentando o desenvolvimento sustentável.

O alimento é um poderoso impulsionador de mudanças sociais. Com a convicção de que a educação é a chave para reduzir desigualdades, este trabalho propõe a criação de um Centro Gastronômico em Bertioga, que inclui um restaurante-escola e um mercado de peixes. O objetivo é capacitar a população e impulsionar a economia local de maneira digna, seguindo um modelo de mercado socialmente justo em um espaço integrador, que reúne gastronomia, lazer, comércio, educação e cultura. A implementação de uma cooperativa de pescadores busca fortalecer o comércio local ao eliminar a figura do atravessador na cadeia produtiva do pescado. O mercado socialmente justo, ou Comércio Justo, promove a sustentabilidade social, econômica e ambiental, dignificando o trabalho e respeitando o meio ambiente. Seus objetivos incluem garantir melhores condições de troca para produtores e consumidores, apoiar o desenvolvimento sustentável, valorizar a produção e assegurar preços justos aos pequenos produtores. / objetivos

Além disso, fomenta o associativismo e respeita os direitos humanos e trabalhistas, consolidando uma economia mais equitativa. Assim, o projeto do Centro Gastronômico Caiçara se coloca como um elemento articulador que valoriza a cultura e a tradição, ainda que possua um olhar contemporâneo do papel da pesca e do alimento na sociedade.

/ diagnóstico do município

A área de projeto, situada numa porção beira-rio do território, encontra-se no estuário onde o Rio Itapanhaú desagua no Oceano Atlântico. Localizado no canal de Bertioga, a partir da consideração de preexistencias tais como o Forte São João, a balsa Guarujá-Bertioga e o Mercado do Peixe municipal vigente estabeleceu-se um eixo integrador que conecta tais pontos, conformando um parque urbano, tambem proposto como matriz projetual deste trabalho em conjunto com a colega Helena M. Alvim.

Direcionando para o projeto do Complexo Gastronômico em si, aproveitou-se a preexistência do mercado de peixes de Bertioga, cuja estrutura, embora modesta, possui localização privilegiada e um grande potencial para valorizar a identidade local. Desse modo, a proposta do Complexo além de enaltecer a área, compõe uma das intervenções elaboradas no plano urbanístico estabelecido pelo grupo, o qual será apresentado detalhadamente nos capítulos seguintes.

Figura 02
01,02,03:Imagens do atual Mercado do Peixe de Bertioga. Fonte: Google Street View
Figura 01
Figura 03
/ o plano

Com base nas análises detalhadas do município, foi elaborado um plano de intervenções urbanas estratégicas que visa direcionar intervenções assertivas e sustentáveis para o desenvolvimento da localidade. Este plano surge como resposta às necessidades identificadas através de estudos criteriosos sobre as dinâmicas sociais, econômicas, ambientais e infraestruturais da região, visando orientar o desenvolvimento nas áreas ainda não consolidadas e fortificar as diretrizes nas áreas já consolidadas.

O objetivo principal é promover um crescimento equilibrado e harmonioso, preservando o patrimônio natural e cultural, melhorando a qualidade de vida dos habitantes e fortalecendo a resiliência urbana frente aos desafios futuros. Nesse sentido, o plano se orienta em basicamente três eixos: ambiental, urbano e orlas.

Vale ressaltar que o presente projeto faz parte do plano de orlas que será apresentado em sequência.

0 2km 1km

Conforme previsto no Plano de Intervenção Urbana, as orlas foram segmentadas em três trechos distintos, cada um com características próprias, considerando seus limites físicos e peculiaridades.

ORLA DO CENTRO

ORLA DA ENSEADA

ORLA DE INDAIÁ

PARQUE ORLA ENSEADA

PARQUE ORLA INDAIÁ

DO ISTMO

PARQUE
Figura 04: Mapa de setorização das orlas e parques. Material elaborado pela equipe.

/ orla do centro

Localização: Desde o Forte São João até o SESC Bertioga.

Características: Trata-se de uma área urbanizada, propícia ao uso ativo do calçadão e à instalação de quiosques. Esta orla é projetada para ser um ponto de encontro e convívio social, fomentando uma interação vibrante no espaço público.

Figura 05: Simulação Orla do Centro. Fonte: Google Earth Pro - material editado pela equipe

/ orla da enseada

Localização: Do SESC até a atual Vista Linda.

Características: Caracteriza-se como uma orla/parque, equipada com infra estruturas urbanas e de lazer. O Parque da Enseada, situado nesta área, promove um uso democrático da praia, incentivando atividades recreativas acessíveis a todos os públicos.

Figura 06: Simulação Orla da Enseada. Fonte: Google Earth Pro - material editado pela equipe

Localização: Entre o bairro Vista Linda e o istmo que separa a área central da Riviera de São Lourenço.

Características: Esta orla destaca-se pelo contato mais intenso com a natureza, possuindo um caráter mais privativo. Com a presença de dois parques ecológicos, o Parque de Indaiá e

o Parque do Istmo, esta área é ideal para atividades de baixo impacto que valorizam a vegetação densa e a formação natural do istmo, promovendo uma experiência mais íntima e harmoniosa com o meio ambiente.

Figura 07: Simulação Orla de Indaiá. Fonte: Google Earth Pro - material editado pela equipe

Figura 08: Mapa síntese das propostas. Material elaborado pela equipe

ÁREA DE PROJETO

VIA DE PEDESTRE

PROLONGAMENTO DA AV. ANCHIETA

CAMINHO DOS SAMBAQUIS

PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR

PARQUE ESTADUAL RESTINGA DE BERTIOGA

RESERVAS PARTICULARES

PARQUE MUNICIPAL RIO DA PRAIA

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PROPOSTACOM USO

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PROPOSTA - SEM USO

REMOÇÃO DE PESSOAS EM ÁREA DE RISCO

REURBANIZAÇÃO DE ÁREAS PRECÁRIAS

EXPANSÃO URBANA DA REURBANIZAÇÃO

ÁREAS PASSÍVEIS DE URBANIZAÇÃO

ADENSAMENTO POPULACIONAL

ORLA DO CENTRO

ORLA DA ENSEADA

ORLA DE INDAIÁ

O mapa síntese das propostas para Bertioga busca mitigar conflitos territoriais e resolver impactos no tecido urbano. Os vazios urbanos foram divididos em áreas de ocupação e não ocupação. As Áreas Passíveis de Urbanização propõem um modelo adaptado às necessidades locais, enquanto as áreas de não ocupação são destinadas à preservação, com uso restrito ou controlado.

Essas últimas incluem Áreas de Preservação Permanente (APP), que limitam a urbanização em torno de rios e rodovias, e áreas de reserva para visitação e pesquisa, seguindo a lógica de parques temáticos.

Para áreas já ocupadas, as propostas incluem o adensamento ao longo da Avenida Anchieta, visando redistribuir a densidade populacional das orlas, e a criação de novos espaços coletivos e habitacionais para realocação de moradores de áreas de risco. Essas áreas, uma vez desocupadas, seriam transformadas em zonas de preservação, principalmente sem uso.

A reurbanização de áreas precárias também foi destacada, com previsão de expansão urbana para acompanhar o crescimento da região.

/ síntese das propostas

Em relação à mobilidade, propõe-se a criação do Caminho dos Sambaquis, um percurso histórico ligando o Forte São João à Lagoa Buriquioca, com módulos de apoio e conexão ao Parque Orla da Enseada. Também está previsto o prolongamento da Avenida Anchieta para criar uma via paralela à Rodovia Rio-Santos, reduzindo a dependência desta última como principal eixo de circulação intramunicipal.

PARTE II

/ o plano e o projeto

O Projeto do Parque Linear e do Complexo Gastronômico Caiçara está localizado na porção oeste de Bertioga, no canal onde o Rio Itapanhaú deságua no Oceano Atlântico. Essa área, caracterizada pela interação entre corpos d’água e a proximidade com o município do Guarujá, possui intenso uso marítimo, seja para transporte, como a operação da balsa, ou para lazer, com a presença de marinas e estruturas de apoio náutico.

A região integra o plano de orlas, compondo a Orla do Centro, uma área urbanisticamente consolidada, dotada de calçadão, quiosques e uso ativo. O uso do solo na faixa lindeira à orla é predominantemente comercial e de serviços, enquanto, ao adentrar o território, o uso habitacional torna-se predominante.

O plano propõe a qualificação das primeiras quadras da orla para uso misto, com quadras abertas, fachadas ativas no térreo e um gabarito de edificações que equilibre eficiência e integração paisagística, evitando obstruções visuais. Prevê-se um coeficiente de aproveitamento de até 2 e uma verticalização controlada, limitada a 10 pavimentos, além de uma taxa de permeabilidade de 30%, essencial para a drenagem e para a configuração das quadras abertas.

/ premissas do parque linear e do complexo gastronômico caiçara

Diante das mudanças propostas no plano para a região, coube à autora e à aluna Helena M. Alvim o redesenho do traçado viário e das novas quadras que compõem a interface com a orla.

Com a implementação de um parque linear de dimensões mais expressivas, foi necessário alargar a faixa do parque e remanejar fluxos a partir da criação de uma nova via coletora. As quadras foram ajustadas para refletir o novo caráter urbano, seguindo as diretrizes propostas no plano. Ressalta-se que um levantamento prévio do uso do solo foi realizado, buscando minimizar os impactos do novo traçado sobre as áreas existentes, de modo a garantir um desenho urbano alinhado às melhorias e infraestruturas previstas.

Do ponto de vista históricocultural, a área abriga um importante marco referencial, o Forte São João, elemento central do percurso histórico denominado Caminho dos Sambaquis. Esse trajeto, que conecta o Forte à Lagoa Buriquioca, inclui módulos de apoio e vias peatonais que o interligam ao Parque Orla da Enseada. O Parque Linear proposto é uma extensão desse eixo histórico-cultural, começando após a saída da balsa GuarujáBertioga e se estendendo até o Forte, reforçando a conectividade e a valorização dos patrimônios locais.

O Complexo Gastronômico

Caiçara, por sua vez, aproveita a localização estratégica do atual Mercado de Peixe de Bertioga para requalificar suas instalações. Embora atualmente inexpressivo, o mercado está inserido em um contexto privilegiado, em sintonia com a dinâmica da pesca nos píeres da região. O projeto visa manter a tradição pesqueira, promovendo uma nova estrutura que potencialize a valorização do pescador e da culinária caiçara, conferindo maior visibilidade e dinamismo à atividade.

09. Fotografia do Forte São João visto pela orla.

Imagem: Manuela Sette.

10. Fotografia do jardim da orla de próxima ao Forte São João hoje.

Imagem: Manuela Sette

11. Av. Vicente de Carvalho próxima ao Forte São João hoje

Imagem: Manuela Sette

Figura 09
Figura 10
Figura 11

USO HABITACIONAL

USO DE COMÉRCIO E SERVIÇOS

USO MARÍTMO USO INSTITUCIONAL

LOCAIS DE USO CULTURAL

FORTE SÃO JOÃO

BALSA GUARUJÁBERTIOGA

PREFEITURA DE BERTIOGA

CASA DA CULTURA

CEMITÉRIO DE BERTIOGA

ÁREAS DO SISTEMA DE LAZER LINHAS ÔNIBUS EXISTENTES ORLA CICLOVIA EXISTENTE

0 250 500m

Figura 13: Mapa de propostas nas imeadiações da área de projeto. Mapa elaborado pela equipe.

CICLOVIA EXISTENTE

CEMITÉRIO DE BERTIOGA

ADENSAMENTO POPULACIONAL

REMOÇÃO PESSOAS EM RISCO

LINHAS DE ÔNIBUS EXISTENTE
LINHAS DE ÔNIBUS
CICLOVIA BICICLETÁRIOS

14. Configuração atual das vias.

Créditos: peça gráfica autoral

15. Proposta de redesenho das vias.

Créditos: peça gráfica autoral

Figura 14
Figura 15

16. Implantação do parque linear Créditos: peça gráfica autoral

Figura 16

/ referencial teórico

O projeto tem como objetivo principal valorizar a tradição e a cultura caiçara por meio da requalificação do espaço destinado à comercialização de frutos do mar e à apreciação da culinária local. Busca-se criar um ambiente mais atrativo e funcional para os pescadores, promovendo melhores condições para a venda de seus produtos e fortalecendo a conexão entre a atividade pesqueira e o consumo consciente dos recursos marítimos.

A culinária caiçara, patrimônio cultural imaterial do litoral brasileiro, é outro ponto central da proposta. Ela reflete a rica interação entre influências indígenas, africanas e portuguesas, baseando-se no uso de ingredientes frescos e locais, como peixes, frutos do mar, mandioca, banana, batata-doce e ervas regionais. O projeto pretende destacar esse legado gastronômico, criando um espaço de convivência que permita a degustação e a disseminação da cozinha caiçara em sua forma autêntica, democratizando o acesso a um tipo de gastronomia muitas vezes elitizada. A proposta carrega o conceito de "peixe para todos", promovendo uma experiência inclusiva que valorize os sabores tradicionais. /

Além disso, o projeto será um marco dentro do percurso histórico-cultural proposto, denominado Caminho dos Sambaquis, consolidando-se como um ponto de referência que enaltece não apenas a cultura, mas também a paisagem local. O espaço será projetado para incentivar a permanência e o convívio, oferecendo uma integração harmoniosa entre a apreciação da gastronomia, a paisagem costeira e o patrimônio histórico de Bertioga. Essa abordagem, ao valorizar os pescadores, a culinária e o contexto paisagístico e histórico da região, reforça o compromisso com a sustentabilidade cultural e social, promovendo um ambiente que preserva e celebra as tradições locais enquanto democratiza o acesso aos seus benefícios.

A proposta apresenta uma visão crítica à proposta vigente da "Boutique do Peixe" em Bertioga, cuja concepção contrasta com as tradições e raízes culturais da região. O termo "boutique", de origem francesa, remete a estabelecimentos especializados que priorizam requinte e exclusividade, características que destoam do vocabulário e da essência dos povos originários e caiçaras. Além disso, sua utilização não se alinha ao contexto linguístico e cultural brasileiro, afastando-se da identidade regional.

A proposição buscou entender melhor a realidade da pesca em Bertioga, que segundo o órgão governamental Instituto da Pesca, ano após ano só aumenta sua atuação de maneira artesanal. As técnicas de pescaria adotadas são o arrasto duplo, o arrasto de mão e o emalhe de fundo, que reforçam este caráter artesanal da atividade pesqueira.

Para compreender o processo mais a fundo, a leitura da obra Considerações sobre a cadeia produtiva do pescado artesanal na Baixada Santista/SP de Moreira Junior, W. (2010) foi primordial para compreensão de aspectos socioeconomicos que permeiam o tema, na localidade que é objeto de estudo para o presente trabalho.

18

17. Projeto da prefeitura de Bertioga para o Mercado do Peixe

Fonte: Prefeitura de Bertioga 18 Gráficos que apontam a realidade da pesca em Bertioga nos últimos anos.

Fonte: Programa de Monitoramento da Atividade Pesqueira Marinha e Estuarina do Instituto de Pesca

Figura 17
Figura

Moreira Junior (2010) discorre sobre o escoamento da produção pesqueira na região apresenta uma diversidade de destinos, incluindo o consumo familiar, doações, escambo, comércio e perdas. Essa pluralidade reflete a adaptabilidade e a flexibilidade dos pescadores locais em se inserir de maneira dinâmica na cadeia produtiva.

A cadeia produtiva, por sua vez, consiste em um sistema integrado que reúne ações e atores interconectados. Ela abrange desde o sistema produtivo até os fornecedores de insumos e serviços, as indústrias de processamento, os distribuidores, comerciantes e consumidores finais. Essa estrutura evidencia a complexidade e a importância do setor pesqueiro para a economia local, reforçando a necessidade de promover iniciativas que valorizem e otimizem o papel dos pescadores nesse contexto.

Especificamente sobre o Canal de Bertioga, constata que este destacase por ser uma área relativamente preservada, abrigando uma rica diversidade de biomas, como Mata Atlântica, manguezais, restingas e mata ciliar. Essa variedade ecológica reforça a importância de sua conservação como um patrimônio natural essencial para o equilíbrio ambiental da região.

Entretanto, as marinas presentes na área representam um desafio ambiental, contribuindo para a poluição do canal e afetando

negativamente a qualidade do pescado local. Essa questão evidencia a necessidade de um manejo sustentável que concilie as atividades náuticas com a preservação ambiental e a pesca artesanal.

A pesca artesanal, foco do projeto, distingue-se pela limitação de recursos materiais para captura, transporte, armazenamento e comercialização, em contraste com a pesca industrial, que conta com infraestrutura avançada e logística ampliada, permitindo maior alcance e controle sobre a cadeia produtiva. Na pesca artesanal, o pescado pertence ao próprio pescador, que toma decisões sobre seu destino, enquanto, na pesca industrial, essas decisões são centralizadas nas empresas, que detêm a produção. Essa autonomia do pescador artesanal reforça a importância de iniciativas que valorizem e apoiem sua atividade, promovendo um modelo mais justo e sustentável de exploração dos recursos marítimos.

Diante disso, o autor se aprofunda em decifrar todos os componentes da cadeira produtiva da venda do pescado. Com isso, ele afirma que a cadeia produtiva da pesca artesanal envolve diferentes agentes e etapas.

Os fornecedores de insumos são responsáveis por disponibilizar materiais essenciais à pesca, armazenamento, transporte, processamento e comercialização. Entre eles estão empresas, comerciantes, atravessadores e artesãos, que desempenham um papel crucial no suporte às comunidades pesqueiras.

Os pescadores apresentam perfis variados: alguns dependem exclusivamente da pesca, outros a utilizam como atividade principal ou complementar, enquanto parte a considera uma fonte alternativa de sustento.

Os processadores realizam transformações no pescado, como limpeza e embalagem, muitas vezes

muitas vezes seguindo padrões regulatórios, mas nem sempre agregando valor significativo ao produto.

Os comerciantes variam de pequenos vendedores locais a grandes empresas que atuam no mercado nacional e internacional. Destacam-se os pequenos comerciantes ambulantes, que conectam os pescadores diretamente aos consumidores, e os que vendem camarão-branco como isca para pesca esportiva.

Os atravessadores são intermediários que escoam grande parte do pescado artesanal para mercados como a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).

Figura 19: Barcos na orla de Bertioga. Fotografia: Manuela Sette Piccoli

O mercado consumidor é composto por residentes e turistas da Baixada Santista e pela RMSP, que absorve uma significativa parcela da produção, destacando-se como um importante destino do pescado artesanal.

Assim, a partir da apropriação dos conhecimentos adquiridos na leitura acima, ao propor o Centro Gastronômico Caiçara e a Cooperativa de Pescadores, o projeto busca reestruturar a cadeia produtiva local, eliminando a figura do atravessador e promovendo um modelo de mercado mais socialmente justo. A iniciativa visa qualificar a população por meio de uma escola profissionalizante de culinária caiçara, fortalecendo as competências locais e garantindo que os valores agregados ao pescado sejam mantidos entre os próprios produtores, reforçando a autonomia econômica e cultural das comunidades pesqueiras.

20. Barcos na orla de Bertioga. Fotografia: Manuela Sette Piccoli

/ referências projetuais

Projeto: Masterplan para a orla de Lanarca, Chipre.

Autoria: Foster + Partners e grupo Petrolina.

Localização: Lanarca, Chipre

Ano: 2023

O projeto do escritório internacionalmente conhecido Foster and Partners serviu de referência para a elaboração do segmento urbano e do parque linear proposto uma vez que apresenta todo um traçado urbano articulado à orla e um uso ativo das quadras. Os espaços permeáveis e arborizados, além de um gabarito de altura das edificações controlado reflete premissas que foram adotadas futuramente para o projeto. Além do espaço da beira-mar apresentar um desenho que permite um fluxo de pedestres integrado a espaços de permanências, muito similares ao que foram pretendidos principalmente para a Orla do Centro.

Figura 21: Implantação Masterplan para a orla de Lanarca, Chipre. Autoria:Foster + Partners e grupo Petrolina.
Figura 22: Dinâmica beira-mar do Masterplan para a orla de Lanarca, Chipre. Autoria:Foster + Partners e grupo Petrolina.

Projeto: Orla do Guaíba.

Autoria: Jaime Lerner Arquitetos Associados.

Localização: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

Ano: 2012 - 2018

O projeto nacional da Orla do Guaíba em Porto Alegre serviu como referência em uma questão de linguagem do traçado urbano pretendido. A proposta apresenta um traçado orgânico com piers que se estendem para além da linha d’água e conformam “ondas construídas”. A poética das formas adotadas foi de suma importância para o desenvolvimento do projeto paisagístico desenvolvido em nosso estudo.

Figura 23: Vista área da Orla do Guaíba. Autoria: Jaime Lerner Arquitetos Associados.
Figura 24: Vista área superior da Orla do Guaíba. Autoria: Jaime Lerner Arquitetos Associados.

Projeto: Renovação do Calçadão

Central de Tel Aviv.

Autoria: Mayslits Kassif Architects.

Localização: Tel Aviv, Israel

Ano: 2018

Assim como o exemplo nacional, este projeto influencia nossa proposta principalmente na questão formal e na proposição de uma grande arquibancada em formato de pier por quase toda a extensão do projeto, com o intuido de potencializar as permanências e os espaços de convívio, no caso de Bertioga à beira-rio, além de toda uma interface com os esportes náuticos propostos no Centro Náutico Beira Mar, projeto individual da aluna Helena M. Alvim, que desenvolveu o parque em conjunto com a autora deste memorial.

Figura 25: Vista aérea da orla de Tel Aviv. Autoria: Mayslits Kassif Architects.
Figura 26: Áreas de permanência na orla de Tel Aviv. Autoria: Mayslits Kassif Architects.

Projeto: Mercado de Peixes em Bergen.

Autoria: Eder Biesel Arkitekter.

Localização: Bergen, Noruega.

Ano: 2012

O mercado de peixes em Bergen se relaciona com o projeto proposto tanto pelo programa análogo como também pela implantação, lindeira ao corpo d’água. O exemplar norueguês encontra-se em um contexto semelhante, uma cidade costeira cercada por montanhas (e neste caso também por fiordes). A arquitetura que permite permeabilidade apesar de apresentar um segundo pavimento serve como premissa desde os primeiros croquis. Um espaço funcional, com o programa do mercado de peixes, situado adjacente ao corpo d’água que possuisse uma fluidez e permeabilidade em sua proposição volumétrica.

Figura 27: Perspectiva noturna do Mercado de peixes de Bergen. Autoria: Eder Biesel Arkitekter.
Figura 28: Vista frontal do Mercado de peixes de Bergen. Autoria: Eder Biesel Arkitekter.

/proposta de projeto

O Complexo Gastronômico Caiçara, projeto de minha autoria, traduz em sua concepção os referenciais teóricos e práticos que norteiam a valorização cultural, a educação e a economia local, integrando-os em um espaço dinâmico e multifuncional. A proposta busca criar um local que promova lazer, trabalho, aprendizado e apreciação gastronômica, ao mesmo tempo em que reforça as tradições caiçaras e fortalece os laços entre a comunidade e o território.

O projeto tem como objetivo principal a promoção da gastronomia caiçara por meio de um restaurante-escola voltado à qualificação profissional da população local e pela valorização dos pescadores e da culinária tradicional caiçara. Pensado como um conjunto, o Complexo Gastronômico Caiçara vai além da arquitetura, incorporando desde o conceito inicial e a estruturação da ideia até a estratégia de posicionamento no mercado. Sua materialidade e configuração buscam respeitar e dialogar com o entorno, integrando-se à paisagem costeira e ao contexto histórico-cultural da região. Dessa forma, o projeto se estabelece como um espaço de valorização da identidade local e de fortalecimento socioeconômico, promovendo um impacto positivo na comunidade local.

Assim, o projeto se posiciona como um agente integrador, dialogando diretamente com a população caiçara que nele estuda e trabalha, ao mesmo tempo em que amplia seu potencial turístico. Inserido estrategicamente no contexto do Caminho dos Sambaquis, o espaço funciona como um módulo de apoio ao percurso, reforçando sua relevância cultural e ambiental, além de promover uma convivência harmoniosa entre moradores e visitantes.

- criar um eixo integrador para além do caminho dos sambaquis que integre o patrimônio existente à proposta do redesenho do espaço da orla.

- propor uma nova estrutura para o mercado de peixes, mantendo sua localização.

- estabelecer relações para além do mercado em si, criando a escola profissionalizante e a cooperativa, ressignificando o papel do pescado em um âmbito socioeconômico.

- propor um espaço permeável, acessível a todos os públicos e com infraestrutura adequada para o programa proposto que valoriza as raízes caiçaras.

Figura 29
29. Pescador em Bertioga. Fotografia: Manuela Sette Piccoli

O partido arquitetônico do Complexo Gastronômico Caiçara baseia-se na simplicidade e na integração com o entorno natural, priorizando a leveza e a valorização da paisagem costeira. As linhas horizontais predominantes reforçam a horizontalidade do projeto e a permeabilidade dos espaços, permitindo que a arquitetura se harmonize com o cenário sem obstruir as vistas para o rio e o horizonte.

A estrutura metálica branca, com sua leveza e capacidade de vencer grandes vãos, confere elegância e simplicidade ao conjunto. A composição da planta em dois volumes paralelos cria um espaço interno central, articulado por um rasgo na cobertura mais alta que se transforma em uma praça interna. Essa configuração promove um espaço de convívio, ao mesmo tempo em que articula os diferentes programas de forma clara e funcional.

As diferentes alturas das coberturas adicionam uma dinâmica sutil ao projeto, que embora preze pela simplicidade de suas formas, busca expressar de maneira elegante uma volumetria que abriga um programa diversificado. A integração dos decks do parque ao conjunto, e o esforço de propor um vazio que configure permeabilidade espacial reforçam a conexão constante com a paisagem, tornando a beira do rio e o horizonte os verdadeiros protagonistas da experiência arquitetônica.

/ partido arquitetônico

Figura 30: Vista frontal do projeto Material autoral

/ programa de necessidades

/ peças gráficas

estruturas operacionais

caiçara sala de processamento câmaras frias

Figura 31: Esquema gráfico de setorização do programa. Material autoral.
Figura 32: Planta baixa do mercado de peixes e escola profissionalizante. Material autoral.
Figura 33: Seção do edifício. Material autoral.
Figura 34: Vista do deck do edifício. Material autoral.
Figura 35: Integração do edifício com a paisagem. Material autoral.

/ planta baixa do módulo / seção a-a’

Figura 36: Perspectiva do Mercado. Material autoral.

/ referências

SANTOS, Mílton. Metamorfoses do espaço habitado: Fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo, SP, Brasil: Edusp, 2012. 132 p. ISBN 9788531410444.

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CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO E INDICADORES SOCIOECONÔMICOS PARA A REVISÃO DO PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO DE BERTIOGA. Disponível em: https://www.bertioga.sp.gov.br/planodiretor. Acesso em 21 de março de 2024;

DIAGNÓSTICO SOCIOAMBIENTAL PARA CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO POLÍGONO BERTIOGA. A. Disponível em: https://wwfbrnew.awsassets.panda.org/download s/anexos_do_diagnostico.pdf. Acesso em 21 de março de 2024;

ROBRAHN GONZALEZ, Erika Marion. Sambaquis Da Baixada Santista: Descobrindo A História Pelos Vestígios. (2018). Disponível em:: https://issuu.com/erikamarionrobrahngonzalez/docs/web_livro_sambaquis_dpw-28x28__com. Acesso em 21 de março de 2024;

HISTÓRIA DE BERTIOGA. Disponível em: https://historiadebertioga.com.br/forte-saoluis. Acesso em 21 de março de 2024;

CONDEPHAAT. Disponível em: http://condephaat.sp.gov.br/benstombados/serr a-do-mar-e-de-paranapiacaba-3/. Acesso em 21 de março de 2024;

BLOG PEABIRU CALUNGAH. Disponível em: https://peabirucalunga.blogspot.com/2019/07/s ao-vicente-na-memoria. Acesso em 21 de março de 2024.

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