Luisa / Roger Hitz
Série quadrelas de papelão (Detalhe)
Alegria, alquimia e generosidade seriam três palavras que podemos atribuir ao ar sta
Raimundo Rodriguez. Alegria como Espinosa reivindicava para os afetos geradores de potência de agir na vida. Esta alegria imanente do ar sta se atualiza pelo compromisso com a renovação do sen do do encontro com a matéria e refugo do mundo. A atenção do Raimundo se desloca dos objetos que estão em uso e mergulha no ferro velho, rompendo com o ciclo de decomposição e abandono das latas e materiais usados. Sua prá ca ar s ca é também da alquimia, pois entende que toda matéria é uma forma de energia em diferentes estados de consciência. Através destas super cies diferenciadas de ferrugem expõe-se a transitoriedade da existência, resgatando também
de quem nasce e vive na periferia e questões da arte póvera dos anos 60, com a auten cidade
Museu de Arte Contemporânea de Niterói margem do Grande Rio.
Luiz Guilherme Vergara
Curador-Diretor
QUADRELAS FLUMINENSES
APRESENTAÇÃO:
Faz parte da obra uma infinita cadeia de ideias, aproveitadas e descartadas. Neste sen do toda obra é uma máscara mortuária, porque o drama histórico para a sua conclusão Arte não é só o produto acabado apresentado pelo ar sta. encerra-se no ar sta e com a obra finalizada.
A exposição Quadrelas Fluminenses é composta por obras que representam o instantâneo do movimento criador de Raimundo Rodriguez. Este catálogo reúne uma série de depoimentos, documentos e considerações com o intuito de esclarecer parte deste movimento criador do ar sta.
Estou me preparando para um grande dia. Qual é o grande dia? Não sei.
Pode ser agora, então estou sempre treinando. O tempo inteiro. Raimundo Rodriguez
T
Antonia Ferreira Chaves
O ARTISTA
Para melhor entender a produção de Raimundo Rodriguez, apresento um recorte histórico sobre sua trajetória ar stica. O ponto de vista é meu mesmo, de uma convivência de mais de 30 anos trocando pensamentos sobre a arte, vida e cultura.
Lembro de Raimundo me contando que ainda criança, ficou impressionado quando viu pela primeira vez a lâmpada elétrica, uma luz diferente de todas que conhecia. Sempre entendi esta passagem como despertar. Cada um desperta para o mundo do seu jeito e no seu tempo.
Vem ao mundo em 1963 em uma região chamada Hidrolândia, no estado do Ceará. Em 1969 muda-se com toda a família para Realengo, subúrbio do município do Rio de Janeiro. Começou a pintar aos treze anos e em 1977 sua professora de arte, Almira Damasceno, o incen va a par cipar do Salão do Ar sta Jovem, onde seus trabalhos foram selecionados e a par r daí não parou mais. Em suas próprias palavras: encontrei meu caminho como ar sta.
Em 1992 vai trabalhar no projeto dos CIEPs¹ como Animador Cultural. Conheci Raimundo nesta época, trabalhamos no mesmo CIEP. Aprendi com ele a colocar em prá ca o movimento criador em escala social, pois todo o CIEP era objeto de transformação pela arte. Foi para mim, funcionários, professores e estudantes uma experiência gra ficante.
1 - Os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), popularmente conhecidos
Ul ma foto de Família - Ceará
Nesta mesma época foi criado o embrião do Imaginário Periférico². Cole vo de arte contemporânea cujas ações refletem discurso estético/sociopolí co. Para Raimundo uma das qualidades do grupo é a “curadoria do afeto”. O movimento criador presente, neste caso, é entendido como a convivência de mundos possíveis. Nesta convivência, mais de 500 ar stas já par ciparam das ações do grupo.
Retorna ao Ceará pela primeira vez em 1996 com sua mulher Janete Scarani. Impactado pela visita inicia uma nova série de trabalhos e dentre as pesquisas desenvolvidas Santos e Arcanjos vira exposição. Diversas referências culturais passam a fazer parte de sua produção. O elemento que melhor vai representar o sincre smo na linguagem ar stica de Raimundo é a espiritualidade. Arte e espiritualidade são as principais expressões da subje vidade humana. A forma como enreda estes dois elementos nos remete a uma celebração antropofágica – atavismo do modernismo brasileiro -, uma Babel onde todos se entendem.
Raimundo faz da a vidade artística um ato de fé e de vida.
2- Fundado pelos ar stas: Deneir de Souza, Jorge Duarte, Julio Ferreira Sekiguchi, Raimundo Rodriguez, Roberto Tavares e Ronald Duarte, mais tarde a ar sta Mirela Luz integra-se ao grupo fundador.
cultura nordes na. Na busca de terreno para pouso defini vo, adquiriram um lote em Nova Iguaçu, bairro Três Corações, atual residência e ateliê de Raimundo. Conheci os pais de Raimundo: Seu Raimundão (também Raimundo, como não poderia deixar de ser) e Dona Sé (Sra. Sebas ana). Conhecê-los foi como entrar em um romance de Guimarães Rosa. Com Seu Raimundão comi minha primeira buchada e Dona Sé me ensinou a fazer sabão reaproveitando gordura de galinha. Alertou-me que na hora do ponto do sabão só os envolvidos com o trabalho podem ver na panela a transformação, senão desanda tudo.
Manter a família unida certamente ajudou na preservação da Boas lembranças da generosa brasilidade.
criador de Raimundo é a preocupação com o descartado e com as sobras do mundo ( tulo de uma exposição). Por necessidade interna o ar sta é impelido a recolher o que foi rejeitado – coisas mundanas e religiosas-, para através da arte reinseri-los no mundo, conferindo-lhes uma nova existência. Em geral o objeto reinserido não perde suas caracterís cas iniciais e em cada obra o tempo e a história mantém seu registro. Neste caso podemos iden ficar um sen mento agregador no sen do familiar - a família da Arte -. A curadoria do afeto se jus fica.
Em diálogo com a comunidade, faz uma escolha consciente de
Ressalto esta passagem porque uma caracterís ca do movimento se manter próximo às periferias. Sabemos que estamos chegando ao seu ateliê devido aos ves gios artís cos presentes, tem-se a impressão que as obras naturalmente transbordam do ateliê e ocupam o espaço público. De fato seu ateliê é lotado de obras, obras suas e de vários ar as. Essa fartura nos remete ao ciclo natural da vida. No sertão a colheita é prenúncio da fartura, comemorada como bem-estar comunitário.
Encerro este recorte afirmando que sua vida é dedicada a Arte. Podemos comprovar esta afirma va no volume de trabalhos que desenvolve. É no constante movimento criador que as obras/ações se materializam. Perceber esse movimento é uma das chaves para penetrarmos na produção ar s c a de Raimundo.
Raimundo assevera: no dia que me mudar de Três Corações, é porque mudei!
AS OBRAS
Quadrelas Flumineses remetem a muros e paredes. Mas como tudo na arte tem seu significado simbólico, remetem também a obras ar s cas para serem decifradas.
Sabemos que na arte as regras são próprias dela mesma. Pensando na produção, é na relação entre forma e conteúdo que se ar cula uma coerência par cular. Através do movimento criador se desenvolve um novo sistema constru vo onde são elaboradas criações e leis próprias, desaguando em uma obra plena de conteúdo. Desta forma o ar sta instaura sua linguagem pessoal.
Devido à originalidade, comparações devem ser feitas com bastante critério. Quando uma obra é fruto de um movimento criador, a coerência existencial da obra pertence a ela mesma. Para que a obra se manifeste, uma pausa crí ca deve ser observada. Se desejamos penetrar na essência da obra e compreender além de sua presença formal, devemos nos permi r embarcar – o máximo possível – no movimento criador do artista. Neste sen do adje vos como precário, gambiarra, inacabado, tosco ou ingênuo devem ser silenciados e deixar que a própria obra apresente seus critérios existenciais.
Como a percepção é um movimento caracterizado pela unicidade da impressão, cada ar sta deve estabelecer e entender a linguagem da sua produção, seu próprio cosmo. É no movimento criador que se estabelece o elo entre pensamento e fazer, ou seja, é na práxis ar s ca que são estabelecidas as relações entre as diferentes versões de uma proposta, cada obra apresenta o dialogo entre ar sta e matéria, daí as variadas versões de um mesmo tema. Trata-se igualmente de um processo de experimentação no tempo, por isso podemos afirmar que a produção tem dimensão existencial.
As latas de nta reu ladas nesta exposição estão ricas de significados. Quando viram obras fazem aflorar imagens, diversas referências são provocadas, inclusive a da própria pintura em seu discurso histórico. O constante reinventar-se é o que confere as obras de arte seu caráter revolucionário, ou seja, a liberdade de mudança.
Em Quadrelas Fluminenses Raimundo nos apresenta um processo con nuo onde tudo está em conexão, a possibilidade de variação é permanente. A produção é uma con nua mutação, cada versão é uma obra possível, daí tantas versões. A criação em processo é reflexo da vida que se transforma constantemente.
Julio Ferreira Sekiguchi
Ar sta Visual formado em Pintura com doutorado em Linguagens Visuais pela Escola de Belas Artes da UFRJ, onde leciona pintura
60x47
Série Quadrelas 47x60 cm (Cada) 2021
Série Quadrelas 47x60 cm (Cada) 2021
Série Quadrelas 47x60 cm (Cada) 2021
Raimundo tem o mistério de
inerte e as transforma em beleza e Midas, ele toca a matéria rude, a forma encantamento. Generosa, arrebatadora, a arte em Raimundo transborda como uma ciranda funk a unir tempos e espaços, culturas e informações, ritual de realidades transfiguradas, mistérios e magias recicladas, o ar sta é uma ponte (ensina Nietszche e Raimundo obedece), Rauschenberg, Vitalino, mulambos, art povera, tá tudo aí, deliciosamente
misturado, mes çado como a gente, como o
mundo e como a vida que a gente um dia vai viver e que Raimundo, com talento e inteligência, como um arauto contemporâneo, trombeteia pelos céus e mares, raio que ilumina a escuridão, vasto mundo...
Marcus Lontra Costa
Série Quadrelas 30x47 cm 2024
2022
Raimundo Rodrigues mergulha no seu arquivo pessoal de emoções e lembranças e traz a tona imagens vigorosas, pungentes. Nascimento e Morte, Eros e Tanatos, brigam e se reconciliam a todo instante nestas instalações, objetos, estandartes, criados a par r de sucatas e materiais das mais variadas texturas, recolhidos entre amigos, parentes ou pelas ruas. São imagens impregnadas de religiosidade, simbolismos, de tributo a vida. Raimundo oferece um raro momento de prazer. Um banquete dionisíaco de imagens mí cas, transcendentais, arque picas, que estão além do fenomenal. A Arte de Raimundo Rodrigues propõe a liberdade, a redenção ao caos.
FRAZÂO, Sylvio. Banquete de imagens transcendentais. Texto publicado no folder da exposição
O meu interesse é muito mais simbólico, é muito anterior, num sen do atávico mesmo. É que eu acredito que as energias desses materiais são muito maiores que de um material industrializado que vou comprar na loja. Mas isso não significa também que um dia eu não pegue um material se ele falar mais alto e eu adquirir esse material. Só que eu desenvolvi dentro de minha pesquisa, dentro da minha proposta de trabalho, encontrar coisas que passem pelo meu caminho, e que tenham essa energia já deixada por alguém. Agora, “gambiarra”, essas esté cas, esses nomes, foram criados e ficou diver do, acharam que ficou boni nho, mas, me parece uma coisa de minimizar uma “forma”, sabe? Arte póvera, poxa, você pode ter Art Povera boa e ruim .
Raimundo Rodriguez
Na contracorrente de toda uma geração que parece apenas seduzida ou interessada em novas mídias e tecnologias, Raimundo Rodriguez lança seu olhar para os objetos largados no tempo e no espaço, sacralizando-os com seu gesto rigoroso de arqueólogo dos restos, alçando sua produção para uma transcendência mais obje va em torno de uma espécie de relicário alquímico das ruas, das memórias, de um país, de um mundo e de si mesmo.
Luiz Fernando Carvalho Cineasta e diretor de TV. Entre seus trabalhos estão o filme Lavoura Arcaica e as minisséries Os Maias, Hoje é Dia de Maria, A Pedra do Reino e Capitu
Série Quadrelas 47x30 cm 2021
Série Quadrelas 60x47 cm 2024
Série Quadrelas 47x30 cm (Cada) 2021
Série Quadrelas 47x30 cm (Cada) 2021
Série Quadrelas 47x30 cm (Cada) 2021
Esses fragmentos de memórias afe vas estão em busca de uma unidade. Tais imagens são quase como cartas ín mas ressignificadas por códigos que não podem ser nem definidos como meramente figura vos, nem como apenas abstratos. Tais códigos conver dos em poé cas precisam ser sen dos, constantemente revividos, “lidos” pelo avesso. E é nesse avesso de uma projeção sen mental que se poderá amar a forma somente pelo que ela é.
Renata Gesomino Crí ca de arte e curadora independente. Doutoranda pelo PPGAV-UFRJ. Professora de História da arte pela EBA-UFRJ e pelo Ins tuto de artes – UERJ.
Série Quadrelas 47x30 cm (cada) 2021
Série latifúndio festa no interior 23x23x12 cm (Cada) 2021
Série latifúndio festa no interior 23x23x12 cm (Cada) 2021
Série latifúndio festa no interior 23x23x12 cm (Cada) 2021
Série Quadrelas 60x47 cm (Detalhe) 2024
Série Quadrelas 47x540 cm (Composição)
2021
2021
2021
2023
2023
Reza de UmAteu II
Latas num depósito diversas cores eu via verde vítreo, Bege urbano Ocre, Pêssego, Safira
Erva doce,Terracota Dália rosa,Azul turquesa Eclipse, Folha de uva de uma coisa, tem certeza
Embelezaram palácios muros, paredes, escolas no imenso lixaral, quem passa ali " não dá bola
Tantas latas amassadas manchadas entre detritos há pouco em shopping center as chamavam de bonitas.
Lá, esperam os tratores pra findar_lhes o destino olhando tudo aquilo podemos ver um menino.
Num" burrinho sem rabo" ele apanha a lataria antes que o maquinario faça aquela covardia.
QUADRELAS FLUMINENSES.
Dali saiu bem ligeiro subiu uma rua cumprida chegou a umAtelier na RuaAparecida
Aponte elevadiça desceu, entrou o carrinho latas de todas as cores tinha até de leite ninho.
OArtista abriu um sorriso começou a trabalhar corta lata, bate lata pra tudo modificar
Sherwin Williams, Eucatex Coral, Lubrax, Polar Havoline, Suvinil se podia, ali, notar.
Lata, lanternagem, corte ajeitar, fazer medida na cabeça doArtista começa a ganhar vida
As cores se misturando colorido diferente
Quadrelas, quadros , quadrantes é o que vejo à minha frente
Olhe bem a lataria vinda pra ser reciclada Obra deArte é agora pronta a ser admirada.
Espalhadas na parede esperam visitação como serão os olhares qual será a sensação ?
Junto à porta lateral em frente a uma janela molduras sentimentais. eu chorei olhando elas.
São quadros da minha infância São Francisco, SantoAntônio os avós, olhares fixos em busca de algum sonho.
Às latas, tornadasArte meus olhares trago eu que essas cores digam onde o meu sonho se perdeu.
Obra: Quadrelas Fluminenses
Autor: ClaudioAragão
Número estrofes: 17
Número verso: 68
Forma estrofe: Quadra.
Tipo verso: Redondilha maior
7 sílabas métricas.
Rimas: x/A/x/A
27/04/2024
Local: Vila São José _ Pantanal
Duque de Caxias