Educte V3 N1

Page 1

ISSN 2179-3344

VOLUME 1 NÚMERO 4 Jan./jul. 2012



ISSN 2179-3344

Educte

Macei贸

v. 1

n. 4

jan./jul. 2012


Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica Instituto Federal de Alagoas

Reitor Sérgio Teixeira Costa

Conselho Editorial Presidente Manoel Santos da Silva

Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação Carlos Henrique Almeida Alves Pro-Reitoria de Desenvolvimento Institucional José Carlos Pessoa

Secretária Danielle Cotta de Melo Nunes da Silva Revisores de textos Maria Luciane da Silva Maria Lucilene da Silva

Pró-Reitoria de Extensão Altemir João Secco Pró-Reitoria de Ensino Luiz Henrique de Gouvêa Lemos

Revisores de Normas Técnicas Maria Lucilene da Silva Eunícia Canuto

Pró Reitoria de Administração e Planejamento Wellington Spencer Peixoto

Bibliotecária Eunícia Canuto Produtor Gráfico Daniel Carvalho dos Santos Diagramador Gilton José Ferreira da Silva

E24

EDUCTE: Revista Científica do Instituto Federal de Alagoas, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012. Maceió: IFAL, 2012. Semestral ISSN 2179-3344 1. Educação – Periódicos. I – Instituto Federal de Educação de Alagoas. CDD 370.5

Instituto Federal de Alagoas – IFAL A/C do Conselho Editorial EDUCTE Rua Odilon Vasconcelos, 103 Jatiúca 57035-350 Maceió-AL revista.educte@ifal.edu.br

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa do IFAL. A Revista EDUCTE é uma publicação do Instituto Federal de Alagoas. Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não expressam, necessariamente, a opinião do Conselho Editorial.


Editorial Há muito, a simbologia do número quatro perpassa o imaginário coletivo, especialmente o da cultura de base judaico-cristã. Apenas para ilustrar isso, temse que o quatro é usado para indicar os elementos ligados à criação, às estações do ano, aos pontos cardeais, às fases da lua, às fases da vida humana, às folhas do trevo da sorte, aos cantos da terra, aos rios do paraíso, aos evangelistas, às letras no nome de Deus... A alusão a algo tão simbólico na cultura justifica-se porque este é um editorial que apresenta à comunidade mais uma dessas representações: a quarta edição de Educte, uma revista que veicula tanto a produção acadêmica de pesquisadores do IFAL, sejam estes professores, alunos ou demais servidores, quanto de pesquisadores de outras instituições. Esta edição consolida Educte como um importante espaço de diálogo entre diferentes áreas do conhecimento. Resultado disso pode ser observado nos nove artigos aqui publicados, que versam sobre questões diversas. No campo da Educação, destacam-se as reflexões de Jonison Alves da Silva sobre a política de assistência estudantil no IFAL; o artigo feito em parceria por Ivanderson Pereira da Silva, Welyson Tiago dos Santos Ramos, Ana Paula Perdigão Praxedes e Wagner Ferreira da Silva, focalizando o ensino de Física em escolas públicas de Maceió, as quais ofertam a Educação de Jovens e Adultos. Em Kênya Maria Vieira Freire e Augusta Aires Lopes, o olhar arguto volta-se para os desafios que o docente da rede pública na cidade de Porto Nacional/TO enfrenta no exercício de seu magistério. Nas Letras, José Adailton Cortez Freire e Rosicleide Santos de Lima elegem como questão fundante de seu artigo a sempre recorrente, porque importante, discussão sobre texto e linguagem, à luz da perspectiva dialógica e sociointerativa. Instigantes são também as miradas dos demais artigos deste número quatro de Educte. João Paixão dos Santos Neto, Caio César Lima de França e Joacy Vicente Ferreira apresentam um estudo acerca dos impactos da ação de ozônio na oxidação de deltametrina; em Jhonnatta R. A. Tavares, Samantha F. Mendonça e Rodrigo M. S. Silva, a discussão aborda o comportamento do concreto, particularmente, sobre o módulo de elasticidade e o coeficiente de Poisson; Luzileide Euzébio Marinho trata, em seu texto, da questão ambiental ao discutir como a Usina Coruripe/AL vem gerindo a relação tratamento contábil/créditos de carbono; Em José de Araújo Castro, por sua vez, o cerne da reflexão é o fenômeno El Niño e sua consequente influência sobre o tempo no Brasil, em especial nas secas do nordeste deste país; o nono texto da edição atual de Educte, de autoria de Alyson Hubner, problematiza o conceito de trabalho, a partir das transformações por que este passa na sociedade contemporânea.


Como se pode observar, os artigos que constam deste número quatro de Educte são, pois, um convite especial à reflexão de questões muito caras a diversas áreas do conhecimento. Lê-los é permitir-se trilhar caminhos de enriquecimento intelectual, os quais, certamente, iluminarão muitas descobertas acadêmicas e pessoais. Brindemos, então, a mais este número de Educte e desfrutemos da leitura de cada um dos artigos dela constantes!

Maria Lucilene da Silva Doutora e Mestra em Letras/Literatura pela Universidade Federal de Alagoas. Professora do IFAL e membro do Conselho Editorial desta Revista. email: marialucilene@hotmail.com


Sumário A ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NO INSTITUTO FEDERAL DE ALAGOAS Jonison Alves da Silva

7

A QUESTÃO DA QUALIDADE DO ENSINO DE FÍSICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Ivanderson Pereira da Silva; Welyson Tiano dos Santos Ramos; Ana Paula Perdigão Praxedes; Wagner Ferreira da Silva

AÇÃO DO OZÔNIO NA OXIDAÇÃO DA DELTAMETRINA BASEADO NO MODELO QUÍMICO QUÂNTICO João paixão dos Santos Neto; Caio César Lima de França; Joacy Vicente Ferreira

CRÉDITOS DE CARBONO E OS CUSTOS AMBIENTAIS: UM ESTUDO DE CASO NA USINA CORURIPE Luzileide Euzébio Marinho

ESTUDO EXPERIMENTAL E NUMÉRICO DO MÓDULO DE ELASTICIDADE E COEFICIENTE DE POISSON EFETIVO DO CONCRETO Jhonnatta R. A. Tavares; Samantha F. Mendonça; Rodrigo M. S. Silva

O FENÔMENO EL NIÑO E AS SECAS NO NORDESTE DO BRASIL José de Araújo Costa

PROFESSORES DE PORTO NACIONAL E OS DESAFIOS DA PROFISSÃO DOCENTE Kênya Maria Vieira Lopes; Augusta Aires Lopes

TEXTO E LINGUAGEM: UMA PERSPECTIVA DIALÓGICA E SOCIOINTERATIVA José Adailton Cortez Freire; Rosicleide Santos de Lima

TRABALHO IMATERIAL NO PROCESSO DE INDIVIDUALIZAÇÃO: CONECTANDO E DESCONECTANDO OS INDIVÍDUOS Alyson Hubner

19

31

41

55 72 85 96 107



A ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NO INSTITUTO FEDERAL DE ALAGOAS

Jonison Alves da Silva*

Resumo Apesar de ainda não apresentar taxas satisfatórias em relação à educação – levando-se em conta comparações internacionais e a dados internos, o Brasil avançou bastante em alguns aspectos, a exemplo da universalização do acesso ao ensino básico. Contudo, o problema da frequência escolar deu lugar a outros problemas como a evasão escolar, a distorção idade/série e aos níveis elevados de reprovação. Entrar na escola deixou de ser um empecilho, mas continuar nela, ainda é desafio para muitos que, se não auxiliados, serão parte de estatísticas negativas diversas por não poderem concluir com êxito sua vida acadêmica, devido a uma vida socioeconômica frágil. A assistência estudantil surge como alternativa para ajudar a contornar esta situação. Mostrar o quadro geral desta área dentro do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) subsidia a elaboração de políticas internas e colabora fornecendo informações à área de assistência em todo o país, tendo em vista que a troca e a divulgação de dados e experiências fortalecem as ações de apoio ao estudante. Palavras-chave: Educação. Assistência Estudantil. Instituto Federal de Alagoas.

Abstract Although not yet provide satisfactory rates in relation to education - taking into account international comparisons and internal data, Brazil has advanced greatly in some aspects, like the universal access to basic education. However, the problem of school attendance gave rise to other problems such as truancy, the age / grade and high levels of disapproval. Log in school is no longer a hindrance, but still it is still challenging for many, if not helped, will be part of several negative statistics because they can not successfully complete their academic life, due to a fragile socioeconomic life. The student assistance is an alternative to help manage this situation. Show the general framework of this area within the Federal Institute of Alagoas (IFAL) subsidizes the development of internal policies and collaborates providing information to the service area in the country, given that the exchange and dissemination of experience strengthens actions student support. Keywords: Education. Student Assistance. Instituto Federal de Alagoas.

*Pós-graduando em Gestão Empresarial - jonisonalvess@gmail.com


A assistência estudantil no Instituto Federal de Alagoas

Introdução

Há muito, a educação vem sendo tida/reconhecida como um dos motores do desenvolvimento e crescimento das sociedades em geral. Por meio de sua ajuda espera-se que as diferenças sociais sejam atenuadas, melhores decisões sejam tomadas em relação ao futuro, sem falar numa extensa lista de outros benefícios. Os Estados tidos como os grandes responsáveis do avanço social, cultural e financeiro de suas populações vêm se preparando, também, por meio dela, para as novas exigências e idiossincrasias da atualidade, visto que, cada vez mais, são necessários e exigidos níveis elevados e especializados de instrução no ponto em que os conhecimentos básicos não mais atendem plenamente as necessidades. O Brasil, apesar de ainda não apresentar números satisfatórios neste quesito, vem alcançando resultados cada vez mais expressivos em alguns pontos, como é o caso da evolução dos investimentos na área da educação escolar que, apesar de ainda insuficientes e/ou mal administrados, tem sido constantes como pode ser visualizada na figura a seguir. Figura 1 – Percentual de Investimento Público Total em relação ao PIB Tabela 1.1 - Histórico da estimativa do percentual do Investimento Público Total em educação em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), por nível de ensino Brasil 2000 - 2010 Percentual do Investimento Público Total em relação ao PIB (%) Níveis de Ensino Ensino Fundamental

Todos os Níveis de Ensino

Educação Básica

Educação Infantil

2000

4,7

3,7

0,4

1,5

1,2

0,6

0,9

2001

4,8

3,8

0,4

1,4

1,3

0,7

0,9

2002

4,8

3,8

0,4

1,7

1,3

0,5

1,0

2003

4,6

3,7

0,4

1,5

1,2

0,6

0,9

2004

4,5

3,6

0,4

1,5

1,3

0,5

0,8

2005

4,5

3,7

0,4

1,5

1,3

0,5

0,9

2006

5,0

4,1

0,4

1,6

1,5

0,6

0,8

2007

5,1

4,3

0,4

1,6

1,5

0,7

0,8

2008

5,5

4,6

0,4

1,7

1,7

0,8

0,9

2009

5,7

4,8

0,4

1,9

1,8

0,8

0,9

2010

5,8

4,9

0,4

1,8

1,7

0,9

0,9

Ano

De 1ª a 4ª De 5ª a 8ª Ensino Médio séries ou anos séries ou anos iniciais finais

Educação Superior

Fonte: INEP/MEC

Acompanhando os incrementos financeiros nas escolas e universidades, nos deparamos com outro dado importante: a chamada universalização do acesso ao ensino básico. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de atendimento dos alunos na faixa de 7 a 14 anos, em 2008, foi de 97,9% para o ensino fundamentali. Embora hoje seja possível a todos, pelo menos na teoria, o direito a frequentar o

8


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

ensino regular, isso não significa que os objetivos da educação como a instrução, formação e adequação ao mercado de trabalho e a vida em sociedade estejam sendo cumpridas. O problema da frequência escolar foi substituído por outros. Como analisa Schwartzman (2005), muitos estudantes não estão no grau em que deveriam, por problemas causados, entre outros desvios, pelos altos níveis de repetência e a má qualidade do ensino, evidenciada pelos dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e por comparações internacionais. A distorção idade/série na rede pública de ensino brasileira no ano de 2010 chegou a 26,3% no ensino fundamental, sem falar na elevada evasão escolar que, em 2005, nesta mesma faixa, foi de 8,2, de acordo com dados do INEP. O problema torna-se ainda maior em relação ao grau médio: As dificuldades encontradas em relação a este nível estão no acesso, na permanência, no desempenho e na conclusão do curso, atualmente considerado essencial, para quase todas as funções produtivas. Os resultados obtidos pela PNAD 2008 mostram que a taxa de frequência dos adolescentes de 15 a 17 anos de idade era de 84,1%, tendo crescido substancialmente em relação a 1998, quando a taxa era de 76,5%. Entretanto, a taxa líquida (nível compatível com a idade), ou seja, a frequência ao ensino médio neste grupo etário era de apenas 50,6%. Sem dúvida, este resultado melhorou bastante em relação a 1998, quando a taxa era apenas de 30,4% (BRASIL, 2009).

Como se pode perceber, o aluno brasileiro passa por alguns obstáculos, inerentes a nosso sistema educacional, além de seus próprios percalços, oriundos das mais variadas origens. E, mesmo considerando que em algumas localidades e/ou escolas o ensino seja dito de qualidade, há de se considerar o estudante, ator que irá assegurar o sucesso - ou não - da política pública adotada. Segundo a pesquisa Motivos da Evasão Escolar (2009), do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, as razões que levam um jovem a sair da escola são as mais variadas e incluem a comprovada experiência empírica de que evasão escolar e pobreza estão intimamente ligadas à indisponibilidade de serviços educacionais de qualidade e a falta de percepção acerca dos retornos futuros. Vejamos: 1 Dificuldade de acesso à escola (10,9%); 2 Necessidades de trabalho e geração de renda (27,1%); 3 Falta intrínseca de interesse (40,3%); 4 Outros motivos (21,7%) (FGV/2009). O estudo correlaciona, ainda, determinados grupos tidos como vulneráveis (grávidas, negros, habitantes da zona rural e deficientes físicos) com a desistência de frequentar os bancos escolares. A assistência estudantil surge como uma possível ferramenta para melhoria deste quadro, visando a minimização de alguns desses problemas expostos, fortalecendo e garantindo a muitos, uma educação mais justa. Se o acesso às salas de aula não é mais problema, as desigualdades sociais ainda

9


A assistência estudantil no Instituto Federal de Alagoas

continuam imperando e nosso sistema educacional que, apesar de muitos avanços, ainda não apresenta níveis compatíveis com o desenvolvimento econômico do país. Sendo assim, é de se supor que estar matriculado não significa, para todos, prosseguir adequadamente com os estudos, pois: Para milhares de Estudantes, a renda familiar insuficiente não garante os meios de permanência [...] e término do curso, sendo fadados, muitas vezes, ao baixo rendimento acadêmico e até mesmo à evasão. Uma vez que sua capacidade intelectual e de formação básica já foram avaliadas e aprovadas no processo seletivo de acesso à Universidade, deixar de apoiar esses alunos de baixa renda seria uma discriminação no mínimo contraditória (FONAPRACE, 2000).

Ora, se um dos objetivos da educação é justamente diminuir as desigualdades socioeconômicas, nada mais coerente do que garantir, aos que nela ingressam, as condições mínimas de continuar e terminar sua formação, superando as dificuldades que impedem o êxito de suas vidas acadêmicas. Segundo o documento Assistência Estudantil: uma questão de investimento (2000), elaborado no Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), para o desenvolvimento do aluno em sua plenitude, é necessária a agregação entre o ensino de qualidade e ministrado políticas efetivas de assistência em termos de moradia, alimentação, saúde, esporte, cultura e lazer, entre outros. O FONAPRACE, fórum assessor da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), criado em 1987, tem a finalidade de promover a integração regional e nacional das Instituições de Ensino Superior (IES) Públicas, visando fortalecer as políticas de Assistência ao Estudante. Considerando a importância da assistência estudantil no âmbito das instituições públicas e da necessidade de informações concretas que justifiquem a alocação no orçamento das IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) e os recursos para viabilizar a execução dos projetos desta área, o FONAPRACE vem reunindo dados como, por exemplo, o perfil socioeconômico e cultural dos discentes das IFES. Seguindo a mesma linha de raciocínio, decidimos levantar a situação atual da área assistencial aos discentes do IFAL, tanto para subsidiar a elaboração de políticas internas, quanto para colaborar com o quadro da assistência em todo o país, principalmente nos Institutos Federais, levando em consideração, que a troca e a divulgação de dados e experiências irão enriquecer as ações de apoio ao estudante. A área assistencial na estrutura da rede federal ganha uma razão extra que vai além dos motivos elencados anteriormente. A estrutura multicampi e a clara definição do território de abrangência das ações dos Institutos Federais afirmam, na missão destas instituições, o compromisso de intervenção em suas respectivas regiões, identificando problemas e criando soluções técnicas e tecnológicas para o desenvolvimento sustentável com inclusão social (…) (BRASIL, 2008).

Se a organização dos IFs foi pensada de formar a abranger não só os grandes centros como também outras regiões, com vista a promover o crescimento e diminuir as diferenças socioeconômico-culturais regionais, é de se supor que uma política

10


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

assistencialista, mas não paternalista, se faz necessária para corroborar com o todo. Ou seja, esta rede de ensino é, também, em sua essência, uma promotora do desenvolvimento. E como pensar em tal coisa se todos não puderem ter, de maneira igualitária, meios para tal?

1 A educação no estado de Alagoas

Alagoas tem uma população de 3.093.994 habitantes conforme o último Censo, realizado pelo IBGE, em 2010, sendo que, aproximadamente 39,8% dos habitantes, estão na faixa etária de 5 a 24 anos, como se pode observar na figura abaixo: Figura 2 – Tabela com a distribuição da população por sexo, segundo os grupos de idade em Alagoas no ano de 2010

Fonte: IBGE

A educação no estado apresentou, no ano de 2010, uma defasagem idade/série (levando em conta a rede pública e particular), de 49,4% para o ensino médio e 35,4% para o fundamental, ficando muito acima do índice nacional (INEP/MEC, 2010). Um dado preocupante, pois “as múltiplas repetências exercem efeito perverso sobre a autoestima do aluno e interferem na aprendizagem e no rendimento escolar” (Brasil, 2000). Além disso, Alagoas possui um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano

11


A assistência estudantil no Instituto Federal de Alagoas

(IDH) do Brasil, com média de 0,677. A taxa de analfabetismo (2009) é uma das maiores do país: 24,57% das pessoas com 15 anos ou mais (SEPLANDE-AL, 2011). Em 2009, havia 3.337 escolas de ensino básico oferecendo as modalidades infantil, fundamental, médio, profissionalizante nível técnico, especial e jovem e adulto. Contamos, apenas, com duas instituições federais de ensino, o IFAL e a UFAL, como podemos observar: Quadro 1 - Distribuição percentual das pessoas que frequentam estabelecimentos de ensino Fundamental Alagoas

Médio

Superior

Pública

Particular

Pública

Particular

Pública

Particular

90,5

9,5

83,8

16,2

37,7

62,3

Fonte: Diagramação própria de acordo com dados da PNAD/IBGE

A taxa de frequência líquidaii a estabelecimento de ensino da população residente de 7 a 17 anos de idade, por grupos de idade e nível de ensino, está assim distribuída: Quadro 2 - Taxa de frequência líquida ALAGOAS

7 a 14 anos, no ensino fundamental

15 a 17 anos, no ensino médio

93,6

32,9

Fonte: Diagramação própria de acordo com dados da PNAD/IBGE

2 O IFAL Segundo informações do MEC a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, da qual o Instituto Federal de Alagoas faz parte conta, atualmente, com 354 unidades e mais de 400 mil vagas em todo o país. Com outras 208 novas escolas previstas para serem entregues até o final de 2014, serão 562 unidades que, em pleno funcionamento, gerarão 600 mil vagas. São 38 Institutos Federais presentes em todos estados, oferecendo ensino médio integrado, cursos superiores de tecnologia e licenciaturas. Também integram os institutos, as novas escolas que estão sendo entregues dentro do plano de expansão da Rede Federal. Essa rede ainda é formada por instituições que não aderiram aos Institutos Federais mas, também, oferecem educação profissional em todos os níveis. São dois CEFETS, 25 escolas vinculadas às universidades e uma universidade tecnológica. O IFAL completou, em 2009, cem anos de existência, tendo tido outras denominações ao longo do tempo: 1909 - Escola de Aprendizes Artífices de Alagoas; 1937 - Escola Industrial de Alagoas; 1942 - Escola Industrial de Maceió;

12


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

1956 - Escola Industrial Deodoro da Fonseca; 1965 - Escola Industrial Federal de Alagoas; 1968 - Escola Técnica Federal de Alagoas; 1999 - Centro Federal de Educação Tecnológica de Alagoas (CEFET-AL) e, finalmente, 0000 - IFAL – Instituto Federal de Alagoas, denominação atual. É formado por 8 Campi (Maceió, Palmeira do Índios, Satuba, Marechal Deodoro, Arapiraca, Piranhas, Penedo e Maragogi) e mais 3 Campi Avançados (Murici, São Miguel dos Campos e Santana do Ipanema). Tendo a previsão da abertura de mais 4 unidades nos próximos anos: Batalha, Rio Largo, União dos Palmares e Coruripe. No ensino técnico profissional, na modalidade integrado ao médio, são oferecidos os cursos de Informática, Eletroeletrônica, Agroecologia, Hospedagem, Agroindústria, Açúcar e Álcool, Meio Ambiente, Guia de Turismo, Agropecuária, Edificações, Eletrotécnica, Eletrônica, Estradas, Mecânica e Química. Na modalidade subsequente, os de Agropecuária, Segurança do Trabalho, Agricultura, Zootecnia, Eletrotécnica, Mecânica, Química e Rede de Computadores. A oferta dos cursos superiores de Tecnologia foi iniciada em 2000 e conta, hoje, com os cursos de Gestão Ambiental, Laticínios, Sistemas Elétricos, Construção de Edifícios, Gestão de Turismo, Hotelaria, Design de Interiores e Alimentos. Hotelaria (Tecnologia), Administração Pública (Bacharelado), Letras/Português e Ciências Biológicas (Licenciaturas) são disponibilizados, também, como cursos à distância. Nos anos seguintes, começou a serem ofertadas as modalidades de ensino PROEJA e Licenciaturas em Matemática, Química, Ciências Biológicas e Letras/Português, além de Bacharelado em Sistemas de Informação. O IFAL conta atualmente com 622 professores nas diversas séries e cursos. A tabela a seguir, mostra o número de alunos ingressos nos anos de 2009 a 2011 nas diversas modalidades de ensino: Quadro 3 – Número de alunos ingressos nas diversas modalidades de ensino no IFAL nos anos de 2009 a 2011 ALUNOS INGRESSOS IFAL

2009

2010

2011

Técnico Subsequente

215

432

663

Técnico Integrado

1020

1717

1826

Tecnologia

424

419

437

PROEJA

163

226

265

Bacharelado

91

80

72

Licenciatura

-

80

200

235

350

218

Cursos à distância

Fonte: SISTEC

13


A assistência estudantil no Instituto Federal de Alagoas

Em 2010, foi despendido com os programas estudantis R$ 1.293.000,00 (um milhão e duzentos e noventa e três mil reais), oriundos dos recursos próprios do custeio da instituição. A partir de 2011, a verba para assistência começou a ser originada do PNAES, tendo sido gasto, neste ano, R$ 3.537.597,00 (três milhões, quinhentos e trinta e sete mil, quinhentos e noventa e sete reais). Para 2012, a previsão é de serem aplicados R$ 3.924.694,00 (três milhões, novecentos e vinte e quatro mil, seiscentos e noventa e quatro reais). O Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), criado em 2008 e tornado em Decreto de nº 7.234, em 19 de julho de 2010, vindo estabelecer metas e objetivos para fomentar a permanência dos estudantes na educação superior pública federal, é o balizador nas ações assistenciais aos alunos. Criado em 2008, o programa recebeu, no seu primeiro ano, R$ 125,3 milhões em investimentos. Em 2009, foram R$ 203,8 milhões a serem investidos diretamente no orçamento das IFES. De acordo com a Resolução nº 22 do Conselho Superior (CS), de 8 de agosto de 2011, que regulamenta a Política de Assistência Estudantil do IFAL, são 15 programas assistenciais, os quais tem por finalidade assegurar os direitos sociais dos seus estudantes, possibilitando as condições para promover acesso, permanência e a conclusão com êxito nos cursos ofertados. Contudo, a Resolução nº 29/CS, de 18 de junho de 2012, revogou um dos programas (Bolsa de Iniciação Profissional) restando, então, 14 Programas:              

Programa Bolsa de Estudo; Programa de Auxílio Transporte; Programa de Apoio às Atividades Estudantis; Programa de Auxílio Alimentação; Programa de Alimentação e Nutrição Escolar; Programa de Aconselhamento Psicológico; Programa de Prevenção a Fatores de Risco e Promoção da Saúde Mental; Programa de Orientação Profissional; Programa de Informação Cultural; Programa de Residência Estudantil e Auxílio Moradia; Programa de Assistência aos Estudantes com Necessidades Educacionais Específicas; Programa de Assistência à Saúde; Programa de Cultura, Arte, Ciência e Esporte; Programa Bolsa PROEJA.

Podem ser contemplados pelos programas assistenciais os estudantes regulares, ou seja, os alunos matriculados com observância de todos os requisitos necessários à obtenção dos correspondentes títulos. Abaixo, mostra-se o quadro com a evolução no número de atendimentos da assistência estudantil de 2009 a 2001.

14


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Quadro 4 – Evolução da Assistência Estudantil de 2009 a 2011 ANO

2009

2010

2011

Nº DE BOLSAS E AUXÍLIOS CONCEDIDOS Bolsa de Iniciação Profissional

251

301

382

Bolsa de Estudo

-

-

258

PROEJA

-

-

265

Auxílio Alimentação

-

187

918

247

328

907

Auxílio Transporte Auxílio Moradia

-

-

-

Residência Estudantil

200

200

200

Nº de alunos atendidos com refeições *1

1004

524

853

Fardamento

127

1247

8450

9

45

181

19465

20691

21215

784

771

1018

Óculos Atendimentos Médicos Atendimentos psicológicos

Atendimentos odontológicos 935 1246 1457 *1 (desde 2010 só o refeitório do campus Satuba está em funcionamento) FONTE: Coordenação de assistência estudantil/IFAL

Em 2009, houve um total de 23.022 atendimentos para um quantitativo de 4.629 alunos em cursoiii; em 2010, esses números foram 25.540 e 6.760; já para 2011, foram de 36.104, para um total de 8606 discentes. De 2009 a 2011 houve um aumento de, aproximadamente, 57% no número de concessões de bolsas e outros auxílios, ficando um pouco abaixo do aumento percentual de vagas ofertadas que, no mesmo período de tempo analisado, foi em média de 78%5. No primeiro semestre de 2012 já foram ofertadas 3.042 vagas contando, até então, com 10.739 alunos em curso, com previsão de encerrar o ano letivo com 11.470 estudantes. Usando como referência o valor destinado às atividades assistenciais dentro do instituto e os alunos em curso em determinado ano, encontramos a seguinte renda per capita anual: 2010 – R$191,00/aluno; 2011 – R$411,00/aluno; e 2012iv - R$342,00/aluno. Os números de profissionais ligados à área assistencial no instituto são:      

médicos – 12; nutricionistas – 8; assistentes sociais – 14; odontólogos – 7; enfermeiros – 1; técnicos em enfermagem – 6;

15


A assistência estudantil no Instituto Federal de Alagoas

  

auxiliares de enfermagem – 7; bibliotecários – 8; psicólogos – 10.

Ressalta-se a situação, para muitos não tão óbvios, que o número de atendimentos não reflete diretamente o número de estudantes, pois, como se percebe, aqueles são bem maiores que estes, visto que podem receber mais de um tipo de auxílio em mais de uma ocasião.

Conclusão

O país tem avançado e melhorado em diversos aspectos, no tocante ao quadro educacional. O acesso aos bancos escolares é atualmente garantido, os investimentos na área são cada vez maiores e o governo vem tocando alguns programas e projetos, com o intuito de proporcionar ainda mais avanços, a exemplo da ampliação da Rede Federal de Ensino. Contudo, ao avaliar internamente e ao comparar com dados internacionais, alguns aspectos educacionais preocupam e, agora, ocupam o lugar de antigos problemas: defasagem na correlação idade/série, repetência, evasão escolar, entre outros, indicam que há algo errado. A política estudantil surge como uma das alternativas para minimizar este quadro, posto que alguns alunos estão expostos a situações que, quando não ceifam, diminuem drasticamente a possibilidade da conclusão da vida acadêmica. Estar simplesmente matriculado não garante uma formação adequada, pois é necessária uma associação do ensino de qualidade ministrado com ações efetivas de apoio ao aluno, em termos de moradia, alimentação, saúde, esporte, cultura e lazer, entre outros. Este trabalho deteve-se ao aspecto quantitativo, porém, a partir destes números, outros estudos e levantamentos deverão ser feitos, possibilitando análises e informações que irão corroborar para o aperfeiçoamento dos programas assistenciais. Levantar o quadro da assistência poderá proporcionar visualização de avanços e retrocessos, troca de informações com outros institutos para melhoria conjunta e justificação dos recursos alocados para a área.

Notas Vale lembrar que no Brasil a educação básica é formada por dois ciclos – médio e fundamental – totalizando 12 anos de estudo. A mensuração deste tempo de permanência na escola na faixa de população de 18 a 24 anos é um dos pontos essenciais na avaliação do sistema educacional de um país (BRASIL, 2009). Segundo a PNAD 2008 o percentual de jovens com essa escolaridade é de apenas 36,8%. i

ii A taxa de frequência líquida é obtida pela razão entre o total de matriculados em determinado nível de ensino, na faixa etária adequada a esse nível de ensino, sobre o universo de indivíduos dessa faixa etária. iii Alunos em curso compreende o quantitativo de alunos ingressos + alunos remanescentes dos anos anteriores alunos desistentes.

16


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

iv Para 2012, consideramos o valor total disponível para todo o período dividido pelos alunos previstos ao final do ano.

Referências

ALAGOAS. Resolução nº. 22/CS, de 8 de agosto de 2011. Regulamenta a Política de Assistência Estudantil do Instituto Federal de Alagoas – IFAL. Disponível em: <http://www2.ifal.edu.br/?q=content/pro-reitorias/proen/dpe> . Acesso em: 22 out. 2012. ______. Resolução nº. 29/CS, de 18 de junho de 2012. Revoga os artigos 9º ao 28º da seção I da Resolução Nº 22/CS, de 8 de agosto de 2011. BRASIL. Decreto nº. 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7234.htm>>. Acesso em 26 jul. 2012. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Instituto Federal: Concepção e Diretrizes. Brasília, p.23. 2008. GATTI, Thérèse Hofmann. SANGOI, Luiz Fernando. Assistência estudantil: Uma Questão De Investimento. 2000. Disponível em: <http://www.unb.br/administracao/decanatos/dac/fonaprace/documentos/assist_est.html>. Acesso em 10 ago. 2012. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Perfil dos estados. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=al>. Acesso em 26 jul. 2012. ______. Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida Brasileira 2009. Estudos e Pesquisas: Informação Demográfica e Socioeconômica. Rio de Janeiro, v.26, p. 252, 2009. ______. Pesquisa nacional por amostra de domicílios (PNAD) 2008. Disponível em: <http://ibge.gov.br>. Acesso em 17 jul. 2012. INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Sistema de Estatísticas Educacionais. Disponível em: < http://www.edudatabrasil.inep.gov.br/>. Acesso em 26 jul. 2012. ______. Indicadores Educacionais. Disponível em: < http://portal.inep.gov.br/indicadoreseducacionais>. Acesso em 26 jul. 2012. ____________. Indicadores Financeiros Educacionais. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/estatisticas-gastoseducacao-indicadores_financeirosp.t.i._nivel_ensino.htm>. Acesso em 19 jul. 2012. ______. Políticas Sociais: acompanhamento e análise. Boletim de Políticas Sociais.

17


A assistência estudantil no Instituto Federal de Alagoas

Brasília, v.1, n.1, jun. 2000. NERI, Marcelo Cortês. O tempo de permanência na escola e as motivações dos semescola. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS, 2009. 76 páginas. SCHWARTZMAN, Simon. Os desafios na educação brasileira. Disponível em: <http://www.oei.es/reformaseducativas/desafios_educacion_brasil_schwartzman.pdf.> Acesso em 26 jul. 2012. SEPLAN. Alagoas em números, 2011. Maceió, p. 9, 2011.

18


A QUESTÃO DA QUALIDADE DO ENSINO DE FÍSICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Ivanderson Pereira da Silva* Welyson Tiano dos Santos Ramos** Ana Paula Perdigão Praxedes*** Wagner Ferreira da Silva****

Resumo Este estudo apresenta um diagnóstico do ensino de Física nas escolas públicas da capital alagoana no contexto da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa de levantamento, na qual os dados apresentados resultam de observações diretas da realidade escolar, da aplicação de questionários junto aos alunos e entrevistas com professores de Física de três escolas públicas de Maceió nas quais é ofertado o Ensino Médio na modalidade EJA. A partir dos dados levantados foi possível constatar que existe uma insatisfação para com o modelo proposto, tanto por parte dos alunos, quanto por parte dos professores que figuram na EJA em Maceió. Constata-se também que a capital alagoana carece de profissionais habilitados ao ensino de Física uma vez que das 41 escolas que ofertam EJA em apenas 3 se dispõem destes profissionais. A formação inicial de professores de Física deve favorecer espaços de diálogo acerca das questões inerentes ao Ensino de Física na EJA. Tais problemas evidenciados, apontam a necessidade de uma reestruturação não somente curricular, nem tão somente didática, mas principalmente Política. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Ensino de Física. Pesquisa.

Abstract This study presents a diagnosis of teaching physical in public schools in the capital of Alagoas in the context of Youth and Adults (EJA). It is a qualitative and quantitative research survey, in which the data presented are the result of direct observations of school reality, the use of questionnaires to the students and interviews with physics professors from three public schools in Maceió City which is offered in Education Medium mode in adult education. From the data collected, we determined that there is a dissatisfaction with the proposed model, both for students and for teachers in adult education listed in Maceió City. There is also in the capital of Alagoas lacks qualified professionals to the teaching of physics since the 41 schools that offer adult education is available in only three of these professionals. The initial training of physics teachers should encourage opportunities for dialogue about the issues inherent in the Teaching of Physics in adult education. These problems highlighted, indicate the need for a restructuring not only curriculum, not only as teaching, but mainly politics.

Keywords: Youth and Adult Education. Teaching Physics. Research. *Mestre em Educação Brasileira - ivanderson@gmail.com **Licenciado em Física - welysontiano2007@hotmail.com ***Licenciada em Física UAB - paula01praxedes@gmail.com ****Licenciado em Física UFAL) - wagnersatuba@hotmail.com


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Introdução

A gênese deste estudo está na disciplina Estágio Supervisionado em Ensino de Física 1, ofertada no segundo semestre de 2009 pelo Instituto de Física da Universidade Federal de Alagoas (IF/UFAL) aos alunos do quinto período noturno do Curso de Física Licenciatura. Nesta disciplina, a proposta metodológica estava centrada na concepção de Pimenta e Lima (2004) a partir da qual o Estágio Supervisionado é visto como o espaço privilegiado da iniciação científica do professor em formação. Iniciou-se com um ciclo de palestras e seminários sobre a legislação educacional (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio) e os documentos norteadores do trabalho docente do professor de Física (Parâmetros Curriculares Nacionais; Documentos Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais e Orientações Curriculares Nacionais). Após essas discussões, foi solicitado aos alunos que compusessem grupos de até três componentes, selecionassem uma escola pública de Ensino Médio e lá, de posse dos instrumentos de coleta de dados dispostos no material do Estágio e mediante a autorização do professor de Física e da direção da escola, realizassem o registro das observações tanto da estrutura Física e administrativa da instituição, quanto da prática pedagógica do professor. A partir desses registros, foi possível constatar uma série de problemas que a escola pública alagoana estava vivenciando naquele momento. Ao retornar à universidade com esses registros, percebeu-se que alguns dados eram comuns e se repetiam nos relatórios dos estagiários. Dentre eles, o ensino da disciplina de Física na EJA, o que chamou a atenção por ter sido apontado por unanimidade pelos alunos como foco de problemas. Esses problemas aconteceram tanto no que tange à formação do professor, quanto na falta de estrutura e condições para o trabalho docente e para o processo ensino/aprendizagem. Dessa problemática nasce a motivação para este estudo, que teve por principal objetivo traçar um retrato da realidade do ensino de Física na EJA nas escolas públicas em Maceió, através de uma pesquisa de levantamento.

1 Sobre o Ensino de Física na EJA

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9.394/96, traz uma sessão dedicada, especificamente, ao Ensino Médio, definindo-o no caput do art. 35o como “etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos”. É, a partir desta lei, que este nível da educação formal passa a integrar a Educação Básica e, daí, a constituir-se enquanto formação necessária a todos. No âmbito do Ensino Médio, a LDB destaca no inciso I do art. 36 o que “destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes, o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura”. Cumpre, desta forma, evidenciar a necessidade de se aprofundar em áreas de aplicação científica e tecnológica tais como a Física, a fim de atender ao disposto neste artigo. Neste sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998) propõem, para o

20


A questão da qualidade do ensino de Física na Educação de Jovens e Adultos

ensino de Física, que o Ensino Médio esteja voltado para a busca de competências a serem desenvolvidas pelos alunos.

Competências podem ser entendidos nesse contexto pela capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento sistêmico, ao contrário da compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos, da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, do desenvolvimento do pensamento divergente, da capacidade de trabalhar em equipe, da disposição para procurar e aceitar críticas, da disposição para o risco, do desenvolvimento do pensamento crítico, do saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento (BRASIL, 1998, p. 24).

As competências em tela podem ser expressas em três classes: representação e comunicação; investigação e compreensão e contextualização sociocultural. Nesta perspectiva, o ensino de Física deve ser conduzido de forma a mostrar aos alunos que essa ciência está presente no dia-a-dia. Segundo os Documentos Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+) (BRASIL, 2008), o ensino de Física nas escolas de Ensino Médio, deve favorecer a formação de sujeitos que possam identificar e interpretar fenômenos físicos e tecnológicos que o cercam. Neste sentido, a proposta para o currículo da disciplina de Física é trabalhar em torno de eixos que favoreçam o desenvolvimento de competências e habilidades, para que o sujeito possa interpretar o mundo que o cerca e nele possa intervir. Em relação aos conteúdos de Física, os PCN+ dizem que, A Mecânica é um estudo importante, pois desenvolve a capacidade de lidar com o movimento de coisas que são observadas, e capacita o estudante a identificar as causas do movimento. Ela desenvolve a habilidade para lidar com situações reais e concretas. O estudo do calor permite capacitar o estudante a compreender sobre fontes de energia, processos e propriedade térmicas de diversos materiais, assim como a capacidade de lidar com variações climáticas ou com aparelhos que envolvam o controle do calor ambiente. O estudo dos fenômenos elétricos pode ser dirigido para que o aluno possa compreender os funcionamentos dos diversos aparatos eletrônicos que circundam o nosso cotidiano, como rádio, televisão, microondas, geladeiras e sistemas de telecomunicações, etc. A ótica e as ondas mecânicas por sua vez fornecem ao aluno uma possibilidade de compreender os processos de transmissão de informação; e o estudo do som permite habilidades de relacionar a Física com outras áreas, como a música. A chamada Física moderna permite que os alunos possam compreender melhor como é formada a matéria, a formação de novos materiais como cristais líquidos e lasers, melhorar a compreensão do funcionamento de circuitos eletrônicos, microprocessadores e etc. (BRASIL, 2008). (Grifo nosso).

Assim, os PCN+ apontam os seis eixos, em destaque acima, como elementos que possibilitam a organização das ações do ensino de Física nas escolas, sinalizando diretrizes para o trabalho pedagógico na etapa conclusiva da Educação Básica. Tais eixos devem ser explorados no Ensino Médio em quaisquer modalidades. O termo modalidade vai ser definido no Dicionário Aurélio como “modo de ser peculiar a cada indivíduo; modo de existir” ou “forma ou característica de uma coisa, ato,

21


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

pensamento, organização, etc.”. Daí, é possível, entender que “Modalidade de Ensino” seria uma forma, um modo, um estilo, uma possibilidade de ensinar. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) está expressa na LDB de 1996 como uma Modalidade Educacional. Essa vai definir a EJA no art. 37 o como sendo “destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”. Esse perfil ao qual a EJA está destinada e busca atender, possui características e necessidades educativas plenamente distintas do perfil ao qual busca atender a Educação dita Regular. Para autores como Bazzo (1998); Gil-Pérez et al (2001); Angoti e Auth (2001); Auler e Bazzo (2001); Caldeiras e Bastos (2002) e Santos (2007), a Alfabetização Científica é a via pela qual as competências elencadas nos PCN e PCN+ podem ser desenvolvidas no âmbito da exploração dos conceitos físicos. Os estudos de Barbosa e Caldeira (2005); Vivas e Teixeira (2009) e Costa (2008) apontam que, no contexto da EJA, a Alfabetização Científica poderá ser conduzida através de metodologias didáticas que favoreçam o enfoque Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA). Para Chassot (2000) apud Vivas; Teixeira (2009, p. 2), “a alfabetização científica consiste na tarefa de fazer os educandos se apropriarem do conhecimento científico como linguagem para compreender melhor o mundo em que vivem para transformá-lo para melhor”. Evidenciar o enfoque dessa modalidade em detrimento de práticas que minimizem o potencial cognitivo do perfil do alunado da EJA é uma tentativa de superação de modelos pedagógicos para um modelo andragógico do ensino de Física. Tal modelo aponta a necessidade do diálogo da Física com outras disciplinas, uma vez que não se objetiva o ensino de conceitos isolados, mas o desenvolvimento de uma linguagem capaz de favorecer a superação da leitura ingênua de fenômenos científicos, tecnológicos, sociais e ambientais. Tais fenômenos nem sempre se dão de forma isolada um do outro. Um fenômeno científico pode, ao mesmo tempo, ser um fenômeno tecnológico e implicar em fenômenos sociais, que poderão repercutir no ambiente. Neste sentido, o ensino dos conceitos físicos na EJA, em atenção ao enfoque CTSA, encontra eco no que preconizam os PCN e PCN+ quanto ao desenvolvimento de competências e habilidades, a partir do diálogo com outras disciplinas.

2 Procedimentos Metodológicos

Uma vez tendo compreendido a proposta pedagógica para o ensino de Física na EJA, preconizada na literatura, foi realizada uma visita a Secretaria Estadual da Educação e do Esporte de Alagoas (SEEE-AL) - Secretaria responsável por oferecer o Ensino Médio na modalidade EJA em Maceió - onde foi realizado um levantamento das escolas que oferecem o Ensino Médio na modalidade EJA. Trata-se de uma pesquisa quanti-qualitativa de levantamento (FLICK, 2009), na qual os dados apresentados resultam de observações diretas da realidade escolar, de entrevistas com professores de Física das escolas e a aplicação de questionários junto aos alunos. Através desses dados, foi possível traçar um perfil dos alunos da EJA das escolas

22


A questão da qualidade do ensino de Física na Educação de Jovens e Adultos

públicas da capital alagoana que foram selecionadas para o estudo.

3 Coleta e Análise de Dados

A coleta de dados empíricos foi iniciada na SEEE-AL. Num primeiro momento foram identificadas as escolas da cidade de Maceió que ofertavam o Ensino Médio na Modalidade EJA. Os dados foram fornecidos pelo Departamento de Educação de Jovens e Adultos (DEJA) e podem ser visualizados no Quadro 1. Quadro 1 – Escolas que ofertam EJA em Maceió 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41

CENTRO EDC DE JOVENS E ADULTOS PAULO FREIRE - CEJA ESCOLA ESTADUAL ALFREDO GASPAR DE MENDONCA ESCOLA ESTADUAL CAMPOS TEIXEIRA ESCOLA ESTADUAL CAPITAO ALVARO VICTOR ESCOLA ESTADUAL CINCINATO PINTO ESCOLA ESTADUAL CORONEL FRANCISCO ALVES MATA ESCOLA ESTADUAL DEP GUILHERMINO DE OLIVEIRA ESCOLA ESTADUAL DEPUTADO NENOI PINTO ESCOLA ESTADUAL DR JULIO AUTO ESCOLA ESTADUAL ENGENHEIRO EDSON SALUSTIANO DOS SANTOS ESCOLA ESTADUAL JARSEN COSTA ESCOLA ESTADUAL JORNALISTA FREITAS NETO ESCOLA ESTADUAL JORNALISTA RAUL LIMA ESCOLA ESTADUAL LADISLAU NETO ESCOLA ESTADUAL MAJ EDUARDO EMILIANO DA FONSECA ESCOLA ESTADUAL MANOEL DE ARAUJO DORIA ESCOLA ESTADUAL MARCELO RESENDE ESCOLA ESTADUAL MARIA IVONE SANTOS DE OLIVEIRA ESCOLA ESTADUAL MONS BENICIO DE BARROS DANTAS ESCOLA ESTADUAL OVIDIO EDGAR DE ALBUQUERQUE ESCOLA ESTADUAL PASTOR JOSE TAVARES DE SOUZA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR ANISIO TEIXEIRA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR JOSE DA SILVEIRA CAMERINO ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR ROSALVO LOBO ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR VIRGINIO DE CAMPOS ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR AFRANIO LAGES ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR JOSE REMI LIMA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR JOSE VITORINO DA ROCHA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR LIBERALINO BONFIM DE OLIVEIRA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR MARIA LUCIA LINS DE FREITAS ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR MARIO BROAD ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA BENEDITA DE CASTRO LIMA ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA JOSEFA CONCEICAO DA COSTA ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA MALBA LINS COSTA ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA ANA COELHO PALMEIRA ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA MIRAN MARROQUIM DE QUINTELLA CAVALCANTE ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA ROSALVA PEREIRA VIANA ESCOLA ESTADUAL ROMEU DE AVELAR ESCOLA ESTADUAL ROTARY ESCOLA ESTADUAL SANTA TEREZA D AVILA ESCOLA ESTADUAL TAVARES BASTOS

Fonte: DEJA/SEEE-AL

Destas, foram destacadas aquelas que ofertavam a EJA para o terceiro segmento, equivalente ao Ensino Médio. A escolha pelo terceiro segmento se deu pelo fato de que é

23


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

neste estágio que os alunos começam a ter um contato efetivo com a disciplina de Física. Em comunicação com as escolas, foi possível identificar em quais delas a disciplina de Física era conduzida por um professor do quadro permanente da rede estadual de ensino. Das 41 escolas que ofertavam a EJA em Maceió, apenas 10 ofertavam a etapa correspondente ao Ensino Médio e, em apenas 3, a disciplina de Física era assumida por um professor efetivo. A fim de restringir a amostra, foram investigadas apenas as escolas públicas estaduais que oferecem o Ensino Médio na modalidade EJA em Maceió, nas quais o ensino de Física era conduzido por um professor que fizesse parte do quadro permanente da rede. As escolas selecionadas, de agora em diante, serão chamadas de: Escola A, Escola B e Escola C, afim de não identificar as escolas investigadas neste trabalho. A coleta e análise de dados, a partir das escolas selecionadas inicialmente, foi feita a partir de um levantamento da quantidade de alunos matriculados no Terceiro Segmento da EJA. O resultado encontra-se na Tabela 1. Tabela 1 - Número de Alunos Matriculados Escola

Número de alunos matriculados na Terceira Etapa da EJA

A

153

B

100

C

79

TOTAL

332

Fonte: Os autores

No dia da aplicação do questionário junto aos alunos, na escola A, B e C haviam, respectivamente, 71% (109 alunos), 40% (40 alunos) e 51% (40 alunos) dos alunos. Ao verificar no diário de aula dos professores de Física, foi possível constatar que apenas 43,08% dos alunos frequentavam regularmente as aulas. Aos alunos foi aplicado um questionário que tinha por principal objetivo traçar um perfil discente do Ensino Médio da EJA do ponto de vista do sexo, idade, perfil sócioeconômico, tempo disponível para os estudos e de como percebiam a Física enquanto campo de saberes necessários ao exercício da cidadania.

24


A questão da qualidade do ensino de Física na Educação de Jovens e Adultos

Quadro 2 - Perfil dos Alunos Sexo M Escola 33,78 % A Escola 47,50 % B Escola 42,50 % C 39,68 Total % Fonte: Os Autores

F 64,22 % 52,50 % 57,50 % 60,32 %

Idade 16-20 anos 17,43 % 47,50 % 30,00 % 26,45 %

21-25 anos 30,27 % 32,50 % 30,00 % 30,68 %

26-30 anos 20,18 % 10,00 % 10,00 % 15,87 %

Tem Filhos 54,12 % 42,50 % 27,50 % 46,03 %

Trabalha 73,40 % 47,50 % 72,50 % 67,73 %

Vive com os pais 35,77 % 60,00 % 35,00 % 40,70 %

Sempre estudou em escola pública 84,40 % 92,50 % 97,50 % 88,88 %

De acordo com os dados apresentados, verifica-se que a quantidade de alunos do sexo feminino era um pouco maior do que do masculino – cerca de 60%. Quanto à idade dos alunos matriculados no período investigado, cerca de 26% encaixavam-se na faixa etária entre 16 e 20 anos de idade. Tal fato reflete uma possível tendência da EJA em coletar alunos que ficam retidos nas séries da Educação Básica e não somente os que dela evadem e aos que não tiveram acesso a ela. É possível identificar que cerca de 60% dos alunos da EJA matriculados nestas escolas não vivem com seus pais e que, a maioria deles, (57,14% ), são solteiros e não tem filhos (53,97%). Em adição, 67,73% de todos os alunos, participantes da pesquisa, possuem vínculo empregatício. Outro fato interessante é que quase a totalidade (88,88%) teve sua vida escolar em escola pública. Em conversa junto às alunas, a profissão que prevalece é a de secretária do lar oriundas, em sua maioria, de cidades do interior alagoano, cuja carga horária de trabalho é extensa. Muitas delas residem no local de trabalho e o único horário no qual se ausentam é aquele em que estão na escola. No que concerne aos aspectos pedagógicos, 68,25% dos alunos afirmam que gostam da disciplina de Física. Em contrapartida, 45,50% sentem dificuldades na resolução de problemas devido a matemática envolvida nas questões, 12,69% apontam dificuldades relacionadas ao entendimento das teorias abordadas em sala de aula, 33,33% afirmam que não sabem a matemática necessária nem compreendem as teorias envolvidas e 8,48% afirmaram que sentem dificuldades na disciplina por outros motivos. Percebe-se que, na visão desses alunos, para se “gostar de Física” não é necessário “saber Física”. Chama a atenção, ainda, o fato de 70,90% afirmarem que conseguem ver a Física no seu dia-a-dia, uma vez que não afinam à resolução de problemas e que não sabem a matemática básica necessária para a apropriação dos conceitos em tela. Foi realizada uma entrevista individual semi-estruturada acerca do processo ensino/aprendizagem no contexto da EJA, com três professores de Física, sendo um de cada escola. Ao serem perguntados sobre o que compreendiam por processo ensinoaprendizagem, responderam da seguinte forma: O relacionamento entre professor e aluno deve ser norteado pelo conteúdo que deve ser discutido em sala de aula, de modo que de tudo aquilo que for comentado e estudado tenha uma boa parcela de assimilação por parte do aluno. Vejo dessa forma o Binômio Ensino-Aprendizagem (Professor 1- Escola A).

25


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012 Depende do interesse do aluno pela disciplina, o que hoje não é grande. Os alunos estão 'se achando', então eles 'esquentam' e confrontam o professor por qualquer besteira (Professor 2 – Escola B). O professor deve ser capaz de perceber quais as dificuldades que seus alunos estão tendo e então procurar maneiras de saná-las. O problema é que as turmas geralmente têm muitos alunos e o professor não consegue observar todos. Sem contar com a jornada de trabalho que acaba prejudicando no desempenho da tarefa, que poderia ser trabalhada de forma a avaliar quais eram essas dificuldades (Professor 3- Escola C).

Percebe-se, na fala do professor da escola B, que a questão da motivação, bem como a relação interpessoal do professor para com os alunos, estão comprometidos. Existe um conflito instalado que extrapola o domínio privado da relação comprometendo, inclusive, a percepção deste profissional do que venha a ser o processo ensino/aprendizagem. A autoridade do professor está em xeque e ao mesmo, apesar de devidamente habilitado ao exercício da profissão, não esboça domínio das competências necessárias ao labor na EJA. Percebe-se, na fala deste professor, que ser confrontado pelo aluno, em sua visão, não é uma oportunidade para um diálogo aberto e para construção de conhecimento, mas uma afronta à sua autoridade. A lógica metodológica utilizada por tal profissional é a do ensino bancário (FREIRE, 1996), no qual este assume o papel de depositário do saber e o aluno deveria assumir o papel de receptor/receptáculo. Ao ser questionado por esses alunos, que em sua maioria são adultos, não se reprimem ao modelo imposto, a relação de poder proposta não evolui, comprometendo, assim, o processo ensino/aprendizagem dos conceitos físicos, bem como a própria harmonia do ambiente escolar. Em oposição à visão do professor da Escola B, os professores das escolas A e C, esboçam uma preocupação pedagógica quanto às especificidades do ensino de Física na EJA. Entretanto, do mesmo modo que no caso da Escola B, o processo ensino/aprendizagem está comprometido, por conta das condições de trabalho impostas. Se de um lado a formação do professor de Física deve contemplar uma discussão acerca das especificidades do ensino na EJA, por outro, o Estado não tem favorecido as condições mínimas para que tais discussões sejam postas em prática. Ao serem perguntados quanto ao relacionamento professor-aluno e escola-aluno. Obtivemos como resposta o seguinte: Normal, há um mútuo respeito entre professor-aluno. Fazemos o possível para que haja uma relação saudável, para que os alunos nos tenham como profissionais, para que não exista contenda na sala de aula. Já com a escola não é tão saudável, sempre ouço os alunos reclamando da direção (Professor 1 – Escola A). Cheio de irregularidades, altos e baixos, mas faz parte do processo (Professor 2 – Escola B). É uma relação boa, tanto dentro da sala de aula quanto fora, os alunos nos cumprimentam fora da sala. Enquanto a escola, ela tenta na medida de suas possibilidades alcançar os alunos, sempre os atendendo bem (Professor 3 – Escola C).

26


A questão da qualidade do ensino de Física na Educação de Jovens e Adultos

Observando as respostas proferidas pelos professores e pelas observações feitas in loco, a Escola C oferece um ambiente tranquilo para o desenvolvimento das atividades escolares, enquanto as escolas A e B apresentam graves problemas de relação com a direção. Na escola B, o problema se estende para a relação professor-aluno constatando, mais uma vez, a problemática na relação professor-aluno. Ainda em entrevista, os professores relataram que é cada vez mais difícil conseguir resultados relevantes em sala de aula, uma vez que a duração é muito curta, de apenas uma hora semanal. Um agravante desta questão é que, nas turmas em que a disciplina está disposta no horário como a primeira da noite, esta hora de aula se estreita, uma vez que se torna rotineiro o atraso dos alunos, devido ao fato de muitos trabalharem ou residirem afastados da escola. Foi questionado aos professores se nas escolas analisadas haviam laboratórios de Física. Nas escolas A e B os professores disseram não saber. Já o professor da escola C citou que a escola tem laboratório de Física, mas ele não o utilizava, pois não tinha tempo para preparar uma aula específica utilizando os equipamentos. Dos três professores, dois são Engenheiros Civis e conseguiram o título de licenciados depois que realizaram uma formação complementar; o outro, é licenciado em Física. Ao serem questionados quanto à satisfação com a profissão docente, as respostas foram unânimes: todos afirmaram que não se arrependem de serem professores de Física, pois a profissão é muito gratificante. No entanto, destacaram que o sistema atual de trabalho é desestimulante, a jornada de trabalho compromete sua dedicação ao trabalho e a família.

Considerações Finais

Deste estudo, evidencia-se uma insatisfação para com o modelo proposto, tanto por parte dos alunos, quanto por parte dos professores que figuram na EJA em Maceió. Constata-se, também, que a capital alagoana carece de profissionais habilitados ao ensino de Física, uma vez que, das 41 escolas que ofertam EJA, em apenas 3 dispõem-se destes profissionais. A formação inicial de professores de Física deve favorecer espaços de diálogo acerca das questões inerentes ao Ensino de Física na EJA, para que sejam evitados os conflitos identificados na Escola B e para que o “gostar de Física” não esteja dissociado do “saber Física”. Promover e universalizar o Ensino Médio não é possível dando-se os fins sem se promover os meios necessários. Ao confrontarmos o que está promulgado no Art. 35 o da LDB de 1996, com o que se constatou neste levantamento, surgem mais perguntas que respostas:    

Como é possível que se dê “a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental” se o aluno não dispõe de um conhecimento prévio básico (inciso I)? O que vai se consolidar? O que vai se aprofundar se não se dispõe nem mesmo do superficial? Como é possível ao professor de Física, em uma hora semanal, diante de uma

27


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

turma cansada, sem conhecimento básico necessário ao aprendizado dos conceitos de Física, favorecer uma “preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores” (inciso II)? Como é possível favorecer “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” se, aos professores e alunos, não são dadas condições mínimas para tal (inciso III)? Como é possível “a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática” se, por conta das condições colocadas, o professor desconhece a existência de um laboratório na escola ou, quando existe, sente-se impossibilitado de utilizá-lo por conta das condições estruturais (inviso IV)?

A discussão provocada pelos estudos de Barbosa e Caldeira (2005); Vivas e Teixeira (2009) e Costa (2010) conduz a uma reflexão sobre o “como ensinar Física” no contexto da EJA, em atenção aos aspectos Andragógicos e Didáticos. Já a análise da LDB, dos PCN e PCN+, permite identificar uma vontade do poder público que o aprendizado dos conceitos físicos deem-se de forma isolada, mas em contexto e no diálogo com outras áreas do conhecimento. No entanto, os problemas evidenciados nesta pesquisa, extrapolam o domínio da sala de aula e apontam para a necessidade de uma reestruturação não somente curricular, nem tão somente didática mas, principalmente, Política. Deve existir vontade política da parte dos que se obrigam a ofertar a EJA, para que essa se dê com um mínimo de qualidade. Do contrário, continuará sendo discutido o que Acássia Kuenzer chamou de “Inclusão Excludente”. Oferta-se a EJA a fim de sanar uma dívida do Estado para com a Sociedade, mas não são favorecidos os meios necessários para que tal modalidade educacional dê conta de seus objetivos, como preconizam os documentos legais e como desejam os estudiosos da área. Não basta colocar o aluno dentro dos muros da escola. Para Saviani (2004, 2009), somente por meio de uma Política de Impacto será possível reverter tal quadro. É preciso extrapolar a discussão em torno de questões didáticas e partir para uma discussão mais profunda sobre os aspectos do financiamento da educação, da valorização do magistério, do investimento em formação de professores de Física, da melhoria nas condições de trabalho e de um currículo atento às necessidades dos alunos.

Referências

ANGOTTI, José André Peres; AUTH, Milton Antonio. Ciência e Tecnologia: implicações sociais e o papel da educação. In: Revista Ciência e Educação, Bauru, v. 7, n. 1, p. 15-27, maio 2001. Disponível em: <http://www.cultura.ufpa.br/ensinofts/artigo4/ctseduca.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2011. AULER, Délcio; BAZZO, Walter Antonio. Reflexões para a implementação do movimento CTS no contexto educacional brasileiro. In. Revista Ciência e Educação, Bauru, v. 7, n. 1,

28


A questão da qualidade do ensino de Física na Educação de Jovens e Adultos

p. 1-13, maio 2001. Disponível em: <http://www.cultura.ufpa.br/ensinofts/artigo4/ctseduca.pdf> Acesso em: 20 abr. 2011. BAZZO, W. A. Ciência, tecnologia e sociedade e o contexto da educação tecnológica. Florianópolis: UFSC, 1998. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei no. 9.394/96. Brasília: Congresso Nacional, 1996. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de Física. SEB/MEC, 1998. ______. Documentos Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de Física. SEB/MEC, 2008. CALDEIRAS, Ana Maria de Andrade. Uma experiência de educação cientifica entre jovens e adultos. In: CALDEIRA, Ana Maria de Andrade; CALUZI, João José (orgs.) Filosofia e história da ciência: contribuições para o ensino de ciências. Ribeirão Preto: Kairós, Bauru: Cá Entre Nós, 2005. ______; BASTOS, Fernando. Alfabetização cientifica. In: VALE, J. M. F. et al (orgs.). Escola Pública e Sociedade. São Paulo: Saraiva, 2002. COSTA, Alberto Luiz Pereira. Alfabetização Científica: a sua importância na educação de jovens e adultos. SEMINÁRIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA, 1. Anais... Belo Horizonte: CEFET/MG, 2008. Disponível em: <http://www.senept.cefetmg.br/galerias/arquivos_senept/anais/te...>. Acesso em: 20 abr. 2011. FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed. 2009. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GIL-PÉREZ, Daniel et al. Para uma imagem não deformada do trabalho científico. Revista Ciência e Educação, Bauru, v. 7, n. 2, p. 125-153, dez. 2001. Disponível em: <http://200.17.141.88/images/b/bc/Artigometodo01.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2011. PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria do Socorro. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004. SANTOS, Wildson Luiz Pereira dos. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. In. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 12, n. 36, p. 474-492, set./dez. 2007. SAVIANI, Demerval. Da nova LDB ao Plano Nacional de Educação: por uma outra política educacional. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 2004. ______. História das ideias pedagógicas no Brasil. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2009. VIVAS, Ary de Souza; TEIXEIRA, Ricardo Roberto Plaza. A alfabetização científica no ensino de física para a educação de jovens e adultos: uma experiência com o chuveiro elétrico. In. SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA, 18. Anais... Vitória-ES, jan. 2009. Disponível em: <http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xviii/sys/resumos/T0322-1.pdf>. Acesso em 20 abr. 2011.

29


Revista CientĂ­fica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

30


AÇÃO DO OZÔNIO NA OXIDAÇÃO DA DELTAMETRINA BASEADO NO MODELO QUÍMICO QUÂNTICO João Paixão dos Santos Neto Caio César Lima de França Joacy Vicente Ferreira*

Resumo O ozônio é uma substância com forte caráter oxidante que, atualmente, vem sendo muito usado na indústria de alimentos. Essa propriedade química do ozônio faz com que ele seja capaz de oxidar diversos compostos orgânicos, como, por exemplo, pesticidas usados como agrotóxicos em frutas. Um desses agrotóxicos é a deltametrina, substância usada como pesticida na irrigação de pinha. Neste trabalho, realizamos um estudo teórico computacional, envolvendo métodos de química quântica com o objetivo de estudar a ação do ozônio na oxidação da deltametrina. Cálculo de geometria, orbitais moleculares e cargas atômicas parciais, indicaram o possível local de ataque do ozônio na molécula da deltametrina. Palavras-chave: Ozônio. Oxidação. Deltametrina.

Abstract Ozone is a substance with strong character oxidant which is currently much used in the food industry. This chemical property of ozone causes him to be able to oxidize various organic compounds, such as pesticides used in fruit. One of these pesticides is deltamethrin, substance used in irrigation of a pinecone. In this work we present a theoretical study computational involving methods of quantum chemistry with the aim of studying the action of ozone on the oxidation of deltamethrin. Calculation of geometry, molecular orbital and partial atomic charges indicated the possible site where will be the attack of ozone in the molecule of deltamethrin. Keywords: Ozone. Oxidation. Deltamethrin.

*

joacyferreira@ifal.edu.br


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Introdução

Sabemos que a agricultura é uma das atividades mais importantes para o Brasil, que atualmente é considerada um dos grandes produtores em diversos tipos de culturas, como por exemplo: soja, algodão e cana-de-açúcar. Com o objetivo de se aumentar ainda mais a produtividade, é muito comum o uso de defensivos agrícolas, conhecidos como agrotóxicos ou pesticidas, que têm a função de reduzir as perdas de produtividade causadas principalmente pelo ataque em plantas, insetos e larvas (ANDEF, 2011). O uso em grande quantidade desses produtos, infelizmente, eleva o Brasil ao título de maior consumidor de agrotóxicos do mundo (SINDAG, 2009). Os pesticidas podem se constituir um problema à saúde humana, em virtude da ingestão de alimentos contaminados com esses produtos químicos. A exposição humana a pesticidas é geralmente estimada através da medição dos níveis no ambiente, ou seja, água, solo e alimentos (TAHIR et al 2001). Um dos pesticidas mais conhecidos é o inseticida, usado para eliminar insetos, e seu maior emprego ocorre nas plantações de algodão. Os piretroides têm sido considerados como uma das classes de inseticidas com maior potencial na agricultura devido à curta persistência no meio ambiente, alta eficiência na eliminação de insetos e baixa toxicidade para mamíferos. Dentre os piretroides, a deltametrina (figura 1) é uma das mais utilizadas (MARTHE et al, 2010).

Figura 1 - Estrutura molecular da deltametrina

Essa substância é estável na luz, na umidade e no ar, mas instável em meio alcalino, é altamente eficaz contra uma grande quantidade de insetos (WHO, 1990). Em geral, as principais fontes de exposição da população a esse pesticida são alimentos e água contaminados (BARLOW et al, 2001). O uso da deltametrina é excepcionalmente interessante já que foi obtida do isolamento de apenas um isômero (o mais ativo, D-cis). O que não é muito comum para os piretroides, que geralmente são usados como misturas de dois ou mais isômeros (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO AGRÍCOLA SUPERIOR, 2003). As técnicas de processamento de alimentos podem ajudar na redução de pesticidas,

32


Ação do ozônio na oxidação da deltametrina baseado no modelo químico quântico

e são descritas como: cozimento, secagem, fermentação, congelamento e refrigeração, infusão, maltagem, moagem, armazenamento, processamentos térmicos, entre outros (SHOKRZADEH et al, 2011). Essas técnicas logo foram reconhecidos como importantes meios de reduzir os níveis de resíduos em frutas e legumes (CROSBY, 1965). Lavar os alimentos é a forma mais comum de tratamento. Resíduos de pesticidas são livremente afastados com eficiência razoável por variados tipos de processos de lavagem (STREET, 1969), cujos efeitos dependem da localização do resíduo, solubilidade em água do pesticida, temperatura e tipo de lavagem. Pesticidas do tipo polar, solúveis em água são mais facilmente removidos do que os materiais de baixa polaridade (KAUSHIK, et al, 2006; ELKINS, 1989). A adição de água ozonizada no processo pode eliminar os resíduos presentes nos alimentos, através de uma reação redox. O ozônio (figura 2), forma triatômica do oxigênio, apresenta-se como um gás incolor e de odor pungente, em fase aquosa, decompõe-se rapidamente a oxigênio e espécies radicalares. É aproximadamente 10 vezes mais solúvel na água que o oxigênio, mas a quantidade que pode ser dissolvida sob condições operacionais é baixa (JOHNSON, 1975). Figura 2 - Estrutura molecular do ozônio

O

O

O

A grande vantagem do uso do ozônio é devido ao fato de ser formado de moléculas que se decompõem facilmente sem deixar resíduos, podendo, assim, ser usado sem risco de toxidez para os consumidores. A sua aplicação está intimamente relacionada a suas propriedades físico-químicas. O forte efeito germicida exercido por ele é devido ao seu alto potencial oxidante, quando comparado ao peróxido de hidrogênio, cloro e hipoclorito de sódio (KIM et al, 1999). Os métodos de química quântica são importantes ferramentas que, através dos cálculos computacionais, podem predizer o provável mecanismo em uma reação química. Atualmente, a popularização desses modelos químico-quânticos ocorre devido ao desenvolvimento de novos métodos computacionais, além do incremento do poder computacional e do barateamento dos computadores. Muitas ideias da química moderna resultaram da combinação entre técnicas experimentais e cálculos teóricos, tornando a química quântica uma área de interesse multidisciplinar, podendo ser aplicada em diferentes áreas da ciência, incluindo a área de alimentos. Neste trabalho, métodos químico-quânticos foram utilizados no estudo da ação do ozônio na oxidação da deltametrina. Esses métodos já foram, com sucesso, utilizados em diversos estudos teóricos (FERREIRA et al. 2008).

Metodologia

Na obtenção da geometria da deltametrina utilizamos o método da teoria do

33


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

funcional da densidade (DFT-B3LYP) [VIANA et al, 2004] e a função de base, 631-G. Para a geometria do ozônio, usamos além do método (DFT-B3LYP), o método Hartree-Fock (HF) [VIANA et al, 2004] e a teoria de perturbação de muitos corpos em segunda ordem (MP2) [VIANA et al, 2004], com a função de base DGTZVP. Para o cálculo das cargas atômicas parciais de Mulliken na deltametrina e no ozônio usamos o métodon DFT e as funções de base 631-G e DGTZVP, respectivamente. A representação dos orbitais moleculares HOMO (orbital molecular de mais alta energia ocupado) e LUMO (orbital molecular de mais baixa energia desocupado) da deltametrina foram obtidas utilizando o programa Gaus View. Esse método de cálculo está inserido no programa Gaussina 2003 [FRISCH et al, 2003].

Resultados

Os resultados apresentados neste trabalho estão divididos em três partes: otimização da geometria; representação gráfica dos orbitais moleculares e identificação dos sítios de reação.

1 Otimização de Geometria

A primeira etapa do trabalho consistiu na otimização de geometria da molécula de deltametrina e do ozônio. Essa etapa é fundamental, pois a determinação correta dos orbitais moleculares e das cargas atômicas depende fortemente da geometria obtida. A figura 3 apresenta a geometria otimizada da molécula de deltametrina. Cada átomo na molécula está numerado, e representado por seu símbolo. Figura 3 - Geometria otimizada da deltametrina

34


Ação do ozônio na oxidação da deltametrina baseado no modelo químico quântico

A tabela 1 apresenta as distâncias de ligação na geometria otimizada da molécula de deltametrina. Tabela 1 - Distâncias de ligação calculadas para a deltametrina Átomos Distancias (Å) 3 C - Br 1 1,90 3 C - Br 2 1,89 3C-C4 1,33 4C-C5 1,48 5C-C6 1,53 5C-C7 1,50 6C-C7 1,53 7C-C8 1,52 7C-C9 1,51 6 C - C10 1,47 10 C - O 11 1,21 10 C - O 12 1,36 12 O - C 13 1,45 13 C - C 14 1,47 14 C - N 15 1,16 13 C - C 16 1,50 16 C - C 17 1,40 17 C - C 18 1,38 18 C - C 19 1,39 19 C - C 20 1,40 20 C - C 21 1,39 21 C - C 16 1,39 19 C - O 22 1,36 22 O - C 23 1,38 23 C - C 24 1,39 24 C - C 25 1,39 25 C - C 26 1,39 26 C - C 27 1,39 27 C - C 28 1,40 28 C - C 46 1,51 46 C - C 20 1,51

Até o momento, essa geometria para a deltametrina é a única obtida através de cálculos de química quântica, pois não há registros de nenhum outro estudo teórico ou experimental de parâmetros geométricos para essa molécula. A figura 4 apresenta a geometria otimizada para a molécula de ozônio. Figura 4 - Geometria otimizada do Ozônio 3

1 2

1

A tabela 2 apresenta os resultados dos parâmetros geométricos da molécula de ozônio.

35


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Método de cálculo

Tabela 2 - Distâncias de ligação calculadas para o ozônio Funções de base d (O3-O1) d (O3-O2) Å Å

Ângulo obtuso

HF MP2

DGTZVP DGTZVP

1,205 1,308

1,205 1,308

119,69 119,03

DFT

DGTZVP

1,270

1,270

117,86

1,275

1,275

116,75

Experimental

Observa-se, na tabela 2, que o método DFT foi o que melhor descreveu a geometria do ozônio, em boa concordância com o resultado experimental. Isso está associado ao fato de esse método possuir um grande efeito de correlação eletrônica, quando comparado aos métodos HF e MP2, isso permite calcular, com certa precisão, parâmetros geométricos em sistemas com ressonância de ligações. Como é o caso da ressonância presente na molécula de ozônio. A distância de ligação calculada (1,270 Å) é intermediária entre uma dupla e uma simples, maior que o comprimento de uma ligação dupla O=O (1,21 Å) e menor que o comprimento de uma ligação simples O-O (1,33 Å). 2 Representação gráfica dos orbitais moleculares Os orbitais moleculares HOMO e LUMO indicam os possíveis sítios reativos em reações de oxidação e redução. Uma análise do orbital HOMO fornece informações sobre a tendência de um composto perder elétron, pois é desse orbital que o elétron seria retirado em uma reação de oxidação. Já o orbital LUMO fornece indícios sobre os sítios de redução, pois esse orbital é o responsável pela entrada de elétrons na molécula. Como a deltametrina é oxidada (perde elétrons), e o ozônio é reduzido (ganha elétrons), analisaremos o orbital HOMO da deltametrina e orbital LUMO do ozônio. Foi realizado o cálculo do orbital molecular de fronteira (HOMO), para a molécula de deltametrina no estado fundamental (carga zero). Esse orbital é representado graficamente na figura 5.

Figura 5 - Representação gráfica do HOMO para a molécula de deltametrina no estado fundamental

Analisando a figura 5, observa-se que os orbitais localizados nos átomos Br1, Br2, C3, C4, C5 e C6 são os que apresentam maior contribuição para a formação do orbital molecular HOMO, indicando que essas regiões são de extrema importância na oxidação da molécula.

36


Ação do ozônio na oxidação da deltametrina baseado no modelo químico quântico

A figura 6 representa graficamente o orbital molecular LUMO da molécula de ozônio. Figura 6 - Representação gráfica do LUMO para a molécula do ozônio

Observa-se na figura 6 que os três átomos de oxigênio na molécula do ozônio apresentam contribuição igual para a formação do orbital molecular LUMO. Demonstrando que na nessa molécula todos os átomos podem ser responsáveis pela reação de redução.

3 Identificação dos sítios de reação A fim de confirmar as evidências observadas na representação do orbital molecular, fizemos o cálculo das cargas atômicas parciais dos átomos nas moléculas de ozônio e deltametrina. Com a molécula de deltametrina, fizemos o cálculo no estado fundamental (carga zero), após a oxidação (carga +2, proveniente da perda de dois elétrons), o que permitiu avaliar a mudança da densidade eletrônica. Consideramos a perda de dois elétrons na molécula de deltametrina, visto que o ozônio ganha dois elétrons ao ser reduzido. Os valores estão indicados na tabela 3.

37


Átomos Br 1 Br 2 C 3 C 4 C 5 C 6 C 7 C 8 C 9 C 10 O 11 O 12 C 13 C 14 N 15 C 16 C 17 C 18 C 19 C 20 C 21 O 22 C 23 C 24 C 25 C 26 C 27 C 28

Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012 Tabela 3 - Cargas atômicas de Mulliken para a deltametrina Deltametrina neutra Deltametrina oxidada (carga = 0) (carga = +2) Carga Carga -0,063 0,174 -0,031 0,155 0,013 0,008 -0,068 0,006 -0,119 -0,129 -0,167 -0,193 0,058 0,091 -0,325 -0,341 -0,334 -0,360 0,661 0,680 -0,493 -0,429 -0,481 -0,470 0,043 0,044 0,363 0,359 -0,480 -0,424 0,109 0,109 -0,120 -0,091 -0,129 -0,097 0,305 0,310 0,084 0,101 -0,153 -0,138 -0,574 -0,477 0,288 0,301 -0,123 -0,085 -0,091 -0,076 -0,084 -0,049 -0,137 -0,122 0,093 0,115

0,237 0,186 0,074

0,033

0,019 0,064 0,011 0,001 0,056 0,029 0,032 0,005 0,017 0,015 0,097 0,013 0,038 0,015 0,035 0,015 0,022

Ao analisar a tabela 3, pode-se observar que a remoção de dois elétrons leva a mudanças na densidade eletrônica de vários átomos da molécula, que pode ser verificada pelas cargas atômicas de Mulliken. Para os átomos onde houve diminuição na densidade eletrônica (perda de elétrons), calcu -se que a variação mais significativa ocorre nos átomos: Br1 (carga = -0,063 na molécula no estado fundamental e carga = 0,174 na molécula após a oxidação), e no átomo Br2 (carga = -0,031 na molécula no estado fundamental e carga = 0,155 na molécula após oxidação). Portanto, os átomos Br1 e Br2 são, segundo os cálculos de densidade de carga, os principais sítios de oxidação da molécula de deltametrina. Com a molécula de ozônio, também determinamos as cargas atômicas parciais, no estado fundamental (carga zero), após a redução (carga -2, proveniente do ganho de dois elétrons), o que permitiu avaliar a mudança da densidade eletrônica. Os valores estão indicados na tabela 4.

Cargas atômicas O1 O2 O3

38

Tabela 4 - Cargas atômicas parciais de Mulliken para o ozônio Ozônio neutro (carga = Ozônio reduzido (carga 0) = -2) -1,130 -1,843 -1,130 -1,843 0,259 -0,313

0,713 0,713 0,572


Ação do ozônio na oxidação da deltametrina baseado no modelo químico quântico

Ao analisar a tabela 4, observa-se que o ganho de dois elétrons leva a mudanças na densidade eletrônica dos átomos de oxigênio da molécula. Percebe-se que houve um aumento na densidade eletrônica de todos os átomos, o que significa que eles estão sendo reduzidos. A variação mais significativa ocorre nos átomos O1 e O2, indicando que, segundo os cálculos de densidade de carga, são os principais sítios de redução na molécula de ozônio.

Conclusão

O estudo teórico computacional da reação de oxidação da deltametrina pelo ozônio, através dos métodos de química quântica, identificou os sítios de reação nas duas moléculas. As representações dos orbitais moleculares HOMO e LUMO e o cálculo das cargas atômicas das moléculas no estado fundamental, após a reação, evidenciaram uma maior variação da densidade de carga nos átomos O1 e O2 no ozônio, indicando que esses átomos são os principais sítios de redução, e os átomos Br1 e Br2 na deltametrina, como os sítios de oxidação. Esses resultados demonstram a capacidade do ozônio em oxidar a deltametrina, podendo, assim, provocar a degradação da substância, e com isso diminuir consideravelmente o potencial tóxico da deltametrina. Referências BRASIL. ANDEF. Agência Nacional de Defesa Vegetal. Manual de uso correto de equipamento de proteção individual. Disponível em: <http://www.andef.com.br/epi/>. Acesso em: 12 maio 2011. SINDAG. Mercado Brasileiro de Fitossanitários. WORKSHOP AVALIAÇÃO DA EXPOSIÇÃO DE MISTURADORES, ABASTECEDORES E APLICADORES A AGROTÓXICOS. Brasília, 28 de abril, 2009. TAHIR, S. et al. Determination of pesticide residues in fruits and vegetables in Islamabad Market, J. Environment. Biol., v. 22, n. 1, p. 71-74, 2001. MARTHE, Deyse de Brito; BITTENCOURT, Leila Moreira; QUEIROZ, Maria Eliana L. Ribeiro de; NEVES, Antonio Augusto. Desenvolvimento de metodologia para determinação de piretróides em manteiga. Química Nova, v. 33, n. 6, p. 1389-1393, 2010. Scielo Brasil. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Environmental Health Criteria 97 – Deltamethrin. Geneva: International Programme on Chemical Safety – IPCS, 1990. BARLOW S. M.; SULLIVAN F. M.; LINES J. Risk assessment of the use of deltamethrin on bed nets for the prevention of malaria. Food Chem. Toxicol., 2001, v. 39, p. 407–22. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO AGRÍCOLA SUPERIOR. Proteção de plantas. Módulo 4: controle de pragas agrícolas. Viçosa: UFV, CCA, Departamento de Fitopatologia, 2003. 60p.

39


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

SHOKRZADEH, Mohammad; SAEEDI SARAVI, Seyed Soheil. Pesticides in agricultural products: analysis, reduction, prevention. Disponível em: <http://www.intechopen.com>. CROSBY, D. G.: The intentional removal of pesticide residues. In: Research in pesticides: proceedings of the conference on research needs and approaches to the use of agricultural chemicals from a public Health Viewpoint, University of California, Davis, California, October, 1964. Chichester, Academic Press Inc., New York, 1965, p. 213. STREET, J. C. Methods of removal of pesticide residues. Canadian Medical Association Journal, v. 100, n. 4, jan. 25, p. 154-160, 1969. KAUSHIK, Geetanjali; SATYA, Santosh; NAIK, S. N. Food processing a tool to pesticide residue dissipation: a review. Food Research Internacional, v. 42, Issue 1, January 2009, pages 26–40. ELKINS, E.R. (1989). Effect of commercial processing on pesticide residues in selected fruits and vegetables. Journal Association of Official Analytical Chemists, Washington D.C., 1989, v. 72, n. 3, pages 533-535. JOHNSON, J. Donald. Disinfection water and wastewater. American Arbor Science Publishers, 1991, 569p.Disponível em: <http://link.springer.com/article/10.2307%2F1350377?LI=true>. KHADRE, M. A.; YOUSEF, A. E; KIM, J. G. Microbiological aspects of ozone applications in food: a review. Journal of Food Science, v. 66, n. 9, p. 1241-1252, 2001. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.13652621.2001.tb15196.x/abstract>. KIM, Jin-Gab; YOUSEF, Ahmed E.; DAVE, Sandhya. Application of ozone for enhancing the microbiological safety and quality of foods: a review. Journal of Food Protection, v. 62, n. 9, p. 1071-1087, 1999. Disponível em: <http://www.ingentaconnect.com/content/iafp/jfp/1999/00000062/00000009/art00017>. JOACY VICENTE FERREIRA. Aplicação de métodos de química quântica: adsorção de H2 em Pd e um modelo para nucleons. Tese (Doutorado em Química)-Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008. VIANA, J. D. M.; FAZZIO, A.; CANUTO, S. Teoria quântica de moléculas e sólidos: simulação computacional, São Paulo: Livraria da Física, 2004. FRISCH, Michael J. et al. Program for electronic structure calculation. Disponível em: <http://jcp.aip.org/resource/1/jcpsa6/v109/i19/p8218_s1?isAuthorized=no>.

40


CRÉDITOS DE CARBONO E OS CUSTOS AMBIENTAIS: UM ESTUDO DE CASO NA USINA CORURIPE Luzileide Euzébio Marinho*

Resumo O presente estudo aborda o tratamento contábil que está sendo dado aos créditos de carbono, da Usina Coruripe, no Estado de Alagoas. A sustentabilidade está cada vez mais presente na gestão das empresas, os governos adotaram através do Protocolo de Kyoto a implantação de projetos em MDL, como principal forma de inserir os países desenvolvidos e em desenvolvimento nas negociações de títulos de créditos de carbono. Atualmente, a contabilidade vem considerando o mercado de carbono da seguinte forma: que apesar de não haver uma normatização específica sobre os créditos de carbono por parte do CFC e que o ativo intangível por ser um benefício econômico futuro, ou ainda, como derivativos por conta da existência de negociações de créditos de carbono antes da efetiva redução dos gases de efeito estufa, ou seja, ser um valor de um ativo futuro que esta sendo negociado no presente, ou como prestação de serviço, pois com os projetos de MDL essas empresas estão possibilitando a outras o direito de poluir. Inclusive, a sua comercialização serve também de amortecedor dos custos ambientais sobre o resultado econômico. Palavras-chave: Contabilidade. Protocolo de Kyoto. Sustentabilidade.

Abstract This study addresses the accounting treatment being given to carbon credits, Coruripe Plant in the State of Alagoas whose marketing serves as a buffer of environmental costs on its financial results. Sustainability is increasingly present in the management of companies, governments adopted the Kyoto Protocol through the implementation of CDM projects, as the main way to enter the developed and developing countries in the negotiations bond carbon credits. Currently, the accounting is considering the carbon market as follows: that although there is no specific regulation on carbon credits by the CFC and intangible assets to be a future economic benefit, or even account for as derivatives the existence of trading carbon credits prior to the effective reduction of greenhouse gases, or to be a future value of an asset that is being negotiated at present, or as service delivery, as CDM projects with these companies are allowing the other the right to pollute. Keywords: Accounting. Kyoto Protocol. Sustainability.

*Mestre em Engenharia da Produção pela UFPE - luzileidemarinho@hotmail.com


Revista Científica do IFAL, n. 4, v. 1 – jan./dez. 2012

Introdução Atualmente, muitas discussões estão surgindo acerca da preocupação com a responsabilidade socioambiental das empresas, principalmente relacionadas com a redução de emissão dos gases de efeito estufa. Num acordo implantado através do Protocolo de Kyoto, os países desenvolvidos e em desenvolvimento, se comprometeram em contribuir com ações sustentáveis para atingir tal objetivo, daí surgiram os créditos de carbono. Segundo Barbieri e Ribeiro (2007), em todas as áreas de conhecimento surgiram diversos estudos sobre os créditos de carbono, sendo a informação contábil fundamental para mostrar a sociedade e a todos os interessados a forma com que as empresas estão gerindo os recursos naturais. Nesse sentindo, a contabilidade utilizando-se de uma abordagem social, sentiu-se obrigada a fazer parte dos grupos de pesquisa que buscam informar a sociedade sobre os fatos gerados pelas organizações e que podem afetar o meio ambiente. Com o surgimento do Protocolo de Kyoto em dezembro de 1997, em Kyoto, no Japão, cujo principal objetivo era fixar compromisso de redução e limitação da emissão do dióxido de carbono e outros gases responsáveis pelo efeito estufa, para os países desenvolvidos; as organizações viram na comercialização dos créditos de carbono uma fonte aliada para amortecer os custos ambientais sobre o seu resultado econômico, através das receitas geradas por eles. Visto que tal compromisso pode gerar desaquecimento econômico, caso as organizações não providenciem a adequação das suas plantas produtivas de acordo com as boas práticas do desenvolvimento limpo.

1 Protocolo de Kyoto

Diante de muitas discussões acerca do desenvolvimento sustentável, foi assinado em dezembro de 1997 o Protocolo de Kyoto, um acordo ligado a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre mudança do clima (CQNUMC), que ocorreu em junho de 1992 no Rio de Janeiro, onde foi destacada a preocupação com o aumento do aquecimento global em virtude do desenvolvimento econômico acelerado que veio acompanhado de poluição e degradação do meio ambiente. O referido Protocolo entrou em vigor em fevereiro de 2005, após ter completado 90 dias de adesão de 55 países, os quais totalizam 55% das emissões de dióxido de carbono em relação aos níveis de 1990 (BRASIL, 2012). O objetivo do Protocolo conforme seu artigo 3 é a redução de emissão de gases de efeito estufa por parte dos países desenvolvidos, de acordo com as metas estabelecidas para cada um e que correspondem à redução de pelo menos 5,2% com base em 1990, no período entre 2008 a 2012 (BRASIL, 2012). Os países comprometidos deverão estar de acordo com artigo 2 do Protocolo, implementar medidas e políticas para limitar ou reduzir as emissões de gases de efeito estufa, colaborando com a promoção de tecnologias que atuem de forma sustentável, levando em consideração a mudança climática ocorrida nos últimos anos (BRASIL, 2012).

42


Créditos de carbono e os custos ambientais: um estudo de caso na Usina Coruripe

O Protocolo de Kyoto classifica os países envolvidos de acordo com sua economia e nível de desenvolvimento, assim, divide-os em dois anexos, o Anexo I e Partes Não-Anexo I, o primeiro corresponde aos países desenvolvidos e industrializados, além de países com economia em transição, os quais assumiram o compromisso de reduzir ou limitar a emissão de gases de efeito estufa (GEE) de acordo com as metas estabelecidas no Protocolo de Kyoto, já os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, não tem compromisso de redução de emissão de gases de efeito estufa (BRASIL, 2012). Ainda no protocolo se destacam os seguintes anexos: o Anexo A, onde se encontram listados os gases definidos para redução ou remoção, que além do Dióxido de Carbono (CO2), também fazem parte o Metano (CH4), Óxido Nitroso (N2O), Hidrofluorcarbono (HFCs), Perfluorcarbono (PFCs) e Hexafluoreto de Enxofre (SF6), encontra-se também no mesmo anexo a lista dos setores da economia que se caracterizam como maiores fontes de poluição do planeta, o outro anexo é o Anexo B correspondente ao Anexo I, da CQNUMC, que inclui os países que estabeleceram o compromisso de redução ou limitação de GEEs bem como a porcentagem a ser reduzida (BRASIL, 2012). Apresentam-se também três alternativas para as partes honrarem o compromisso de redução do GEEs, que são as seguintes: Comércio de emissões (CE), Mecanismo de Implementação Conjunta (MIC) e Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) (BRASIL, 2012). O comércio de emissões é o modelo que permite a comercialização de quotas de emissão entre os países do Anexo I, onde os que emitirem menos do que suas quotas podem vendê-las para os países que não conseguem limitar suas emissões. (BRASIL, 2012) O Mecanismo de Implementação Conjunta é o acordo feito somente entre países do Anexo I, para adquirir entre eles, unidades de redução de emissões através de estudos para realização de projetos de redução de emissão de GEEs e utilização de recursos financeiros para colaborar com o alcance de objetivos em comum e entre si (BRASIL, 2012). O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo foi criado para a participação efetiva dos países em desenvolvimento com projetos financiados pelos países desenvolvidos, com o objetivo destes conseguirem créditos para obter o direito de poluir, de forma a terem menos custos. Este então será relatado neste artigo por envolver tanto os países desenvolvidos quanto os países em desenvolvimento, configurando responsabilidades diferenciadas para cada um (BRASIL, 2012).

1.2 MDL e certificados de reduções de emissões

O artigo 12 do Protocolo de Kyoto estabelece o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como uma forma de incluir os países Não Anexo I neste processo de sustentabilidade e ainda ser usado pelos países do Anexo I para facilitar seu cumprimento de redução e limitação de emissões de GEEs (BRASIL, 2012). Este mecanismo surgiu a partir de uma proposta de negociadores brasileiros,

43


Revista Científica do IFAL, n. 4, v. 1 – jan./dez. 2012

que de início criaram o Fundo de Desenvolvimento Limpo (FDL), que evoluiu para Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), como resultado de discussões quanto à comercialização restrita aos países do Anexo I e que não privilegiava os países em desenvolvimento (COELHO et al, 2008). Este se configura como uma interessante alternativa de negócio para o Brasil, pois os países do Anexo I podem investir em projetos realizados nos países em desenvolvimento (BRASIL, 2012). Diante das provas que evidenciem a aplicação de MDL para o sequestro de gás carbônico ou redução de emissão de GEEs, são emitidos os certificados de redução de emissões pelas entidades a serem designadas pelo Protocolo, os quais podem ser utilizados pelos países do Anexo I como contribuição para o cumprimento dos objetivos do Protocolo de Kyoto. E os países em desenvolvimento usam destes projetos em MDL como forma de se beneficiarem com certificados de redução de emissões, os quais são objetos de investimento por parte dos países do Anexo I (BRASIL, 2012). De acordo com Ayub (2010), os projetos de MDL são alternativas interessantes para criação de novos modelos de negócios, e destaca que para a responsabilidade socioambiental são requisitos determinantes a criatividade e o empreendedorismo. A partir desta metodologia o Protocolo pode contemplar tanto os países do Anexo I que poderão utilizar dos certificados para contribuir com o desenvolvimento sustentável, quanto para os países em desenvolvimento que recebem investimentos para recuperação de suas áreas naturais degradadas (COELHO et al, 2008). Coelho et al (2008) enfatizam sobre a importância dos projetos em MDL para estabelecer alianças com futuros parceiros, conseguir financiamentos e créditos com os bancos, captar investimentos com capitais de riscos e orientar os empregados e colaboradores a trabalhar em uma mesma direção, pois os benefícios já citados através dos certificados asseguram a credibilidade das empresas que os utilizam.

2 Mercado de carbono

O mercado de carbono tem crescido notoriamente depois da determinação no Protocolo de Kyoto desse novo tipo de negócio ( Tonello, 2007 apud Khalili, 2003) enfatiza que créditos de carbono são certificados que autorizam o direito de poluir. Depois de selecionado as indústrias que mais poluem são estabelecidas metas para redução de suas emissões, dessa forma as agências ambientais reguladoras emitem os certificados autorizando emissões de gases poluentes. Quem não cumprir as metas de redução tem que comprar certificados das empresas mais bem sucedidas. As negociações que envolvem os certificados de emissões de créditos de carbono se dão através da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) a qual é regulada pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e Banco Central. Essas operações acontecem por leilões eletrônicos, via web e agendados pelo BM&F a pedido das entidades que desejam ofertar seus créditos de carbono no mercado, as regras de negociações adotadas são divulgadas por meio de anúncios públicos na página da internet da BM&F (COELHO et al, 2008).

44


Créditos de carbono e os custos ambientais: um estudo de caso na Usina Coruripe

Araújo (2010) diz que em numa pesquisa de mercado a firma Point Carbon constatou que em 2007 o mercado de créditos de carbono quase dobrou para 40 bilhões de euros. O mesmo autor retrata que atualmente, a tonelada de carbono dos projetos em MDL é vendida em torno de € 8,00 a € 18,00, para projetos que obedeçam todas as regras do Protocolo de Kyoto. É por meio de projetos em MDL que países desenvolvidos compram créditos de carbono, em tonelada de CO2 equivalente, de países em desenvolvimento responsáveis por tais projetos (ARAÚJO, 2010). De acordo com Ribeiro (2005) o valor dado às reduções de emissões de gases poluentes se tornou um produto de grande aceitação no mercado e que constitui uma forma de captação de terceiros. Neste contexto, serão apresentados alguns exemplos de empresas que aderiram a este mercado de carbono e já institui a sustentabilidade em seus negócios. Vaz (2011) faz uma análise do caso da Natura, maior fabricante de cosméticos do país, que passou a aplicar critérios socioambientais na escolha de seus fornecedores, sendo o segundo passo de um movimento que começou em 2006. Logo, os seus fornecedores passaram a ter o compromisso de melhorar seus índices socioambientais anualmente a partir das metas acordadas, dentre as quais se inclui a redução de emissão de Gás Carbônico. Para efetividade das ações foi exigido também o envio de relatórios trimestrais e o acompanhamento de perto do cumprimento das metas, este processo contribui para que a Natura atinja suas metas globais que entre outras está à redução de 33% de emissão de Gás Carbônico até 2013.

2.1 Custos ambientais e sistema de custeio

Para Novaes (2010) todos os gastos decorrentes das ações para controle e reversão dos impactos das atividades operacionais das empresas sobre o meio ambiente, devem ser considerados custos ambientais decorrentes do desenvolvimento dessas atividades. De acordo com Ribeiro (2008) os custos ambientais é a soma de todos os custos dos recursos que são usados para o desenvolvimento das atividades com o propósito de controle, preservação e recuperação ambiental. Ainda segundo o autor, o processo de gestão estratégica de custos deve ser subsidiado com informações sobre os custos ambientais corretamente identificados com o intuito de satisfazer as necessidades informativas da gestão econômica da empresa e dos seus usuários externos. Para Antunes (2000), os custos ambientais representam todo o empenho, todo o esforço direta ou indiretamente vinculado a qualquer gasto, independentemente de desembolso, relativo a bens e/ou serviços que visem única e exclusivamente à preservação do meio ambiente.

45


Revista Científica do IFAL, n. 4, v. 1 – jan./dez. 2012

O Conselho Federal de Contabilidade (CFC, 2012) classifica os custos ambientais de acordo com os seguintes aspectos: 

Custos de prevenção: destinados à redução da quantidade de poluentes expelidos no processo produtivo.

Custos de controle: destinam-se a manter as agressões ambientais dentro dos limites estabelecidos, anteriormente.

Custos de correção: destinam-se às recuperações decorrentes dos danos causados ao meio ambiente.

Custos de falhas: referem-se aos custos de faltas ocorridos no processo de redução, controle e correção da agressão ao meio ambiente.

Custos das externalidades: decorrem dos impactos gerados pelas empresas, que poderão no futuro, vir a se tornar importantes.

Para atender a classificação de custos citada acima, faz-se necessário que as organizações utilizem o sistema de custeio por atividades, pois o mesmo se mostra o mais adequado para identificar e mensurar os custos ambientais. Martins (2010) defende que o sistema de custeio baseado em atividades é uma metodologia de custeio que procura reduzir sensivelmente as distorções provocadas pelo rateio arbitrário dos custos indiretos. Segundo ele, para atribuir os custos às atividades e aos produtos é necessário utilizar direcionadores, e, esses direcionadores são divididos em: direcionadores de custos de recursos e direcionados de custos de atividades. Ainda, segundo o autor primeiro identifica a maneira como as atividades consomem os recursos e serve para custear as atividades. Dentro desse contexto, observase que o primeiro direcionador é o ideal para mensurar as atividades geradas pelos custos ambientais. Para Nakagawa (2010) atividade é um processo que combina, de forma adequada, pessoas, tecnologias, materiais, métodos e seu ambiente, tendo como objetivo a produção de produtos. Diante do exposto, pode-se afirmar que os custos ambientais serão calculados a partir da identificação e mensuração dos bens e serviços consumidos nas atividades de controle, preservação e recuperação ambiental. Portanto, quaisquer outros sistemas de custeio se tornarão inválidos para apuração desses custos, cujas atividades são relevantes para sua determinação.

3 A contabilidade e os créditos de carbono

A contabilidade vem contribuindo de forma considerável a respeito da contabilização e evidenciação dos créditos de carbono, portanto, podem-se destacar alguns itens que tratam de assuntos relacionados às informações socioambientais em que os créditos de carbono podem ser inseridos. Dentre os vários argumentos que surgiram

46


Créditos de carbono e os custos ambientais: um estudo de caso na Usina Coruripe

tanto entre pesquisadores, como também por alguns órgãos, podemos listar alguns que se seguem. O CFC (2012) trata das informações sociais e ambientais na Normas Brasileiras de Contabilidade – NBC T 15, a qual estabelece os pontos a serem evidenciados: 

Investimentos e gastos com manutenção nos processos operacionais para a melhoria do meio ambiente;

Investimentos e gastos com a preservação e/ou recuperação de ambientes degradados;

Investimentos e gastos com a educação ambiental terceirizados, autônomos e administradores da entidade;

Investimentos e gastos com educação ambiental para a comunidade;

Investimentos e gastos com outros projetos ambientais; a quantidade de processos ambientais, administrativos e judiciais movidos contra a entidade;

Valores das multas e das indenizações relativas à matéria ambiental, determinadas administrativas e/ou judicialmente;

Passivos e contingências ambientais.

para

empregados,

A norma determina que as informações de natureza social e ambiental são de responsabilidade do contabilista registrado no Conselho Federal de Contabilidade. Ribeiro (2007) mostra que o International Accouting Standards Board (IASB – Conselho de Normas Contábeis Internacionais), tem discutido a forma mais adequada para a contabilização dos direitos das emissões, dando origem ao International Financial Reporting Interpretations Commitee (IFRIC 3 - Comitê de Interpretação de Normas Internacionais de Contabilidade), o qual se tornou um complemento do International Accouting Standards (IAS 38 – Normas Contábeis Internacionais), onde este trata dos Ativos intangíveis. O documento determina que as empresas participantes possam comprar e vender permissões e então entregar ao governo a quantidade de permissões equivalentes ao volume de emissões realizadas, devendo, o governo distribuir os títulos de direitos de emissões no início do ano. Dentre os estudos feitos na área contábil foi possível identificar alguns dos conceitos mais aceitos, entre eles estão: ativo intangível, derivativos e prestação de serviços, que serão considerados a seguir.

3.1 Ativo intangível

De acordo com Ribeiro (2005) os créditos de carbono atendem a definição de ativo intangível, pois de acordo com o conceito de ativo tratado por muitos autores, dentre eles Hendriksen (1982), que apresenta três características básicas de ativo:

47


Revista Científica do IFAL, n. 4, v. 1 – jan./dez. 2012

  

Estão associados a prováveis benefícios econômicos futuros; São controlados pela entidade; São resultantes de transações ou eventos passados.

Portanto, para Ribeiro (2005), os créditos de carbono se enquadram como ativos, por representarem benefícios econômicos futuros que influenciarão no fluxo de caixa na medida em que contribuem para a adequação da empresa às metas do Protocolo de Kyoto, e tem origem em eventos ocorridos no passado, quando foram negociados. Baseando-se nesta afirmação é importante destacar o IAS 38, o qual trata do reconhecimento e mensuração de um elemento como ativo intangível, desde que atenda aos seguintes itens: a definição de um ativo intangível e aos critérios de reconhecimento. Tais critérios incluem serem prováveis de benefícios econômicos futuros e mensurados conforme os custos incorridos para aquisição desses ativos. Coelho (2008) aponta que o passivo corresponderá à obrigação de entregar os títulos representativos de direitos de emissões. Perez e Almeida (2008) classificam os créditos de carbono como ativo intangível, por estes não terem existência física, mas são reconhecidos pela ordem jurídica (Protocolo de Kyoto) por terem valor econômico para o homem, uma vez que são passíveis de negociação. Portanto, é notório o impasse existente entre contabilistas em tratar adequadamente os créditos de carbono, ressalte-se que os órgãos competentes ainda não tomaram uma posição definitiva quanto a isso, ou seja, ainda se espera uma normatização dos órgãos contábeis para com o tratamento dos créditos de carbono.

3.2 Derivativos

Farhi (2009) destaca a definição dada aos derivativos conforme Dodd e Griffith (2007), como sendo um contrato financeiro, cujo valor deriva de um ativo subjacente, preço de commodity (mercadoria), índice, taxa ou evento. Ainda, segundo o autor a característica própria desse conjunto de derivativos é negociar no presente o valor futuro de um ativo. Nesse contexto, muitos autores classificam os créditos de carbono como derivativos, pelo fato de existirem negociações dos créditos de carbono, antes mesmo da efetiva redução ou remoção dos GEEs. Como explica Ribeiro (2005), devido à agilidade do mercado financeiro, já estão acontecendo negociações de Reduções Certificadas de Emissões (RECs) antes da sua emissão, sendo assim denominadas como Reduções Esperadas (REs). Dessa forma, Teixeira (2011) afirma que o que tem levado alguns autores a considerar os créditos de carbono como derivativos, é a característica que ambos têm em comum, de serem celebrados como contrato a termo, ou seja, um contrato de

48


Créditos de carbono e os custos ambientais: um estudo de caso na Usina Coruripe

compromisso de compra em que comprador e vendedor assumem a responsabilidade de entregar os créditos e em contrapartida haver o pagamento pela aquisição dos mesmos, quando ocorrer à certificação do produto. Diante do exposto esses títulos podem se caracterizar num ambiente de incertezas, elevando o risco do contrato a termo, caso este não seja honrado por uma das partes, portanto Ribeiro (2005) argumenta que as REs e RCEs podem ser consideradas como derivativos que vão proporcionar aos agentes econômicos a proteção de riscos e oscilações de preços de RECs quando os projetos estiverem gerando as reduções de emissões previstas, levando em consideração que a autora relaciona essa situação com a definição dada por Figueiredo quanto a essa característica de proteção aos agentes econômicos dos derivativos, onde se aplica nas importações, por exemplo. Porém, a CVM (Comissão de Valores Imobiliários), órgão que regulamenta o mercado mobiliário, não considera os créditos de carbono como derivativos, portanto não são valores mobiliários, embora Teixeira (2011) relate que apesar disso, a CVM possibilita a classificação de alguns produtos da RCE como derivativo, dependendo da particularidade de cada projeto e propósitos de cada empresa. O mesmo autor continua, mencionando que de acordo com Ferreira et al, os créditos de carbono não podem ser derivativos pelo fato de não representarem grande ameaça ao sucesso da empresa ou oportunidades de grandes lucros. No entanto, Ribeiro (2005) conclui que apesar das incertezas existentes quanto aos créditos de carbono, as transações de REs e RCs enquadram-se nas definições atuais do mercado financeiro, assim sendo, merecem o mesmo tratamento contábil.

3.3 Prestação de serviços

Bufoni et al (2010) mencionam que as RCEs podem ser consideradas como serviço prestado, pois de acordo com a autora o objetivo primordial dos projetos é limpar a atmosfera e não gerar títulos, afinal uma empresa deixa de emitir para que outra continue emitindo, por isso aquela empresa presta serviço de seqüestrar os GEEs da atmosfera. De acordo com Maciel et al (2009), o BACEN, através da circular BACEN 3291/05, atribui a natureza da operação com créditos de carbono, como sendo de serviços. Os autores também mencionam Lima (2006), quando fala que, com o código 45.500 aumenta ainda mais a incidência de tributos como ISS e ICMS, por ocasião da venda de créditos de carbono.

4 Material e Métodos

O presente estudo utilizou uma abordagem descritiva e exploratória, cujo método

49


Revista Científica do IFAL, n. 4, v. 1 – jan./dez. 2012

adotado foi o estudo de caso, que segundo Triviños (1987), é uma categoria de pesquisa cujo objetivo é uma unidade que se analisa profundamente. Possui um aspecto descritivo porque o objetivo é descrever as características e os resultados obtidos; e, exploratório porque as informações produzidas pela pesquisa proposta ainda não foram produzidas cientificamente. Segundo Godoy (1995), o pesquisador que pretende desenvolver um estudo de caso deverá estar aberto as suas descobertas, adotando enfoque exploratório e descritivo. A fundamentação da pesquisa foi estruturada com base em diversas fontes bibliográficas referentes aos créditos de carbono e os custos ambientais além de outros assuntos pertinentes ao tema. O estudo de caso de caráter qualitativo foi desenvolvido na Usina Coruripe, localizada no município de Coruripe interior do Estado de Alagoas. A usina se destaca como a maior produtora de açúcar e álcool do todo o Norte/Nordeste brasileiro. Foi instalada em 1925, iniciando as suas atividades como uma pequena cooperativa de engenho. Ela também conta com mais três unidades no Estado de Minas Gerais. A coleta de dados foi realizada através das várias fontes, sejam elas de ordem documental ou bibliográficas, e que se mostraram bastante complementares. Assim, o presente estudo utilizou o método de estudo de caso específico fundamentado em pesquisa bibliográfica para buscar as explicações e as definições necessárias; e de informações documentais para obter os resultados propostos. Este estudo tem o objetivo de verificar a forma de atuação da contabilidade no tratamento das informações relacionadas com a preservação do meio ecológico, sendo os créditos de carbono mais uma alternativa para as empresas associarem questões ambientais e econômicas para o benefício tanto da sociedade como da própria entidade, o que pode ser considerado mais um desafio para o profissional contábil. Assim, interessa-se saber como a contabilidade trata a comercialização dos créditos de carbono e da sua influência como amortecedor dos custos ambientais sobre os resultados econômicos. Para elaboração do trabalho foi realizada u m a revisão bibliográfica e uma pesquisa documental sobre a Usina Coruripe, estabelecida no município de Coruripe, no Estado de Alagoas.

5 Resultados e Discussão

As boas práticas ambientais da Usina Coruripe vêm sendo desenvolvidas desde o início. O fundador adotou técnicas de preservação da área da Mata Atlântica que atualmente atingiu os oito mil hectares em suas terras. Além disso, a empresa possui um sistema de irrigação de cana de açúcar totalmente automatizado, o que reduz em quase 50% os seus custos com mão de obra, água, fertilizantes e herbicidas. Ela também implantou várias ações de educação e conscientização da preservação ambiental. Tais procedimentos foram reconhecidos pela UNESCO, que concedeu o título pioneiro no Brasil, de Posto Avançado da Reserva Biosfera da Mata Atlântica e conquistou a certificação ISO 14001

50


Créditos de carbono e os custos ambientais: um estudo de caso na Usina Coruripe

(meio ambiente). Em 2002, a usina formalizou e implantou o setor de gestão ambiental (SGA), que cuida das questões ambientais guiados através de quinze ações amplamente implantadas, que são elas: tratamento de efluentes líquidos da indústria e manutenção automotiva; programa de educação ambiental; uso da vinhaça e água de lavagem da cana na fertilização; monitoramento do rio Coruripe; cogeração de energia por meio da biomassa; repovoamento do rio Coruripe com espécies nativas da região; preservação da reserva legal; posto avançado da biosfera da Mata Atlântica – sítio Pau-Brasil; utilização da água no processo industrial em circuito fechado; gerenciamento e monitoramento dos resíduos sólidos; apoio a pesquisas científicas; aproveitamento da torta de filtro na adubação; produção de mudas com espécies nativas da Mata Atlântica; recomposição das matas ciliares e áreas degradadas; programas de desenvolvimento sustentável com as comunidades. Em maio de 2004, a Usina Coruripe registrou o seu primeiro projeto gerador de créditos de carbono na ONU, que atualmente são negociados com uma grande empresa inglesa. Ela foi umas das primeiras do mundo a possuir a certificação dos créditos de carbono e sua meta para até o final de 2012 é de gerar em torno de 200 mil toneladas em créditos de carbono. Atualmente, a Usina Coruripe vem contabilizando os seus créditos de carbono segundo a normatização apresentada pelo CFC. Sendo que na empresa, os seus créditos são contabilizados como ativo intangível enquanto estão ativados em seu estoque e aguardando a transferência para o cliente. Nesse ponto, o valor de mercado já está prontamente identificado e o risco de não vender é nulo. O período de redução das emissões para emissão de CER é de um ano e com a sua obtenção é possível a usina estimar o preço de venda do CER com base nos recursos que foram consumidos. A certificação dos créditos de carbono – CER habilita uma empresa a comercializá-lo no mercado internacional. De posse do CER, ela pode vendê-lo e entregar a qualquer outra empresa. No caso da Usina Coruripe o processo de comercialização depois de finalizado, ela contabiliza a receita auferida com base no princípio da prudência/conservadorismo. Para Barbieri e Ribeiro (2007), as receitas geradas pela venda de créditos de carbono, qualquer que seja o seu volume, são consideradas secundárias porque decorrem do melhor aproveitamento dos recursos existentes para a condução de uma atividade específica. Assim, essa receita pode ser classificada como não operacional, já que não é gerada através da atividade principal da empresa. Os recursos despendidos pela usina com o controle, preservação e restauração ambiental são amortecidos pelas receitas geradas com a comercialização dos créditos de carbono. Assim, a empresa além de cumprir as determinações legais do Protocolo de Kyoto, ela também desempenha efetivamente as práticas ambientais sustentáveis obtendo inclusive melhores resultados econômicos.

51


Revista Científica do IFAL, n. 4, v. 1 – jan./dez. 2012

Considerações Finais

São evidentes as divergências existentes com relação à forma mais adequada para contabilizar os títulos de créditos de carbono, visto que pesquisadores e profissionais da área contábil vêm se esforçando para relacionar esses títulos às diversas possibilidades como as que foram citadas durante o trabalho. Observa-se que dentro das sugestões encontradas foi possível destacar as que mais se aproximaram dos requisitos para atender as características dos créditos de carbono, sendo como Ativo Intangível, Derivativos e Prestação de Serviços. É evidente, que o CFC e a CVM, como órgãos regulamentadores ainda não tomaram uma posição definitiva quanto ao tratamento contábil para esses títulos, ou seja, ainda se espera uma normatização dos órgãos competentes para com esse assunto. A falta de padronização e o fato de que muitas empresas já estão comercializando créditos de carbono, cabe aos profissionais da contabilidade basear-se no que há disponível, como normas e pronunciamentos do IASB, tomando como exemplo a NBC T15 e o IAS 38, que tratam das informações de natureza ambiental, na qual a redução de emissão de gás carbônico, principal fonte para se conseguir RCEs, podem se enquadrar. Nota-se que neste ponto, a Usina Coruripe vem contabilizando os seus créditos de carbono e a sua respectiva comercialização de acordo com a proposta do CFC, escolhendo como parâmetro a contabilização como ativo intangível e a comercialização da receita auferida com base no princípio da prudência. As receitas obtidas com a venda desses créditos são utilizadas como instrumento de amortização dos custos ambientais gerados para atender a legislação do Protocolo de Kyoto, principalmente no que tange aos resultados econômicos esperados já que para atender tal legislação a empresa passou a desembolsar mais recursos, além de ter sido obrigada a adequar as suas plantas produtivas de acordo com as exigências do protocolo.

Referências ANTUNES, M. T. P. Capital intelectual. São Paulo: Atlas, 2000. AYUB, G. P. Os créditos de carbono e suas influências nas demonstrações contábeis. Porto Alegre. 2010. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/27223>. Acesso em: 23 jul. 2012. BARBIERI, K. S.; RIBEIRO, M. S. Mercado de créditos de carbono: aspectos comerciais e contábeis. In: CONGRESSO USP DE CONTROLADORIA E CONTABILIDADE, 7. Anais... 2007. São Paulo: Controladoria e Contabilidade em Prol do Desenvolvimento, v. 1, 2007. BRASIL, M. R. E. R. F. Protocolo de Kyoto: a convenção sobre mudanças climáticas. Ministério da Ciência e da Tecnologia. 2012. Disponível em: <http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/Protocolo_Quioto.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2012.

52


Créditos de carbono e os custos ambientais: um estudo de caso na Usina Coruripe

BUFONI, A. L.; FERREIRA, A. C. S. Um debate sobre a contabilização de reduções certificadas de emissões. CONGRESSO USP DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM CONTABILIDADE, 7. Anais... 2010. Disponível em: <http://www.congressousp.fipecafi.org/artigos102010/494.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2012. COELHO, A. R. G. et al. A comercialização e a contabilização dos créditos de carbono com base em projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo. PENSAR CONTÁBIL, v. 10, n. 41. 2008. Disponível em: <http://www.atena.org.br/revista/ojs-2.2.306/index.php/pensarcontabil/article/view/97>. Acesso em: 20 jun. 2012. CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE - CFC. Resolução nº. 1.003, de 19 de agosto de 2004. Dispõe sobre Informações de Natureza Social e Ambiental. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.ocemg.org.br/Webcoop/admin/BibliotecaDeArquivos/Image.aspx?ImgId=139 2&TabId=263>. Acesso em: 8 jun. 2012. ______. NBCT 15-Informações de Natureza Social e Ambiental. Disponível em: <http://www.cfc.org.br>. Acesso em: 17 jun. 2012. FARHI, M.; BORGHI, R. A. Z. Operações com derivativos financeiros das corporações de economias emergentes. SCIELO. Estudos Avançados, n. 23, v. 66, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v23n66/a13v2366.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2012. IFRS - International Financial Reporting Standards. IAS 38 Ativos Intangíveis 2011. Disponível em: http://www.ifrs.org/NR/rdonlyres/1412734A-2CBC-4699-8571F7E8F906DA4A/0/IAS38.pdf Acesso em: 10 de jul de 2012. MACIEL, C. V. et al. Crédito de carbono: comercialização e contabilização a partir de projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo. RIC - Revista de Informação Contábil, v. 3, n. 1. p. 89-112, jan.-mar. 2009. Disponível em: <http://www.ufpe.br/ricontabeis/index.php/contabeis/article/viewFile/180/128>. Acesso em: 8 jul 2012. MARTINS, E. Contabilidade de custos. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2010. MERCADO de Carbono na BM&F. Disponível em: <http://www2.bmf.com.br/cimConteudo/W_ArtigosPeriodicos/002.164.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2012. NAKAGAWA, M. A importância da contabilidade frente à globalização. São Paulo: Atlas, 2010. PEREZ, A.; ALMEIDA, F. Os desafios da sustentabilidade: uma ruptura urgente. São Paulo: Campus Elsevier, 2008. PROTOCOLO de Kyoto. Disponível em: <http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./carbono/index.php3&conteudo =./carbono/kyoto.html>. Acesso em: 9 jun. 2012. RIBEIRO, M. S. O tratamento contábil dos créditos de carbono. Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 2005. Biblioteca Digital: Teses e Dissertações. Disponível em:

53


Revista Científica do IFAL, n. 4, v. 1 – jan./dez. 2012

<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/livredocencia/96/tde-11082006-093115/ptbr.php>. Acesso em: 8 jul. 2012. USINA CORURIPE. Disponível em: <http://www.usinacoruripe.com.br>. Acesso em: 5 jul. 2012.

54


ESTUDO EXPERIMENTAL E NUMÉRICO DO MÓDULO DE ELASTICIDADE E COEFICIENTE DE POISSON EFETIVO DO CONCRETO Jhonnatta R. A. V. Tavares* Samantha F. Mendonça* Rodrigo M. S. Silva*

Resumo Estuda o comportamento do concreto, utilizando técnicas experimentais e simulação numérica para modelar as propriedades mecânicas desse material. Quando o concreto é avaliado em sua macroescala, pode ser entendido como um compósito homogêneo, por ser formado da combinação de uma matriz (argamassa) mais uma inclusão (agregado graúdo). Percebe se que o concreto não mais pode ser tratado como homogêneo, já que é constituído por materiais com propriedades mecânicas distintas, partindo para heterogêneo. Para entender o comportamento do concreto, realizou-se uma modelagem computacional do seu módulo de elasticidade estático através de técnicas propostas pela micromecânica de campos médios, que levam em consideração as propriedades elásticas da argamassa e do agregado e suas respectivas frações volumétricas, e, logo em seguida, poderá ser comparada com resultados obtidos experimentalmente. Alguns modelos são propostos na literatura para quantificação de propriedades mecânicas de materiais, como: Mori-Tanaka, Auto Consistente, Dilute Suspension, Esquema Diferencial, entre outros. Verifica-se que os modelos micromecânicos adotam duas fases, apesar de não considerarem a zona de transição (interface entre a argamassa e o agregado) e podem gerar bons resultados para o problema do material compósito concreto. Palavras-chave: Concreto. Módulo de Elasticidade. Micromecânica. Abstract Studying the behavior of concrete using experimental techniques and numerical simulation to model the mechanical properties this material. When the concrete is evaluated on its macroscale can be understood as a homogeneous composite, being formed by the combination of a matrix (mortar) over an inclusion (coarse aggregate). Noticed that the concrete can no longer be treated as homogeneous, since it consists of materials with different mechanical properties, leaving for heterogeneous. To understand the behavior of concrete held a computational modeling their static elasticity modulus by micromechanical techniques proposed by the mean fields, which take into account the elastic properties of mortar and aggregate, and their respective volume fractions, and soon can then be compared with results obtained experimentally. Some models are proposed in the literature for the measurement of mechanical properties of materials such as: Tanaka, Mori, Self Consistent, Dilute Suspension, differential scheme, among others. It appears that the micromechanical models adopt two phases, though not consider the transition zone (the interface between the aggregate and mortar) and can produce good results for the problem of composite concrete. Keywords: Concrete. Modulus of Elasticity. Micromechanics.

*IFAL - Campus Palmeira dos Índios - <http://www.ifal.edu.br>


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Introdução

Dado um corpo admitido homogêneo e contínuo em sua macroestrutura, quando reduzido a uma escala suficientemente pequena, não se comporta como material homogêneo, e sim heterogêneo, além de apresentar descontinuidades. Uma simplificação adotada usualmente em macroescalas pode ser admitida, quando se estuda a microescala de materiais, que é a homogeneidade e a continuidade na escala de estudo. Figura 1- EVR - Elemento de volume representativo

Fonte: Cavalcante, 2008

O EVR (Figura 1) ilustra a transformação de um elemento em sua macroescala, admitido homogêneo em suas propriedades mecânicas, para um elemento em sua microescala, onde se podem observar claramente os elementos constituintes desse EVR: fissuras, inclusões, fronteira etc. Quando se estuda micromecânica de campos médios, definem-se os elementos que constituem o EVR, como fases (inclusões), e o material que circunda as fases de matriz. Dessa forma, um compósito, em seu elemento de volume representativo, pode ser caracterizado por uma matriz e diversas fases. Um volume é considerado representativo, quando, ao diminuir a sua escala, tenha-se a heterogeneidade representada pelas suas fases bem caracterizadas. Para entender as definições da micromecânica, pode-se admitir que o volume representativo seja a soma do volume da matriz com o somatório do volume de todas as parcelas de inclusões, podendo ser vazios, materiais, fissuras etc. (Christensen and Lo 1979). A Equação (1), a seguir, representa esse método.

56


Estudo experimental e numérico do módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson efetivo do concreto

(1)

Onde: é o volume da matriz, é o volume das inclusões e o volume total do elemento representativo.

Ao tomar-se a razão entre o volume da matriz e o volume total, bem como o volume das inclusões e o volume total, têm-se as frações volumétricas a seguir, considerando as Equações (2) e (3), respectivamente. (2)

(3)

As frações volumétricas são extremamente importantes nesse tipo de análise. A mais simplificada propõe uma média ponderada em função das frações, das propriedades para análise global, também conhecida como regra da mistura. Com o passar do tempo, diversos métodos foram desenvolvidos para a resolução do problema micromecânico, destacando-se o Método da Inclusão Equivalente, desenvolvido por (J.D. Esheby) em seu trabalho "The determination of the elastic Field of an ellipsoidal inclusion and related problems", em 1954, uma das grandes contribuições para o desenvolvimento da micromecânica de meios efetivos. A partir do método proposto por Eshelby, outros métodos foram desenvolvidos, destacando-se: Auto Consistente (Benveniste 1987), Mori-Tanaka (Hashin 1988), Esquema Diferencial (Walpole 1987), entre outros. Neste trabalho, propõe- se utilizar os diversos métodos para análise micromecânica de concreto. Conhecendo as características mecânicas das fases e da matriz, e suas respectivas frações volumétricas, pode-se obter o valor da propriedade mecânica global do material. Aplicando tal definição ao problema do estudo tecnológico do concreto, nos quais ensaios são repetidos para vários corpos de prova em diversas idades, torna-se a rotina desgastante e onerosa. Para contornar tal dificuldade, podem-se calibrar os métodos numéricos com

57


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

alguns ensaios e, posteriormente, substituí-los, uma vez conhecidos as propriedades dos constituintes e o traço empregado na confecção do concreto.

Metodologia A metodologia empregada neste trabalho consiste em duas etapas distintas: estudo experimental e comparação com modelos numéricos da micromecânica de campos médios. 1 Metodologia Experimental Os estudos foram realizados em um laboratório especializado, que oferece equipamentos e aparelhagem necessários à pesquisa. Foram executados, a partir desse suporte, ensaios de caracterização dos materiais empregados no traço, bem como a definição das frações volumétricas da matriz e das inclusões, moldagem dos corpos de prova, adensamento, ensaios mecânicos, entre outros. É importante salientar que os ensaios de caracterização foram feitos de modo a fornecer subsídios para que se pudesse determinar a dosagem do concreto estudado através do método do ACI.

1.1 Cimento Portland Para confecção do concreto, foi utilizado cimento Portland CP II Z 32 RS. De acordo com a NBR NM 23 (2001), esse material apresenta uma massa específica de 3,15g/cm³.

1.2 Agregados Os agregados utilizados foram caracterizados de acordo com as indicações das normas vigentes. A areia lavada foi usada como agregado miúdo, sendo caracterizada como fina, pela sua granulometria, de acordo com a NBR 7211 (2009). O gráfico 1 apresenta a curva granulométrica desse agregado, obtida através do ensaio de granulometria, cuja execução foi realizada seguindo a NBR NM 248 (2003).

58


Estudo experimental e numérico do módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson efetivo do concreto

Gráfico 1 - Curva granulométrica da areia.

Diante da composição granulométrica, foram realizados ensaios, para a determinação de parâmetros físicos relevantes da areia. A Tabela 1 apresenta os resultados encontrados.

Tabela 1 - Parâmetros físicos da areia DETERMINAÇÕES

MÉTODO DE ENSAIO

RESULTADOS

Módulo de finura

NBR 7211

2,77

Diâmetro máximo (mm)

NBR 7211

2,36

Massa específica (g/cm³)

NBR NM 52

2,55

Massa aparente (g/cm³)

NBR NM 52

1,31

Umidade (%)

S2-53

3,42

Utilizou-se como agregado graúdo a brita granítica, granulometricamente conhecida como brita zero. Sua escolha deu-se basicamente devido à sua disponibilidade e facilidade de manuseio, além da capacidade de proporcionar menos vazios ao concreto, aumentando, portanto, sua resistência à compressão. A curva granulométrica do agregado graúdo, assim como seus parâmetros físicos, estão apresentados no Gráfico 2 e na Tabela 2, respectivamente: Gráfico 2 - Curva granulométrica da brita.

59


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Tabela 2 - Parâmetros físicos da brita DETERMINAÇÕES

MÉTODO DE ENSAIO

RESULTADOS

Diâmetro máximo (mm)

NBR 7211

9,52

Massa específica (g/cm³)

NBR NM 53

2,66

Massa aparente (g/cm³)

NBR NM 53

1,54

1.2.1 Determinação da composição do concreto e argamassa de referência Conforme já mencionado, a determinação do traço experimental teve como base o modelo americano de dosagem, concedido pelo método do ACI (American Concrete Institute). O traço experimental (1: 1,1: 0,86), em peso seco, com fator água/cimento de 0,3, foi efetuado para uma resistência à compressão prevista aos 7 e 28 dias respectivamente, de 35 e 45 MPa. Nesse traço, têm-se 1,96 kg de agregados/kg de cimento, 56,12% de agregado miúdo/agregados. Devido à necessidade de realizar um estudo comparativo, utilizou-se, para a argamassa, o mesmo traço do concreto, uma vez que tal análise fornece-nos informações necessárias ao estudo da micromecânica.

1.2.2 Moldagem dos corpos de prova de concreto e argamassa A moldagem dos corpos de prova de concreto e argamassa foi realizada de acordo com a norma NBR 5738 (2003) e com a norma NBR 13276 (2005), respectivamente. Foram moldados 30 corpos de prova de concreto, utilizando moldes de 15x30cm (diâmetro x altura), e 30 corpos de prova de argamassa, utilizando moldes de 5x10cm (diâmetro x altura). Uma propriedade importante do concreto em seu estado fresco é a determinação da consistência por meio do slump test. Esse ensaio torna-se imprescindível, já que a consistência é um dos principais fatores que influenciam na trabalhabilidade do concreto. Diante das especificações da norma NBR NM 67 (1998), o concreto utilizado é considerado como de consistência firme. A realização da cura do concreto e da argamassa é fundamental, já que garante a obtenção de resistência mecânica para ambos os compostos. Esse processo foi executado de acordo com a NBR 9479 (2006).

1.2.3 Ensaio de resistência à compressão Esse ensaio foi realizado de acordo com os procedimentos da NBR 5739 (2007). Para sua realização, bem como a do módulo de elasticidade, utilizou-se uma prensa

60


Estudo experimental e numérico do módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson efetivo do concreto

hidráulica, com capacidade de carga de 2000 KN. As idades de cura adotadas foram de 7,14 e 28 dias. A ruptura da argamassa foi realizada a partir da mesma metodologia do concreto. Figura 2 - Curva granulométrica da brita

1.2.4 Determinação do módulo de elasticidade estático Os ensaios para determinação do módulo de elasticidade foram realizados conforme a NBR 8522 (2008). Foi utilizada a mesma metodologia para determinação do módulo da argamassa. 1.2.5 Determinação das frações volumétricas Para determinação das frações volumétricas da matriz e das inclusões, usou-se o traço em volume (0,32: 0,43: 0,32), encontrado a partir do traço em massa (1: 1,1: 0,86), dividido pela massa específica correspondente a cada constituinte do concreto. Então, considerando a Equação 3, temos uma fração volumétrica da inclusão equivalente a 0,3 ou 30% do volume total.

2

Metodologia Numérica

Modelos numéricos para caracterização das propriedades globais de materiais compósitos a partir de técnicas de micromecânica são amplamente estudados, principalmente nas últimas décadas. A maioria dos modelos numéricos utilizados é baseada no modelo da inclusão equivalente de Eshelby, tratando de uma inclusão elipsoidal imersa em um meio infinito. Os modelos que se baseiam no modelo de Eshelby diferem entre si, pela forma

61


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

como tratam as interações entre as inclusões. No caso do estudo micromecânico de concreto, um problema é constatado: a zona de transição (interface entre o agregado e a pasta), já que tem influência direta na propriedade global do material. Diversos trabalhos propõem o estudo do concreto levando em consideração a zona de transição, com modelos de três fases, e outros modelos, como o proposto por Monteiro (2002). Os modelos citados abaixo tratam apenas de duas fases, uma matriz e uma inclusão. Sendo assim, para o tratamento numérico deste trabalho, utiliza-se a argamassa como a matriz, e o agregado graúdo como sendo as inclusões.

2.1 Modelo Auto Consistente Elaborado por Hill (1965), esse método permite a obtenção da matriz constitutiva global a partir das matrizes constitutivas da inclusão e da matriz. A Equação 4 mostra o cálculo para determiná-lo: (4)

Sendo Ca a matriz constitutiva da "inclusão", C, a matriz constitutiva da "matriz", fa, a fração volumétrica da inclusão. Na equação de recorrência do método Auto Consistente, tem-se ainda o tensor de Eshelby (S), que pode variar com a geometria das inclusões, podendo ser esférica, cilíndrica ou disco, e a matriz identidade I.

2.1.2 Modelo de Mori-Tanaka Modelo baseado no lema de Mori-Tanaka (1978) que tem a Equação 5 de recorrência. (5)

2.1.3 Modelo Esquema Diferencial

Proposto por Hashin (1988), esse modelo adiciona a fração volumétrica de forma incremental até o valor de estudo e tem a Equação 6 de recorrência: (6) onde

, pode ser determinado pela Equação 7: (7)

62


Estudo experimental e numérico do módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson efetivo do concreto

para uma estratégia inicial, faz-se a Equação 8: (8)

2.1.4 Modelo Dilute Suspension No modelo Dilute Suspension, admite-se que não existe interação entre as inclusões, considerando que uma matriz infinita envolva uma única inclusão, e tem a Equação 9 de recorrência. (9)

Análise dos Resultados

Os gráficos 3 e 4 ilustram os corpos de prova, bem como as idades dos ensaios mecânicos e os valores encontrados experimentalmente.

Gráfico 3 - Resultados dos ensaios mecânicos de concreto

Gráfico 4 - Resultados dos ensaios mecânicos de argamassa

63


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

De posse dos resultados experimentais, monta-se uma tabela, com as respectivas propriedades mecânicas das fases e matriz, considerando a média aritmética e valores encontrados na literatura, conforme Tabela 3.

Tabela 3 - Análise dos resultados experimentais para aplicação micromecânica

Tempo

Matriz

Inclusão

Compósito

Argamassa

Agregado Graúdo

Concreto

Coeficiente de Poisson1

Módulo de Elasticidade

Coeficiente de Poisson2

Módulo de Elasticidade3

Coeficiente de Poisson4

Módulo de Elasticidade

7 Dias

0,11

25,86 GPa

0,28

45,20 GPa

0,2

27,16 GPa

14 Dias

0,11

30,75 GPa

0,28

45,20 GPa

0,2

28,30 GPa

28 Dias

0,11

30,91 GPa

0,28

45,20 GPa

0,2

29,19 GPa

O gráfico 5 ilustra o estudo numérico feito com os valores referentes à Tabela 3, para o módulo de elasticidade.

1

Valor médio adotado por Ottosen (1984) Fonte: Magalhães (2006) 3 Fonte: Gonçalves (1996) 4 Valor médio adotado pela NBR 6118 (2007) 2

64


Estudo experimental e numérico do módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson efetivo do concreto

Gráfico 5 - Módulo de Elasticidade para 7 dias, variando a fração volumétrica da inclusão (zoom na fração de 30%).

Na composição dos corpos de prova, utilizou-se uma fração volumétrica de 30% de inclusão (agregado graúdo). Em todos os gráficos, poderá ser observado esse valor como referência. A análise micromecânica para o coeficiente de Poisson pode ser observada o gráfico 6, adotando a mesma idade anteriormente utilizada.

Gráfico 6 - Coeficiente de Poisson para 7 dias, variando a fração volumétrica da inclusão.

65


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012 Gráfico 7 - Módulo de Elasticidade para 14 dias, variando a fração volumétrica da inclusão (zoom na fração de 30%).

Gráfico 8 - Coeficiente de Poisson para 14 dias, variando a fração volumétrica da inclusão.

Gráfico 9 - Módulo de Elasticidade para 28 dias, variando a fração volumétrica da inclusão (zoom na fração de 30%).

Os resultados obtidos para coeficiente de Poisson nessa data estão aqui mostrados:

66


Estudo experimental e numérico do módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson efetivo do concreto

Gráfico 10 - Coeficiente de Poisson para 28 dias, variando a fração volumétrica da inclusão

Na análise numérica, apesar de utilizar-se, para efeito de comparação, apenas a fração volumétrica de inclusão de 30%, faz-se necessário, pelo algoritmo do modelo Esquema Diferencial, o incremento de um , mostrado na Equação 6 de recorrência. Optou-se, para uma melhor visualização do comportamento das propriedades mecânicas do concreto, variar a fração volumétrica com intervalo de 0% a 100%. Os gráficos 11 e 12 apresentam a comparação do módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson do concreto obtidos experimentalmente e na literatura, bem como os encontrados a partir dos modelos numéricos propostos pela micromecânica, considerando uma fração volumétrica de 30% de inclusão, para as idades de 7, 14 e 28 dias. Gráfico 11 - Comparação entre modelos numéricos e análise experimental do módulo de elasticidade aos 7, 14 e 28 dias

67


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012 Gráfico 12 - Comparação entre modelos numéricos e coeficiente de Poisson aos 7, 14 e 28 dias

Inicialmente, verificou-se que quando se adotam duas fases para o concreto, imputou-se ao mesmo um erro, que é não levar em conta a zona de transição (interface entre a argamassa e o agregado). No entanto, essa influência não foi notada no presente estudo. Para os referidos valores, os resultados foram satisfatórios, porém, ainda não é possível assegurar a confiabilidade dos modelos micromecânicos, uma vez que o estudo foi baseado em resultados experimentais oriundos de uma única dosagem e usando apenas um tipo de agregado graúdo (não houve variação no diâmetro máximo). Sendo assim, é necessário calibrar mais os experimentos, variando o traço e a fração volumétrica da inclusão.

Conclusões

Este trabalho mostrou claramente que alguns modelos micromecânicos que adotam duas fases, apesar de não considerarem a interface, geram bons resultados para o problema do material compósito concreto. É fato que se trata de um trabalho inicial, de modo que os resultados obtidos, principalmente como análise laboratorial, podem e devem ser melhorados para que respaldem a análise numérica. Nessas circunstâncias, é importante salientar o grau de dificuldade empregado nas análises numéricas e principalmente nos experimentos laboratoriais, considerando que a pesquisa foi realizada por alunos do Ensino Técnico Integrado. Assim, novos experimentos serão realizados para ratificar os resultados obtidos, com mais amostras e mais traços. Caso se comprove que os modelos sejam discrepantes, passarão a ser estudados modelos de 3 ou 4 fases para tratar o concreto.

68


Estudo experimental e numérico do módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson efetivo do concreto

Agradecimentos

Os autores deste trabalho agradecem ao fomento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica (PIBICT) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), bem como ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas - Campus Palmeira dos Índios (IFAL/PIn), pelo imenso apoio. Também queremos agradecer aos professores colaboradores, Dr. João Gilberto Teixeira Silva, MSc. Sheyla Karolina Justino Marques e MSc. Vinicius Dantas, cuja contribuição foi essencial para a realização do estudo.

Referências

ABNT. NBR 10341: Agregado graúdo para concreto - Determinação do módulo de deformação estático e do diagrama tensão-deformação em rocha matriz - Método de ensaio. Rio de Janeiro, 2006. ______. NBR 13276: Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos Preparo da mistura e determinação do índice de consistência. Rio de Janeiro, 2005. ______. NBR 5738: Concreto - Procedimento para moldagem e cura de corpos-de-prova. Rio de Janeiro, 2003. ______. NBR 5739: Concreto - Ensaios de compressão de corpos-de-prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2007. ______. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro, 2007. ______. NBR 7211: Agregados para concreto - Especificação. Rio de Janeiro, 2009. ______. NBR 8522: Concreto - Determinação do módulo estático de elasticidade à compressão. Rio de Janeiro, 2008. ______. NBR 9479: Argamassa e concreto - Câmaras úmidas e tanques para cura de corpos-de-prova. Rio de Janeiro, 2006. ______. NBR NM 23: Cimento portland e outros materiais em pó – Determinação da massa específica. Rio de Janeiro, 2001. ______. NBR NM 248: Agregados - Determinação da composição granulométrica. Rio de Janeiro, 2003. ______. NBR NM 52: Agregado miúdo - Determinação da massa específica e massa específica aparente. Rio de Janeiro, 2009. ______. NBR NM 53: Agregado graúdo - Determinação da massa específica, massa específica aparente e absorção de água. Rio de Janeiro, 2009.

69


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

______. NBR NM 67: Concreto - Determinação da consistência pelo abatimento do tronco de cone. Rio de Janeiro, 1998. BENVENISTE, Y. A new approach to the application of Mori-Tanaka’s theory in composite materials. Mechanics of Materials, v. 6, Issue 2, June 1987, pages 147–157. CAVALCANTE, R. D. B. Avaliação de propriedades elásticas efetivas de rochas com cavidades secas ou saturadas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em, Engenharia Civil)-Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2008. CHRISTENSEN, R. M. Solutions for Effective Shear Properties in Three Phase Sphere and Cylinder Models. Journal of the Mechanics and Physics of Solids, v. 27, Issue 4, August 1979, Pages 315–330. GONÇALVES, José Roberto Albuquerque. Caracterização dos agregados graúdos da cidade do Rio de Janeiro e sua utilização nos concretos de alta resistência. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil)-Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ), 1996. HASHIN, Zvi. The differential scheme and its application to cracked materials. Journal of the Mechanics and Physics of Solids, v. 36, Issue 6, 1988, pages 719–734, 1988. MAGALHÃES, A. G et al. A influência de agregados graúdos de diferentes mineralogias nas propriedades mecânicas do concreto de alto desempenho. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 17. Foz do Iguaçu, PR, Brasil, 2006. MONTEIRO, P.J. AND HASHIN, Z. An inverse method to determine the elastic properties of the interphase between the aggregate and the cement past. Journal Cement and Concret Research, v. 32, pp.1291-1300, 2002. OTTOSEN, N. S. Evaluation of concrete cylinder tests using finite elements. ASCE Journal of Engineering Mechanics, v. 110, n. EM-3, March, pp. 465-481, 1984. WALPOLE, L.J. On the overall elastic moduli of composite materials. Journal of the Mechanics and Physics of Solids, v. 17, Issue 4, September, 1969, pages 235-251. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0022509669900143>.

70


O FENÔMENO EL NIÑO E AS SECAS NO NORDESTE DO BRASIL

José de Araújo Costa *

Resumo O fenômeno climático El Niño é conhecido desde os tempos coloniais e atualmente é bastante estudado por diversos cientistas ao redor do mundo, sendo sua gênese e efeitos bastante conhecidos. Os estudos referentes a tal fenômeno se baseiam em análise da temperatura da água do Oceano Pacífico tropical e das interações existentes com a atmosfera. Indicam que o aquecimento desigual das águas do Pacífico resulta em aumento de temperatura das águas e consequente modificação na pressão atmosférica, com desvios das correntes áreas em várias direções, sobretudo, sobre a Amazônia brasileira e sobre o Nordeste. Os efeitos do El Niño nos anos de maior intensidade da temperatura do Pacífico alteram a circulação das águas do Oceano Atlântico, interferindo nos índices pluviométricos e nas temperaturas de muitas regiões do planeta. Um dos efeitos mais conhecidos é o prolongamento das secas na região semiárida do Brasil. Essa porção do território nordestino concentra uma população bastante numerosa que fica à mercê das influencias negativas do El Niño. A gênese do fenômeno pode ser mensurada e até prevista, porém, no caso do semiárido nordestino, a atenuação ou mesmo convivência com seus efeitos, está subordinada às interferências políticas de alguns grupos que comandam a região e não querem ver o problema da seca e seus efeitos serem solucionados. Palavras chave: El Niño. Seca. Semiárido. Abstract The El Niño weather phenomenon is known since colonial times and is widely studied by many scientists around the world, with its genesis and effects well known. The studies on this phenomenon are based on analysis of water temperature in the tropical Pacific Ocean and the existing interactions with the atmosphere. Indicate the uneven heating of Pacific waters result in increased water temperature and consequent change in atmospheric pressure, with deviations of current areas in various directions, especially on the Brazilian Amazon and the Northeast. The effects of El Niño in the years of greatest intensity of the temperature of the Pacific alter the circulation of the Atlantic Ocean, interfering in rainfall and temperatures in many regions of the planet. One of the most known is the prolonged drought in the semiarid region of Brazil. This portion of the northeastern territory concentrates a large enough population that is at the mercy of the negative influences of El Niño. The genesis of the phenomenon can be measured and even expected, however, in the case of semi-arid northeast, attenuation or even living with their effect, is subject to political interference from some groups that control the region and do not want to see the problem of drought and its effects are resolved. Keywords: El Niño. Dry. Semiarid.

* Professor de Geografia do IFAL – Campus Piranhas


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Introdução Vivemos num novo mundo onde a informação e o conhecimento parecem ser a chave ou solução de muitos de nossos problemas. Contudo, mesmo neste mundo cientificotecnológico-informacional de que tão bem fala Milton Santos, velhos e novos problemas coexistem. Um deles é a secular seca no Nordeste do Brasil com o viés político/eleitoreiro/oportunista que ainda persiste. Ela ainda faz parte do imaginário popular da Região, sendo permanentemente alimentada por pessoas interessadas na sua manutenção, como mecanismo de dominação e alienação. Neste trabalho, buscou-se, de forma simples, identificar o fenômeno climático conhecido como El Niño que interfere no período de secas no Nordeste e o acentua, sua gênese, suas consequências e a inércia consciente dos gestores públicos e privados que deveriam lidar com a questão e empenhar-se por solucioná-la ou, pelo menos, minimizá-la. Assim, analisa-se o que é de fato o El Niño, sua área de atuação, classificação, ocorrências no Século XX, suas possíveis causas e suas consequências. Consideram-se rapidamente as secas no Nordeste brasileiro, sua tipologia e condições do quadro físico que explicam a existência do semiárido e sua ocupação. Procura-se relacionar os dois fenômenos e entender suas inter-relações com repercussões na sociedade.

1 O que é o El Nino?

Os termos El Niño e La Niña provêm do espanhol e referem-se à presença de águas quentes ou frias, respectivamente, que, todos os anos, aparecem na costa norte do Equador e Peru na época de Natal. Os pescadores desses países chamaram a esta presença de águas mais quentes de Corriente de El Niño em referência ao Niño Jesus ou Menino Jesus. Conforme Aragão (2000), as anomalias do sistema climático conhecido como El Niño e La Niña representam uma alteração do sistema oceano-atmosfera no Pacífico tropical e equatorial, tendo como consequência alterações no tempo e no clima em todo o Planeta. Essa definição considera não somente a presença das águas quentes da Corriente de El Niño, mas também as mudanças na atmosfera à superfície do oceano, com o enfraquecimento dos ventos alísios (que sopram de leste para oeste) na região equatorial. Segundo a FUNCEME (2009), com esse aquecimento do oceano e com o enfraquecimento dos ventos, observam-se mudanças na circulação atmosférica nos níveis baixos e altos, determinando alterações nos padrões de transporte de umidade e, portanto, variações na distribuição das chuvas em regiões tropicais e de latitudes médias e altas. Em algumas regiões do globo também se observa aumento ou queda de temperatura. Tecnicamente, o ENOS, ou El Niño Oscilação Sul, representa, de forma genérica, um fenômeno de interação atmosfera-oceano, relacionando alterações dos padrões normais da Temperatura da Superfície do Mar (ATSM) e dos ventos alísios na região do Pacífico Equatorial, entre a Costa Peruana e Pacifico Oeste, próximo à Austrália. Além de índices baseados nos valores da temperatura da superfície do mar no Oceano Pacífico equatorial, o fenômeno ENOS pode ser também quantificado pelo Índice de Oscilação Sul

72


O fenômeno El Niño e as secas no nordeste do Brasil

(IOS) que representa a diferença de pressão ao nível do mar entre o Pacifico Central (Taiti) e o Pacifico Oeste (Darwin/Austrália). Esse índice está relacionado com as mudanças na circulação atmosférica nos níveis baixos da atmosfera, consequência do aquecimento ou resfriamento das águas superficiais na região. Valores negativos ou positivos do IOS apontam para a ocorrência de La Niña e de El Niño, respectivamente.

1.1

Funcionamento do El Niño e área de abrangência

Os eventos de El Niño e La Niña têm uma tendência a alternar-se a cada 3,2 anos. Porém, de um evento ao seguinte, o intervalo pode variar de 1 a 10 anos. A intensidade dos eventos varia bastante de caso a caso. O El Niño mais intenso, segundo as medições da ATSM, ocorreu em 1982-83 e em 1997-98. Algumas vezes, os eventos El Niño e La Niña são intercalados por condições normais. Para entender melhor o funcionamento do El Niño, devemos considerar o Pacífico e os ventos alísios atuantes ao modo de uma grande piscina. Segundo OLIVEIRA (2001), seriam as seguintes fases ou condições: 1) 2) 3) 4) 5)

imagine-se uma piscina num dia ensolarado; coloque-se numa de suas bordas um grande ventilador da largura da piscina; ligue-se o ventilador; observe-se a turbulência que o vento irá gerar na água da piscina; perceber-se-á, com o passar do tempo, um represamento da água no lado da piscina oposto ao ventilador e até um desnível, ou seja, o nível da água próximo ao ventilador será menor que do lado oposto a ele, e isso ocorre porquanto o vento está "empurrando" as águas quentes superficiais para o outro lado e expondo as águas mais frias das partes mais profundas da piscina.

É exatamente o que ocorre no Oceano Pacífico, sem a presença do El Niño, ou seja, é esse o padrão normal de circulação que é observado. O ventilador faz o papel dos ventos alísios, e a piscina, é claro, do Oceano Pacífico Equatorial; as águas mais quentes ficam a Oeste, isto é, junto à costa oeste da América do Sul; as águas do Pacífico são um pouco mais frias. Com isso, no Pacífico Oeste, onde as águas são mais quentes, há mais evaporação. Daí o ar ascendente e a formação de nuvens numa grande área. Para que haja a formação de nuvens o ar teve que subir. Dá-se o contrário nas regiões com o ar vindo dos altos níveis da troposfera (região da atmosfera entre a superfície e cerca de 15 km de altura). De fato, os movimentos do ar atmosféricos se compensam, de modo que se ele sobe numa determinada região, deverá descer em outra. Se, em baixos níveis da atmosfera (próximo à superfície), os ventos são de oeste para leste, ao contrário, os ventos são de leste para oeste. Assim, o ar que sobe no Pacífico Equatorial Central e Oeste e desce no Pacífico Leste (em altos níveis da atmosfera), juntamente com os ventos alísios em baixos níveis, forma o que os Meteorologistas chamam de célula de Circulação de Walker. A figura 1 mostra o padrão de circulação em todo o Pacífico Equatorial em anos normais, ou seja, sem a presença do fenômeno El Niño. Já a figura 2 mostra a atuação do El Niño e as mudanças na circulação atmosférica. Outro ponto importante é que os ventos alísios, junto à costa da América do Sul, favorecem um mecanismo chamado pelos

73


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

oceanógrafos de Ressurgência – o afloramento de águas mais profundas do oceano. Essas águas mais frias têm mais oxigênio dissolvido e vêm carregadas de nutrientes e microorganismos, pelo que servem de alimento para os peixes da região. Não é por acaso que a costa oeste da América do Sul é uma das regiões mais piscosas do mundo. Forma-se, então, uma cadeia alimentar, pois os pássaros, que vivem na região, alimentam-se dos peixes que, por sua vez, alimentam-se dos micro-organismos e nutrientes disponíveis.

Figura 1 - O oceano Pacífico em condições normais- Entenda o fenômeno

Sem El Niño, os ventos alísios correm em direção à Austrália, onde se formam nuvens de chuva. A movimentação de ar faz com que a água superficial do Pacífico se acumule sobre a costa australiana, esvaziando a costa peruana. A água do fundo sobe à tona trazendo plâncton, atraindo os peixes para comer. Fonte: INMET, 2006 Figura 2 – O Oceano Pacífico em condições de El Niño

74


O fenômeno El Niño e as secas no nordeste do Brasil

O El Niño inverte a circulação dos ventos alísios, fazendo com que a água da costa peruana esquente, ficando acumulada. O calor e o acúmulo de água impedem que o plâncton do fundo do oceano chegue à superfície. Os peixes passam fome, não se reproduzem , e a pesca fica escassa. O ar úmido sobe longe da costa da Austrália e a chuva cai apenas no oceano, causando secas e queimadas no continente. Infográficos: Felipe Santos Fonte: INMET, 2006

1.2

Classificação do El Niño

Para classificação dos eventos do El Niño são utilizados, basicamente, de acordo com Aragão (2002), os critérios: aumento da temperatura das águas subsuperficiais do oceano e área de abrangência (em km). Esses dados são obtidos por meio direto através de boias fixas e móveis. Assim, tem-se a seguinte tipologia: Muito Fraco, Fraco, Moderado e Forte:

Quadro 1 - Fenômeno El Niño: intensidade, área de incidência, duração e período de ocorrência Tipo Muito fraco

Fraco

ATSM (ºÇ)

Área (Km2)

Duração(meses)

< 1

2.500

<6

1e2

2550 e 5.000

6 – 12

Ocorrência (ano)

1946, 1948 1917, 1922,1923, 1943,1951, 1963, 1969, 1976, 1979,1986, 1992

Moderado

2e3

Forte

3

5.000 e 7.500 7.500

12 – 15 > 15

1914, 1929, 1939, 1953, 1965, 1972, 1987, 1991 1918, 1925, 1957, 1982, 1997

Fonte: ARAGÃO (2002)

1.3

Eventos de El Niño no século XX

Conforme Aragão (2002), de acordo com a intensidade do fenômeno, os eventos El Niño, ocorridos entre 1914 e 2001, totalizaram 26. Segundo Patrocínio (2008), os eventos mais expressivos de El Niño coincidem com as secas mais prolongadas no Nordeste brasileiro. Eles demarcam ciclos que alteram as condições de tempo e clima e modificam negativamente as precipitações na Região, notadamente no polígono das secas. Os dados coletados e analisados referentes à atuação dos eventos El Niño e La Ninã configuram o que Ferreira & Melo (2005) chamam de “interações determinadas” nas modificações climáticas, a partir das influências oceânicas do Pacífico sobre as regiões

75


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

equatoriais e tropicais, sobretudo em certas áreas, como o litoral setentrional brasileiro.

1.4

As possíveis origens do fenômeno

Não se sabe ao certo a razão do aquecimento anômalo do Oceano Pacífico. Existem várias teorias tentando explicar o fenômeno, embora até o presente nenhuma seja satisfatória. A teoria mais aceita é conhecida de oscilador-retardado (ou, em inglês, “delayed oscillator”), de formulação bastante complexa, que incorpora o oceano com a atmosfera e ao tamanho da bacia do Pacífico, que é muito extensa. Outras teorias sobre as possíveis origens do fenômeno são:  A dos oceanógrafos: o fenômeno seria resultante do acúmulo de águas quentes na porção oeste desse oceano, devido a uma intensificação prolongada dos ventos de leste nos meses que antecedem o El Niño, o que faz com que o nível do mar se eleve ali em alguns centímetros. Com o enfraquecimento dos alíseos de sudeste, a água desliza para leste bloqueando o caminho das águas frias provenientes do Sul;  A dos vulcanólogos: o fenômeno do El Niño seria decorrência de erupções vulcânicas submarinas e/ou continentais. Coincidentemente, os eventos de aquecimento oceânico, ocorridos em 1982, 1985 e 1991, estiveram relacionados a erupções no México (El Chichón), na Colômbia (El Nevado del Ruiz) e nas Filipinas (Pinatubo), respectivamente. A influência das erupções vulcânicas continentais sobre o El Niño estaria ligada, sobretudo, às cinzas vulcânicas injetadas na Troposfera, o que geraria alteração do balanço de radiação na superfície e perturbaria a circulação atmosférica. Essas teorias, além de outras, revelam o estágio de elevada especulação dos conhecimentos relativos ao El Niño. Pode-se mesmo supor que o fenômeno seja produto desse conjunto de fatores inter-relacionados.

1.5 As principais consequências do El Niño

Os efeitos mais notáveis registrados durante as ocorrências do fenômeno atingem as mais diversas porções do planeta; alguns dos quais estão relacionados a seguir.  Alteração da vida marinha na costa oeste dos EUA e do Canadá e no litoral do Peru;  o aumento de chuvas no sul da América do Sul e sudeste dos EUA;  secas no Nordeste brasileiro, centro da África, Sudeste Asiático e América Central e tempestades tropicais no centro do Pacífico.

76


O fenômeno El Niño e as secas no nordeste do Brasil

2

Uso e ocupação do semiárido no Nordeste do Brasil

Segundo Cirilo et al (2007, p. 33), a Região Nordeste do Brasil ocupa a posição norte-oriental do país, entre 1° e 18°30' de latitude Sul e 34°30' e 40°20' de longitude Oeste de Greenwich. Sua área, que é de 1.219.000 km2, equivale a aproximadamente um quinto da superfície total do Brasil, abrangendo nove Estados: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Para Andrade (1985), os fatores físicos – solos, relevo, clima estrutura geologia e hidrologia mais o meio biológico – vegetação e fauna, sobressaem-se, ao se analisar o Nordeste do Brasil, além da organização dada ao espaço pelo homem. Assim, segundo o autor citado: “Esses fatores se influenciam mutuamente e do entrelaçamento de uns e de outros é que resultam as paisagens naturais e culturais“. Ainda segundo Andrade (1994), a porção semiárida compreende uma área aproximada de 936.993 km2e atinge na média mais de 50% da área total; essa porção conta com históricos de secas desde o século XVI, atingindo a sobrevivência de boa parte dos moradores da região. Em muitos casos, a migração foi a única alternativa dessa população castigada com a seca. Essa porção semiárida apresenta grande heterogeneidade no tocante à ocupação demográfica e econômica, dependendo das condições do quadro físico e da disponibilidade de investimentos de capital. Assim, há no semiárido nordestino centros regionais como Garanhuns, em Pernambuco; Campina Grande, na Paraíba; Mossoró, no Rio Grande do Norte e Feira de Santana, na Bahia, só para citar alguns, que funcionam como verdadeiras metrópoles interioranas, dinamizando a economia. A população nordestina residente no semiárido atinge um total de aproximadamente 20 milhões de pessoas, configurando uma ocupação bastante elevada entre as regiões semiáridas do mundo.

2.1

As condições do quadro físico

As condições climáticas e do quadro físico no Nordeste do Brasil são muito importantes para entender os efeitos do El Niño. A seguir, descrevemos os três principais sistemas meteorológicos que atuam na região Nordeste do Brasil com suas características básicas e área de atuação média segundo FUNCEME (2009):

a) Zona de Convergência Intertropical ZCIT é o sistema meteorológico mais importante na determinação das chuvas no setor norte do Nordeste do Brasil. A ZCIT é uma banda de nuvens que circunda a faixa equatorial do globo terrestre, formada principalmente pela confluência dos ventos alísios do hemisfério norte com os ventos alísios do hemisfério sul. A convergência dos ventos faz com que o ar, quente e úmido, ascenda, carregando umidade do oceano para os altos níveis da atmosfera, ocorrendo a formação das nuvens.

77


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

b) Frente Fria Outro importante mecanismo causador de chuvas no Nordeste do Brasil está ligado à penetração de Frentes Frias até as latitudes tropicais . As frentes frias são bandas de nuvens organizadas que se formam na região de confluência entre uma massa de ar frio (mais densa) com uma massa de ar quente (menos densa), causando chuvas. c) Ondas de leste: Formam-se no campo de pressão atmosférica, na faixa tropical do globo terrestre, na área de influência dos ventos alísios e se deslocam de oeste para leste, ou seja, desde a costa da África até o litoral leste do Brasil, podendo provocar chuvas intensas.

Figura 3 - Os três principais sistemas atmosféricos que atuam no NEB (atuação média) 1

2

LEGENDA 1.

ZCIT

2.

OE

3.

FPA

3

2.2

O relevo e sua interferência no clima da região

O relevo nordestino exerce influência relativamente grande nas condições climáticas regionais, notadamente nas interferências da circulação das massas de ar e na diminuição da umidade penetrando no interior semiárido. As configurações dos compartimentos do relevo regional configuram barreiras para que o ar carregado de umidade e vindo do oceano Atlântico adentre o continente. Tal situação pode ser mais bem percebida em Pernambuco, embora na região como um todo essa característica seja observada.

78


O fenômeno El Niño e as secas no nordeste do Brasil

Figura 4 - Esquema simplificado da captação de parte da umidade litorânea pelos brejos de exposição Brejo de exposição Borborema

W

E

Com efeito, as maiores altitudes do relevo pernambucano, conhecidas como brejos de exposição – (os mais próximos do litoral - localizados sobre a Borborema ) – e de altitude – (os mais para o interior ) - interceptam a umidade pelo lado de barlavento, impedindo que sua maior parte adentre o continente . A situação pode ser amenizada, quando os sistemas atmosféricos atuantes na região possuem maior força e conseguem ultrapassar os obstáculos.

2.3 O efeito de continentalidade

O efeito de continentalidade diz respeito à distância relativa de uma área ou objeto em relação aos corpos líquidos. No caso nordestino e seu semiárido, o posicionamento da área em apreço configura uma distância relativa do litoral que, com a participação do relevo e da atuação dos sistemas atmosféricos, configura um polígono que ora se aproxima mais do litoral,ora se afasta.

Figura 5 - Localização do semiárido nordestino e as estruturas geológicas principais

Fonte: Demetrio et al.(2007)

79


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Nessa área enorme, segundo Andrade (1998), há porções como Patos, no sertão paraibano, onde os índices de umidade giram ao redor dos 300 mm/ano. No restante do semiárido, contudo, o índice oscila entre 300 a 800 mm/ano.

3 As secas no nordeste e sua tipologia

As secas no nordeste brasileiro não correspondem à mera estiagem. A rigor, elas constituem um complexo fenômeno socioeconômico, no qual as oscilações de volume e e distribuição temporal das precipitações pluviométricas redundam em desorganização da atividade econômica. Esse conceito vem sendo trabalhado desde o relatório do Grupo de Trabalho para o desenvolvimento do Nordeste – GTDN que, no final dos anos 50 do século passado, propôs “uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste” (Parte II p. 208-224, 1959) e deu origem a uma política de governo para a região. As chuvas no Nordeste distribuem-se assim: a que simplesmente evapora ( E); a que é absorvida pela vegetação e por ela é evapotranspirada (T); a que escorre superficialmente e alimenta os rios e seus represamentos (R) e aquela que se infiltra profundamente, alimentando os lençóis freáticos (I). O volume equivalente às parcelas E e T constitui os Recursos Hídricos Localizados (RHL). As parcelas R e I formam os Recursos Hídricos Móveis (RHM). Quando a distribuição temporal das chuvas não coincide com o calendário agrícola, os RHL dão origem à chamada seca agrícola (às vezes também denominada “seca verde”, porquanto só afetam as lavouras, não a vegetação própria ou adaptada da região), não importando o volume precipitado. Quando a quantidade das chuvas fica abaixo da média histórica observada, ficam comprometidos RHN e ocorre a seca hidrológica. Nem sempre acontecem simultaneamente as duas modalidades de secas.Quando tal se dá, fala-se em seca anômala.

3.1 Influência do El Nino nas secas do nordeste

Existe uma relação direta de causa e efeito entre o fenômeno El Niño e as secas no Nordeste do Brasil, pelo menos no prolongamento do período seco além do normal. A mudança anômala na circulação da atmosfera superior e a consequente alteração na dinâmica dos centros de altas e baixas pressões, bem como na modificação das células do ar atmosférico, constituem mecanismos que explicam a ocorrência das grandes secas no Nordeste do Brasil. Essa relação está claramente determinada e exposta no quadro 2 no qual se constata a coincidência, não fortuita, dos dois eventos. Nota-se, sobretudo, a coincidência dos fatos relativos aos eventos das grandes e devastadoras secas de 1877, 1982/3 e de 1997

80


O fenômeno El Niño e as secas no nordeste do Brasil

Quadro 2- Relação entre Eventos ENOS e Secas no Nordeste do Brasil FENÔMENO

ANO DE OCORRÊNCIA

secas

1877

1914

1932

1945

1948

1953

1965

1970

1982

1993

1997

ENOS

1877

1914

1932

1945

1948

1953

1965

1970

1982

1993

1997

Fonte: ARAGÂO (2002)

Dessa maneira, o conhecimento do fenômeno das secas e a atuação reconhecida e “o previsível” do fenômeno El Niño ou La Niña configuram um quadro de uso político eleitoral/econômico do caso; uma vez que, conhecendo a atuação principalmente nas últimas décadas, seria possível tomar providências e traçar planos para a convivência com o fenômeno durante a expansão do período seco. Esse uso da seca como recurso para tirar proveito dos dramas sofridos pela população regional, sobretudo daquela mais afetada com o fenômeno, configura a tristemente famosa “indústria” da seca, mencionada por Guerra (1980) e outros como uma bem montada organização pelos grandes latifundiários nordestinos e seus aliados políticos nas diferentes esferas de poder, para desviar verbas e tirar proveito político da situação. Andrade (1985), por sua vez, enfatiza a necessidade de tratar a questão da seca não como um mito alienante e sem possibilidade de solução, e sim com o seu estudo, além do desenvolvimento de possibilidades de intervenção no quadro físico que permita a sustentabilidade da população do semiárido. A seca e a convivência com ela dependem mais do que nunca de questões técnicas e planejamento, deixando de ser uma questão de interesses políticos para se tornar o que sempre foi – um fenômeno físico que pode ser estudado, compreendido e atualmente minimizado em muitos dos seus efeitos mais danosos.

Considerações finais

O semiárido nordestino é totalmente viável. Isso depende de estudos e políticas de governo de curto, médio e longo prazo, no sentido da conquista do desenvolvimento socioeconômico sustentável. As transformações estruturais devem derivar de novas premissas, visando a formas de convivência com o semiárido. Essa é, com certeza, uma questão que deve ser pensada e discutida por todos que se interessam pela sobrevivência dos seres humanos afetados por tais “calamidades” naturais. Atualmente, elas não são mais partes do imaginário popular e das crenças de punição eternas vinda do alto. Ao invés disso, sabe-se que se trata de fenômeno natural, com inúmeros fatores, dentre os quais o El Niño com ocorrência no Oceano Pacífico Tropical e os reflexos na redução de chuvas. No presente trabalho, os dados apresentados permitem inferir que, de fato, há uma forte correlação entre o referido fenômeno El Niño e a ocorrência de seca na Região

81


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Nordeste, particularmente na sua porção semiárida.

Referências

ANDRADE, Izaias Vasconcelos de. Semiárido, água e sede por quê? Recife, SUDENE, 1996. ANDRADE, Manoel Correia de. A seca: realidade e mito. Recife: ASA,1985. ______. Nordeste: alternativas da Agricultura. Campinas: Papirus, 1988. ______. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. Recife:UFPE, 1998. ______. A problemática da seca. Recife, Líber Gráfica, 1994. ARAGÃO, José Oribe Rocha. Fundamentos de meteorologia e relação oceanoatmosfera. Recife: Secretaria de Recursos Hídricos de Pernambuco, 2000. ______. Tempo e clima: a influência do fenômeno El Nino: oscilação do sul e dipolo do Atlântico. Recife: Secretaria de Recursos Hídricos de Pernambuco , 2002. CIRILO, J. A. Integração das águas superficiais e subterrâneas. In: CIRILO, J. A. et al. (Org.). O uso sustentável dos recursos hídricos em regiões semiáridas. Recife: ABRH UFPE, 2007, p. 508. FERREIRA, Antonio Geral; MELLO, Namir Giovanni da Silva. Principais sistemas meteorológicos atuantes sobre a região nordeste do Brasil e a influência dos Oceanos Pacifico e Atlântico no clima da região. Revista Brasileira de Climatologia, Fortaleza, v. 1 n. 1, dez. 2005. FUNCEME. Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos. Sistemas atmosféricos atuantes no Nordeste do Brasil. Disponível em: <http://www4.funceme.br/funceme/categoria1/tempo-e-clima/sistemas-atmosfericosatuantes-sobre-o-nordeste>. Acesso em: 6 maio 2009. GTDN. Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste. Rio de Janeiro: BNDS, 1959. GUERRA, F. O Nordeste semiárido: velhos problemas sempre atuais. Mossoró,1980. (Coleção Mossoroense). OLIVEIRA, Gilvan Sampaio de. O El Niño e você: o fenômeno climático. São José dos Campos, SP: Transtec, 2001. PATROCÍNIO, Severino Ferreira do. Previsão de secas para o Nordeste do Brasil. Fortaleza: Funceme, 2008.

82


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

PROFESSORES DE PORTO NACIONAL E OS DESAFIOS DA PROFISSÃO DOCENTE Kênya Maria Vieira Lopes* Augusta Aires Lopes**

Resumo Nos últimos trinta anos o ensino tem adquirido novos conceitos diante da sociedade devido às mudanças de concepções sobre a educação e das variações intrínsecas ao trabalho escolar surgidas mediante aceleradas transformações no contexto social. Diante da crise a que passa a profissão professor, vê-se a preocupação com os atenuados índices de licenciados em atuação docente no Brasil, bem como a ausência de estímulo aos professores para permanência na carreira docente. Aumentam-se as exigências em relação ao professor e a valorização e investimentos à sua profissionalização. Por meio deste trabalho estudamos a situação profissional dos docentes da rede de ensino na cidade de Porto Nacional-TO, diagnosticando os desafios da profissão. A metodologia utilizada foi de natureza qualitativa e o trabalho classifica-se em um estudo de caso. As etapas da pesquisa foram a análise da proposta de pesquisa e preparação para execução, coleta de dados por meio de questionário semiestruturado, junto ao gestor e docentes de seis escolas estaduais e uma escola municipal e a produção e divulgação dos resultados. Constatamos o descontentamento dos professores frente à sua situação profissional devido, principalmente, aos seguintes fatores: desvalorização da profissão professor, baixos salários e ausência de políticas públicas para melhorias na educação brasileira. Palavras-chave: Licenciandos. Profissão-professor. Situação profissional. Abstract Over the last thirty years has acquired new teaching concepts to society due to changing conceptions of education and school work intrinsic variations arising through accelerated transformations in the social context. Before the crisis passing the profession professor, sees the concern with attenuated rates of graduates in teaching performance in Brazil, as well as lack of encouragement to teachers to stay in the teaching profession. To increase the demands on the teacher and the valuation of its investments and professionalism. Through this work we have studied the professional status of teachers of the school in the city of Porto Nacional-TO, diagnosing the challenges of the profession. The methodology was qualitative in nature and classified as a case study. The steps of the research were to analyze the proposed research and preparation for implementation, data collection through semi-structured questionnaire, with the manager and staff of six state schools and a municipal school and the production and dissemination of results. We note the dissatisfaction of teachers outside his professional situation, mainly due to the following factors: devaluation of the profession professor, low wages and lack of public policies for improvement in Brazilian education. Keywords: Undergraduate. Professional teacher. Professional situation. *

Mestre em Ciências pela UFRRJ - kenya@ifto.edu.br Licenciada em Letras pela UFT, acadêmica do curso de Licenciatura em Computação do IFTO augusta_aires@hotmail.com *


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Introdução A atuação do educador tem sido supervalorizada diante da responsabilidade educativa de outros agentes de socialização como a família. O professor além de ter a função de ensinar, assume outras tarefas educativas, desempenhando o papel de amigo, companheiro e de apoio, suprindo, assim, carências do meio social dos estudantes. Aumentam-se as exigências em relação ao professor e, em níveis desproporcionais, a valorização e investimentos à sua profissionalização. Tais situações demonstram algumas das contradições existentes entre a função do docente e o exercício dessa profissão, as quais geram desafios frente à profissão professor. Estudiosos sobre a profissão docente como Nóvoa (1991) e Brzezinski (2002), apontam para a necessidade de diagnosticar os problemas da função docente, de maneira a permitir que os professores reflitam sobre a profissão, verificando os objetivos, as metas e os valores educativos diante do trabalho cotidiano nas salas de aulas. Para Nóvoa (1991) a desvalorização salarial da profissão-professor gerou a sua desvalorização social. Os professores são vistos como as pessoas incapazes de conseguir outra ocupação melhor remunerada, situação que incentiva os docentes a deixarem a profissão, refletindo aos atenuados índices de estudantes à procura de cursos de licenciaturas. O Ministério da Educação e Secretaria da Educação Tecnológica (MEC/SETEC) constatou que “a carência de profissionais qualificados para a função docente é uma das dificuldades mais fortes com que a educação profissional e tecnológica esbarra” (BRASIL, 2008, p. 30). Na pesquisa promovida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) sobre os professores do Brasil, Gatti (2009) descreve as características de cerca de 140 mil licenciandos no ano de 2005 e destaca que, menos da metade desses graduandos, optaram por fazer o curso pelo fato de “querer se professor”. Essa situação pode estar relacionada às omissões frente à promoção de políticas públicas para a valorização dos professores. Sobre a atual situação da carreira docente, afirma Gatti (2009) “(...) que a situação atual é bastante crítica, certamente devido a omissões que se acumularam e foram progressivamente se agravando ao longo da história” (GATTI, 2009, p. 8). Brzezinski (2002) acredita que a carreira docente está sendo submetida a diversas situações que não estimulam mudanças, como o baixo prestígio da profissão docente, os altos índices de doenças físicas e psicológicas geradas pela insatisfação do fazer profissional, inexistência do papel da escola no projeto da sociedade e a súbita necessidade do aumento no número do professorado. Silva (2010), ao estudar a identidade do professor do Ensino Fundamental, aponta que o sistema desfigura a identidade docente. Para ele, a escola pública e o professor brasileiro tornaram-se símbolos de debilidade e de mediocridade, afirmando que “(...) as expressões que denunciam a decadência da figura do professor e por extensão, do magistério, são extremamente “pesadas”: alienação (...), desumanização e coisificação (...)” (SILVA, 2010, p. 76). Grifos do autor.

84


Professores de Porto Nacional e os desafios da profissão docente

A profissão professor por si é um desafio. Imbernón (2009) nos diz que um dos mitos na profissão docente é que ensinar é fácil. Ensinar sempre foi difícil e nos dias de hoje passou a ser mais difícil e em alguns lugares, inclusive, arriscado. Considerando a importância de estudos sobre os desafios do professor em sua prática educativa, o grupo de pesquisa “Formação de Professores e Prática Pedagógica” do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins – IFTO, com a participação de estudantes do Curso de Licenciatura em Computação do campus Porto Nacional e de bolsista do Programa Interinstitucional de Iniciação Científica (PIBIC/IFTO), propôs o desenvolvimento deste projeto. Buscou-se estudar a situação profissional dos docentes da rede de ensino na cidade de Porto Nacional, diagnosticando em prática os desafios da profissão professor. Qual o perfil profissional dos docentes que atuam na rede de ensino em Porto Nacional? Quais desafios esses profissionais estão enfrentando em sua prática educativa?

Material e Métodos

Esta pesquisa é de abordagem qualitativa, sendo caracterizada pelo ponto de vista dos procedimentos técnicos como um estudo de caso por ter envolvido a análise profunda de um tema específico, sob discussão ampla e detalhada de tal conhecimento (SILVA, 2011). As etapas utilizadas foram a análise da proposta de pesquisa e preparação para execução, coleta de dados por meio de um questionário semiestruturado, produção e divulgação dos resultados. Primeira etapa: a) estudo do quantitativo de instituições a participar da pesquisa Foram levantado junto à Secretaria Municipal de Educação (SME) e Diretoria Regional de Ensino de Porto Nacional (DRE) dados referentes ao quantitativo de escolas, alunos e professores lotados em cada escola da cidade, para delimitação do quantitativo de escolas participantes na pesquisa; b) realização de leitura de referenciais teóricos sobre os temas profissionalização docente, prática educativa e docência; c) produção dos instrumentos de coletas de dados com base nas leituras realizadas pelo grupo. Elaboramos um questionário com perguntas fechadas e abertas para os docentes e um questionário específico para os gestores das escolas sorteadas. Segunda etapa: a) aplicação de um pré-teste do questionário junto aos professores e gestor das instituições em estudo. Nessa atividade trabalhamos em duas Escolas do Município de Porto Nacional, sendo uma SME e outra da DRE; b) aplicação do questionário junto aos professores e gestor das instituições em estudo. Para aplicação desse questionário foram sorteados cerca de 40% do total das escolas existentes em Porto Nacional. Escolas contempladas:

85


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Escolas Estaduais (8): Cem Florêncio Aires, Cem Félix Camoa, Escola Estadual Angélica Ribeiro Aranha, Esc. Est. Alcides Rodrigues Aires, Esc. Est. Ana Macedo Maia, Esc. Est. Costa e Silva, Esc. Est. Custódia da Silva Pedreira, Escola Infantil ABEG. Escolas Municipais (4); Centro Municipal de Educação Infantil, Centro Municipal de Educação Infantil Ernestina Freire Aires, Escola Municipal Euvaldo Tomaz de Souza, Centro Municipal de Educação Infantil Dona Aureny. Para aplicação desses questionários contamos com o apoio das coordenações pedagógicas de cada escola. Porém, o retorno que tivemos dos professores em relação à resposta do questionário foi um fator que dificultou o desenvolvimento deste trabalho. Entregamos entre os meses de maio a junho de 2012 em média 100 questionários distribuídos nessas escolas. Ao final do processo tivemos retorno de apenas 19 docentes e 1 gestor que representam no total seis escolas da DRE e uma escola da SME. Tal problemática enfrentada permitiu que reavaliássemos o nosso instrumento de pesquisa e a forma de aplicação e, considerando, ainda, os resultados que tivemos com esse trabalho, como o fato de termos detectado que o professor não tem tido tempo sequer para planejar suas aulas conforme almeja, em uma nova pesquisa, em que visemos ter o “professor gestor" como colaborador, mudaremos as estratégias metodológicas. Lembramos que todos os participantes receberam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, onde apresentamos o objetivo da pesquisa e o colaborador demonstra ciência que as suas declarações serão divulgadas por meio desse trabalho. Garantimos aos mesmos o sigilo da sua identidade. É importante observar que na proposta de questionário que desenvolvemos não há espaço para o professor colocar seu nome, por isso trabalhamos nos resultados com siglas que se referem ao Participante. Exemplo: (Part. L) Na terceira etapa produzimos e divulgamos o trabalho junto às escolas participantes e à comunidade.

Resultados e Discussões

A pesquisa foi desenvolvida na rede estadual e municipal de ensino da cidade de Porto Nacional, sendo que dos professores colaboradores nesse trabalho, 68% (13) ministram aulas em escolas estaduais e 32% (6) pertencem à rede municipal de ensino. A pesquisa contou com a participação de um gestor da rede municipal de ensino. Em relação ao perfil desses profissionais constatamos que ao ingressarem na rede de ensino da cidade 35% (7) destes só possuíam o Ensino Médio, enquanto 55% (11) possuíam graduação, e somente 10% (2) tinha o grau de especialista. Índice esse diferente nos dias atuais: 5% não graduados, 60% graduados e 35% especialistas. Em síntese, 35% do total de professores e gestor passaram de não graduados a graduados, e 26% de graduados a especialistas. Tais números permitem verificarmos o anseio dos professores e gestor em investir na sua formação inicial e continuada, em capacitar-se. Cabe ressaltar que nessa pesquisa não foi registrado a presença de mestre e doutor. Porém, houve participante que externou a

86


Professores de Porto Nacional e os desafios da profissão docente

necessidade de ter no Estado Tocantins o investimento em cursos Stricto Sensu como Mestrado na área da Educação Infantil. Quadro 1 – Percentual de satisfação de professores de Porto Nacional frente ao exercício da profissão docente RESPOSTAS

NÃO

SIM EM PARTE

JUSTIFICATIVA Desvalorização da profissão Interferências exteriores na profissão Indisciplina dos estudantes Pressão do sistema e perseguição Ausência dos pais na vida escolar dos filhos

PERCENTUAL

38

Sonho realizado Estar fazendo o que gosto

23

É gratificante quando o estudante nos tem como referência

8

NÃO RESPONDEU

31

TOTAL

100

Fonte: Pesquisa (2012)

Tecendo o perfil desses profissionais docentes, destacamos dados referentes à formação inicial. Dos colaboradores da pesquisa que possuem graduação, 100% realizaram curso de licenciatura, distribuídos nas áreas de 33% Pedagogia, 11% História, 11% Geografia, 11% Letras, 6% Normal Superior, 6% Matemática, 5% Biologia, e 17% possuem mais de uma área de formação. Os professores participantes no estudo realizaram sua graduação na instituição pública (47%) e em instituição privada (42%), sendo que 11% realizaram em instituição pública e privada. Em relação ao tempo em que esses professores lecionam vê-se que a maioria dos professores (37%) está em sala há menos de 3 anos, sendo que 16% lecionam há mais de 20 anos, enquanto os demais percentuais 21% e 16% estão, respectivamente, entre os professores que lecionam há 4 a 10 anos e há 11 a 20 anos. Trinta e cinco por cento dos professores trabalham no Ensino Fundamental, 30% ministram aula no Ensino Médio, 15% na Educação Infantil, sendo que 20% deles ministram aula tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio. Realizando uma análise entre o tempo que esses professores estão em sala de aula e as respostas destes ao questionamento referente à sua realização em relação ao exercício da profissão docente, observamos que mesmo em pouco tempo na sala de aula, os mesmos, em sua maioria, não estão realizados com a profissão. Vejamos tabela seguinte que aponta tais justificativas. Será que o nível de ensino que há ministração de aulas interfere nesse descontentamento dos professores frente à profissão? No que tange a formação continuada destes profissionais, destaca-se que a maioria deles (67%) não participa de programas e/ou projetos de formação continuada de

87


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

professores. Os projetos existentes na escola restringem-se ao planejamento de aulas por área e aos estudos do Foco, textos da proposta do programa Circuito Campeão i destinado ao Ensino Fundamental de 1º ao 5º ano. Contudo, quando perguntamos aos professores se eles se sentem preparados para o exercício da profissão os mesmos confirmam a proposição. Determinação essa que pode estar relacionada ao compromisso, à dedicação que os mesmos demonstram ter frente à profissão, bem como à sua formação inicial. Como afirma um participante em relação ao curso de graduação que realizou: “As faculdades públicas, apesar das dificuldades, conseguem oferecer uma boa formação. (...)” (Part. H). Houve também um colaborador que negou a proposição, declarando que não se sente preparado para o exercício da profissão docente, pois, “(...) a educação hoje só visa números, muitas vezes o aluno não desenvolve as habilidades e o sistema muitas vezes obriga o professor a mentir, e eu não concordo com essas mentiras e não estou preparada para ficar mentindo no que faço”. (Part. A) O ingresso na carreira docente dos participantes da pesquisa deve-se a fatores relacionados como: sonho, vocação, gosto pela área de formação, simpatia pela profissão, incentivo dos pais. Porém, os mesmos professores que apontam que o ingresso na carreira deve-se a esses fatores, são os que apresentam decepção e/ou desmotivação frente ‘ao sonho’ que tiveram. Há também colaboradores que permanecem com a afirmação da simpatia e do gosto como motivo para o ingresso na docência, como observado na proposição: “Simpatia pela profissão; saber que posso dividir o meu conhecimento: a certeza de estar ajudando alguém”. (Part. M) Conhecido o perfil profissional desses profissionais e para melhor compreender a situação profissional dos docentes em estudo e os desafios que os mesmos encontram em sua prática pedagógica iniciamos questionando aos docentes sobre o que é “ser professor”. Entre as respostas apresentadas encontram-se declarações referentes à gratificação, ao desafio, ao prazer e à dificuldade de ser professor, bem como a afirmação que ‘ser professor’ é carregar um fardo, como segue: “(...) é também carregar o fardo maior do que posso levar, carga horária sub-humana, 32 aulas semanais”. (Part. E) Os professores também mencionam que ser professor é procurar entender os jovens, é preparar os alunos para os desafios que a vida impõe. Segundo os docentes, o baixo salário, a desvalorização do trabalho docente, a indisciplina dos estudantes, excessiva carga horária de aula e ausência de políticas para melhorias na educação brasileira são fatores que mais dificultam e/ou desmotivam o seu trabalho, tornando-se assim questões desafiantes no exercício da profissão. Vejamos o quadro seguinte:

88


Professores de Porto Nacional e os desafios da profissão docente

Quadro 2 - Desafios da profissão docente Fatores que dificultam e/ou desmotivam o trabalho dos professores de Porto Nacional (TO) Resposta

Qt. marcações

Atuação em disciplina em área não afim da minha formação

4

Ausência de formação continuada

5

Ausência de horas para planejamento

8

Ausência de políticas públicas para melhorias na educação

11

Baixo salário

12

Desvalorização do profissional docente

18

Estrutura física da escola

5

Excessiva carga horária de aula

10

Formação Inicial Indisciplina dos estudantes Salas lotadas Outros

Nenhuma 18 8 Nenhuma

FONTE: Pesquisa (2012)

Cabe ressaltar que tais desafios são de todos os responsáveis pela formulação e condução da política educacional, não somente dos gestores. Esses desafios precisam ser superados, como aponta Gatti (2009, p. 9) (...) tais desafios tornam-se mais que urgentes porque sem professores valorizados e continuamente qualificados, o direito a uma educação de qualidade para todos não será uma realidade em nosso país, o que pode retardar a consecução de metas de qualidade na educação que são imprescindíveis para o desenvolvimento do país.

Em análise sobre a situação profissional dos professores de Porto Nacional-TO, observamos que há reincidência das proposições de respostas deles referentes aos desafios que encontram no exercício da profissão. Ao questionarmos aos professores que tem experiência em mais de um segmento de ensino quais as maiores dificuldades encontradas, os mesmos voltam a citar questões como: falta de apoio e compromisso dos pais com a vida escolar dos seus filhos, desinteresse dos alunos, indisciplina. Situação essa que também pode estar relacionada a fatores como a excessiva carga horária de aulas semanais, a quantidade de disciplinas e turmas que ministram aulas, bem como aos seus baixos salários. A carga horária de trabalho dos professores é alta. A maioria dos professores ministra mais de 37 aulas por semana, sendo que parte deles (11%) ministra um quantitativo de aula próximo ao limite máximo permitido por lei, qual seriam 60 horas de trabalho semanal. Considerando que tal tempo refere-se somente as aulas, onde fica o tempo do professor para o planejamento dessas aulas? Considerando que 63% desses professores devem preparar aulas para mais de uma disciplina, divididas em sua maioria (58%) entre três a mais de dez turmas, questiona-se: Onde fica o tempo do professor que tem de preparar aulas para mais de uma disciplina e turmas?

89


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Em relação à remuneração do professor observamos que a menção em maior percentual ao salário entre 3 a 4 salários mínimos, deve-se ao fato de a maioria destes, 58%, ser concursada. Valores estes que se referem à média de remuneração do servidor da educação do estado do Tocantins. Aos professores que ganham mais de cinco salários mínimos, pode-se estar relacionado ao fato de 16% deles trabalharem em mais de uma instituição, que ora pode ser um serviço além do seu contrato e/ou concurso. Segundo os professores os materiais disponíveis na escola não são empecilhos para o desenvolvimento da sua atividade docente. As escolas possuem biblioteca, laboratório de informática, internet, quadro branco, data-show, entre outros materiais didáticos. Apenas um professor mencionou que a sua escola possui mimeógrafo. A maioria (84%) dos professores confirma que os materiais existentes na escola atendem as suas necessidades. Porém, há os que mencionam como problemática para o desenvolvimento do trabalho a falta de manutenção nos laboratórios ou o pouco material de apoio para o desenvolvimento dos projetos. Um dos grandes desafios dos professores deve-se às doenças derivadas do exercício profissional docente. Embora a maioria dos professores (68%) não tenha declarado ter sofrido alguma doença referente ao trabalho em sala, houve professores (32%) que mencionaram ter tido doenças como: problemas na garganta, stress, irritação, bursite, labirintite, problemas na coluna, problemas mental, desgaste do osso do ombro, pressão alta, dores no ouvido e cabeça. Cabe ressaltar que os mesmos professores que citaram não ter tido doença relativa ao trabalho docente, declararam ter sentido algum sintoma negativo como: cansaço (18 marcações), tensão (10), ansiedade (12), medo (4), sentimentos e emoções negativos (10), em sua maioria com frequência diária. Os docentes afirmam que as políticas públicas referentes à formação docente e estruturação da profissionalização docente não atendem as demandas dessa profissão. Assim afirmam alguns participantes: “O investimento das políticas públicas para a Educação é muito pouco, eles se preocupam mais com outras áreas preferindo que sobre dinheiro para os governantes” (Part. A). “As políticas públicas na realidade não existem, o que existem são políticas para ‘politicagem’” (Part. E - grifo do autor). Em relação aos desafios, os professores anseiam por valorização, que os governantes e sociedade valorizem os profissionais da educação. Em relação às propostas de ações para minimizar os problemas da prática educativa, o único gestor que participou da pesquisa mencionou que a escola tem investido em “autoestima”, “momentos de conversa” e em “formação interna” (Part. X). Por parte do gestor não percebemos a menção de propostas consolidadas para minimizar os problemas advindos da profissão docente. Porém, os próprios docentes sabem e reforçam quais ações/estratégias devem ser tomadas para mudanças na profissão no sentido de enfrentar os desafios da categoria, conforme observado no quadro seguinte:

90


Professores de Porto Nacional e os desafios da profissão docente

Quadro 3 - Ações propostas por docentes de Porto Nacional (TO) Algumas Proposições Docentes

“(...) melhores salários, pois só quem sabe o que o professor passa somos nós que estamos exercendo essa profissão árdua”. (Part. A) “(…) Elevar substancialmente o salário do professor”. (Part.B) “(...) Que o docente seja melhor remunerado”. (Part.K) “Todos os olhares para e Educação como ela merece ser olhada (...)” (Part.N) “Que os governantes olhem mais para a classe dando somente valor na profissão docente”. (Part.C)

“(...) mudanças na lei, porque a lei hoje só beneficia os alunos”. (Part. A) “A primeira mudança deve acontecer na mentalidade da sociedade”. (Part. H)

“(…) Mudar o conceito de avaliação (nota) que inibi o aprendizado.(…).” (Part.B) FONTE: Pesquisa (2012)

Destarte, é importante ressaltar que a educação só será efetivamente um complemento social com a participação de instituições de ensino, governantes e comunidades empreendendo diretrizes para a melhoria didática. Somente com a amplitude dos valores atribuídos ao docente será possível a melhoria educativa e cultural que a atuação didática exige. Caso contrário, veremos na prática professores descontentes com a sua profissão, como afirma Perissé (2011): O professor desvalorizado, desrespeitado dentro e fora da sua sala de aula, acabará se tornando um peso para si mesmo, para seus colegas, (...). O professor sem paixão profissional passa a sonhar com a aposentadoria (...) e transmite aos alunos, pelos olhos, pelos poros (...) (PERISSÉ, 2011, p. 175).

Conclusões A pesquisa permitiu observarmos que a situação profissional dos docentes de Porto Nacional e os desafios que os mesmos enfrentam em sua prática pedagógica vão ao encontro das discussões estudadas na teoria. Ao estudarmos cada resposta do questionário e ao analisarmos cada depoimento docente imaginamos estar vendo/ouvindo os mesmos professores apresentados na pesquisa de Gatti (2009) e Silva (2010). Acreditamos que essa pesquisa soou como uma oportunidade de “desabafo” junto aos educadores para demonstrar seu descontentamento com a desvalorização profissional que permanece na carreira docente. Desvalorização essa que faz com que até mesmo o professor deixe de valorizar-se como deveria. Surpreendeu-nos a autoavaliação realizada pelos professores referente ao desempenho do seu trabalho, a maioria atribui-lhe nota 8 (oito), justificando, em alguns casos, que não lhe daria nota maior porque a carreira não é valorizada e o sistema impede que desenvolvam um trabalho melhor. Somente um participante atribui-lhe nota 10 (dez), justificando que a profissão professor é muito difícil e quer por conta disso nem todos conseguiriam conquistar sucesso na sala de aula.

91


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

De certa forma, os resultados apresentados na pesquisa confirmam que a educação não tem sido prioridade em nosso país, a desvalorização da profissão professor, baixos salários, ausência de políticas públicas para melhorias na educação brasileira, são provas disto. Já os fatores como: excessiva carga horária de aulas semanais, de disciplinas e turmas, indisciplina e desinteresse dos alunos, falta de compromisso dos pais na vida escolar dos seus filhos, surgimento de doenças derivadas do exercício da profissão, tem-se constituído como itens desafiantes para a prática pedagógica de quem está diretamente responsável pela formação cidadã da sociedade: o professor. É preciso ter em um mente que a arte de ensinar, os talentos e as qualidades necessárias para uma boa atuação docente são imprescindíveis na formação do cidadão. Por isso, a valorização da docência é fundamental. Em relação ao objetivo deste trabalho, observamos que esperávamos encontrar professores com expectativas positivas em relação à sua profissão. Porém, percebemos o descontentamento dos docentes com a profissão. Este fator é preocupante até mesmo no sentido de “divulgar” tais dados junto aos colegas licenciados e licenciandos. Será este trabalho um desestímulo ao invés de estímulo ao licenciando em querer ingressar na profissão docente? Ou será essa pesquisa uma ferramenta para divulgarmos junto aos poderes públicos para que possam compreender a necessidade de melhorias na profissão docente? Diante de tal situação as considerações que temos transformam-se em questionamentos: 

Professores com grandes desafios na sua prática educativa e por isso, descontentes com a sua profissão, sociedade sem garantia de uma educação de qualidade por falta de investimentos e olhares específicos aos educadores. É isso que queremos? É isso que podemos esperar?

O que podemos fazer enquanto licenciandos, professores, sociedade, gestores públicos para minimizar os problemas advindos da prática educativa e para superar os desafios dessa profissão?

O que fazer para que nos ouçam, nós: professores e futuros professores?

Não temos uma receita pronta de como se pode transformar a educação ou inculcar valores que até então jamais foram colocados em prática, mas deve-se valorizar o profissional, isto é um fato! Esperamos que os obstáculos/desafios a serem enfrentados pelos professores em sua prática docente tornem-se álibis, em que o medo e os anseios possam ser preenchidos por dias melhores para a nossa educação. Notas 1

O programa Circuito Campeão foi criado pelo Instituto Airton Senna e implementado no Estado do Tocantins e em mais quatro estados. O programa visa garantir o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita, matemática, entre outras, priorizando políticas de alfabetização e de acompanhamento das primeiras séries do ensino fundamental.

92


Professores de Porto Nacional e os desafios da profissão docente

Referências

BRASIL, Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica. Instituto Federal: concepção e diretrizes. SETEC, 2008. BRZEZINSKI, Iria. Profissão professor: identidade e profissionalização docente. Brasília: Plano, 2002. GATTI, Bernadete Angelina. (Coord.). Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009. IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2002. ______. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009. NÓVOA, Antonio (Org.). Mudanças sociais e mudanças na educação: da educação de elite a educação de massas. In: Profissão-professor. Porto: Porto, 1991. PERISSÉ, Gabriel. O valor do professor. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. SILVA, Edna Lúcia da. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. Florianópolis: Laboratório de Ensino a Distância da UFSC, 2011. SILVA, Ezequiel Theodoro da. Professor de Ensino Fundamental: identidade em jogo. Campinas: Papirus, 2010.

93


Revista CientĂ­fica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

94


TEXTO E LINGUAGEM: UMA PERSPECTIVA DIALÓGICA E SOCIOINTERATIVA

José Adailton Cortez Freire* Rosicleide Santos de Lima*

Resumo Com base em teóricos da linguagem como Bakhtin e em diálogo com estudiosos da Linguística Textual, como Marcuschi, Koch, Beaugrande, Geraldi, Oliveira dentre outros, este trabalho aborda o texto sob a perspectiva dialógica e sociointerativa, procurando conceituá-lo como um evento comunicativo situado socio-historicamente e evidenciar as características que tornam um texto, de fato, num texto. Além disso, são apresentadas algumas das concepções anteriores à concepção sociointerativa, que mantinham o foco na língua e no autor, mostrando, especialmente, as limitações e problemáticas destas. O objetivo é compreender que o texto só funciona como um evento comunicativo situado socio-historicamente, quando inserido numa relação dialógica, na qual locutor e interlocutor se constroem e são construídos no interior do evento comunicativo. Ao partir da perspectiva de que a comunicação humana se estabelece por meio de textos, sejam estes orais ou escritos, infere-se que não é possível construir sentidos apenas no campo da língua ou do falante/autor, mas é preciso verificar as condições de produção, ou seja, o contexto sócio-histórico e cultural do discurso. Palavras-chave: Texto. Enunciação. Dialogismo. Abstract Based on scholars who study the language, like Bakhtin, this paper dialogues with theorists of Textual Linguistic like Marcuschi, Beaugrande, Geraldi, Oliveira, etc. This research approaches the text from the dialogic and interactionist perspective, trying to define it while as a communicative event socio-historically situated and highlights the features that make a text, in fact, a text. Furthermore, it shows some of the concepts prior to interactionist conception, which kept the focus on language and on the author, showing especially the limitations and problems of these. The objective is to understand that the text only works when it is inserted into a dialogical relation in which speaker and listener are constructed and are built into the communicative event. When from the perspective of human communication is established through texts, whether oral or written, it appears that it is not possible to construct meanings only in the field of language or speaker / author, but you need to check the conditions of production, the socio-historical and cultural discourse. Keywords: Text. Enunciation. Dialogism.

*

IFAL-UAB


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Introdução Após compreender que o processo de comunicação humana ocorre, principalmente, por meio de textos, sejam eles orais ou escritos, torna-se pertinente iniciar uma discussão sobre o que de fato configura-se um texto. Embora muito se tenha estudado sobre esse tema desde as últimas décadas do século XX, ainda não é tão comum encontrar conceituações, definições ou concepções sobre este. Se, por um lado, se verifica muito material sobre estudo e análise textual; por outro lado, ainda estamos aquém de solucionar as problemáticas como formação de leitores autônomos e críticos. Para fundamentar teoricamente, recorre-se a importantes teóricos como Mikhail Bakhtin, além de estudiosos brasileiros como Luiz Antônio Marcuschi, Ingedore Koch, Vanda Elias, Ângela Kleiman, Wanderlei Geraldi, entre outros. No primeiro momento, esse trabalho pretende destacar os elementos textuais, também conhecidos como elementos da textualidade, para ressaltar que o texto não consiste num aglomerado de palavras, mas que precisa de muito mais do que isso para se configurar, de fato, num texto. Entre os principais elementos textuais, pode-se citar coesão, coerência, intertextualidade, intencionalidade, etc. Enfim, o que torna essa discussão pertinente é compreender que um texto não é simplesmente um emaranhado de palavras, mas que para funcionar como tal, para cumprir o seu papel social e comunicativo, ele precisa apresentar uma série de características que colaborem para a construção de sentido. Em seguida, pretende-se conceituar língua e texto conforme a perspectiva da Linguística Textual, fazendo um contraponto com concepções anteriores. É importante destacar que essa construção conceitual é fundamental para se perceber as relações dos sujeitos ao interagirem na língua por meio dos textos. Assim, os interlocutores se relacionam mutuamente no evento comunicativo com o intuito de produzirem sentidos. Em contrapartida, contrapõem-se algumas concepções ultrapassadas sobre o texto. Essas ainda davam ênfase apenas na língua ou no falante/escritor. No tópico seguinte, faz-se uma abordagem bakhtiniana sobre o movimento dialógico do texto, observando que tanto ler/ouvir quanto escrever/falar são atividades responsivas atvivas. Enfim, autor/leitor estão inseridos culturalmente no evento comunicativo e precisam relacionar-se um com o outro para estabelecer a compreensão. Salienta-se que essa discussão não se encerra neste trabalho; ao contrário disso, é apenas um aporte inicial para que professores, pesquisadores, estudantes e demais interessados iniciem um estudo sobre texto numa perspectiva sociointeracionista e dialógica.

1 Entendendo o texto: características da textualidade

Os estudos que têm por base o texto contribuíram significativamente para dois reconhecimentos importantes: primeiro, que é por meio de textos, sejam estes orais ou escritos, que ocorre a interação entre os indivíduos, por meio da linguagem; e, segundo, que o conhecimento da Língua Materna chega-nos por meio da linguagem, que se materializa em textos – enunciações concretas -, conforme afirma Bakhtin:

96


Texto e linguagem: uma perspectiva dialógica e sociointerativa

A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura – não chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam. Nós assimilamos as formas da língua somente nas formas das enunciações e justamente com essas formas. As formas da língua e as formas típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do discurso, chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas (BAKHTIN, 2005, p. 283).

A partir dos estudos sobre linguagem passou-se também a reconhecer que o texto não é apenas uma categoria linguística, é também psicológica e social. Ao consultar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1998), percebe-se que estes reafirmam que a unidade básica do ensino da língua deve se estabelecer no texto, concebido como uma realização discursiva utilizada como uma importante forma de interação entre os sujeitos e que explica o uso efetivo da língua. Diante desses apontamentos, surgem os questionamentos: afinal, o que, de fato, é texto? Ou, ainda, quais características tornam um texto num texto? A pergunta “O que torna um texto num texto?” foi o que, conforme enfatiza Oliveira (2010, p. 87-88) “impulsionou as pesquisas em Linguística Textual (LT) na virada pragmática, as quais contribuíram para conhecermos os elementos que dão textualidade a um grupo de sentenças. Afinal, um texto não é um punhado de sentenças conectadas umas às outras [...]”. Para que se possa chegar à apresentação de uma ou outra explicação acerca do conceito de texto, faz-se útil dizer que o texto passou a ser visto como unidade básica da comunicação humana, apenas, no século XX, por meio da LT. Essa disciplina teve como objetivo específico os processos de produção textual, que fazem com que os participantes do ato comunicativo trabalhem conjuntamente na construção dos sentidos, a partir da sua interação com o outro. Embora a Linguística Textual não tenha surgido de modo único e homogêneo, pode-se distinguir nela três momentos teóricos diferentes: Análise Transfrástica – momento no qual se acreditava que o trajeto partia da frase para o texto, e por isso o texto ainda não era considerado objeto de análise; Gramática do Texto – nesse momento teórico propôs-se, pela primeira vez, enquadrar o texto como objeto central da Linguística, e procurou-se estabelecer um sistema de regras finito e recorrente, internalizado por todos os usuários de uma língua. Essas regras permitiriam aos usuários de uma língua, identificar se uma sequência de frases formaria um texto e se esse estaria bem formado, e constituiriam a Competência Textual. Nota-se que o projeto de reconstrução do texto como um sistema uniforme, estável e abstrato ocorreu por meio da representação das primeiras gramáticas. No terceiro momento teórico, por decorrência de uma nova concepção de língua e de um novo conceito de texto, deixou-se de ter como enfoque a competência textual dos falantes e passou-se a investigar e considerar a noção de textualidade, a este momento teórico convencionou-se chamar Teoria do Texto. Para prosseguir a discussão, ver-se-á o texto entendido como enunciações concretas e como um evento comunicativo situado sócio-historicamente, no qual concorrem tanto ações linguísticas, quanto ações cognitivas e sociais.

97


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Desse modo, faz-se necessário explicitar os elementos que tornam um texto, de fato, num texto. Existem basicamente dois grupos de aspectos responsáveis por tal delimitação: o dos elementos linguístico-semânticos - a coesão e a coerência; e o dos elementos pragmáticos - a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade. Em se tratando dos principais elementos da textualidade, destacam-se os seguintes: Os elementos linguístico-semânticos: Aos elementos que dizem respeito à sintaxe do texto, visto que são eles que interligam/conectam as partes do texto umas as outras, estabelecendo a continuidade temática, convencionou-se o nome de Coesão, e diz-se que para sua compreensão e emprego são necessários os conhecimentos linguísticos do leitor e do escritor. Entre os elementos coesivos estão: a paráfrase, os tempos e aspectos verbais, os conectivos, a entonação e os sinônimos. Já ao elemento que apresenta certa dificuldade em ser definido claramente, tanto em dizer onde ele reside como em que ele consiste, denomina-se Coerência, no entanto, alguns linguistas dizem que a coerência não é um fenômeno que está explícito no texto, mas que é resultante da interação entre o texto e o leitor a partir da leitura, e é por meio desta interação que o leitor cria uma imagem do mundo através do texto. Em suma, o fato é que, como bem enfatiza Oliveira (2010, p. 128), “escrever um texto que o leitor receba como coerente é parte integrante da competência discursiva de quem escreve”. Em se tratando dos elementos pragmáticos, parafraseando Oliveira (2010), pontuase que estes se vinculam às posturas dos usuários dos textos e ao contexto de produção e recepção desse enunciados concretos. Entre os quais estão: O elemento de textualidade que diz respeito aos objetivos de quem escreve (ou fala) o texto e ao que ele (autor/falante) faz para atingir os seus objetivos, na condição de produtor/escritor, por meio do texto produzido, chama-se Intencionalidade. Ao elemento que se refere à questão de que todo texto é escrito para alguém ou para um público-alvo, e a maneira como o leitor/ouvinte aceitará o texto, suas expectativas quanto a este denomina-se Aceitabilidade. Nela está intrínseca a necessidade do préestabelecimento do público-alvo a fim de que se possa utilizar uma linguagem e as informações adequadas, com o objetivo de que o texto possa ter uma boa recepção, pois se o leitor não apresentar o conhecimento necessário à compreensão do que fora escrito, nem o escritor alcançará seus objetivos nem o leitor suas expectativas. Quanto ao elemento que influencia as relações discursivas entre o escritor e o leitor, e refere-se ao fato de que, em qualquer que seja o momento da leitura de um texto, é preciso considerar o contexto sociocultural e histórico/ideológico desde as pessoas, o local e até o momento no qual o texto foi produzido e será lido, conceitua-se Situacionalidade. Ao se ter o reconhecimento do seu público-alvo, ao autor caberá optar por apresentar ou omitir informações e palavras no texto, o que dirá se o texto terá um bom grau de informatividade, disponibilizando informações suficientes para o leitor, cabendo ao autor decidir se vai apresentar seu texto de maneira mais ou menos informativa ou se esse grau de informações será reduzido, o elemento que leva em consideração esses princípios é

98


Texto e linguagem: uma perspectiva dialógica e sociointerativa

a Informatividade. Dessa forma, entende-se informatividade como um fator que diz respeito ao “grau de novidade ou de imprevisibilidade que um texto tem para seus receptores” (BEAUGRANDE; DRESSLER, 1997 [1981] apud OLIVEIRA, 2010). Há, por fim, um elemento pragmático de textualidade que nos remete a relação de dependência existente entre os textos, seja ela no campo de produção e de recepção de um dado texto ou dos prévios conhecimentos já estabelecidos pelo leitor extraídos de textos anteriores. Denomina-se Intertextualidade; esse elemento está presente em praticamente todos os textos e é essencial para se estabelecer a compreensão.

2 O texto como atividade sociointerativa: uma contraposição a antigas concepções

Para a Linguística Textual (LT), a língua é uma prática social com base na cognição, na aquisição do conhecimento. Embora ela também se configure num sistema simbólico, não perde a característica de atividade social e interativa, a qual está situada num contexto sócio-histórico e ideológico. A língua está inserida tanto no tempo - século XXI, por exemplo - como no espaço em que se observa - Estado de Alagoas -, pois permanece em constante movimento. Diante dessa perspectiva, é pertinente verificar o conceito de língua, segundo o estudioso da LT, Luiz Antônio Marcuschi: A língua é um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente situadas. [...] Tomo a língua como um sistema de práticas cognitivas abertas, flexíveis, criativas e indeterminadas quanto à informação ou estrutura. De outro ponto de vista, pode-se dizer que a língua é um sistema de práticas sociais e históricas sensíveis à realidade sobre a qual atua, sendo-lhe parcialmente prévio e parcialmente dependente esse contexto em que se situa. Em suma, a língua é um sistema de práticas com o qual os falantes/ouvintes (escritores/leitores) agem e expressam suas intenções com ações adequadas aos objetivos em cada circunstância (MARCUSCHI, 2008, p. 61).

Como se percebe, a língua não se reduz a aspectos morfológicos, sintáticos ou gramaticais, ou mesmo a uma mera convenção social; a língua não é e nem pode se configurar como algo tão delimitado. Ao contrário disso, é preciso enxergar a diversidade de aspectos que abrangem seu conceito. São tantos que não se pode fechar um conceito de língua capaz de englobar todos os seus meandros. Contudo, é importante ressaltar entre esses, as questões pragmáticas, as cognitivas, as sociais e o próprio funcionamento da língua, em textos orais e escritos, de diversos gêneros e suportes textuais. Enfim, a concepção de língua adotada nesse trabalho relaciona-a à prática social com seus aspectos históricos, culturais e discursivos, ou seja, é a de atividade sociointerativa situada num momento histórico-cultural. De um modo geral, se aceita a ideia de que a comunicação humana acontece por meio de textos, sejam estes orais ou escritos. É impossível estabelecer esta comunicação, de maneira eficaz, utilizando apenas as unidades menores da língua, como os fonemas, morfemas e as palavras soltas. Todos esses recursos não funcionam separadamente para a interação humana, a não ser quando interligadas de maneira coerente afim de compor o que denominamos texto. Já se sabe que um texto não consiste num aglomerado de palavras aleatórias. Para compreender melhor, a LT o define de maneira bastante coerente: “O texto é um evento

99


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas. [...] é um sistema atualizado de escolhas extraído de sistemas virtuais entre os quais a língua é o sistema mais importante” (BEAUGRANDE, 1997 apud MARCUSCHI, 2008, p.72-79). Diante disso, entende-se que o texto funciona como uma entidade significativa capaz de (re)construir o mundo. No entanto, para que suas funcionalidades sejam efetivadas, de fato, é necessário que os interlocutores interajam no interior do texto com a finalidade de (re)construir os sentidos. Entendem-se os sentidos como o efeito funcional da língua, os objetivos desta. Estes só ocorrem quando os interlocutores, situados em um contexto sócio-histórico e ideológico conhecido, se comunicam por meio dos textos. É importante definir a questão do ato de ler como uma prática de constituição de sentidos. Ler, nada mais é do que compreender. Não existe possibilidade de leitura sem compreensão, porquanto esta é o fundamento, a essência da leitura. Para que essa prática social se efetive, na perspectiva de leitura adotada por este trabalho, é antes necessário que autores/leitores (falantes/ouvintes) interajam dentro do evento comunicativo denominado texto, compartilhando de si para o outrem e do outrem para si numa relação dialógica. “A compreensão dependerá das relações que o leitor estabelece com o autor durante a leitura” (KLEIMAN, 2004 p. 37). Em outras palavras, se os interlocutores (sujeitos envolvidos na ação que busca construir sentidos) não interagirem nem dialogarem com o texto, não será possível estabelecer um mínimo grau de compreensão, prejudicando completamente, a produção dos sentidos. Diferente da concepção sociointeracionista e dialógica que a LT tem estudado nas últimas décadas, por muito tempo acreditou-se que a produção textual se configurava numa atividade individual, reduzindo-a a uma simples representação do pensamento do autor. Todavia, o sujeito-autor não controla e constrói o texto de modo solitário ou com base apenas em suas ideias. Quando ele o faz, interage com o outro, com a perspectiva de que a(s) outra(s) consciência(s) o compreenda(m). Em outras palavras, ao escrever o autor vislumbra a representação do seu interlocutor. Embora se acreditasse, por um longo tempo, que o texto não passava de um produto lógico-discursivo de quem o escreveu/falou, como se não houvesse interferência de nenhum outro sujeito, hoje se compreende que o autor da enunciação nunca é senhor absoluto desta. Essa antiga concepção que focava apenas o autor trazia uma grande problemática: despreza-se o fato de que todo e qualquer autor, ao produzir um texto, seja este oral ou escrito, considera uma série de fatores, que não o próprio pensamento. Entre os principais, é pertinente ressaltar o público alvo, ou seja, as características do sujeitointerlocutor idealizado pelo autor no instante da enunciação, que é justamente o tipo de pessoas a quem o texto vai se destinar. Essa característica é decisiva para nortear o processo de produção textual, visto que quando se escreve, por exemplo, para alguém que se tem relação de intimidade/amizade é totalmente diferente de quando se precisa escrever com padrões formais de maior rigidez, como a um prefeito ou autoridade judicial. Ao verificar as consequências dessa concepção de texto dentro do contexto das salas de aula, percebe-se ocorrer uma falta de clareza, por parte do aluno, com relação ao seu interlocutor, que, na maioria dos casos, é apenas o professor (GERALDI, 2001). Nesse sentido, a produção escrita fica bastante comprometida, para não dizer artificializada. A falta de precisão do aluno ao se dirigir ao seu interlocutor decorre justamente de uma i situação comunicativa totalmente artificializada.

100


Texto e linguagem: uma perspectiva dialógica e sociointerativa

Outros fatores determinantes para produção textual são as intenções comunicativas do autor. O processo criativo-produtivo do escritor/falante se dá em virtude deste querer alcançar objetivos previamente definidos como persuadir, reclamar, informar, solicitar, etc. Além disso, levar em consideração as experiências de vida e conhecimentos prévios de seu interlocutor é fundamental para que este tenha base para construir os sentidos a partir do evento comunicativo denominado texto. Aceitar a visão de que o autor da enunciação é senhor absoluto desta é reduzir o complexo processo de produção textual a mera expressão do pensamento, abandonando-se todo o contínuo de interação que envolve locutor e interlocutor num contexto histórico situado (FREIRE, 2011, p. 3).

Outra concepção que também limitava a noção de texto foi a que enfatizava apenas a língua. Entendia-se que o processo de produção textual dependia, exclusivamente, do conhecimento do código linguístico, ou seja, de saber a língua. Essa visão de texto resumido ao código linguístico trouxe inúmeros danos às aulas de Língua Materna, pois mesmo depois de tantos anos de estudos sobre língua, linguagem, leitura, texto e produção textual, ainda existem educadores, alunos e comunidades escolares que acreditam que apenas escreve bem aquele cujo domínio do conteúdo da gramática normativa é saliente; ou quem emprega um vocabulário mais rebuscado. Koch e Elias desconstroem essa concepção e explicam que não se pode considerar a língua como fator suficiente para a escrita. Se isso ocorre, “ o texto é visto como simples produto de uma codificação realizada pelo escritor a ser decodificado pelo leitor, bastando a ambos, para tanto, o conhecimento do código utilizado” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 33). A problemática dessa concepção é justamente essa hipervalorização do código linguístico em detrimento de todo processo sociointerativo e do dialogismo. Obviamente, o domínio do código linguístico é fundamental para o processo de produção textual, especialmente na modalidade escrita, contudo ele, sozinho, não garante nem uma boa escrita, nem uma competência leitora de cunho mais profundo e/ou reflexivo. “O processo de codificar-decodificar é apenas a primeira etapa dentro de um emaranhado complexo que é o ato de escrever” (FREIRE, 2011, p. 4). É claro que a língua na qualidade de convenção é essencial para estabelecer a comunicação humana, porém outros fatores ainda precisam estar presentes para que esta seja eficaz. Entre eles, pode-se citar como o acionamento dos conhecimentos prévios e, é claro, a interação entre estes conhecimentos e o material escrito. Nas palavras de Marcuschi, “[...] um texto não se esclarece em seu pleno funcionamento apenas no âmbito da língua, mas exige aspectos sociais e cognitivos” (MARCUSCHI, 2008 p.65). Para obter-se sentido a partir de um evento comunicativo situado sócio-historicamente, ou seja, interpretar um texto é preciso de sua situacionalidade e de sua inserção cultural, pois “a língua sem contexto é vazia e o contexto sem a língua é cego” (MARCUSCHI, 2008, p. 87).

4 Uma visão bakhtiniana: o texto e seu movimento dialógico

Partindo-se da visão bakhtiniana sobre texto, diz-se que a palavra chave dessa visão é diálogo, uma vez que se defende que a linguagem só existirá onde tiver

101


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

possibilidade de interação dialógica e social; e que a língua não é um sistema abstrato que está acima, sobressaindo-se das situações sociais, pelo contrário, a língua é uma atividade social, bem como é enunciação. Do ponto de vista dialógico e sociointerativo, é perceptível que não se concebe mais a visão de que os sujeitos do evento comunicativo sejam solitários e isolados, nem que entre ambos não haja comunicação/interação discursiva e o texto seja uma unidade estável em que não há dialogismo e discursividade entre leitor/ouvinte e autor/locutor. É inegável que nas atividades de comunicação exista dialogicidade, e que esta se desenvolve por meio de enunciados concretos, e isso ganha maior notoriedade ao se enfatizar que entre autor/falante há dialogismo quando o leitor/ouvinte consegue compreender o que foi dito, podendo a este corresponder de maneira favorável ou não, demonstrando simpatia, acordo ou desacordo, criando estímulo para a ação, e agindo de maneira responsiva. Assim, dar-se existência a atividade responsiva ativa, que surge, justamente, do processo de interação que se correlaciona com a compreensão das enunciações concretas – textos. Sobre a atividade responsiva ativa, o teórico Bakhtin enfatiza o seguinte: [...] o ouvinte ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (totalmente ou parcialmente), completao, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; [...] Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante (BAKHTIN, 2003, p. 271).

A partir do que se percebe que o leitor/ouvinte de um texto não ocupa o papel de sujeito passivo, sem relutar ou opor-se ao que fora dito, como acreditaram os adeptos da concepção em que a escrita tinha foco na língua ou ainda, aqueles que viam a linguagem ser considerada apenas a partir do ponto de vista do falante, sem considerar a necessidade de interação com os outros participantes da comunicação discursiva – o ouvinte/interlocutor. Ao conhecimento prévio do modelo dos gêneros aos quais os indivíduos têm contato por meio da linguagem é que se atem o ato de falar/escrever ou ouvir/ler textos, levando ao entendimento do texto como um todo concluído, ao que se corrobora com Bakhtin ao dizer-se que cada enunciado – texto – é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados. Levando-se em conta a perspectiva de que “a obra é um elo na cadeia da comunicação discursiva; como a réplica do diálogo, está vinculada a outras obras – enunciados: com aqueles às quais ela responde, e com aquelas que lhe respondem” (Bakhtin, 2003, p. 279), é nítido que também os textos mantêm uma interação/dialogismo/interdiscursividade entre si. Visto que a produção de um texto/discurso não acontece no vão do conhecimento; toda produção se relaciona, de alguma forma, com outras que já foram produzidas. Portanto, pode-se afirmar que todo texto é resultante da discursividade e de uma contínua relação de uns com os outros, ao que receberá o nome de intertextualidade. Para que um texto, de fato, atinja seu objetivo, sob a visão de uma nova perspectiva textual, pode-se dizer que ele precisa chegar a seu interlocutor, por isso, no

102


Texto e linguagem: uma perspectiva dialógica e sociointerativa

texto, devem estar contidas algumas perspectivas, a exemplo da promoção de uma interação discursiva, por meio da qual suscitará um processo de interlocução/interação ao fazer uso de uma variedade linguística adequada à situação de interlocução; da apresentação de características que atinjam o nível de textualidade, como recursos gráficos que permitam a leitura e a interpretação do interlocutor; e utilizar o padrão ortográfico e morfossintático adequado ao gênero e à variedade linguística, levando-se em conta, obviamente, as condições de produção e da situação contextual-discursiva. É a harmonia dessas perspectivas que resultará no estabelecimento da real unidade da comunicação discursiva.

Considerações finais

Passados anos de estudos linguísticos, nos quais o texto é o objeto de estudo, constatou-se múltiplas alterações de paradigmas quanto às abordagens de texto, até que se pudesse considerar que o discurso só existe sob a forma dessas enunciações concretas. Estas são produzidas por determinados falantes/escritores, sujeitos do discurso, e que somente por meio de textos – sejam eles orais ou escritas – é que se conserva viva as relações interativas e dialógicas da comunicação humana por meio da linguagem. Entre as mudanças de paradigmas também está a concepção de que as línguas funcionam sob a forma de textos e não de frases soltas ou um simples aglomerado de palavras. Nesse sentido, o texto foi considerado a unidade essencial da comunicação humana. Corrobora-se com Antunes (2009) a esse respeito, ao se enfatizar que as influências que levaram a linguística ao campo da língua como forma de atuação social e atividade de interação dialógica, até chegar à textualidade foram procedentes de muitas direções, dentre elas, da área da pragmática e das perspectivas interacionais da linguagem. O que, então, encaminhou para duas ideias, a de que o uso da linguagem é uma maneira de agir e interagir socialmente com os outros, e a de que a interação e a comunicação somente realizam-se através de textos. O estudo linguístico do texto também remete a falar, indiscutivelmente, sobre leitura, e a esse respeito diz-se que a leitura não é uma atividade que só ocorre na escola, mas ela possui diversas funções sociais. Lê-se com diversos objetivos: para fruição, deleite ou prazer; para reflexão; para aquisição de conhecimentos de um modo geral (informações sobre a comunidade e o mundo, etc.); para fins de estudo e/ou trabalho, também chamada de leitura instrumental; para entretenimento; entre outras diversas funções envolvidas nas atividades humanas. Admite-se, assim, que a comunicação humana se efetua por meio de textos, sejam eles orais ou escritos, que se configuram como práticas discursivas. Concebendo-se a linguagem discursiva como propagadora da dialogicidade e da sociointeração entre os sujeitos do discurso, afirma-se que estas se realizam sob a forma de enunciações concretas – textos – concebidas como eventos comunicativos, situados sóciohistoricamente e, salienta-se, que toda enunciação concreta precisa ser produzida, independente do gênero em que se enquadre, considerando-se as possíveis atitudes de seu interlocutor, afinal, ninguém escreve/fala para não ser lido/escutado. E o ouvinte/leitor assume um papel de relevante importância para a realização da comunicação discursiva, já

103


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

que ele não será um leitor/ouvinte passivo, será um ativo parceiro-interlocutor nesse elo de comunicação discursiva. Afinal de contas, as novas concepções do estudo do texto, levam à percepção de que a essencialidade do texto desenvolve-se na fronteira da consciência dos sujeitos do discurso, escritor-falante/leitor-ouvinte, que se tornam parceiros desse evento comunicativo, mesmo sem que conheçam um ao outro. Assim, concebe-se o texto como um elo de enunciações da comunicação discursiva, que vem repleto de interação, dialogismo e interdiscursividade. Os estudos linguísticos discursivos que têm como objeto de estudo o texto têm amplas vertentes, estão sendo cada vez mais disseminados e não se findam com o trabalho em tela. A importância da discussão e do estudo sobre o texto é inegável e de grande valia para a desmistificação de antigos paradigmas, e esse trabalho é apenas uma das vertentes pelas quais o estudo do texto pode ser aprofundado em prol da atividade verbal que é indispensavelmente textual.

Notas i

O aluno, de um modo geral, não escreve por querer comunicar algo, não parte dele a intenção comunicativa. Geralmente ele escreve por precisar de uma nota, ou seja, apenas para ser avaliado. Isso desencadeia uma falta de precisão ao escrever para um interlocutor que, a princípio, ele não pretendia (seu professor). Além disso, seu processo de produção está condicionado à nota e não a uma finalidade comunicativa real. Desse modo, a situação comunicativa torna-se artificial. Para aprofundar a discussão ler GERALDI, João Wanderley et al (Orgs.). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2001.

Referências

ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola, 2009. BAKHTIN, Mikhail. Gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal: introdução e tradução do russo Paulo Bezerra; prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. FREIRE, José Adailton Cortez. Produção textual: uma atividade sociointerativa: foco no escritor, na língua ou na interação? In: ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM ALAGOAS, 6, 2011. Maceió. Anais... Maceió, 2011. GERALDI, João Wanderley. et al (orgs.). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2001. KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 10 ed. Campinas: Pontes, 2004. KOCH, Ingedore Villaça. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006. ______. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2010.

104


Texto e linguagem: uma perspectiva dialógica e sociointerativa

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria e prática. São Paulo: Parábola, 2010. SECRETARIA DE EDUCAÇ ÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental:Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.

105


TRABALHO IMATERIAL NO PROCESSO DE INDIVIDUALIZAÇÃO: CONCECTANDO E DESCONECTANDO OS INDIVÍDUOS

Alysson Hubner*

Resumo O artigo procura analisar algumas das transformações do trabalho na sociedade contemporânea. O ensaio inicia com o questionamento do conceito de trabalho enquanto categoria fundamental para a sociologia em Offe (1989), e as transformações do significado social do trabalho a partir da análise de Beck (2003). A seguir são analisadas algumas das especificidades do trabalho imaterial em Gorz (2005), que indica a “mobilização total” e o “auto-empreendedor” como algumas das novas formas assumidas por esta forma de trabalho, sendo possível correlacioná-las ao processo de individualismo institucionalizado observado por Beck (2003), como um mecanismo que torna suscetível tais processos. O final do ensaio sugere que o trabalho imaterial pode ser analisado a partir de um duplo processo, que conecta os indivíduos a partir da desterritorialização da cooperação das empresas, mas que pode desconectá-los simultaneamente, a partir da interiorização do mercado (BECK, 2003), bem como da informalização analisada por Antunes (2007). Palavras chave: Trabalho imaterial. Individualização. Auto-empreendedorismo.

Abstract This article aims to analyze some of the transformations of work in contemporary society. The essay begins with the questioning of the concept of work as a fundamental category for sociology in Claus Offe (1989), and the changing social meaning of work from the analysis of Ulrich Beck (2003). The following are considered some of the specifics of immaterial labor in Andre Gorz (2005), that indicates the "total mobilization" and "selfstarter" as some of the forms taken by this new way of working, is possible to relate them to the process of institutionalized individualism observed by Beck (2003), as a mechanism that makes it susceptible to such processes. The end of the test suggests that the immaterial labor can be analyzed from a double process, that connects individuals from the deterritorialization business cooperation, but that can disconnect them both from the internalization of the market (Beck, 2003), as well as informalização by Antunes (2007). Keywords: Immaterial work. Individualization. Self-entrepreneurship.

*Doutorando em Sociologia - UFPB - alyssonhubner@yahoo.com.br


Trabalho imaterial no processo de individualização: conectando e desconectando os indivíduos

Introdução

Em que medida as categorias sociológicas clássicas são ainda suficientes para a observação da sociedade contemporânea no que tange as relações sociais relativas ao trabalho? É possível aproximar o pensamento de Clauss Offe e Ulrich Beck no que se refere aos questionamentos dos autores, que indicam e sugerem a necessidade da reformulação teórica na sociologia, a fim de captar a nova realidade social presente no mundo do trabalho - como será visto, Beck (2003) observa que a sociologia tem utilizado “categorias zumbis”. Assim, as noções de “capitalismo cognitivo”, “economia do imaterial”, “sociedade do conhecimento”, dentre outras, estariam emergindo como uma tentativa de conceituar esta nova dinâmica das relações sociais, bem como do mundo do trabalho (Gorz, 2005). Outra interface que é possível estabelecer entre os dois autores é a observação da denominada “cultura do desemprego” (OFFE, 1989) e os “desempregados voluntários” analisados por Ulrich Beck (2003), o que estaria alterando significativamente a compreensão do significado do trabalho enquanto um valor social. A vigência do trabalho imaterial analisada por Gorz (2005) e as especificidades desta forma de trabalho, também contribuem para uma condição sui generis nas relações sociais, como no caso da “mobilização total”, processo em que o trabalho passa a invadir outras esferas sociais para além do trabalho. Como será analisado, este contexto de “mobilização social” caracterizado por André Gorz (2005) só é possível a partir do individualismo institucionalizado observado por Ulrich Beck (2003), na qual está presente o processo de individualização, que torna concomitantemente suscetível o “autoempreendedor” (GORZ, 2005), sugerindo que a “pessoa torne-se uma empresa”. No final, o trabalho imaterial é analisado a partir de uma perspectiva dupla (um aparente paradoxo), em que os indivíduos passam a estar conectados e desconectados simultaneamente. A conexão ocorre através da desterritorialização da cooperação das empresas (BECK, 2003) que permite o exercício do trabalho em locais separados geograficamente, processo também compreendido sob a perspectiva da globalização. Por outro lado a desconexão pode ocorrer em situações provenientes da dinâmica da “gestão por objetivos” (GORZ, 2005) que implica no estabelecimento de determinadas metas, que uma vez atingidas desvinculam os indivíduos, como no caso dos trabalhadores temporários. Esta última situação também pode ser observada pela ótica da informatização estar acompanhada pela informalização (ANTUNES, 2007), em que, de acordo com o autor, a retirada do Estado nas questões relativas ao trabalho, estaria desprotegendo os trabalhadores, desconectando-os das funções que outrora eram do Estado.

1 Trabalho imaterial no processo de individualização

A análise do trabalho enquanto categoria fundamental a partir da perspectiva sociológica é problematizada por Claus Offe (1989). De acordo com o autor, nas tradições

107


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

clássicas da sociologia, o trabalho ocupa uma posição de destaque, uma condição estratégica na teoria social. Mesmo havendo diferenças metodológicas e nos resultados teóricos nas abordagens de Marx, Weber e Durkheim, o trabalho é central enquanto um dado social, constituindo o ponto de partida empírico dos autores, na qual o trabalho ocupa um sentido quantitativo “em sua forma pura, isto é, livre da imiscuição de outras esferas da ação e das funções sociais” (OFFE, 1989, p.14). Claus Offe passa a questionar se essas suposições macro sociológicas clássicas podem ser sustentadas hoje. Os temas das pesquisas nas ciências sociais (conferências, publicações, monografias, dissertações, teses, etc.), estariam colocando o trabalho produtivo como algo não central enquanto um princípio organizador da vida social, sendo este decréscimo observado de maneira gradual ao longo das últimas décadas – década de 50 em diante (OFFE, 1989). O deslocamento da esfera do trabalho se reflete nas pesquisas sobre os papéis dos sexos, da família, da saúde, bem como no denominado “subjetivismo sociológico”, pautado em pesquisas acerca do cotidiano, sugerindo que “as experiências feitas no trabalho e o potencial de conflitos daí resultante são constituídos, fragmentados e diferenciados por interpretações próprias ou alheias, elaboradas fora do ambiente de trabalho” (OFFE, 1989, p.17). A partir desta constatação, Clauss Offe passa a analisar três indícios para sugerir que o trabalho não ocupa uma posição de centralidade como outrora. O primeiro indicativo refere-se aos aspectos múltiplos do trabalho, a sua fragmentação qualitativa que impossibilita tomá-lo como ponto de partida analítico para compreensão de identidades, agregados culturais, políticos e sociais (OFFE, 1989). Assim, estes agregados sociais para além do trabalho, e fragmentados dentro do próprio trabalho, estão inseridos em esferas nas quais os que trabalham não são ‘empregados’, mas sim membros de famílias ou de unidades domésticas, de entidades compulsórias como exércitos e prisões, ou de uma economia subterrânea (ou de trabalho clandestino) semilegal ou criminalizada (OFFE, 1989, p. 22).

Embora o “setor secundário” focado na produção industrial ainda possua uma relativa homogeneidade, isso não estaria ocorrendo com o “setor terciário”, caracterizado pelo trabalho em serviços, tornando-se progressivamente reflexivo. Deste modo, o trabalho na produção de serviços se difere da produção de bens em vista da função técnica do trabalhador ser mais flexível, não marcada pela repetição, bem como nas “utilidades” prestadas. (OFFE, 1989). Como consequência, na produção de tal bem não poderia ser prédeterminado seu volume, tempo, local, características que delimitam seu critério de economicidade (OFFE, 1989). Embora o trabalho em serviços seja indispensável funcionalmente, ele não é estruturado internamente. As especificidades desta forma de trabalho de acordo com Clauss Offe caracterizam-no como “corpo estranho imprescindível”, passando a ser qualificado, portanto, por essa ambivalência de dependência e especificidade. A segunda dúvida lançada por Offe advém da centralidade do conceito de trabalho para aqueles que trabalham. Desta maneira, o autor analisa dois mecanismos que “fariam o trabalho desempenhar um papel central na organização da existência pessoal” (OFFE, 1989, p.26). O primeiro é a normatização como obrigação, em que o trabalho seria moralmente

108


Trabalho imaterial no processo de individualização: conectando e desconectando os indivíduos

correto. O segundo é a instalação como imposição, na qual o trabalho é uma condição de sobrevivência física. Assim, seria preciso verificar o colapso de um ou outro mecanismo. Quanto ao primeiro aspecto constata-se a irrelevância da esfera do trabalho proveniente da desagregação dos ambientes de vida caracterizado por um “contexto de vida secundariamente composto pelo trabalho, por tradições familiares vinculações a organizações, lazer, consumo e instrução” (OFFE, 1989, p. 28). Esta evasão da esfera do trabalho advém da falta de continuidade na vida profissional, assim como na diminuição do tempo dedicado ao trabalho, tendo como consequência outros aspectos que passam a constituir a vida dos sujeitos, uma vez que “se expande cada vez mais o tempo livre, no qual outras experiências, orientações e necessidades são determinantes” (OFFE, 1989, p. 28). Assim, o trabalho constitui um aspecto dentre outros na formação das identidades coletivas e individuais. A partir dos anos 70 observa-se que as lutas por melhores condições de trabalho migraram em parte para lutas contra o trabalho, uma vez que o trabalho perde em grande medida seu caráter de normatização como obrigação, implicando em uma utilidade negativa do trabalho, transferindo os valores da “sociedade do trabalho” para uma “cultura do desemprego”, seja ela por instabilidade ou permanência (OFFE, 1989). Parte deste aspecto é analisado por Ulrich Beck (2002). De acordo com o autor, em um determinado momento o trabalho que se impõem como princípio da sociedade burguesa possibilita o controle por parte das estruturas sociais, em que as biografias e as identidades dos sujeitos necessariamente passavam a ser constituídas por seu princípio (externamente aos indivíduos). Já a situação de “desemprego voluntário” (observado como uma realidade social contemporânea) coloca em xeque tais princípios pautados no sentido do trabalho de outrora, pois esta iniciativa presente no contexto alemão (mais especificamente na capital, em Berlim) os denominados “Desempregados Voluntários” afirmam que nós, desempregados, nada temos de desempregados nesse sentido, somos “plenamente ocupados”, sabemos muito bem nos ocupar. No entanto, precisamos do auxílio-desemprego para fazermos o que nos é importante (BECK, 2002, p.166).

Nesta peculiar perspectiva, os espaços que tais sujeitos ocupam na sociedade são novos, na medida em que eles percebem-se fora da sociedade do trabalho, na qual os mesmos possuem atividades que acreditam serem relevantes para eles mesmos, inaugurando uma nova forma de existência, para além da forma de trabalho produtiva padronizada, mas preocupada mais com o prazer dos próprios sujeitos, centrada pela perspectiva do indivíduo, fundando uma especificidade no significado social do trabalho para os trabalhadores, qualidade de uma sociedade pós-trabalho (BECK, 2002). Neste aspecto de transformação, o “trabalho foi deslocado de seu status de fato vital central e óbvio não apenas em termos objetivos, mas também perdeu tal status na motivação dos trabalhadores” (OFFE, 1989, p.33). Assim, o trabalho se altera em dimensões mais amplas, atingindo concomitantemente aos aspectos subjetivos e objetivos. A terceira observação de Clauss Offe refere-se ao questionamento da validade dos conceitos de “sociedade industrial” e de “capitalismo” para a formulação teórica da sociologia. A partir deste questionamento, o autor chega a seguinte indagação:

109


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012 essa é a questão - quais seriam os conceitos estruturais e as noções de conflito sociologicamente aplicáveis à descrição de uma sociedade que, no sentido apontado, não é mais uma ‘sociedade do trabalho’? (OFFE, 1989, p. 34).

A necessidade da formulação de uma teoria que procure captar os novos aspectos sociais para além do trabalho, no que tange a política, a cultura e as demais esferas sociais, estão ligadas a atualização da teoria na procura da analise destas esferas sociais dinâmicas. Estes conceitos que não se coadunam a nova realidade social Ulrich Beck (2002) denomina de categorias zumbi, as quais condicionam a visão da realidade social que não condiz a observação da mesma realidade. Assim: “Categorias zumbis são categorias mortas-vivas que nos assombram a mente e determinam a nossa visão de realidades as quais desaparecem cada vez mais.” (BECK, 2002, p.14). Neste ponto os dois autores passam a indicar a necessidade de uma reformulação da teoria sociológica. Para Clauss Offe (1989), na perspectiva do trabalho vinculado as estruturas sociais que lhe dizem respeito, existiriam elementos teóricos claros suscetíveis de operacionalizar esta relação entre práticas sociais observadas e a construção teórica. Entretanto, na perspectiva dos aspectos ligados ao “modo de vida” esta construção teórica seria menos clara. A fim de demonstrar as alterações na dimensão do trabalho, Beck (2002) indica algumas destas transformações partindo de um breve resgate do seu significado histórico. O trabalho na Antiguidade grega possuía uma conotação de estigma, na qual os sujeitos que trabalhavam não eram considerados membros da sociedade, uma vez que a estrutura social era eminentemente política (constituição da comunidade política), sendo até mesmo negada as atribuições humanas as mulheres e escravos (aqueles que trabalhavam) que eram por sua vez excluídos do processo político (BECK, 2002). A partir da Primeira Modernidade começa a ocorrer uma redefinição do trabalho, em que este passa a incorporar a centralidade da identidade social, bem como da segurança existencial e posição dos sujeitos na sociedade (o que se reflete na centralidade do conceito trabalho na teoria sociológica clássica observada anteriormente em Clauss Offe). Na Segunda Modernidade a transformação do significado do trabalho passa novamente a ser alterada, mas agora para o seu esvaziamento, “pode-se dizer que estamos no fim da sociedade do pleno emprego no sentido clássico” (BECK, 2002, p. 160-161). A situação de pleno emprego, em que o sujeito passava a exercer um determinado trabalho por toda sua vida, converte-se em uma realidade cada vez menos verificada, tornando-se fragmentada (nas dimensões espacial, temporal e contratual), em parte pela tecnologia da informática, passando o trabalho a caracterizar-se pela sua flexibilização (BECK, 2002). Dentre as maiores modificações na análise do trabalho no que se refere à tecnologia do trabalho apontada por Beck (2002), está relacionada à emergência e vigência do trabalho imaterial (GORZ, 2005). O pertencimento da cultura do cotidiano, que se refere ao “saber da experiência, o discernimento, a capacidade de coordenação, de autoorganização e de comunicação” (GORZ, 2005, p. 9). A dificuldade nesta peculiaridade de trabalho está relacionada à verificação dos fatores que determinam a criação de valor, pois desde Adam Smith o valor poderia ser mensurável pelo tempo de trabalho, entretanto, os “fatores que determinam a criação de valor são o ‘componente comportamental’ e a motivação e não o tempo de trabalho dispendido” (GORZ, 2005, p. 9-10).

110


Trabalho imaterial no processo de individualização: conectando e desconectando os indivíduos

Neste contexto de predomínio do trabalho imaterial está presente o individualismo institucionalizado - processo de individualização (BECK, 2002) – processo em que as instituições básicas centrais da sociedade, como a educação, os direitos socais, políticos e civis, assim como as oportunidades de participação no mercado e trabalho e os processos de mobilidade, estarem voltadas para o indivíduo, não para o grupo ou a família. Isso acelera o conjunto da individualização (BECK, 2002, p. 23).

A individualização acompanha à própria concepção das empresas, pois os indivíduos passam a se transformar em empresas, dando margem a auto exploração, situação na qual as comunicações dos empreendedores afirmam que: “A pessoa é uma empresa” (GORZ, 2005, p.10). “A pessoa deve, para si mesma, tornar-se uma empresa.” (Idem, p.23). Tais situações são verificadas, sobretudo, nos setores vinculados a arte, a ciência e a tecnologia, mas especialmente a inovação, como por exemplo, o marketing e a propaganda que tornam obsoletos os produtos existentes, em vista da dinâmica da criação deste processo que fabrica por sua vez “valores simbólicos, estéticos e sociais” (GORZ, 2005, p. 11). O “capitalismo cognitivo”, a “economia do imaterial”, a “sociedade do conhecimento” e o “capital da inteligência” são algumas das noções que emergem neste contexto para caracterizar a sociedade, aonde o “conhecimento (knowledge) é considerado como a ‘força produtiva principal’” (GORZ, 2005, p. 15). Tal conhecimento está relacionado à tríade: inteligência, imaginação e saber, que juntos compõem o “capital humano” (GORZ, 2005). É importante salientar uma diferença substancial na produção aplicada ao conhecimento, sendo que antes este conhecimento era aplicado a partir de conteúdos formalizados, e estava, portanto, desvinculado do indivíduo, em que o mesmo para produzir, apenas reproduzia sem que houvesse possibilidades de inovação a partir do indivíduo. Agora o conhecimento está vinculado ao indivíduo, na medida em que a produção e o seu desenvolvimento consideram a sua motivação, competência e imaginação a fim de produzir e criar a partir do próprio indivíduo, estando à produção sujeitada a ele, conecta concomitantemente a inovação ao mesmo. O desempenho repousa sobre sua implicação subjetiva, chamada também ‘motivação’ no jargão administrativo gerencial. O modo de realizar as tarefas, não podendo ser formalizado, não pode tampouco ser prescrito. O que é prescrito é a subjetividade... As qualidades... que dele são esperadas, são o discernimento, a capacidade de enfrentar o imprevisto, de identificar e de resolver problemas (GORZ, 2005, p.18).

Como nesta situação fica impossível mensurar o trabalho imaterial, para poder atingir suas finalidades as empresas consideram os objetivos, traçando metas para os trabalhadores atingirem, ganhando notoriedade no meio administrativo a denominação de “gestão por objetivos” (GORZ, 2005). Essa forma de trabalho se assemelha a prestação de serviços, acabando por deixar o trabalho material marginalizado. Embora o trabalho material continue a ser indispensável ele torna-se subalterno, uma vez que o trabalho imaterial cresce de maneira gradativa, predominando sobre o trabalho material, sobrepondo-se a ele, pois “o centro da criação de valor, é o trabalho imaterial” (GORZ, 2005, p.19).

111


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

No trabalho imaterial, o trabalho passa a se estender para além do trabalho a fim de atingir seus objetivos vinculados as metas. Pois a questão que emerge é a seguinte: em quais momentos o trabalhador exercita a capacidade de improvisação e cooperação que lhes são exigidos? Gorz (2005) afirma que o fordismo separa o cotidiano da esfera do trabalho. Essa relação se inverte para os trabalhadores pós-fordista, uma vez que o trabalho invade os demais espaços dos indivíduos, sendo justamente nas atividades fora do trabalho (lazer, esportes, jogos, lutas, disputas, teatro, etc.) que os trabalhadores adquirem as capacidades de cooperação e improvisação (GORZ, 2005). Para caracterizar este processo novo de invasão do trabalho para as outras esferas sociais, o autor denomina de “exploração de segundo grau”. Para Gorz (2005) o saber vivo está conectado em rede, sincronizado com outros saberes, e sua atividade é produzir a si mesmo a partir do princípio da continuidade renovada, da inovação. Diferentemente do trabalho material que produz algo materialmente palpável, o “trabalho do saber vivo não produz nada materialmente palpável” (GORZ, 2005, p. 20). Um exemplo desta conexão dos saberes são os computadores partilhados de maneira universal, sendo um instrumento de livre acesso. Gorz (2005) utiliza a noção de “mobilização total” para compreender esta característica de invasão do trabalho para outras esferas da ação dos trabalhadores. Assim, no trabalho imaterial a produção de si apela para as atividades livres (como as afetivas), localizadas fora do trabalho, trazendo como implicação dificuldades para considerar o que esta do lado de “dentro” e do lado de “fora” do trabalho (GORZ, 2005). Com isso, ao invés de haver um encolhimento ou uma diminuição do trabalho para aqueles que trabalham, ficando este restrito apenas a sua esfera de ação imediata, ocorre justamente o contrário, pois ele invade outras dimensões, expandindo-se para além do trabalho. Embora possa existir uma relativa liberdade por parte do trabalhador para poder escolher os momentos de exercer a sua atividade (parte do que se entende por flexibilização do trabalho), não é possível para o trabalhador desvincular-se dos objetivos a serem atingidos, o que implica por um lado uma relativa liberdade de tempo e espaço de exercício da atividade laboral, decorre em uma “mobilização total” por parte do trabalho, em que o sujeito passa a estar constantemente submetido. O mesmo ocorre na situação do auto-empreendedor, que além de atingir os determinados fins, os denominados objetivos, precisa ele vincular para si todos os aspectos da empresa, intensificando o individualismo institucionalizado (BECK, 2002) citado anteriormente. Desta maneira, muito além dos fins, das metas estipuladas, o indivíduo necessita vincular os meios empregados presentes na gestão da empresa, extrapolando mais uma vez a dimensão da ação na esfera do trabalho, cabendo a ele – e não a empresa ou ao Estado – o papel da qualificação para a sua inserção. Nessa concepção, haverá apenas empresas individuais de prestação de serviços individuais. Cada um deverá se sentir responsável por sua saúde, por sua mobilidade, por sua adaptação aos horários variáveis, pela atualização de seus conhecimentos. Cada um deverá gerir seu capital humano ao longo de sua vida, deverá continuar a investir em estágios de formação... (GORZ, 2005, p. 24).

De acordo com Gorz (2005) cerca de 90% das cem maiores empresas americanas serão formadas por trabalhadores instáveis (autônomos, substitutos, temporários, etc.). Estes auto empreendedores estariam crescendo significativamente na Grã-Bretanha, Itália e

112


Trabalho imaterial no processo de individualização: conectando e desconectando os indivíduos

Suécia, sendo que às consequências para as empresas é de não investir na qualificação dos trabalhadores (estejam eles inseridos na empresa, ou sendo submetidos à avaliação para contratação), podendo apropriar-se dos mesmos sem custos para as empresas (GORZ, 2005). A noção de empresa é marcada por um duplo processo que envolve a desterritorialização da cooperação e a interiorização do mercado (BECK, 2003). A primeira é o resultado da cooperação desvinculada de espaços sociais próximos, mas que estão conectados distantes uns dos outros, interagindo em locais geograficamente heterogêneos e distantes, mas que possibilitam a organização e cooperação (Idem, 2002). A segunda refere-se “a possibilidade de tornar autônomos os setores que, possivelmente, se relacionem entre si nos moldes do mercado” (BECK, 2002, p. 177). Este último processo suprime a unidade da empresa. Através da desterritorialização da cooperação é possível ser compreendido o processo de globalização, amplamente disseminado na teoria sociológica, que permite compreender o distanciamento do tempo-espaço através do desencaixe, assim como o aniquilamento das fronteiras e a emergência dos Estados transnacionais (BECK, 199). Já o processo de interiorização do mercado (BECK, 2002) possibilita compreender o advento do auto-empreendedor (GORZ, 2005) e vice-versa. O autoempreendedor necessita buscar por si só a qualificação necessária a fim de conseguir o emprego almejado, bem como manter-se inserido (ou com possibilidades de sê-lo) na empresa. Esta situação só é possível em vista da interiorização do mercado, que torna os sujeitos autônomos, aniquilando uma possível unidade de organização, pois torna a noção de centro sem sentido, uma vez que ela está fragmentada. O trabalho imaterial pode ser compreendido a partir de um duplo processo que conecta e desconecta os indivíduos: a parte que conecta os sujeitos é própria da dinâmica em rede, na qual os indivíduos passam a estar vinculados independentemente dos espaços sociais em que estão inseridos. Por outro lado, desconecta os indivíduos das empresas em dois sentidos: um no que se refere à qualificação ou ao aperfeiçoamento, uma vez que a individualização sugere que os indivíduos busquem tais escopos por si. E também no nível da autonomia, pois uma vez atingido os objetivos, como no caso da prestação de serviços (o que André Gorz observa na denominada “gestão por objetivos”) estes mesmos indivíduos passam a estar desconectados desta mesma rede, caso estejam inseridos nos trabalhos temporários. Situação similar e aparentemente paradoxal é observada por Antunes (2007), que percebe de que maneira tecnologia caminha com a informalidade, ou seja, a informatização tem acompanhado a informalização: “em plena era da informatização do trabalho, do mundo maquinal, e digital, estamos conhecendo a época da informalização do trabalho, dos terceirizados...” (ANTUNES, 2007, p. 16). Este surgimento dos cyberproletários, e outros trabalhadores subcontratados, estariam distantes da legislação trabalhista, estando os trabalhadores cada vez mais desprovidos de direitos, sem carteira de trabalho, fato o que o autor denomina de “processo de precarização estrutural do trabalho” (ANTUNES, 2007, p. 17), em que ocorre o desmantelamento da legislação protetora dos trabalhadores.

113


Revista Científica do IFAL, v. 1, n. 4, jan./jul. 2012

Na conjuntura política a retirada do Estado de Bem-Estar-Social (Welfare State) é que possibilita tal situação (ANTUNES, 2007), uma vez que o papel do Estado passa a ser modificado, tornando suscetíveis as “regras” relativas ao Estado mínimo regerem os princípios empregatícios. Neste sentido, a consequência da retirada do Estado nas funções de proteção aos trabalhadores, desconecta mais uma vez o indivíduo, agora na sua relação com o Estado. Esse “novo” tipo de trabalho para Antunes (2007) é multifuncional, coloca em xeque o princípio da especialização, e gera, por sua vez, a “desespecialização multifuncional”. A “mobilização total” a que se refere Gorz (2005) pode ser analisada sob a ótica de Antunes (2007) como a ampliação da exploração do trabalho, na medida em que este possui como resultado a intensificação da extração de trabalho.

Conclusão

A partir do exposto foi possível observar algumas das transformações da sociedade e na esfera do trabalho na contemporaneidade apontadas pelos autores. A observação da emergência da “cultura do desemprego” (OFFE, 1989) e dos “desempregados voluntários” (BECK, 2003) são alguns dos elementos que constituem o alicerce da crítica ao trabalho enquanto um valor social. Neste sentido, é possível inferir que estes fatos não podem ser negligenciados pela teoria social, o que implica numa relativa redefinição da teoria sociológica. As noções de “trabalho imaterial”, “mobilização total”, “auto-empreendedor”, “gestão por objetivos” (GORZ, 2005), bem como de “individualização” (BECK, 2003), são alguns dos instrumentos analíticos que emergem da observação desta nova realidade, permitindo articulá-los entre si a fim de capturar as especificidades destas relações da sociedade contemporânea. As conexões e desconexões dos indivíduos a partir destas novas dinâmicas estão inseridas numa conjuntura social e política que articula e desarticula as relações dos indivíduos com as estruturas sociais existentes, na qual os indivíduos tornam-se (ou precisam tornar-se) flexíveis a fim de estarem empregados ou encontrar o seu trabalho. Esta flexibilidade está relacionada a momentos que os indivíduos estão isolados, jogados a própria sorte, mas que estão conectados concomitantemente, uma vez inseridos no processo.

114


Trabalho imaterial no processo de individualização: conectando e desconectando os indivíduos

Referências

ANTUNES, Ricardo. Dimensões da precarização estrutural do trabalho. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (Orgs.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007. BECK, Ulrich. Liberdade ou Capitalismo. UNESP: São Paulo, 2003. BECK, Ulrich. O que é Globalização? equívocos do globalismo: respostas à globalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo: AnnaBlume, 2005. OFFE, Clauss. Trabalho e Sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho, v. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

115



EDUCTE - Revista Científica do Instituto Federal de Alagoas NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

Informações gerais A Revista EDUCTE aceita para publicação trabalhos inéditos, escritos em português, resultantes de estudos teóricos e pesquisas que incidem na produção do conhecimento em suas diversas áreas científicas. A avaliação dos trabalhos será realizada por membros do Conselho Editorial ou por pareceristas ad hoc. Eventuais sugestões de modificações por parte da editoria serão elaboradas com o consenso dos autores. Os textos assinados expressão opiniões de exclusiva responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente o ponto de vista do Conselho Editorial. Procedimentos para submissão Como parte do processo de submissão, os autores devem verificar a conformidade com todos os itens listados a seguir: a Formatação Os artigos devem ser apresentados de conformidade com as seguintes normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): NBR 6022 - Apresentação de artigos em publicações periódicas; NBR 6028 - Resumos; NBR 6024 - Numeração progressiva; NBR 6023 – Referências; NBR 10520 – Citações. O número máximo de laudas deve oscilar entre 8 e 15 para os trabalhos (artigos, tema de debate, relato de experiência, resenha, etc.); As laudas devem ser digitadas em espaço simples, Fonte Times New Roman, corpo 12, com margens superior e esquerda – 3 cm, inferior e direita - com 2 cm; Os artigos devem apresentar, no início, um resumo de no máximo 250 palavras contendo objetivos, métodos e considerações finais com no máximo cinco palavras-chave, separadas por traço. Logo abaixo, devem apresentar uma versão em inglês (abstract e keywords). b Referências Devem estar listadas apenas as referências efetivamente empregadas na redação do artigo. A exatidão das referências e sua correta citação no texto são de responsabilidade do autor. Devem ser ordenadas alfabeticamente pelo sobrenome do primeiro autor, sem abreviações. c Citações Todas as citações diretas ou indiretas devem ser incorporadas ao texto e constar nas referências. Devem subordinar-se à forma (AUTOR, data) e (AUTOR, data, página). d Notas As notas devem ser objetivas, numeradas e vir no final do artigo e não em rodapé. Para ênfase ou destaque utilizar negrito. e Tabelas, quadros e figuras Devem ser apresentados o mais próximo possível do texto a que se referem, numerados consecutivamente com algarismos arábicos e possuindo títulos breves. f Abreviaturas e siglas Devem ser precedidas do nome completo quando citadas pela primeira vez. Não devem ser utilizadas no título e no resumo e seu uso deve ser limitado.

A contribuição deve ser original e inédita e não estar sendo avaliada para publicação em outra revista. Todos os endereços de páginas na Internet (URL’s), incluídas no texto, devem estar ativos. O texto deve seguir os padrões de estilo e requisitos bibliográficos descritos. Todas as colaborações devem ser digitadas no programa Word.doc e enviadas por meio eletrônico para a EDUCTE (revista.educte@ifal.edu.br), em dois arquivos: - um identificado como Ficha de Inscrição, onde constam os elementos de identificação (nome completo do autor, créditos, afiliação institucional de cada autor, endereço postal, número de telefone e endereço eletrônico); - uma cópia do artigo constando título, resumo, palavras-chave na língua vernácula e em língua estrangeira e o desenvolvimento do trabalho. As folhas devem ser numeradas na margem superior direita; A Comissão Editorial da EDUCTE se reserva o direito de introduzir alterações nos originais,visando manter a homogeneidade e a qualidade da publicação, respeitando, porém, o estilo e a opinião do autor.


As revisões lingüísticas, semânticas e discursivas serão por conta exclusiva dos autores. Os autores receberão como direitos autorais 2 (dois) exemplares da revista publicada. Os artigos publicados na EDUCTE podem ser reimpressos total ou parcialmente, desde que seja obtida autorização expressa da direção da revista e do respectivo autor e seja consignada a fonte da publicação original. A EDUCTE faz opção pelo uso de nota bibliográfica no corpo do artigo. As notas explicativas deverão vir no final do texto, se explicativas. Em hipótese alguma serão aceitos trabalhos que não respeitarem esses quesitos. Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.

Envio de correspondência para: Instituto Federal de Alagoas – IFAL Campus Maceió A/C do Conselho Editorial EDUCTE Rua Odilon Vasconcelos, 103 - Jatiúca 57.035-350 Maceió-AL revista.educte@ifal.edu.br

Conselho Editorial Manoel Santos da Silva (Presidente) Danielle Cotta de Melo Nunes da Silva (Secretária) Maria Luciane da Silva (Revisor de Textos) Maria Lucilene da Silva e Eunícia Canuto (Revisores de Normas Técnicas) Eunícia Canuto (Bibliotecária) Daniel Carvalho dos Santos (Produtor Gráfico) Gilton José Ferreira da Silva (Diagramador)



INSTITUTO FEDERAL ALAGOAS

Instituto Federal de Alagoas Rua Mizael Domingues 75, Po莽o CEP: 57020-600 Macei贸 - AL


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.