Descobrindo a potência da literatura nas trilhas da Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil

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Descobrindo a potência da literatura nas trilhas da

Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil

Ficha técnica

Autora:

Maria do Carmo Rezende

Colaboradoras:

Alessandra Latalisa de Sá

Ana Cláudia Figueiredo Brasil Silva Melo

Eliana Crepaldi Santos

Fernanda Câmpera Clímaco

Mariana Parreira Lara do Amaral

Mônica Correia Baptista

Rita de Cássia Costa Teixeira

Soraya Farias Pereira Pêgo

Diagramação

Laura Maria Oliveira

Desenvolvido como produto de pesquisa no Mestrado Profissional em Educação

PROMESTRE/FAE – UFMG, sob orientação da Professora Doutora Monica Correia Baptista e coorientação da Professora Doutora

Alessandra Latalisa de Sá.

Belo Horizonte, MG 2022

FICHA CATALOGRÁFICA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

R e z e n d e , M a r i a d o C a r m o

P o r u m p a í s d e l e i t o r e s [ l i v r o e l e t r ô n i c o ] :

D e s c o b r i n d o a p o t ê n c i a d a l i t e r a t u r a n a s t r i l h a s

d a c o l e ç ã o l e i t u r a e e s c r i t a n a e d u c a ç ã o i n f a n t i l /

M a r i a d o C a r m o R e z e n d e . - - B e l o H o r i z o n t e , M G :

E d . d a A u t o r a , 2 0 2 2 .

P D F .

I S B N 9 7 8 - 6 5 - 0 0 - 5 7 6 6 5 - 8

1 . E d u c a ç ã o i n f a n t i l 2 . L e i t o r e s - F o r m a ç ã o

3 . L e i t u r a ( E d u c a ç ã o i n f a n t i l ) 4 . L i t e r a t u r a

( E d u c a ç ã o i n f a n t i l ) I . T í t u l o .

Índices para catálogo sistemático:

1 L e i t u r a : E d u c a ç ã o i n f a n t i l 3 7 2 7 1

A l i n e G r a z i e l e B e n i t e z - B i b l i o t e c á r i a - C R B - 1 / 3 1 2 9

2 2
1 3 7 2 3 5 C D D - 3 7 2 . 7 1
-
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“Docência

Momento literário Soraya Farias Pereira Pêgo Introdução Apresentação
Súmario
na Educação Infantil:
fronteiras e estender pontes” Fernanda Câmpera Clímaco Parte I – Sobre Leitura Ana Cláudia Figueiredo Brasil Silva Melo Parte II – Sobre Formação de crianças como leitoras Mariana Parreira Lara do Amaral Parte III – Sobre Expressão Artística/Estética Rita de Cássia Costa Teixeira Parte IV – Sobre Linguagem Oral e Escrita Monica Correia Baptista Parte V – Sobre Leitura Literária Alessandra Latalisa de Sá Parte VI - Sobre Política Públicade distribuição de livros de literatura Eliana Crepaldi Santos Momento literário Soraya Farias Pereira Pêgo Colaoradoras Referências Conclusão 6 9 15 21 23 33 41 49 59 71 83 82 85 89 Lista de Ilustrações 90
cruzar

Momento literário

Soraya Farias Pereira Pêgo

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Pelas manhãs, com os deveres cumpridos dentro da sacola, eu seguia a rua da Paciência entre as casas acabando de acordar, para alcançar a escola. Nós éramos tantos, assentados de dois em dois, cercados de mapas do mundo e do fundo dos mares. Sem despregar os olhos da lousa, copiávamos os pontos da história, os erros dos ditados, os problemas da aritmética. Dividir e multiplicar as maçãs em muitas partes, as laranjas em gomos, os ovos em dúzias, distribuí-los entre todos, em quantidades iguais, eram as nossas tarefas. Filhos de muitos ofícios - pedreiros lavadeiras, professores médicos motoristas, órfãos- e sem inquietações pelas diferenças, nós nos gostávamos em silêncio, vencendo o destino sonhado um a um. E o recreio era o lugar das trocas: bolo por araticum, maçã por manga, goiaba por chocolate, banana por doce cristalizado.

E assim experimentávamos o gosto da vida do outro, sem reservas. A nossa diferença era a nossa alegria. Para meu avô eu repetia, em casa, as histórias das calmarias, do Cabo das Tormentas.

E como um bom aluno ele me escutava, sem pestanejar, duvidando, eu sei, dos movimentos de rotação ou

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translação. Ele sabia ler as estações, as fases da Lua, o sentido dos girassóis na cerca de bambu. Depois ele me tomava as lições ou me pedia para escrever até 100 ou até 1000, pelo prazer de me ver mordendo a língua no esforço de não saltar nem um número. Eu sabia dos algarismos romanos, bordados no mostrador do relógio e não mais precisava decifrar o tempo, mas apenas ler a posição dos ponteiros. E meus colegas elogiavam a minha atenção, enquanto meu avô me ensinava, junto com a escola, a saldar a vida.

QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Por parte de pai. Belo Horizonte: RHJ, p 39-41, 1995.

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INTRODUÇÃO

Caras professoras, caros professores!

Vocês já pararam para pensar na potência da literatura? Se ela exerce influência na ampliação das experiências culturais, afetivas, cognitivas e emocionais? Será que ela pode apoiar a sua formação humana e profissional? De que forma? Se ela tem influência na constituição das crianças com as quais você trabalha?

Qual papel ela deve ocupar no seu planejamento e nas suas práticas educativas com e para as crianças na Educação Infantil?

Foi pensando nessas questões que decidimos elaborar este recurso educativo, ele tem como tema central a literatura. A perspectiva que se faz presente nesta proposta é a de dar foco às potencialidades educativas da literatura, conforme se apresentam nos textos que compõem as diferentes unidades dos Cadernos da Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil.

Este material foi financiado pelo Ministério da Educação, desenvolvido em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Ele foi elaborado para apoiar a formação das professoras de Educação

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Infantil no Curso Leitura e Escrita na Educação Infantil e também indicado para ser utilizado na formação do PNAIC 2017/2018 - Pré-escola. Histórico disponível em: https://projetoleituraescrita.com.br/quem-somos/historico/ acesso em: 20 out. 2022

Integram a Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil oito cadernos temáticos, um caderno de apresentação e um encarte.

Disponível em: http://projetoleituraescrita.com.br/publicacoes/colecao/ acesso em: 20 out. 2022

O objetivo geral do Curso que esse material ancora está assim descrito no Caderno de Apresentação: “[...] formar professoras para que possam desenvolver, com qualidade, o trabalho com a linguagem oral e escrita em creches e Pré-escolas” (BRASIL, 2016a, p. 29). É uma proposta que apresenta como estratégia formativa a relação entre teoria e prática docente. Os te-

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mas dos cadernos se inter-relacionam e os textos que o compõem dialogam com as teorias e as práticas, que informam e oferecem apoio ao trabalho docente na Educação Infantil. Propõe uma articulação entre ciência, privilegiando um trabalho fundamentado em conhecimentos teórico-científicos, arte, ancorado nas manifestações culturais, e vida, por meio de um trabalho pedagógico cotidiano contextualmente significativo. Uma produção que se coloca em permanente diálogo com a cultura e a arte.

Pretendemos oferecer, a você professora, uma entrada nos Cadernos dessa Coleção, a partir da literatura, temática que perpassa por todos os cadernos, a fim de que possa familiarizar-se com ela e em seguida lançar-se ao aprofundamento de seus estudos por meio do acesso direto à Coleção.

Você professora exerce um papel fundamental no processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança, na construção da sua identidade, das subjetividades infantis, e no acesso às culturas, sobretudo à cultura escrita. A expectativa que se faz presente é de que, ao acessar este e-book, você identifique e reconheça o potencial leitura literária na ampliação das experiências de adultos e crianças, na formação cultural desses sujeitos e que você crie oportunidades de refletir coletivamente com seus pares sobre a potência das práticas literárias com e para as crianças no ambiente escolar.

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Essa ação poderá reverberar positivamente no cotidiano escolar, na medida em que abre possibilidades para materialização de novos saberes e fazeres comprometidos com práticas pedagógicas que colocam a criança no centro do planejamento, respeitando as suas especificidades e suas necessidades formativas.

Desejamos que você tenha uma boa interação com a proposta que esse e-book apresenta e se lance ao aprofundamento de seus estudos acessando diretamente os Cadernos da Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil, material que inspirou a sua elaboração, de forma que a sua bagagem pessoal e profissional seja incrementada e que novas possibilidades se abram nos seus horizontes.

Com carinho, Maria do Carmo Rezende

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APRESENTAÇÃO

Este e-book foi desenvolvido no contexto do Mestrado Profissional Educação e Docência da FAE/UFMG, na linha Infâncias e Educação Infantil. A pesquisa intitulada “O PNAIC Pré-escola e a formação de professoras e de crianças como leitoras de literatura” foi desenvolvida por Maria do Carmo Rezende, orientada pela professora Mônica Correia Baptista e teve como coorientadora a professora Alessandra Latalisa de Sá.

O Edital Regular nº 01/2019 – Seleção, que orientou e organizou as ações para o ingresso de candidatos ao PROMESTRE, no ano de 2019, para início em 2020, prevê, como parte integrante desse processo, que ao final da formação os(as) mestrandos(as) apresentem a sua Dissertação e elaborem um Recurso Educativo.

A fim de oferecer a devida atenção para que este recurso alcançasse a sua finalidade, as ações para sua elaboração percorreram trajetória similar e coerente com as etapas da pesquisa. Esse material dará visibilidade ao caráter cientifico e social da pesquisa, apontando caminhos possíveis e viáveis que favorecerão as relações que as professoras estabelecerão com a leitura literária como prática social contribuindo para a sua formação leitora. para sua formação leitora.

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Ele está estruturado em Introdução, Apresentação, seis partes e conclusão. Para a estruturação de cada uma das partes, definiu-se seis categorias por meio das quais perpassam aspectos relevantes a serem observados no trabalho cotidiano com a literatura, são elas: Leitura, Formação de crianças como leitoras, Expressão Artística/ Estética, Linguagem Oral e Escrita, Leitura Literária e Política Pública de distribuição de livros de literatura. Cada uma dessas categorias será apresentada por estudiosas na área da literatura e o espaço de reflexão e discussão será ampliado por meio de excertos recolhidos nos cadernos da Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil.

Um fator determinante que guiou a elaboração deste Recurso Educativo e a seleção dos excertos socializados é a convicção da literatura como direito e sua importância no desenvolvimento humano e profissional das docentes da Educação Infantil. Reconhecer e considerar a dimensão simbólica presente no texto literário, renovar e ampliar as práticas de leitura por meio da mediação de leitura e promoção do diálogo com a linguagem literária em consonância com as concepções didáticas, teóricas e metodológicas disseminadas pela “Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil” é o um passo seguro na direção de uma sólida formação dos profissionais atuantes na

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Educação Infantil, na ampliação de suas experiências pessoais e profissionais e sua consequente influência na formação de crianças leitoras de literatura.

O DIREITO À LITERATURA - Por Antônio Cândido

O professor Antônio Cândido aponta a literatura como direito de todos. Ele nos ajuda a compreender o sentido que ela apresenta no desenvolvimento do ser humano.

Professor Antônio Cândido – Foto Marcos Santos/USP Imagens

Imagem disponível em: https://imagens.usp.br/editorias/artes-categorias/antonio-candido-de-mello-e-souza-fflch/attachment/14032013prof_antoniocandidofotomarcosfoto008/

Acesso em: 22 set. 2022

Veja mais: https://www.youtube.com/watch?v=4cpNuVWQ44E

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Em consonância com as ideias desse sociólogo, crítico literário, ensaísta e professor, que se dedicou aos estudos da literatura brasileira e estrangeira, Belmiro e Galvão, 2016 no caderno 8, página 55, alegam:

Somos feitos de palavras, histórias, canções, poemas, sons perdidos da nossa infância aos quais não damos importância ou talvez nem saibamos que existem.

Ninguém, por mais árida que tenha sido a vida, deixou de vivenciar a experiência de ouvir e/ou contar histórias. Não existem pessoas sem um caminho leitor! [...] criamos histórias dormindo ou acordados, sabendo ler e escrever ou não, sendo pobres ou ricos... [...] A possibilidade de fabular é muitas vezes ampliada e fortalecida se há disponibilidade para jogo com as palavras e se há uma variedade de práticas realizadas com elas.

Defendemos a literatura como direito de todos e acreditamos no potencial que a leitura literária apresenta na construção da identidade e das subjetividades, na busca de sentido e significado para as experiências pessoais e sociais, na ampliação do repertório cultural.

A literatura possibilita transformações, sensibiliza para a diversidade presente no meio familiar, escolar, comu-

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nitário e social, contribui com o desenvolvimento humano dos sujeitos e consequentemente com a estruturação de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna.

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na Educação

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“Docência
Infantil: cruzar fronteiras e estender pontes”
Fernanda Câmpera Clímaco
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Ana Cláudia Figueiredo Brasil Silva Melo
Parte I – Sobre Leitura

A compreensão acerca da leitura modifica-se historicamente e seu conceito evolui apropriando-se dos diferentes significados que as sociedades vão lhe atribuindo. Durante algum tempo a leitura foi considerada como atividade de decodificação de letras, sílabas, palavras e textos, reduzida, assim, a aspectos perceptivo-motores. Entretanto, nas últimas décadas, o desenvolvimento da leitura passou a ser considerado como um processo mais abrangente e complexo, por se tratar de uma atividade cognitiva e também social.

Dentre os conceitos de leitura existentes atualmente, apresentaremos aqui a ideia de leitura como a ação humana que envolve a compreensão e os sentidos atribuídos pelo leitor àquilo que se lê – textos escritos, imagéticos, cenas do cotidiano, expressões faciais etc. A construção de sentidos relaciona-se diretamente aos conhecimentos adquiridos pelo sujeito leitor ao longo da vida – linguístico e textual -; mas também às suas visões de mundo, modos de pensar, crenças e valores, entre outros aspectos. Esse modo de entender a leitura estabelece duas importantes premissas: a leitura é uma processo muito mais amplo e complexo do que a simples decodificação de letras ou sílabas; e, todos os sujeitos são capazes de ler, sejam eles alfabetizados ou não.

É assim que se entende que um bebê lê o rosto de sua mãe ou cuidadora interpretando o tom da voz, as

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expressões faciais, o movimento corporal desse adulto que se relaciona com ela ao mesmo tempo em que estabelece um afeto para essa experiência. O bebê lê vozes, sons, gestos, espaços, o tom corporal de quem o carrega, lê cheiros, lê com todos os seus sentidos. O corpo da mãe pode ser considerado o seu primeiro livro. Sua mente, sua voz, seu colo são as páginas que oferecem à criança a letra da sua vida.

Do mesmo modo, a criança bem pequena participa como leitora enquanto acompanha a leitura de um livro de histórias feita por seus pais ou pela professora. Ela, durante essa experiência, constrói sua compreensão a respeito da história lida, interpreta, realiza inferências apoiando-se na leitura feita pelo adulto e também na observação das ilustrações da história, caso existam. Em ambas as situações, no bebê e na criança que ouve uma história, tem-se a atividade intensa e ativa do sujeito que elabora interpretações na experiência vivida, seja ela a interação com um adulto ou a história ouvida. Considera-se assim, que a interpretação é uma ação à qual o sujeito leitor se dedica com grande envolvimento.

Esse intenso trabalho do leitor se amplia a partir das experiências de uso social da linguagem escrita quando o bebê e as demais crianças convivem, cotidianamente, com textos e materiais escritos usados em diferentes contextos, com variadas finalidades e apoiados em

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distintos suportes. Desde a mais tenra idade, os bebês e as crianças podem e devem ter acesso a livros infantis e a situações em que a leitura e a escrita apoiam e organizam as interações sociais. Sabe-se que o leitor se forma a partir das interações com os diferentes gêneros textuais e assim vai descobrindo as diferenças da leitura entre uma história e uma notícia, um poema e um documento, uma lista e um calendário, entre uma revista e um livro, entre desenhos e letras e a maneira como se distribuem no papel. É na convivência e na relação contextualizada com os textos escritos que os leitores se formam, ampliam seus conhecimentos e aprendem a fazer uso da linguagem escrita. É também nesse movimento social e culturalmente situado que o leitor desenvolve uma série de operações mentais essenciais à leitura como, por exemplo, levantamento de hipóteses e de conhecimentos prévios, localização de informações, comparação, realização de inferências, estabelecimento de relações intertextuais, entre outras.

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Vamos refletir ...

Voe longe, voe alto e com liberdade para descobrir o seu caminho.

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Encarte

Oque é leitura?

A leitura não envolve apenas saber ler palavras. Ler é dar sentido às coisas.

O mundo oferece às pessoas uma variedade de textos para serem lidos: o rosto, a fala, os gestos, a dança, um olhar, um monumento, uma pintura, uma gravura, uma música... São todos textos possíveis de serem lidos e interpretados.

Dessa forma, desde que nascem as crianças iniciam seu aprendizado: começam a ler o mundo e a dar sentido a ele, e, muito antes de entrarem na escola, elas já são leitoras e produtoras de textos. (BELMIRO;GALVÃO, 2016, , p.9).

Encarte

Aleitura

também é uma relação entre o texto e o leitor.

Ao mesmo tempo que o leitor estabelece relações entre o que lê e os conhecimentos que têm sobre o mundo, vai construindo a compreensão do que está lendo.

Essas relações não são únicas nem uniformes. As crianças experimentam e dão significado às suas experiências de formas diferentes.

Juntar as letras e formar palavras é apenas uma das partes do ato de ler, a qual chamamos de decodificação (BELMIRO; GALVÃO, 2016, p.9).

CADERNO 4

“Lemos o mundo” desde o nascimento e desde a vida intrauterina também, se tomamos como referência a voz da mãe, primeiro signo de contato com a cultura, com os atos das palavras (LÓPEZ, 2106, Caderno 4, p. 14).

CADERNO 5

formação do leitor se inicia nas primeiras leituras que o bebê faz do rosto materno e das leituras que vai fazendo do mundo. Há mais de trinta anos, Paulo Freire (1997) cunhou a metáfora “leitura de mundo” para falar da sua experiência de leitor da palavra escrita. Toda experiência sensível do mundo particular em que se movia quando criança, sua capacidade de perceber os espaços, os objetos, o contexto e também o universo da linguagem dos mais velhos, com seus valores, crenças, gostos, foram fundamentais para o autor compreender a palavra escrita. A leitura, no sentido estrito, foi uma continuidade dessa leitura de mundo (CORSINO et all, 2016, p. 21-22).

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[...]a

CADERNO 5

Naperspectiva da leitura de mundo, a Educação Infantil tem importantes funções: ampliar as experiências das crianças; dar oportunidade para elas narrarem o vivido, o observado, o sentido, o imaginado; criar um coletivo de ouvintes capazes de continuar a história uns dos outros; buscar diferentes formas de registrar as experiências individuais e coletivas do grupo/turma; tratar ciência, arte e vida de forma unificada, ou seja, não fragmentar esses campos da cultura humana e não estabelecer uma relação mecânica entre eles. Como você pode observar, a leitura de mundo que se espera que a Educação Infantil ofereça às crianças é uma ampliação das suas referências culturais de tal maneira que sejam capazes de dar continuidade com a leitura da palavra e de outras linguagens (CORSINO et all, 2016, p. 22).

CADERNO 6

Toda leitura da palavra pressupõe uma leitura anterior do mundo, e toda leitura da palavra implica a volta sobre a leitura do mundo, de tal maneira que “ler mundo” e “ler palavra” constituam um movimento em que não há ruptura, em que você vai e volta. E “ler o mundo” e “ler palavra”, no fundo, para mim, implicam reescrever o mundo. Reescrever com aspas, quer dizer transformá-lo (FREIRE; BETTO 1986, p. 15). (BARBOSA; OLIVEIRA, 2016, P.34)

Parte II – Sobre Formação de crianças como leitoras

Mariana Parreira Lara do Amaral

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Vamos refletir ...

Voe longe, voe alto e com liberdade para descobrir o seu caminho.

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CADERNO 1

Levando-se em conta o papel de destaque que nós, professoras, exercemos na formação de leitores, somado à noção de que nossas próprias experiências como leitoras influenciam nossa postura profissional, parece procedente considerar, nas ações de formação, estratégias que nos permitam falar de nós mesmas, de nosso gosto literário, de nossas dificuldades, de nossa relação – difícil ou prazerosa – com a leitura. Vivenciando essa experiência de conversação dialógica, poderíamos, ao ocuparmos o lugar de mediadoras e de promotoras de leitura, assegurar, ao pequeno leitor, também lugares de fala, nos quais as crianças pudessem falar de suas experiências, das curiosidades e descobertas, de maneira que elas pudessem também trilhar esse caminho particular. Espera-se, pois, que as trajetórias pessoais e profissionais das docentes estejam preenchidas por suas experiências de leitoras de literatura (Baptista et all, 2016, p.110).

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CADERNO 3

Énas

relações com os adultos que as crianças aprendem modos de uso de objetos e de utilização dos mais diversos instrumentos técnicos e semióticos – dentre esses, os livros –, mas também os modos de falar, modos de conhecer, modos de narrar e de dizer sobre as coisas no mundo, modos de (vir a) ser leitor. Aprender a falar e a escutar, aprender a narrar, entretece-se com – e vai sendo marcado por – as formas e funções da produção gráfica e escrita na sociedade letrada [...] A leitura da professora é constantemente atravessada pelos diferentes modos das crianças de se movimentarem e prestarem atenção – levantar e ir até a porta, chorar, ir ao encontro da monitora, virar a aba do livro, etc. A professora, no entanto, procura acolher esses diferentes modos de participação, mantendo o seu gesto de ler, o gesto de ensinar. Nos modos de mediação da professora, podemos observar as formas de acolhimento das crianças – puxar para perto de si uma criança que chora –, assim como o aumento do volume da voz e/ou o prolongamento de algum aspecto da palavra enunciada, ou a utilização de outros gestos – tais como olhares e deslocamentos de objetos – como recursos para chamar a atenção, sem a interrupção do gesto de leitura (SMOLKA et all, 2016, p. 88-89).

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Caderno 4

López, 2016 p.85, ao se referir à leitura e à narração, cita Marina Colasanti:

E podemos entender que formar leitores não é tirar leitores de dentro da manga, não é fabricar leitores a partir do nada, mas dar forma e sentido a um leitor que já existe, embrionário, dentro de cada um. E onde se esconde este embrião de leitor, que tantos se mostram incapazes de ver? Para quem sabe olhar, não se esconde. Está contido, a plena luz, em uma das primeiras necessidades do ser humano, a necessidade de narrações (COLASANTI, 2004, p. 63).

Caderno 5

Oleitor

vai sendo formado nessa diversidade de formas de ler, intenções e usos dos textos e seus suportes, observando e participando de situações diversas de leitura. Assim, as crianças vão descobrindo as diferenças, por exemplo, entre uma história e uma notícia, um poema e um documento – que apresentam funções tão distintas –, uma lista e um calendário, entre uma revista e um livro, entre desenhos e letras e a maneira como se distribuem no papel. São muitas as descobertas de um leitor iniciante que está em processo de entender que práticas tão distintas são chamadas de leitura (CORSINO et all, 2106, p. 24).

Caderno 5

Ora atrás das palavras, ora à frente delas, as crianças vão acompanhando a leitura pela voz, geralmente, de um adulto. Vão seguindo o texto guiadas pelos olhares, gestos, entonações e pausas do leitor intérprete. E é essa leitura de ouvido, a partir da performance do outro que empresta sua voz ao texto, que possibilita às crianças pequenas entrarem no texto escrito. Entretanto, entrar é mais que acompanhar, é compreender, pensar, imaginar e até mesmo ser capturado pelo texto. A atividade do leitor ouvinte é intensa, seja diante do texto ficcional, seja do não ficcional. Essa modalidade de leitura compartilhada pode se desdobrar em outras ações quando as crianças são convidadas a falar, argumentar, concordar ou discordar, relacionar com situações, sentimentos, outras histórias e outros textos, e também reapresentar, isto é, representar com outras linguagens: desenhos, pinturas, colagens, dramatizações, reescritas etc. A leitura se prolonga na interdiscursividade (CORSINO et all, 2106, p. 25-26).

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Nossa

proposta é fazer das famílias nossas parceiras na construção de caminhos leitores para nossas crianças. Para isso é necessário o entendimento de que ler para as crianças desde a mais tenra idade é mostrar que a literatura está na vida e que se constrói no nosso dia a dia. Devemos emprestar nossa voz aos muitos livros de literatura infantil a fim de convidar e estimular a imaginação, a pluralidade de palavras, as imagens que representam nossas referências ou que se apropriam dela para recriar outros mundos, os questionamentos, a reflexão, o argumento, o jogo criativo, a criticidade, o prazer, o desafio intelectual, o emocional e o estético e a autonomia [...] A construção de um caminho leitor é feita compartilhando experiências de narrativas, de sentimentos, de brincadeiras com as palavras, de criação e de recriação de formas de vida. A literatura é um espaço de liberdade que “consegue tornar audíveis todas as vozes, estabelecer diálogos diversos e inusitados, acolher o próximo e o distante, o estranho e o familiar” (CADEMARTORI, 2009, p. 50). (BELMIRO; GALVÃO, 2016, p.56).

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Caderno 8

Parte III – Sobre Expressão Artística/Estética

Rita de Cássia Costa Teixeira

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CADERNO DE APRESENTAÇÃO

Aose referir aos textos que compõem as diferentes unidades dos Cadernos da Coleção Leitura e Escrita na Educação infantil, a equipe que coordenou a elaboração do material esclarece:

Propusemos aos colaboradores que nos textos fosse tecida a articulação entre ciência, arte e vida; que, visando a uma unidade de sentido, pusessem em relação conhecimentos teórico-científicos, manifestações artístico-culturais e o cotidiano na Educação Infantil. Ou seja, que os conceitos e as formulações teóricas fossem aprofundados e articulados com manifestações artísticas – poemas, contos, letras de música, reproduções de obra de arte, foto- grafias, etc. – e com um trabalho pedagógico junto às crianças de creches e pré-escolas significativo e próximo da vida das crianças. Assim, ao longo do curso, vocês encontrarão muitas oportunidades de dialogar com livros de literatura, textos informativos, filmes, desenhos animados, jogos, imagens, sites, blogs, etc., o que esperamos que contribua para a ampliação da formação cultural tão necessária à docência (Caderno de Apresentação, p. 13-14).

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Caderno 1

Chamamos de arte muitas coisas, mas utilizamos o termo, principalmente, para o que é produzi- do como música, literatura, teatro, dança e artes plásticas. Quanto ao belo, pode se referir tanto às obras artísticas quanto aos fenômenos da natureza, assim como a uma atitude fraterna ou amorosa (RICHTER, 2016, p. 23).

Caderno 1

Oartista, ou poeta, quando produz, está invocando a linguagem em sua força criadora de sentidos para o agir no mundo. É essa força lúdica e expressiva da linguagem que faz as obras serem poéticas ou artísticas. A experiência estética, por constituir um saber direto, corporal, sensível, vai tingindo e tonalizando nossa linguagem, nossa imaginação, nossa percepção e memória, em uma dinâmica constantemente atualizada pela relação entre o que saboreamos do mundo e nossas experiências poéticas com a linguagem da arte (RICHTER, 2016, p. 25).

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Caderno 1

De um modo geral, nos cursos de formação docente, as professoras aprendem a ensinar leitura e escrita sem, entretanto, tornarem-se elas mesmas leitoras e produtoras de textos. Essas futuras professoras copiam, fazem resumos, reproduzem textos e muito menos frequentemente vivenciam situações que estimulam a autoria e a fruição (KRAMER, 2002).

Quando iniciam sua atividade profissional, essas professoras, em geral, reproduzem, com seus alunos e alunas, a mesma concepção instrumental em relação à linguagem escrita. A literatura, desde essa perspectiva, é quase sempre empregada como um pretexto para o ensino de conteúdos programáticos e destituída da sua dimensão estética (BAPTISTA et all, 2016 ,p. 87-88).

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Caderno 1 [...]

da mesma forma como ocorre com as crianças bem pequenas, não sabemos exatamente quando e como os seres humanos realizam uma síntese do que sabem e a partir dela avançam, mas uma coisa é certa: a convivência com a literatura pode ser uma porta para o entendimento do mundo ainda a ser explorado. O seu sentido e a sua força residem na pluralidade de certezas e incertezas que perpassam os textos literários de diferentes épocas, como um amplo mosaico da condição humana, com as suas conquistas e fragilidades. Dessa forma, podemos considerar que uma formação integral do professor, seja da Educação Infantil, dos anos iniciais ou dos anos subsequentes, deve passar por uma compreensão de que as linguagens abarcam formas inusitadas de expressão, e que a dimensão estética da literatura é uma delas (BAPTISTA et all, 2016, p. 116-117).

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Caderno 3

Ler ou ouvir a leitura de outrem repetidas vezes é, sobretudo, reencontrar aquilo que já se conhece, seja um preceito que ajuda a viver, seja uma palavra ou frase que provoca riso, choro, alegria, medo ou fruição estética. É reencontrar e reelaborar as emoções sentidas nas vezes anteriores em que se deparou com o mesmo texto (GALVÃO, 2016, p.22).

Parte IV – Sobre Linguagem

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Oral e Escrita Mônica Correia Baptista

Vamos refletir ...

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possível encontrar comunidades onde o escrito está pouco presente na vida das pessoas. Certamente você conhece lugares em que as conversas na calçada ou na porta da prefeitura, o repique dos sinos para avisar o horário da missa, o anúncio no megafone para convocar para o culto e a aprendizagem por meio do olhar atento e da imitação são modos de se comunicar muito mais importantes do que as várias formas de comunicação escrita. Nesses lugares, mais relevante do que saber ler e escrever pode ser, por exemplo, como em algumas comunidades indígenas, conhecer profundamente os saberes tradicionais e operacionalizá-los em situações rituais [...] há lugares onde é quase impensável a vida sem a presença do escrito, como acontece nas grandes cidades de qualquer país do mundo. Nos outdoors, no letreiro dos ônibus, na tela dos telefones celulares, nas revistas, nos livros, nas placas de sinalização, nos caixas eletrônicos: o escrito está presente em quase todas as situações da vida cotidiana; dos adultos e das crianças; das elites, das classes médias e das camadas populares. Mesmo aqueles que não sabem ler e escrever estão, nesses casos, imersos em um mundo em que o escrito ocupa um lugar fundamental nas formas de comunicação, de socialização, de registro, de lazer (Galvão, 2016, p. 16).

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Caderno 3 [...]é

Caderno 3

Emrelação ao termo “cultura”, podemos defini-lo, a partir da tradição disciplinar da Antropologia – que também não é consensual –, como toda e qualquer produção material e simbólica, criada a partir do contato dos seres humanos com a natureza, com os outros seres humanos e com os próprios artefatos, produzidos a partir dessas relações. Manifestações artísticas, como maracatus, congados, sinfonias, sonatas, esculturas, pinturas; hábitos alimentares; rituais religiosos; linguagem falada e escrita são alguns entre os diversos aspectos de uma cultura. [...] “escrita”. Referimo-nos, aqui, a um modo específico de expressão da cultura: a linguagem escrita. A manifestação dessa dimensão da linguagem pode ocorrer em bilhetes, documentos, cartas, livros, revistas, jornais, histórias em quadrinhos, listas de compras, placas e mesmo em programas de rádio e de televisão (muitos dos quais baseados em roteiros escritos), peças de teatro, filmes (principalmente os legendados), redes sociais, programas de mensagens instantâneas e histórias recontadas/ recitadas/lidas oralmente, entre outros. [...] cultura escrita como o lugar – simbólico e material – que o escrito ocupa em/para determinado grupo social, comunidade ou sociedade (GALVÃO, 2016, p.17).

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Provavelmente você já viu ou já ouviu falar de crianças que, mesmo antes de aprender a falar (e a escrever), conseguem manipular com desenvoltura um tablet ou um celular. Essas pequenas cenas cotidianas expressam o quanto a cultura é dinâmica, o quanto os sujeitos produzem cultura e os valores e significados que são historicamente atribuídos ao oral, ao digital e ao escrito nas nossas sociedades contemporâneas (GALVÃO, 2016, p.20).

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Caderno 3

Caderno 3

Aoralidade e a escrita são duas modalidades da linguagem verbal, que se organizam em palavras e textos, constituindo-nos como pessoas, individual e socialmente. Por meio da linguagem verbal, criamos, compomos e recompomos a realidade e a nós mesmos. A linguagem é marca dos seres humanos, aproximando-os e afastando-os de diferentes formas, já que tanto a modalidade oral quanto a modalidade escrita nos formam e encorpam de variadas maneiras, sendo utilizadas de diferentes modos também. Isso acontece com todas as pessoas de uma sociedade letrada como a brasileira, mesmo com aqueles que não são alfabetizados ou que estiveram por pouco tempo na escola. Ou ainda por aqueles que, tendo permanecido por longo tempo na escola, não se apropriaram de conhecimentos escolares de modo a alterar a sua inserção e participação social no mundo da cultura escrita. Ocupando um papel tão importante na sociedade e na constituição das pessoas, a linguagem verbal não pode deixar de participar da conversa sobre o trabalho realizado nas instituições de Educação Infantil (GOULART, 2005; 2010a). (GOULART; MATA, 2016, p. 45).

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Caderno 3

•A linguagem tem um papel marcante na constituição de nossas vidas. A linguagem oral em que as crianças se expressam está impregnada de marcas de seus grupos sociais de origem, valores e conhecimentos.

• Seus modos de falar são legítimos e fazem parte de suas bagagens culturais, de vida – são modos de ler a realidade. É a partir desses modos de falar/modos de ser que o trabalho pedagógico deve ser organizado, de forma que tenha sentido para as crianças.

• A relação entre a linguagem oral e a nossa vida é muita rica, a criança, quando entra na escola, já sabe a língua e continua em franco processo de aprendizagem da língua oral.

• Esse processo tem uma interseção forte com a aprendizagem da linguagem escrita e uma influência mútua, sendo mesmo fundamental para aprender a escrita.

• A cultura escrita envolve um conjunto de práticas discursivas, um conjunto de formas tanto orais quanto escritas de utilizar a língua, os gêneros do discurso, ligados a visões de mundo, valores de grupos sociais e organizações sintático-semânticas.

• Crianças se constituem no interior de muitas redes de conhecimento, um universo semiotizado que interage com a rede de conhecimento trabalhada nas instituições de Educação Infantil.

• Experimentar a complexidade e a multiplicidade... Da ciência, da vida e da arte.

• A importância da criação de condições de interação e aprendizagem, por meio da linguagem falada, da linguagem escrita, dos brinquedos e das brincadeiras, dos jogos – imaginário e outros –, da música... (GOULART; MATA 2016, p. 63-64).

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Caderno 5

Para Bakhtin (2003), a língua atravessa a vida e a vida é atravessada pela língua. Língua e vida são indissociáveis. O trabalho com as linguagens oral e escrita só tem sentido quando realizado com discursos reais e significativos. Isto é, com discursos que realmente se dirijam a alguém e que tenham uma finalidade enunciativa. É para atingir propósitos e chegar a interlocutor(es) que discursos são proferidos. Assim é, por exemplo, que se brinca de roda e com quadrinhas na Educação Infantil porque elas fazem parte de brincadeira e são experiências partilhadas de cultura, não como pretexto para se observarem as rimas e aliterações. Ainda que as crianças possam fazer relações entre sons que se repetem, porque estão atentas às palavras, observam a língua e pensam sobre ela, essas observações só fazem sentido dentro do fluxo discursivo (CORSINO et all, 2016, p. 19-20).

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Parte V – Sobre Leitura Literária

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Alessandra Latalisa de Sá

A literatura é um direito de todos os seres humanos, incluindo aqueles que acabaram de chegar ao mundo, possibilita entrar em contato com alegrias e prazeres, dilemas e tensões que a vida pode lhes oferecer. A leitura literária nos oferece um encontro consigo mesma e com experiências que vão além do cotidiano, apresentando mundos e modos de ser desconhecidos, mas que, ao mesmo tempo, carregam elementos com os quais nos identificamos. Significa encontrar no diverso o que também nos é familiar.

A leitura literária possibilita irmos ao encontro de nós mesmas e do universo em que estamos inseridos e isso, por vezes, pode ser uma experiência divertida, outras vezes, ao contrário, pode se dar por meio de conflitos, contradições, incertezas. Não se trata de conceber a literatura como deleite, afinal, lidar com sentimentos nem sempre prazerosos também pode ser um papel importante da leitura em nossas vidas.

Sendo assim, a leitura literária como prática cultural de natureza artística oferece contextos inusitados, cujos afetos e sentidos serão atribuídos pelo leitor, ao seu tempo, ao seu modo, com seus próprios recursos cognitivos, afetivos e emocionais; a partir de suas experiências consigo, com o outro e com o mundo que o cerca.

Na Educação Infantil frequentemente as crianças pedem para ler a mesma história diversas vezes, gostam

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daquelas com sequências repetitivas, cumulativas ou tramas circulares. Envolvem-se com personagens e tramas com finais previsíveis, mas também lhes atrai asurpresa, o inusitado, o diverso. Nos contextos literários, por meio da fantasia, as crianças formulam perguntas, investigam o mundo, constroem teorias. Buscam pelo jogo simbólico e pela imaginação, realizando conexões possíveis entre a realidade e a ficção.

A prática diária de leitura coletiva constitui a base para a formação de leitores. Nesse sentido, o papel da mediação é primordial. Para despertar na criança o interesse pelos livros e disposição para a leitura a professora precisa ela mesma cultivar o gosto pela literatura, conhecer os livros e se preparar para os contextos de mediação literária. Explorar o livro, conhecer o texto, prever intervenções, buscar expressividade, modalizar a leitura, provocar picos de suspense podem auxiliar o envolvimento e participação ativa das crianças nas rodas de leitura.

Considerando a mediação e as estratégias de leiturapontos chave para a formação do leitor literário, há de se ressaltar ainda a importância da qualidade e da diversidade do acervo das bibliotecas, sejam elas da escola ou da sala. Quanto à qualidade, serão livros instigantes, complexos, bem escritos, com cuidadoso projeto gráfico e ilustrações bem elaboradas. Em relação

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à diversidade, podemos incluir contos, canções, poesias, quadrinhos etc. observar autores, personagens, editoras, temas, ilustração, por exemplo. Um acervo de qualidade e diverso amplia, e muito, as chances de êxito na formação literária pretendida.

Vamos refletir ...

Voe longe, voe alto e com liberdade para descobrir o seu caminho.

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Caderno 1

Aliteratura, como produção cultural fundamental, deve ser apresentada às crianças desde bebês, tanto em razão de suas possibilidades de favorecer a fantasia, capacidade fundamental no desenvolvimento cognitivo e afetivo das crianças, quanto como forma de criar relação com a língua escrita de forma significativa e prazerosa. Assim, cabe à professora refletir sobre sua própria relação com as diferentes manifestações culturais de nossa sociedade, ampliando seu repertório de forma a enriquecer a experiência das crianças. Além de conhecer tais produções, buscar desenvolver formas adequadas de trabalhá-las com as crianças poderá fazer com que elas aprendam a apreciar as artes de modo geral e a literatura, favorecendo a dimensão estética da formação humana e uma relação positiva com a língua escrita e com as demais linguagens que compõem a cultura (SILVA, 2016, p. 74).

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Caderno 1

Dentre

todas as formas de leitura a serem postas em prática entre docentes e crianças nas instituições educacionais, a leitura literária tem um espaço irrefutável, pois é nessa forma de leitura que o sujeito leitor tem seu lugar mais destacado. A leitura literária, que é a leitura da linguagem verbal utilizada de forma artística, ou a leitura estética da palavra, somente pode se produzir se o trabalho do leitor for o de sujeito ativo, que busca a compreensão do texto de forma particular, singular, sua própria. Nessa leitura, destaca-se o lugar do sujeito leitor que, após compreender ativamente, é capaz de expressar essa sua compreensão particular, o que permite que também possamos definir a leitura literária como uma forma de socialização importante. (Baptista et all, 2016, p.90).

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Umlivro é um objeto da cultura, e a cultura é feita de sentidos, crenças e valores partilhados por um grupo. Alguns sentidos podem ser percebidos enquanto se escuta uma leitura, outros demandam diversas interações. Não é à toa que as crianças elegem histórias para pedir: “Conta outra vez!”. [...] É importante saber que as narrativas proporcionam às crianças uma bagagem simbólica relevante para a constituição de sua subjetividade. [...] a necessidade de compreender e de criar sentidos é um dos motivos para que as crianças peçam que repitam a experiência com a leitura ou que queiram ficar com o livro que acabou de ser lido para ela. Explorar as diferentes partes dos livros, ver ilustrações, refletir sobre a escrita, folhear as páginas são experiências que as crianças gostam de repetir, pois tentam entender o livro como um todo multimodal. (PIMENTEL, 2016, p.72)

Multimodalidade é a diversidade de modos de comunicação existentes, que, além da escrita e da oralidade, incluem os modos de comunicação visuais – imagens, fotografias, os gestuais, entre outros. Essa diversidade foi incorporada tanto pelos meios de comunica-

65 Caderno 7

ção mais tradicionais, como livros e jornais, quanto pelos mais modernos, como computadores, celulares, televisão, etc. (STREET, 2014). Um objeto multimodal é composto por modos de representação e de comunicação que se relacionam, tais como imagem e escrita, que, acompanhados por fala, gesto, olhar, entre outros recursos, interferem na produção de sentidos. (PIMENTEL, 2016, p.57)

Caderno 7

Canto de Leitura” – ambiente localizado e implantado, em geral, nas salas das crianças, mas que pode estar em outros locais, como pátios, refeitórios, etc., simultaneamente ou não;

“Sala de Leitura” – ambiente especialmente preparado para uso de diferentes turmas e práticas, ligadas à apropriação da cultura escrita;

“Instalação de Leitura” – ambientes demarcados, quase sempre itinerantes e temporários. Podem estar num pátio, sob uma árvore ou mesmo numa sala de referência ou de leitura.

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Essas três modalidades correspondem ao conceito de Estação de Leitura, designação geral utilizadas por Perrotti, 2016, para nomear ambientes pedagógicos que, por meio de imersão, de experiências variadas e contínuas, propiciam o desenvolvimento de aprendizagens relativas à apropriação da cultura escrita. (PERROTTI et all, p. 114-115).

Apropriação da cultura escrita: ato de tornar próprios saberes e fazeres que caracterizam as sociedades letradas. Exemplos: ser capaz de se comunicar por escrito, de diferentes modos, em situações variadas; participar de circuitos sociais da escrita; conhecer produções literárias; usar e saber usar livros, jornais, revistas, textos impressos e digitais, bibliotecas, entre outras manifestações que caracterizam o cidadão letrado. (PERROTTI et all, Caderno 5, p. 115).

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[...]criar

Salas, Cantos, Instalações de Leitura pautados pela ordem dialógica significa não apenas acrescentar novos espaços na Educação Infantil ou organizá-los sob novas formas. Significa sobretudo criar comunidades letradas, dinâmicas, estimulantes e inclusivas, que englobam crianças, professoras, pais e demais segmentos envolvidos na Educação Infantil. Manter vivas e significativas essas comunidades é, em decorrência, tarefa educacional das mais relevantes (PERROTTI et all, 2016, P. 140).

Caderno 7

Aentrada no mundo da leitura é como um corredor comprido, cheio de portas. Será que só ouvir história forma um leitor? Formar leitor é ensinar letras e sílabas? O que pode acontecer antes do aprendizado formal da leitura que crie um terreno fértil para aventuras mais ousadas, tais como atravessar sozinho a leitura de uma narrativa longa? Quantas portas podem ser abertas antes de a criança ler convencionalmente e por si só? (PIMENTEL, 2016, p. 68).

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7
Caderno
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Parte VI - Sobre Política Públicade distribuição de livros de literatura

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Eliana Crepaldi Santos

POLÍTICA PÚBLICA DE DISTRIBUIÇÃO

DE LIVROS DE LITERATURA: UM BREVE PERCURSO

A c o m p r e e n s ã o p e l o s p r o f i s s i o n a i s s o b r e a p o l í t i c a p ú b l i c a s p a r a a E d u c a ç ã o I n f a n t i l d e c o m p r a e d e d i s t r i b u i ç ã o d e l i v r o s é i m p r e s c i n d í v e l p a r a g a r a n t i r a i m p l e m e n t a ç ã o d e p o l í t i c a s p ú b l i c a s n a á r e a R e c o n h e c e r a e x i s t ê n c i a d e l e i s , p o r t a r i a s e d e m a i s d o c u m e n t o s s o b r e o a s s u n t o c r i a d o s p a r a g a r a n t i r a i m p l e m e n t a ç ã o d e p o l í t i c a s é f u n d a m e n t a l n a p r o m o ç ã o d a q u a l i d a d e d a e d u c a ç ã o

Programa

Nacional Sala de Leitura (PNSL)

1984 a 1987

Criado pela Fundação de Assistência ao Estudante (FAE); Compor e disponibilizar acervos e repassar recursos para ambientar salas de leitura

Foram distribuídos livros de literatura para os alunos e periódicos para alunos e professores.

Em vigência até os dias atuais; Criado pela Fundação Biblioteca Nacional, do MEC, e tem como objetivo possibilitar à comunidade em geral o acesso a livros e outros materiais de leitura.

Proler 1992

Criado por meio de uma parceria entre o MEC e o governo francês Pretendia atuar na formação de professoresleitores para que eles pudessem facilitar a entrada de seus alunos no mundo da leitura e da escrita.

Em articulação com os três níveis de ensino, o programa aspirava a estimular a prática leitora na escola pela criação, organização e movimentação das salas de leitura, cantinhos de leitura e bibliotecas escolares

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O Pró-Leitura na Formação do Professor 1992
1996
a

Programa Nacional

Biblioteca do Professor 1994 a 1997

Criado com o objetivo de dar suporte para a formação de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental;

Duas linhas de ação: a aquisição e distribuição de acervos bibliográficos e a produção e difusão de materiais destinados à capacitação do trabalho docente

Programa extinto com a instauração do PNBE pela Portaria n 652, de 16 de setembro 1997

O Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE

Objetivo principal

democratizar o acesso a obras de literatura infantis e juvenis, brasileiras e estrangeiras, e a materiais de pesquisa e de referência a professores e alunos das escolas públicas brasileiras

Programa Nacional do Livro e do Material

O PNBE foi substituído pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), em 2017, quando o Decreto nº 9 099 unificou as ações de aquisição e distribuição de livros didáticos e literários

Além de distribuir manuais para professores e livros didáticos para os alunos, compreende a distribuição de acervos literários, entre outros materiais de apoio à prática educativa para toda a Educação Básica –Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, incluída a Educação de Jovens e Adultos.

(SANTOS, 2022, p 26)

PERROTTI, Edmir; PIERUCCINI Ivete; CARNELOSSO, Rose Mara G Os espaços do livro nas instituições de Educação Infantil In: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Livros Infantis: Acervos, Espaços e Mediações. Brasília: MEC /SEB, 2016. Caderno 7, p 111-149 (Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil)

SANTOS, Eliana Crepaldi Biblioteca na Educação Infantil e os desafios da qualidade nesse ambiente de aprendizagem: um estudo de caso na comunidade da Pedreira Prado Lopes, BH/MG Dissertação apresentada para a Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Educação Belo Horizonte, 2022

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PNLD
Didático -
R E F E R Ê N C I A S

Vamos refletir ...

Voe longe, voe alto e com liberdade para descobrir o seu caminho.

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[...]vamos

deixar claro o que entendemos por políticas públicas. Resumidamente, elas podem ser entendidas como a materialização, por meio de programas, ações e atividades, do papel do Estado de assegurar determinado direito de cidadania para um segmento social, cultural, étnico ou econômico. Sua formulação tem uma relação direta com o modelo de sociedade vigente ou a ser implantado. Em particular, são as políticas culturais e, sobretudo, educacionais que dão concretude e visibilidade ao modelo de sociedade a ser implantado pelo Estado, por meio de seus governos, sendo elas parte de um plano mais geral que visa ao desenvolvimento socioeconômico do país. Além disso, se considerarmos a definição dicionarizada de “política”, “série de medidas para obtenção de um fim” (HOLANDA, 2009), e, por extensão, o político como o agente da política, aquele que faz política, todos nós, os envolvidos com os processos educativos, estamos implicados nas políticas públicas de formação de leitores (PAIVA, 2017 p. 19).

75 Caderno 7

[...]seu

engajamento nessa política é muito importante, pois consideramos que o problema da circulação da literatura, da formação de leitores na escola, não se situa apenas no nível da ausência do objeto, mas também na nossa relação com o livro, com a literatura. Situa-se também na forma como nós, professores, bibliotecários, mediadores de leitura, lidamos cotidianamente com os acervos das bibliotecas escolares, no papel que essa ação ocupa no projeto pedagógico da escola, nos meios que se arbitram para favorecê-la e, naturalmente, nas propostas de atividades que adotamos. Entretanto, essas propostas não representam o único nem o primeiro aspecto desse enorme desafio; considerá-las de forma exclusiva equivaleria a desconsiderar todo um contexto em que se insere um leitor. Sendo assim, é fundamental que você se aproprie das principais informações sobre a política, para fazer uso e participar dela de forma efetiva em sua prática docente (PAIVA, 2017, p. 23-24).

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Caderno 7

Caderno 7

Aescolha de livros envolve conhecimentos específicos e definição de critérios voltados para a qualidade da obra literária. Os critérios de qualidade literária, voltados à Educação Infantil, “se desdobram em três aspectos principais: a qualidade textual, a qualidade temática e a qualidade gráfica. [...] A qualidade textual de uma obra se revela, basicamente, nos aspectos éticos, estéticos e literários, na estruturação da narrativa, poética ou imagética, numa escolha vocabular que não só respeite, mas também amplie o repertório linguístico de crianças na faixa etária correspondente à Educação Infantil. [...] A qualidade temática se manifesta na diversidade e no tratamento dado ao tema, no atendimento aos interesses das crianças, aos diferentes contextos sociais e culturais em que vivem e ao nível dos conhecimentos prévios que possuem. [...] A qualidade gráfica se traduz na excelência de um projeto gráfico capaz de motivar e enriquecer a interação do leitor com o livro. Chamamos de projeto gráfico a qualidade estética das ilustrações; a articulação entre as linguagens verbais e visuais; o uso de recursos gráfi cos adequados a crianças na etapa inicial de inserção no mundo da escrita (PAIVA, 2016, p. 32-36).

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Muito provavelmente, sua escola recebeu esses livros: trata-se dos acervos das quatro edições do PNBE (2008, 2010, 2012 e 2014) que contemplaram o segmento Educação Infantil.

Esses livros estão guardados? Tem notícias deles? Já leu? Fez a leitura de algum deles com suas crianças? Atenção! Isso não é uma utopia, muito menos um passe de mágica. É o resultado de um grande investimento, tanto financeiro quanto pedagógico, e você precisa participar dessa política, fazendo circular esses livros, democratizando a leitura e o acesso ao livro com suas crianças. É sua responsabilidade mediar esse encontro (PAIVA, 2016, p. 40).

78 Caderno 7

Caderno 7

Após

a chegada dos acervos nas diversas instituições escolares, o que se espera é que esses livros encontrem as crianças. Digo “encontrar” porque muitas vezes o simples fato de haver a distribuição não significa necessariamente que eles chegarão até as crianças. Para que isso ocorra, é necessário haver mediação, ações de fomento à leitura, criatividade na disposição das obras, práticas que promovam o acesso aos livros, enfim, é necessário retirar o livro da caixa para que ele possa circular, ser visto, ser quisto. É necessário que os profissionais da escola se unam com o objetivo de criar formas para que o encontro aconteça, para que o livro encontre o seu leitor e o leitor encontre seu livro. Ao ler para uma criança, o adulto dará vida às páginas do livro e apresentará não só as emoções das histórias, mas também outros mundos possíveis (PAIVA, 2016, p. 41).

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Nossa expectativa é de que você, que está lendo este texto, envolva-se nesse processo de distribuição e recepção de livros, da forma mais colaborativa possível. Nessa perspectiva, apresentamos algumas questões para você refletir, discutir com suas colegas cursistas, registrar e apresentar a síntese dessa discussão para toda a

turma:

● Os acervos do PNBE estão em minha escola?

Onde?

● Foi feita ou vai ser feita divulgação sobre a chegada desses acervos na escola?

● É ou será desenvolvido algum trabalho de mediação com esses acervos?

● Os acervos do PNBE têm sido postos à disposição das crianças, têm sido procurados por elas?

Essas são algumas questões que podem orientar a ação coletiva de leitura no espaço escolar. E veja que estamos falando de espaço escolar, porque acreditamos que a voz do docente não pode ser isolada. Todos são mediadores de leitura. Os professores, os profissionais da biblioteca, os gestores, enfim, os diferentes mediadores de leitura do contexto escolar são aqueles que detêm o poder de fazer o livro circular (PAIVA, 2016, p.44).

80 Caderno 7
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CONCLUSÃO:

Para apresentar as nossas conclusões recorremos ao caderno de Apresentação que traz na sua epígrafe o sentido da formação continuada, que gira em torno do Curso Leitura e Escrita na Educação Infantil, apoiado pelos oito caderno temáticos e o Encarte. Nas palavras de Cadermatori (2016), “Nosso suposto saber será abalado, e, se tivermos sorte, haverá lugar para a formulação de hipóteses novas. Não voltaremos para casa com a mesma bagagem”.

O nosso admirável e amado Paulo Freire nos alerta “O mundo não é, o mundo está sendo”.

Que o nosso caminhar pela educação por meio de estudos e formação nos permitam realizar deslocamentos que nos possibilitem aprofundar nossas experiências pessoais e profissionais, interagir e participar, em comunhão com as famílias e/ou responsáveis, da educação e do cuidado de nossas crianças com consciência, sabedoria, determinação e muito amor.

Abraço fraterno, Maria do Carmo Rezende

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MOMENTO LITERÁRIO

Soraya Farias Pereira Pêgo

Joaquim tinha uma letra bonita. Parecia com escrita fechada num livro de cartório antigo. Letra de certidão de nascimento guardada em baú de lata em cima do armário. Junto um embrulho com cabelos do filho morto com pouca idade. Ficou também o retrato do anjinho no caixão. Letra alta tombada pra direita, quase deitando, mas se preguiça. Letra farta, cheia de dois efes, dois emes, dois pês. Meu avô nunca falou de grupo escolar, taboada, ditado, leitura silenciosa, prova e castigo. Falava de um mestre escola, de colete de gravata borboleta. Depois de ensinar tudo ele fugiu da cidade roubando a esmola do senhor morto no altar da matriz. A gente beijava a fita ensebada e deixava uma moeda. Podia retirar o troco. Todo acontecimento da cidade, da casa, do vizinho, meu avô escrevia nas paredes. Quem casou, morreu, fugiu, caiu, matou, traiu, comprou, juntou, chegou, partiu. Coisas simples como a agulha perdida no buraco do assoalho, ele escrevia. A história do açúcar sumido durante a guerra estava anotada. Eu não sabia por que os soldados tinham tanta coisa a adoçar. Também desenhava tesouras desaparecidas, serrotes sem dentes, facas perdidas. E a casa, de corredor compri-

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do, ia ficando bordada, estampada de cima a baixo. As paredes eram o caderno do meu avô. Cada quarto, cada sala, cada cômodo, uma página. Ele subia em cadeira, trepava em escada, ajoelhava na mesa. Para cada notícia escolhia um canto. Conversa mais indecente, ele escrevia bem no alto. Era preciso ser grande para ler, ou aproveitar quando não tinha ninguém em casa. Caso de visitas, ele anotava o dia, a hora, o assunto ou a falta de assunto. Nada ficava no esquecimento, em vaga lembrança: “A Alice nos visitou às 14 horas do dia 3 de outubro de 1949 e trouxe recomendações da irmã Júlia e do filho Zé Maria, lá de Brumado”.(...). Meu avô tinha muitos netos e muitos filhos. Todos já casados e sacudidos, criados com o leite dos peitos da minha avó, agora já arriados e na cintura, junto com dinheiro e novenas. Vestida de noite, olhar prudente, movimentos brandos, minha avó batia com dois garfos as claras para nos servir, de repente, brancos suspiros com aroma de limão, desmanchando no céu da boca. Enquanto ele escrevia, eu inventava histórias sobre cada pedaço da parede. A casa do meu avô foi o meu primeiro livro. (...) Apreciava meu avô e sua maneira de não deixar as palavras se perderem.

QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Por parte de pai. Belo

Horizonte: RHJ, 1995, p. 10-12.

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Autora:

Maria do Carmo Rezende dos Santos

Assunção de Oliveira

Possui graduação em Psicologia e Pedagogia. Especialista em Educação Infantil e Informática na Educação. Mestranda no PROMESTRE/FAE/UFMG. Formadora de professoras no Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil/FAE/UFMG. Analista Educacional na Secretaria de Estado de Educação, atuando na Coordenadoria de Ensino da Escola de Formação e Desenvolvimento Profissional de Educadores de Minas Gerais.

Colaboradoras:

Alessandra Latalisa de Sá

Possui graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1995). Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001) e doutorado em Educação pela UFMG (2010). Coordenadora e gestora da Educação Infantil da Escola Balão Vermelho. Coordenadora e professora do curso de Pedagogia EaD e das disciplinas EaD dos cursos presenciais e professora do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas da FUMEC. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa: Leitura e Escrita na Primeira Infância – LEPI/FaE/ UFMG. Formadora no Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil, da FaE/UFMG, vinculado ao programa de extensão Bebeteca: uma biblioteca para a primeira infância.

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Ana Cláudia de Figueiredo Brasil

Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG; Especialista em metodologias do Ensino Fundamental e Médio pelo CEPEMG; Pedagoga pela UEMG; professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, desde 1993; integrante da equipe da Bebeteca FaE/UFMG; NEPEI FaE/UFMG

Eliana Crepaldi Santos

Mestre em Educação pela Faculdade de Educação/UFMG; psicóloga, professora para a Educação Infantil da RME/BH e Tutora do Programa Leitura e Escrita na Educação Infantil - LEEI/UFMG.

Fernanda Câmpera Clímaco

Professora e Formadora de Professores da Infância, doutoranda na FAE/UFMG, na linha de pesquisa Infância e Educação Infantil. Pedagoga, graduada na PUC/MG. Especialista em Construtivismo e Educação na FLACSO, Argentina, em parceria com a UAM - Universidad de Madrid, pós graduada em Infância, Cultura e Práticas Formativas. Autora de artigos sobre a E.I. Atua com Formação Docente e Consultoria nas secretarias municipais e estaduais, escolas públicas e privadas de Educação Infantil em BH e pelo Brasil.

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Mariana Parreira Lara do Amaral

Possui graduação em Psicologia, pela Universidade Federal de Minas Gerais (2013), e graduação em Pedagogia, pela Universidade FUMEC (2016). Atualmente, trabalha como professora da Educação Infantil na Escola Infantil Casa da Gente, é estudante do PROMESTRE - Programa de Mestrado Profissional - da UFMG, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Infância e Educação Infantil (NEPEI/UFMG) e do Grupo de Pesquisa Leitura e Escrita na Primeira Infância, LEPI/FaE/UFMG. É especialista em Educação Infantil pela PUC Minas e Psicopedagoga pela Universidade FUMEC. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Infantil e Literatura Infantil e na área da Psicologia, com ênfase em processos clínicos e psicanálise.

Mônica Correia Baptista

Professora associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG). Pesquisadora do CEALE

- Centro de Alfabetização Leitura e Escrita da FAE/UFMG e do NEPEI - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infâncias e Educação Infantil da FAE/UFMG. Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação da UFMG (1992), Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG (1995), Doutora em educação pela Universidade Autônoma de Barcelona (2008), Pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Autônoma de Barcelona (2016). Líder do grupo de pesquisa Leitura e Escrita na Primeira Infância - LEPI (CNPq). Coorde-

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nadora do Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil (MEC/UFMG/UNIRIO/UFRJ). Atua, prioritariamente, em temas relacionados às práticas pedagógicas de leitura e escrita junto a crianças de zero a seis anos; formação de professores; políticas públicas e Educação; alfabetização, leitura e escrita; currículo e Educação Infantil.

Rita de Cássia Costa Teixeira

Professora Mestra em Educação e Formação Humana. Pedagoga. Pós-graduada em Educação Inclusiva. Professora da Educação Infantil na Rede Pública Municipal de Belo Horizonte, atuando na Assessoria de Articulação da Educação Básica na SMEDPBH. Tutora no curso de formação de professoras Leitura e Escrita na Educação Infantil LEEI/ UFMG em parceria com a Fundação Itaú Social. Pesquisadora das temáticas: Educação Inclusiva, Poética e Estética na Educação, Leitura e Escrita na Educação Infantil.

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Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2016.

Disponível em: http://projetoleituraescrita.com.br/publicacoes/colecao/ Acesso em 01/10/2022

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Lista de Ilustrações

Página 1 - Ilustrações Graça Lima (Especialmente criadas para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 8 - Ilustração Graça Lima (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 14 - Ilustração Roger Mello (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 21 – Ilustração Mariana Massarani (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 22 - Ilustração Mariana Massarani (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 28, 34, 42, 50, 62, 74 - lustração Graça Lima (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 32 - Ilustração Graça Lima (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 33 – Ilustração Mariana Massarani (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 41 - Páginas 86/87 - MURRAY, Roseana. & MELLO, Roger (ilustração). Jardins. Editora Manati, 2001.

Página 41- Ilustração Graça Lima (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

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Página 47 - MELLO, Roger. Todo Cuidado é Pouco. São Paulo: Editora Cia das Letras, 1999.

Página 48 - lustração Graça Lima (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 49 - Arquivo Pessoal da Pesquisadora

Páginas 53 e 57 - Ilustração Mariana Massarani (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 58 - Ilustração Graça Lima (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 70 - Ilustrações Graça Lima (Especialmente criadas para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 78 - Ilustrações Graça Lima (Especialmente criadas para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 81 - Ilustração Mariana Massarani (Especialmente criada para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

Página 92 - Ilustrações Graça Lima (Especialmente criadas para a Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil).

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