Pelas lentes do espectro


Este livro eletrônico é resultado do projeto realizado na disciplina Mídias, comunicação artística e cultura digital, parte do programa de itinerários formativos do Colégio Marista de Brasília. 2º semestre de 2022 Professora mediadora: Stella Avelino
Minha vida atípica
Meu diagnóstico
Coisas que eu achava normais, mas descobri que era autismo
Mitos e verdades sobre o Transtorno do Espectro Autista
A cura do TEA Cães e autistas
Curiosidades sobre o autismo
Fila preferencial Shutdown, Daydreaming, Meltdown e Burnout
Autismo na prática (como eu me sinto?)
Perguntas
Referências bibliográficas
Os primeiros raios da manhã surgem através das frestas da cortina entreaberta. Com um estrondo, a porta se abre revelando um homem cujos cabelos emaranhados ultrapassam os ombros encobrindo seu rosto. Apesar dos gritos e do modo como o cobertor fora bruscamente arrancado de mim, minhas pálpebras pesadas de uma noite mal dormida negavam incessantemente a se abrir.
Durante cerca de dez minutos, houve várias tentativas falhas para me tirar da cama; cortinas escancaradas, luzes acesas, gritos, chantagens, cutucadas e chacoalhadas até que a calma se reestabelecesse no ambiente, dando uma falsa esperança de vitória. A tranquilidade daqueles minutos a mais na cama preencheram o quarto por um breve intervalo de tempo.
Foi uma questão de tempo até que as mãos geladas agarrassem com força meus tornozelos e me arrastassem com tudo para o chão. Minhas pálpebras se renderam ao barulho da minha cabeça batendo no chão, dando início a uma pulsante dor de cabeça.
Permaneci imóvel no chão processando o que acabara de acontecer enquanto meu colchão era retirado da cama para que eu não voltasse a dormir. A mão agarra meu pulso me arrastando para fora do quarto.
Quando se dorme poucas horas, seu cérebro não quer nem saber se você tem uma reunião importante ou se estão tentando invadir a sua casa. Uma vez me disseram (minha mãe disse que o nutricionista do meu padrinho disse para ela) que uma hora de sono durante o dia equivale a 20 minutos, por isso a importância de dormir a noite. No meu caso, eu observava a movimentação da lua durante a noite enquanto os meus pensamentos e vozes atormentavam minha mente cansada (distúrbios do sono são comuns no autismo).
Eu tinha aula pela manhã, mas, quando chegava na hora, simplesmente “apagava” com a testa nos braços estrategicamente cruzados em cima da mesa.
Como muitos autistas tenho hipersensibilidade tátil, então não gosto de contato físico, porém NÃO SUPORTO que passem a mão nas minhas costas. No momento em que senti alguém encostar a mão nas minhas costas, minha alma saiu do meu corpo. Veio uma vontade enorme de vomitar. Levantei minha cabeça em desespero ainda com a cara amassada, arranhando minhas costas para tentar aliviar a sensação. Todos os 80 olhos ali presentes estavam me encarando. Havia risadas e cochichos quebrando o silêncio seguidos da voz do professor insistindo que eu fosse lavar o rosto. Não atrevi a me levantar; não conseguia. Minhas pernas não funcionavam! Balancei timidamente minha cabeça e fingi procurar algo na minha mochila.
Aproveito sempre a troca de horário em que os alunos se levantam distraídos para conversar para sair e respirar ou me regular. Em momentos de ansiedade extrema em que o “SOS” não está comigo, a compulsão alimentar surge.
Tenho extrema dificuldade em comer na frente das pessoas, por isso habitualmente me tranco no banheiro. Já fui advertida várias vezes pela falta de higiene. Por isso, aos poucos fui renunciando às refeições na escola. Sem o SOS e a comida, meu corpo foi cedendo a outros tipos de “válvulas de escape”; dentre elas, derivações da automutilação.
Minha rotina escolar se resumia em chegar por volta das 9h, tentar entrar em sala na troca de horário; possíveis obstáculos: não chegar a tempo da troca de horário, ter gente sentada no meu lugar, muita gente obstruindo a porta da sala, muito barulho dentro da sala de aula... Nunca abro a porta uma vez que esta estiver fechada a menos que a sala esteja vazia. Rotinas são importantes para indivíduos autistas e é muito importante para mim que eu me sente sempre no mesmo lugar na sala de aula. É angustiante ter que entrar na sala e ficar procurando por algum lugar vago, sem contar que não consigo me sentar em lugares específicos.
Preciso estar fora do campo de visão das outras pessoas (tendo em vista o lugar que o professor ocupa na sala de aula); O lugar precisa ser estratégico caso seja necessário sair da sala; Gosto de ter uma parede ao meu lado; Na presença de um monitor para me acompanhar, deve se sentar atrás de mim ou na minha frente pois não consigo respirar caso se sente ao meu lado (no autismo, o chamado “espaço pessoal” é de estrema importância).
Saio para o intervalo antes que o sinal toque para evitar multidões e o mesmo acontece no último horário. O problema das multidões gira em torno do espaço pessoal,
dificuldade para respirar, contato físico e muito estímulo sensorial (visual, auditivo e tátil), que podem gerar uma certa desorientação. Para pessoas comuns, o cérebro filtra estímulos sensoriais, mas os autistas são incapazes, por isso, percebem tudo ao mesmo tempo.
É muito desgastante estar dentro da sala de aula e na escola em geral por motivos de “conversa paralela”, (incapacidade autista de filtrar ruídos fúteis) ao mesmo tempo em que o professor tenta ganhar a atenção dos alunos, gritando ou batendo o pincel no quadro várias vezes por exemplo; causando sobrecarga sensorial (hipersensibilidade auditiva). No meu caso, tenho intolerância a barulhos altos, agudos e ou repetitivos (como sirenes, gritos, buzinas, palmas, relógios analógicos e goteiras). Às vezes, a altura e o tom de voz do próprio professor me incomodam.
Por conta da dificuldade de frequentar as aulas, conto com o apoio de professores particulares durante a semana e até aos finais de semana para conseguir acompanhar os outros alunos e realiza as provas.
Faço minhas provas em sala separada de outros alunos por causa da dificuldade de concentração (TDAH Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. No meu caso, a hiperatividade oscila entre física e mental) com direito a um “ledor” para aplicar a prova, (às vezes mais atrapalha do que ajuda) devido a minha incapacidade de realizar duas coisas ao mesmo tempo (ou eu leio ou presto atenção).
Como forma de estudo, faço resumos. Mapas mentais e cores variadas me ajudam com a memória visual. Consigo aprender os conteúdos, mas não com a mesma facilidade que os outros; posso ler várias vezes os livros didáticos e não saber se quer do que se trata. Outra dificuldade é que não consigo tirar dúvidas em sala de aula.
Pessoas portadoras do distúrbio do espectro autista veem o mundo de forma diferente das pessoas neuro típicas (não-autistas). Assim como as pessoas normais acham os autistas “estranhos” o mesmo acontece com autistas, que estranham as regras e padrões sociais impostos pela sociedade neuro típica.
O que eu mais gosto no autismo é o hiperfoco (talvez esteja óbvio). Posso estudar e falar por horas sem me cansar. Aprendo rápido e o conhecimento se acumula de forma surpreendente. Conversando sobre esse determinado assunto, às vezes eu me surpreendo comigo mesma!
Recebi meu diagnóstico tardio, somente aos 15 anos. Na minha infância, os sintomas foram sutis e, por volta dos 11/12 anos, apresentei sintomas de um quadro depressivo. É comum que antes de serem diagnosticadas, pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) recebam diagnósticos errados ou mesmo que fazem parte do espectro. Durante minha jornada de acompanhamentos médicos, recebi vários diagnósticos que mais tarde foram interpretados como parte do meu autismo, tais como: insônia, distúrbios de alimentação, TDAH, TOC (transtorno obsessivo compulsivo), transtorno de ansiedade social, depressão... Tudo aquilo era uma incógnita para mim. Qual seria de fato o meu problema?
Durante parte da minha infância e ao longo da minha adolescência, eu vinha me questionando a respeito de o que tinha de errado comigo e porque eu me sentia tão diferente das outras pessoas.
Aos 14 anos, mudei de psicóloga pela terceira vez por indicação do meu psiquiatra. Foi aí que surgiu minha primeira suspeita...
Já na primeira consulta, ela questionou a possibilidade de eu estar no espectro autista. Isso nunca havia passado pela minha cabeça. Era tão nítido assim? Poderia ela olhar para mim pela primeira vez e saber de algo que nem eu, nem meus pais havíamos desconfiado durante toda a minha vida? Claro, ela era uma profissional; mas meus pais eram “Águias”! Consultas regulares e atentos a tudo!
Durante as investigações, comecei a ler sobre transtornos mentais. Cada suspeita que surgia sobre meu diagnóstico eu lia, pesquisava e aprendia cada vez mais. Fui me envolvendo com a psicologia a ponto de meus pais acharem que meus sintomas e suspeitas eram apenas paranoias do que eu lia. Foi por aí que descobri um dos meus “hiperfocos” (termo que faz parte do autismo e é classificado como foco principal do indivíduo no qual ele sente que deve saber TUDO sobre o assunto e pode passar horas a fio estudando a respeito), este, portanto, durou apenas 3 anos. Hoje em dia sei bastante a respeito, mas não me interesso obsessivamente pelo assunto.
Hoje, a minha maior paixão, são os cães. Estudo medicina veterinária, zoopsicologia, adestramento e padrões de raças registradas (ou não) no CBKC (Confederação Brasileira de Kennel Clubes ou Confederação Brasileira de Cinofilia*), que se resume a um órgão responsável por organizar a criação de raças de cães no Brasil pelos padrões oficiais estabelecidos pela instituição. Meu hiperfoco me ajudou a escolher minha vocação, pois fora da “bolha do hiperfoco”, é difícil prender minha atenção.
A partir da suspeita do meu autismo, começamos a juntar provas que pudessem comprovar o diagnóstico e finalmente juntar as peças (diagnósticos e sintomas) soltas e responder às minhas perguntas.
Estudos científicos relacionados ao mundo canino.
Diagnosticar um autista é difícil, pois a maioria dos sintomas podem ser confundidos com outros transtornos. Em mulheres, o transtorno do espectro autista de cara parece mais sutil pela tendência a mascarar “hábitos estranhos” para se encaixarem aos padrões. Eu mesma, depois de receber o diagnóstico, comecei a me aceitar. Dar nome a tudo aquilo foi maravilhoso! Me sentia livre para viver o meu autismo sem precisar repreender comportamentos socialmente estranhos.
Quando fui diagnosticada, meus pais buscaram estudar e entender mais do que se tratava a condição. O diagnóstico melhorou a minha relação com meus pais, que passaram a me entender melhor, mesmo que não por inteiro. Me ajudou a me aceitar e, principalmente, na busca pelo meu autoconhecimento.
Tive medo no início. Tive medo de ser julgada, de ser incapaz, insuficiente... Entrei em colapso. Minha mãe sentiu um certo ar de culpa por não ter percebido antes, mas não gosto que ela se sinta assim. Óbvio que gostaria de ter sido diagnosticada antes... Talvez tudo fosse mais fácil, mas acho que veio na hora certa; do jeito que tinha que acontecer.
Fazer birra se colocassem o feijão em baixo ou ao lado do arroz, mesmo misturando tudo na hora de comer; Odiar trabalhos em grupo e manter “opinião neutra” para fazer o que sobrasse ou até mesmo o trabalho todo para acabar logo com aquilo; Comer sempre as mesmas coisas nas refeições; Ser sincera o tempo todo; Evitar as visitas para não ser obrigada a abraçá las e cumprimentá-las; Chorar sempre que levantam o tom comigo ou com outras pessoas; Ser a última a abaixar a mão na aula de música em grupo no exercício de “abaixe a mão quando não estiver mais ouvindo o som”; Organizar coisas fora do lugar em supermercados, farmácias, papelarias etc.;
Brincar de enfileirar brinquedos ou separar em padrões;
Fazer sempre o que mandavam eu fazer nas brincadeiras de “faz de conta”; Não comer coisas pastosas; Me irritar com o som de relógios e goteiras; Só sair com um coleguinha por vez; Surtar em apresentações em público; Ficar calada nas rodas de conversa; Imitar outras pessoas; Repetir várias vezes uma palavra normal até ela soar familiar; Ter dificuldade em identificar e expressar sentimentos; Andar de um lado para o outro do nada; Entrar no meu próprio mundo e me desconectar de tudo; Escutar a mesma música várias vezes durante dias; Colecionar coisas sem sentido; Usar sempre a mesma cabine de banheiros públicos; Não conseguir levantar a mão nem para pedir para ir ao banheiro (já fiz xixi na roupa por causa disso); Não entender regras sociais; Ficar impaciente nas filas (isso se deve principalmente a dificuldade que os autistas têm com relação à noção de tempo);
Planejar minuciosamente todo o meu dia seguinte durante a noite; Preferir ficar sozinha; Não gostar de interagir com outras pessoas ou preferir interagir com pessoas mais velhas; Dificuldade em manter relacionamentos em geral por muito tempo; Fazer lista para tudo;
Gostar só de um objeto ou assunto por muito tempo; Identificar as pessoas pelos sapatos que elas usam ou jeito de andar e não pelo rosto; Interpretar tudo no sentido literal; Só ouvir o que me interessava; Pedir para estabelecer regras no relacionamento; Falar da minha vida pessoal para qualquer um; Colocar objetos na boca o tempo todo; Ficar encarando alguém sem perceber; Chorar no salão de beleza quando mudava cabeleireiro e por causa da hipersensibilidade; Não conseguir dizer “não” para as pessoas; Não pedir ajuda; Habitualmente me comunicar por meio de cartas e mensagens, mesmo estando do lado da pessoa; Não conseguir identificar más intensões, manipulações; Ficar magoada com toques fortes.
Autismo não é uma doença, mas um transtorno do neurodesenvolvimento;
Não é ´ porque no Google está escrito que autista é “isso ou aquilo” que todo autista vai ser daquele jeito. Cada autista é diferente.
“Você não tem cara de autista”. O autismo não é uma deficiência visível como a Síndrome de Down.
“Autistas não gostam de contato físico”. Alguns autistas gostam e outros não; pode depender do tipo de toque também. Há autistas hiposensíveis que gostam de toques fortes, e outros hipersensíveis que gostam de toques fracos ou nenhum toque.
“Não pode abraçar autistas”. Nem todos se incomodam com isso. Eu particularmente não gosto, mas às vezes preciso de um abraço.
“Autistas não fazem contato visual”. Há sim autistas que fazem contato visual sem nenhum problema e outros que não suportam. Eu, por exemplo, não olhava nos olhos quando era criança, mas fui aprendendo que é importante para as outras pessoas. Ouvi tanto a frase “olhe nos meus olhos enquanto eu estiver falando com você” que no início eu podia até chorar, mas aprendi a manter o contato visual. Me incomoda bastante e acho muito invasivo e incômodo, mas eu consigo. “Autistas não falam”. Há três níveis de autismo: leve, moderado e grave, sendo o grave com extremo atraso de fala ou totalmente não-verbal e dependente de um responsável para realizar tarefas simples e cotidianas. Porém, mesmo que haja atraso na fala durante a infância, autistas com graus menores que o 3 podem sim se comunicar pela fala. “Como é a sensação de ter autismo?” Sabe, não é como se eu pudesse sentir o autismo dentro de mim, eu sou o autismo, não sei como é ser nada além de mim mesma.
“O autismo é hereditário”. Não se sabe ao certo e muito tem sido pesquisado a respeito, mas eu realmente acredito que seja.
“Vacinas podem causar autismo”. Houve um médico que alegou, com base em dados fraldados, que o autismo estava relacionado ao uso das vacinas. Porém, embora ainda haja pessoas que acreditam em sua teoria, os rumores estavam incorretos, e o fato ocasionou a retirada de sua licença profissional. “O autismo é causado pela falta de afeto dos pais (Teoria mãe geladeira).” Os pais não têm culpa do autismo em seus filhos.
O TEA não é uma condição degenerativa, ou seja, não piora com o passar dos anos. O que pode acontecer é o chamado “autismo regressivo”, em que a criança com desenvolvimento aparentemente “normal” passa a apresentar sintomas mais nítidos conforme se aproxima da adolescência, momento em que as habilidades sociais são mais exigidas.
Não existe cura para a condição de autista. Hoje em dia, com estudos mais avançados, há tratamentos para lidar e amenizar os sintomas do transtorno, para que pessoas autistas possam conviver em sociedade e enfrentar os desafios diários de forma mais leve. Tais como:
Terapia realizada por profissionais visando a aprimorar as habilidades de interação social.
Terapia Ocupacional:
Trabalha habilidades físicas, motoras e sensoriais que podem estar comprometidas.
Terapia Cognitivo Comportamental:
Trabalham comportamentos prejudiciais.
Terapia em grupo:
- Trabalha empatia, habilidades de convivência e ajuda os integrantes a não se sentirem só a partir das experiências que compartilham como portadores das “mesmas dificuldades”.
Acompanhamento pedagógico:
- Sistema de educação personalizada adaptada às necessidades individuais promovendo o aprendizado garantido por lei.
Fisioterapia ou atividade física:
Trabalha a coordenação motora.
Musicoterapia: Terapia assistida por animais:
- Estimula a comunicação, expressão, criatividade e aprendizado, além de proporcionar benefícios como desenvolver outras áreas do cérebro.
São comprovados cientificamente os benefícios do convívio com animais para pessoas do transtorno do espectro autista. Os animais mais comuns designados para esse tipo de terapia são cavalos, cães, gatos e coelhos.
Medicamentos:
Há vários tipos de medicamentos que podem ajudar pessoas autistas, como ansiolíticos, para reduzir a ansiedade; antidepressivos, para reduzir o impacto das dificuldades cotidianas na saúde mental; reguladores do sono, para controlar os distúrbios de sono presentes no transtorno; reguladores sensoriais, para ajudar com as hipersensibilidades auditivas, visuais etc.
Nutricionista:
- É importante que esse profissional tenha experiência em lidar com indivíduos portadores do TEA para ajudar com a seletividade alimentar com o mínimo de intervenções a fim de garantir a saúde e os nutrientes necessários sem ser invasivo.
Há cerca de um ano, ganhei minha primeira cachorrinha, Maya. Hoje em dia ela é minha cachorrinha de assistência e apoio emocional. Comecei a treiná la desde cedo, (claro, com uma adestradora me assistindo) pela confiança que foi entregue a mim por já ter estudado adestramento. Mais para frente, Maya conseguiu o certificado de treinamento e, junto com o laudo médico, me acompanhou em teatros, shoppings, cinemas, museus e lojas, inclusive fora de Brasília!
Maya nasceu em São Paulo dia 3/9/2021 e é uma cadela extremamente inteligente (e gulosa). Sempre acreditei que os cães “puxam” os donos no sentido de personalidade. Acho interessante como a Maya é calma e se mostra submissa diante de outras pessoas e cães. Nossa conexão é muito forte. De vez em quando, solto ela da coleira para que possa correr livre e explorar... É uma forma de me sentir livre também.
Cães sabem ler expressões faciais e farejam os cheiros que exalamos para determinadas emoções, por isso são os animais mais indicados para apoio emocional e são eficientes como cães de assistência para pessoas com algum tipo de transtorno.
O que eu mais gosto nisso tudo é a semelhança que os cães apresentam com os autistas (inclusive, há estudos para confirmar casos de autismo em cães, mas não é exatamente disso que eu estou falando).
A parte mais desenvolvida do cérebro dos cães é o olfato, podendo identificar cheiros até mesmo de longe. Eles percebem o mundo ao seu redor por meio do olfato, é por isso que eles cheiram tudo (a visão não é lá essas coisas, mas os outros sentidos compensam). Por conta da sensibilidade sensoriais, alguns autistas também podem identificar cheiros de longe e perceber o mundo por meio dos sentidos separadamente.
A audição dos cães também é muito apurada e, assim como os autistas, há uma hipersensibilidade com barulhos altos. Você sabia que cães podem prever terremotos? Estudos apontam que, por conta dos seus sentidos apurados, os cães podem prever terremotos segundos ou minutos antes de acontecerem.
O autismo é mais comum em meninos do que em meninas (ou pelo menos mais fácil de identificar). Autismo já foi considerado esquizofrenia, entre 1911 e 1943. A idade avançada dos pais ou a diferença considerável de idade aumenta o risco de o filho nascer com autismo. O termo autismo é de origem grega e significa “sozinho, por si só”, o que está relacionado à forma com que o mundo enxerga os autistas “desconectados do mundo”. Autistas são observadores e percebem estímulos que outras pessoas não percebem. Inclusive, caso algum detalhe muda no ambiente, é possível que incomode um neuro atípico. Movimentos repetitivos e “flapping” (agitar as mãos por exemplo) são uma forma de autoestimulação e autorregulação ou de expressar sentimentos de alegria, por exemplo.
O autismo é mais comum do que câncer infantil, AIDS e diabetes juntos. Alguns estudos indicam que autistas têm mais neurônios que as pessoas comuns. Autistas podem ter menos sensibilidade à dor, mas ser extremamente sensíveis ao barulho, luz, cheiros e toques.
Se um gêmeo idêntico for diagnosticado com autismo, o outro gêmeo tem cerca de 90% de chance de também receber diagnóstico.
O símbolo do autismo mais aceito hoje em dia é o símbolo do infinito nas cores do arco íris, mais conhecido como o logotipo da neuro diversidade. Apesar de a fita do quebra cabeça ser a mais comum, o símbolo do quebra cabeça não é mais aceito pela comunidade autista, pois representar a dificuldade de compreender indivíduos no espectro e pela dificuldade destes em se encaixar na sociedade; portanto, traz mais prejuízos à causa do que ajuda no entendimento do autismo.
A lei Berenice Piana garante o direito à fila prioritária para portadores de TEA junto com a lei 10.048, que garante que autistas sejam considerados deficientes para todos os fins legais, tendo os mesmos direitos garantidos aos outros deficientes. Estava eu no supermercado, já passando mal com o tanto de gente que resolveu ir fazer compras no mesmo dia e na mesma hora que eu. Os caixas estavam lotados e eu suando, querendo sumir. Eu pensei “Se eu for enfrentar qualquer uma dessas filas, é melhor ir embora, porque estou sem condição”. De fato, evito usar a prioridade por lei porque quase nunca dá certo, mas às vezes não tem como. Decidi tentar a fila preferencial antes que eu entrasse em crise.
Dois ou três idosos estavam na minha frente e uma senhora, atrás de mim. Chegando a minha vez, a senhora que estava atrás de mim me cutucou. Eu gelei do pé a cabeça, tipo quando dá cãibra, só que no corpo todo. “Você é idosa?”. Eu virei para traz, fixei o olhar entre o pescoço e o queixo dela,
já com a cestinha tremendo e disse “Não...” Aí ela disse: “Então eu posso passar na sua frente”, me empurrou e ficou na minha frente. Não satisfeita de ter passado na frente, ela virou e disse: “Moça, aqui é a fila preferencial!” Eu, então, disse: “Eu sou autista”. Aquela frase ficou se repetindo na minha cabeça... Eu nunca tinha dito aquilo daquela forma... Talvez a ficha estivesse caindo só naquele momento. “Ah", ela disse.
Quando ela olhou para mim de novo, eu já estava chorando. Igual criança quando leva paulada. A moça do caixa disse “Que que foi moça!?” Aí que eu danei a chorar mais ainda! A mulher que estava atrás de mim passou a mão nas minhas costas e disse “Não chora não moça, tem muita gente arrogante nesse mundo!”. A senhora da frente continuou pagando, como se não fosse com ela; a mulher atrás de mim xingando a senhora com uma cara feia e eu chorando de soluçar. Chegou a minha vez e eu pedi desculpa para a mulher do caixa entre soluços. Ela disse para não me preocupar, mas da próxima vez usar outro caixa.
Fui embora chorando, cheguei em casa e a Maya me lambeu até eu parar de chorar. Aí eu parei. Fui à geladeira pegar uns tomates pra dar pra ela e voltei a chorar de novo. Ela largou os tomates, bufou e foi atrás de mim, tipo “não tenho paz nessa casa”. Depois que eu me acalmei, ela voltou para pegar os tomates um por um.
Esse tipo de coisa é comum com autistas pelo fato de o autismo não ser uma deficiência visível.
Outro dia eu voltei no mesmo supermercado determinada a exercer meu direito. Novamente o estresse aconteceu, mas dessa vez, meu pai tinha me dito exatamente o que eu devia fazer. Entrei na fila com meu carrinho e aguardei.
Devido ao fato de eu estar sem máscara (tinha esquecido, mas não era obrigatório) em meio a pandemia de COVID-19, escolhi manter um certo distanciamento dos idosos da fila. Tudo ia bem até que uma senhora veio com o carrinho dela entre o senhor da frente e eu. Ela largou o carrinho, pegou um saquinho e foi pegar alguns legumes que estavam na bancada ao meu lado. Eu pensei “Ela só está pegando legumes. Quando ela terminar, ela vai se afastar de você e seguir o caminho dela.” A meliante simplesmente colocou o saco de legumes no carrinho e meteu o carrinho dela na minha frente. E pasmem, ela IGNOROU a minha existência. Eu recuei o carrinho para ela não me empurrar porque evidentemente, o carrinho dela não cabia ali.
Era um dia bom, eu estava totalmente sobre controle. Eu não ia chorar. Era só fazer exatamente o que meu pai tinha dito e tudo ia ficar bem.
Passados alguns minutos, a mulher virou, olhou para a minha cara e falou “EU NÃO SEI SE VOCÊ PERCEBEU, MAS AQUI É O CAIXA PREFERENCIAL”. Eu a respondi: “Eu sou autista”. “AH TÁ”, ela disse, e virou para frente de novo. Mais alguns minutos depois, ela virou e disse que eu poderia passar na sua frente, mas eu disse “Não, minha senhora, pode ficar a vontade” (do roteiro do meu pai). Ela virou pra frente de novo, mas, não contente, virou se para mim e me ofereceu novamente que eu passasse em sua frente. Neguei, mas toda a situação fez meus olhos começaram a se encher de lágrimas... Me esforcei para segurar, mas não deu. Tirei meu carrinho da fila, joguei de lado e fui embora chorando. Quase fui atropelada quando saí.
Hoje em dia, ando com meu cartãozinho de autista para que isso não aconteça novamente.
Termos em inglês com os quais nós autistas temos que lidar em nosso cotidiano. Alguns deles são causados pela sobrecarga sensorial e emocional.
Shutdown
Episódios de “desligamento, desconexão”. O indivíduo fica com um olhar vazio, não responde, paralisa e há mudança na velocidade da respiração.
Meltdown
Crises explosivas com perda de controle temporária. Gritos, estereotipia e até agressividade (autolesão ou agressividade com os outros). Geralmente ligadas a estresse emocional, frustrações e mudanças de rotina.
Esgotamento físico ou mental de longo prazo. Pode gerar mais dificuldade de controlar suas emoções e torna a pessoa mais propensa a ataques de raiva e tristeza. É comum que autistas com Burnout apresentem depressão, ansiedade extrema e comportamentos suicidas.
“Embora não seja muito comum entre os autistas, esse fenômeno de sonhar acordado (daydreaming) muitas vezes chamado de “sexto sentido” aparece em muitos relatos. Donna Williams (1992) enfatiza que o fenômeno não é uma fantasia, mas sim uma experiência real.”
Hipersensibilidade tátil:
Toques nas costas
Eu não suporto. Essa é a sensibilidade que nunca oscila; ou seja, não há dias em que está mais forte ou mais fraco.
Sensação de dor e enjoo. Mesmo que não seja forte, eu sinto dor e vontade de vomitar. Para neuro típicos, pode não fazer sentido; assim como não faz para o meu irmão (que fica bravo quando encosta em mim e eu reclamo), mas o cérebro atípico processa as informações de forma diferente e com muita intensidade.
Toques em geral:
Essa é uma sensibilidade minha que oscila. Há dias em que o contato físico me incomoda e não suporto abraços, mas posso suportar bem toques físicos em dias em que essa sensibilidade estiver mais controlada.
- É invasivo e eu sinto como se a mão da pessoa ainda estivesse em mim mesmo quando não estiver mais.
O cérebro autista, por ter mais neurônios que um cérebro típico, percebe os estímulos sensoriais com mais intensidade, o que significa que uma mesma buzina pode ser percebida em volumes diferentes por autistas e neuro típicos.
Aflição momentânea e possibilidade de encadear uma crise psicossomática (crise somada a diversos sintomas físicos como taquicardia, enjoo, queda de pressão, dores de cabeça e entre outros.)
Barulhos repetitivos: Barulhos simultâneos:
É definitivamente melhor que barulhos incômodos tenham menor duração. Barulhos repetitivos, mesmo que em uma frequência baixa como a de um relógio, me causam ansiedade e um possível “ataque de raiva”.
- O problema de barulhos simultâneos independente do volume é a quantidades de estímulos auditivos que o autista recebe. O cérebro autista é incapaz de filtrar estímulos irrelevantes, portanto barulhos em excesso sobrecarregam o cérebro.
Tontura, ansiedade, episódios de desorientação e até desligamento (ver Shutdown p. 30).
Hipersensibilidade visual:
Luminosidade:
- Luzes fracas ou inexistentes são confortantes para mim. Quanto maior a intensidade da luz, mais incômodo. Luzes piscantes são a pior coisa neste critério.
- Por ser a hipersensibilidade de menor relevância no meu espectro, não é capaz de desencadear crises por si só, a menos que venha acompanhada de outro estímulo sensorial. Por si só, a luminosidade alta pode me causar uma enorme dor de cabeça.
- Essa poucos sabem. Autistas podem ter dificuldade com cores vibrantes, pois podem ter o mesmo efeito da luminosidade alta.
- No meu caso, se alguma coloração (de roupa ou parede, por exemplo) me incomodar, apenas tenho dificuldade em olhar para o objeto em questão.
olfativa:
Cheiros fortes e/ou doces Cheiros como peixe, vinagre e perfumes doces e fortes são de extremo incomodo para mim. Pode causar forte dor de cabeça e náusea.
Ei, cuidado!
Lembre-se de que cada autista é diferente. Não roteirize outro autista com base nas minhas dificuldades; no máximo, tome-as como base para saber o que pode incomodá-lo.
Hoje em dia, existem tratamentos que amenizem os sintomas e terapias para aprender a lidar e aprimorar habilidades comprometidas pelo transtorno do neurodesenvolvimento (ver pag. 21).
Minha maior sensibilidade é auditiva e tátil. Além do déficit na comunicação, essas são minhas maiores dificuldades do dia a dia. Porém, não podemos generalizar, pois cada autista é diferente.
Há terapias (ver pag. 21) que trabalham habilidades sociais; mas é importante destacar que a paciência é extremamente necessária.
Para profs.: Não chamar a atenção para o autista é um ótimo jeito de ajudar. Quanto mais olhos olhando, pior. Para alunos: se atentar ao volume da conversa é uma boa. Para ambos: Gritar machuca! Tente conhecer mais sobre o autista em questão para evitar causar desconforto.
É uma boa ideia escutar as particularidades, mas em geral, não. Chamar um autista para conversar, principalmente dentro da sala de aula, pode causar uma tremenda aflição. Outras formas de entrar em contato são preferíveis.
Sou uma autista verbal. Consigo conversar com as pessoas mesmo que não goste. Tenho um pouco de dificuldade de me expressar às vezes (na minha mente está claro, mas é difícil me fazer entender).
Sem repulsa... Autismo não é uma doença e não é contagioso. Mas com respeito com relação às minhas dificuldades (hipersensibilidade, sobrecarga etc.).
Transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado pelo comprometimento nas habilidades sociocomunicativas, englobando uma forma diferente de perceber o mundo (mais ou menos intensa) e interferindo em atividades comuns do cotidiano.
9.
Depende da pessoa e do tipo de relacionamento. Sentimentos como frustração, impotência e comparação podem estar presentes com mais frequência nesse tipo de relacionamento.
O diálogo e a sinceridade se tornam ainda mais importantes, tendo em vista que um autista tem dificuldade em ler expressões faciais e “ler nas entrelinhas”. O lado bom de se relacionar com um neuro atípico é que a chance de “falsidade” é quase inexistente, já que autistas são honestos e têm dificuldades com a mentira. Sensibilidade tátil pode ser um problema caso seja desconhecida pelo neuro típico. Acho que é comum que autistas queiram que existam “regras” no relacionamento para que se torne mais fácil de lidar.
Algumas adaptações serão necessárias, mas varia de acordo com as necessidades de cada autista. Em geral, a maior dificuldade é o barulho. Se houver alguma forma de controlá lo sem fazer mais barulho ainda (gritando, assobiando, batendo livros, pincéis etc.), é bem-vinda. Um professor fez uma sugestão interessante: levantar a mão e, à medida que os alunos vão percebendo a mão levantada, vão se calando e levantando as mãos até que todas estejam levantadas e o silêncio seja reestabelecido.
Já se nasce com autismo. O que pode acontecer é não saber que convive com ele e, à medida que os sintomas vão se agravando, o transtorno se torna mais nítido.
“Dentro do ponto de vista de um autista, como é estar em um relacionamento?”
10. “O que um professor pode fazer dentro da sala de aula para torná-la mais convidativa para um estudante autista?”