Tucunduba n5 2016

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tucunduba Arte e Cultura em Revista

tucunduba tucunduba Arte e Cultura em Revista Universidade Federal do Parรก 2015 n.5 ISSN 2178-4558

Arte e Cultura em Revista Universidade Federal do Parรก 2016 n.5 ISSN 2178-4558


MEMBROS DO CONSELHO E DO COMITÊ EDITORIAL DA REVISTA TUCUNDUBA

COMITÊ EDITORIAL Fernando Arthur de Freitas Neves (PROEX) Leonardo José Araujo Coelho de Souza (DAC/PROEX) José Maia Bezerra Neto (DAIE/PROEX) Mauro Veloso (DPP/PROEX) Celson Henrique Sousa Gomes (PROEX/ICA) CONSELHO EDITORIAL Leonardo José Araujo Coelho de Souza (DAC/PROEX) Adriana Clairefont Melo Couceiro (EMUFPA/ICA) João de Castro Ribeiro (DAC/PROEX) ORGANIZADORAS Liliam Barros (ICA) Sonia Chada (ICA) FOTO DA CAPA, ILUSTRAÇÕES E EDITORAÇÃO Dayanne Eguchi (DAC/PROEX)

tucunduba Arte e Cultura em Revista 2016 número 5

COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Ana Lúcia Oliveira (DAIE/PROEX) Deivid Teixeira dos Santos (DAC/PROEX) Ednalva Sabá (DAC/PROEX) Josilane Moreira Lopes (DAC/PROEX) Kátia Limão (DAC/PROEX) Robson Silva (DAIE/PROEX) COLABORADORES REVISÃO DE TEXTO Dalielson Mendes Moreira Débora Souto da Costa (DAIE/PROEX) Heliny da Silva Nogueira (DPP/PROEX) Tatiany Natividade dos Reis (DPP/PROEX) IMPRESSA NA GRÁFICA DA UFPA Exemplares desta publicação podem ser solicitados à Diretoria de Apoio Cultural DAC/PROEX/UFPA Av. Augusto Correa, 01 Campus Universitário do Guamá Prédio da Reitoria, 2º andar. CEP 667590, Belém - Pará - Brasil FALE CONOSCO Fone: (91) 3201-8008 / Fax: (91) 3201-7260 dacproex@gmail.com

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ REITOR Carlos Edilson de Almeida Maneschy VICE-REITOR Horácio Schneider PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO Fernando Arthur de Freitas Neves DIRETOR DE ASSISTÊNCIA DE INTEGRAÇÃO ESTUDANTIL José Maia Bezerra Neto DIRETOR DE PROGRAMAS E PROJETOS DE EXTENSÃO Mauro José Guerreiro Veloso DIRETOR DE APOIO CULTURAL Leonardo José Araújo Coelho de Souza


Sumário 04

Encontro de Saberes

12

Boi-Bumbá em Belém

20

Pássaro Junino Tucano no Projeto Encontro de Saberes

28

Saberes e Fazeres

34

Oficina Diversidade e Diferença Ministrada pelo Mestre Tixnair Tembé

42

Boi-Bumbá Estrela D’alva:

50

O Pássaro Junino Tucano

56

O Grupo Sancari do Bairro da Pedreira

Uma experiência de ensino e aprendizagem no Curso de Licenciatura em Música e no Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará

Tradição e resistência que vem de longe...

Oficina de construção de instrumentos do carimbó

Conhecimento tradicional na academia

Carimbó do Interior para a Capital do Pará

64

Encontro de Saberes: Diversidade e Diferença A Música da Etnia Tembé

76

Projeto Encontro de Saberes - BoiBumbá “Estrela D´Alva”

90

Encontro de Saberes: Vivêcias no Cordão de Pássaros no Programa de Pós-graduação em Artes da Universidade Federal do Pará

100

Do Estranhamento à Reflexão:

112

A cultura e a música do povo Tembé

Uma análise a partir do Encontro de Saberes com o Mestre Lucas Bragança do grupo de Carimbó Sancari.

Especial ENCONTRO DE SABERES O Projeto Encontro de Saberes, do Instituto de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino e na Pesquisa, da Universidade de Brasília, em parceria com o Curso de Licenciatura em Música e o Programa de Pós-Graduação em Artes, da Universidade Federal do Pará, propiciou o diálogo entre saberes de mestres de música tradicional e a etnografia/ estudos culturais/ etnomusicologia/ sociologia da música, aos alunos dos referidos cursos. A partir da experiência de transmissão de conhecimento dos mestres e com base na reflexão sobre a diversidade de práticas musicais existentes na cidade de Belém-Pará, além do impacto no processo de formação do licenciado e do mestre em música, foi possível vivenciar uma experiência de inovação metodológica. O objetivo foi o de propiciar um espaço de experimentação pedagógica e epistêmica capaz de inspirar resgates de saberes tradicionais e com eles promover inovações e fornecer subsídios teóricos e práticos para o desenvolvimento de pesquisas em música, importante na formação de professores de música na medida em que promove reflexão sobre as relações entre música, sociedade e cultura.

Experiência do Encontro de Saberes no programa de Pós-graduação do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará

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APRESENTAÇÃO O estudo da música na UFPA tem sido praticado já há muitas décadas, inicialmente com um formato institucional do Serviço de Atividades Musicais – SAM, para posteriormente ser formatado na Escola de Música para atender a formação inicial e técnica. Porém, as requisições para ser instalado nos quadros de um currículo de graduação em música, completando um circuito do magistério nesta linguagem artística, foram conquistadas somente no século XXI. O corpo de Professores e pesquisadores em música esteve à frente de amalgamar a cultura de diferentes saberes, como uma experiência de ensino e aprendizagem envolvendo as discussões da pósgraduação em artes juntamente com a graduação em música. Se anteriormente os estudos de música tiveram um contínuo sem a intervenção do estatuto acadêmico da universidade, a partir da constituição da graduação em música, as formas tradicionais passaram a ser revisitadas com mais afinco, e delas sendo extraídas uma multiplicidade de trilhas de pesquisa para compor uma elástica enciclopédia sobre a incorporação da música no tecido acadêmico, dissecando as qualidades dos instrumentos musicais, dos músicos, das escolas de música, da plateia e porque não dizer de uma crítica sobre a relevância da música em diálogo com outras linguagens. As associações da música com outras linguagens artísticas forneceram mais territórios para serem agregados ao campo de pesquisa, como encerra em único espetáculo o teatro, a dança, a música, o canto, o cenário, a pintura e outras mais, no intuito de efetivar a expressão artística como uma apoteose. Com efeito, o Boi-Bumbá em Belém narra desde os figurinos até a apresentação de um processo de resistência cultural, pelo qual atores firmam uma postura pela manifestação do cultivo da tradição, dispondo-se, inclusive, a confrontar a polícia para não perderem seu direito de expressão. As elites conseguiram circunscrever as manifestações às periferias da cidade, alegando as desordens por causa dos conflitos, quando grupos rivais de bois se defrontavam. Entretanto, a manifestação cultural não desapareceu, continuou a significar sua presença no imaginário simbólico, como facilmente é percebido nas festas juninas, embora não se restrinja exclusivamente à essa efeméride. Mas devemos reconhecer uma vitória das elites, quando estas conseguiram folclorizar essa expressão, como se manifesta nos festivais e concursos no período junino. Um rito de morte e ressurreição do boi é encenado em volta dos valores de uso ao serem aprendidos pela necessidade de manutenção de uma estrutura e de uma metafísica, como prevê a lenda. Uma vez satisfeito esse valor de uso, há de ser restituída a ordem cósmica, conforme foram ensinadas pelos Mestres que zelam pela realização do Boi-Bumbá. De modo semelhante, o Pássaro Junino Tucano representa um cordão no qual se ligam enredo, música, cenário e figurino sobre a guia de um Guardião, que é, a exemplo do Mestre de Boi-Bumbá, quem lidera a obra de arte em suas apresentações. Na oportunidade oferecida pela UFPA, os membros do Pássaro Junino, particularmente, a Guardiã, galgaram mais um posto de reconhecimento dos saberes tradicionais, pois lhes foram outorgadas a qualidade de docentes enquanto ministravam essas oficinas. Modelar os fazeres e saberes na prática de confeccionar os instrumentos musicais utilizados no carimbó foi uma ação correlata desenvolvida no âmbito do território da Universidade, tendo na mesma um Mestre de Carimbó que promoveu junto aos alunos da graduação uma iniciação na própria musicalidade da dança e em sua arte de construir instrumentos como o curimbó e maracás. Confeccionar os instrumentos bem como saber tocá-los coroou o empreendimento cultural, ao mesmo tempo em que promoveu o fomento à discussão sobre patrimônio, identidade, e política pública. Sob o manto da diversidade e diferença, a cultura Tembé conquistou uma ambiência na universidade ao ser ministrado um panorama das experiências vividas pela tribo com a história do povo e suas tradições; tanto quanto as explicações sobre os signos de fauna e flora presentes e recriados no quotidiano daqueles que vivem a cultura Tembé sob o território do Alto Guamá. Apoiando-se nos recursos dos utensílios de cultura material do acervo do Museu Emilio Goeldi, foi exercitada a exegese Tembé sobre

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a sua concepção de mundo. Fundindo passado e presente, a retomada do povo Tembé pelo seu próprio destino foi indicada pela afirmação do direito às terras ancestrais como a forma inicial de valorização da cultura sobre o território. Uma oficina realizada na UFPA permitiu um contato dos alunos e professores com essa experiência de perceber o mundo através de cantos entoados do acordar ao dormir, revestidos pela ecologia do lugar. O Boi-Bumbá Estrela D’Alva também trilhou o território universitário ao compartilhar histórias de como mantém ativo o patrimônio histórico do Boi-Bumbá. As finanças para o sustento dessa ópera popular são assentadas na colaboração da família do Mestre e complementado com recursos públicos, sobretudo da Fundação Cultural de Belém; contudo, a saga para suprir as necessidades do grupo sempre envolveram uma dura lida. Por isso, devemos estar atentos para a situação compartilhada por todos os outros grupos e coletivos culturais quando enfrentam a questão de encontrar provisões, na maioria das vezes muito inconstantes. O público pouco se pergunta sobre os significados dessa obra de arte. Já os brincantes não vacilam em testemunhar a característica de preservação da manifestação tanto quanto da identidade familiar e local das mesmas. As inovações no corpo das tradições culturais são uma evidência inscrita nas marcações e libretos desses legados populares, ou ainda, a noção de aversão a adotar outra configuração não espelha a realidade. A incorporação de um corpo de balé como é atestado na atual encenação do Pássaro Junino Tucano demonstra a vitalidade da cultura popular em estabelecer dinâmicas de troca e assimilar aquilo até então estranho. A experiência do Grupo Sancari e suas interpretações sobre o antigo e o moderno no Carimbó são uma reflexão sobre as raízes culturais nas quais está imerso o grupo, como assinala o temário dos pescadores como a praia, o mar, o rio, os seres encantados, o mundo natural e o sobrenatural sendo mediados pela dança, tanto quanto sofrem pelas maresias das lutas pelo reconhecimento do ritmo como Patrimônio Cultural Brasileiro. Esta luta mobilizou diversos grupos e gerou, por parte deles, um inventário sobre as suas tradições e seus usos. O Sancari reflete a tensão da valorização da identidade cultural, reconhecendo as dificuldades da profissionalização em torno do carimbó devido ao pouco apoio fornecido pela esfera pública, enquanto na esfera privada apenas alguns poucos conseguem emplacar alguma participação de relevo na indústria fonográfica. O processo de formação dos alunos da universidade nos contatos com os Mestres da Cultura propiciou o reconhecimento de um gradiente de conceitos dos saberes ilustrados com seus respectivos espelhos em outras culturas, como fica patente nas análises de afinação, ritmo e melodia, tanto quanto a imersão no imaginário de arte e fazer artístico desafiam nossa compreensão sobre os termos explicativos canonizados pela nossa sociedade letrada e pelo nosso sentido de estética. Há ainda um conhecimento mais especializado do qual o encontro de saberes se beneficia ao transpor para as partituras os ritmos executados por essas expressões culturais. A culminância desses espetáculos evoca todas as forças criativas da tradição ao reportarem as vivências e lembranças de tempos e espaços da sociedade tradicional, do mundo rural, das relações homem-natureza, bem como das relações de poder e de lutas de classes. Esta iniciativa de um número especial focando o encontro dos saberes é uma oportunidade privilegiada para aprofundarmos a indissociabilidade entre Extensão, Ensino e Pesquisa. TUCUNDUBA ARTE E CULTURA EM REVISTA revela os nexos entre tradições e saberes escolares urdindo uma outra trama, ainda como matéria bruta a ser refinada pela metodologia de investigação e reflexão em torno da obra de arte e da manifestação da substância cultural. Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Extensão da UFPA

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ENCONTRO DE SABERES Uma experiência de ensino e aprendizagem no Curso de Licenciatura em Música e no Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará José Jorge de Carvalho Liliam Barros Sonia Chada Jorgete Maria Portal Lago Paulo Murilo Guerreiro do Amaral Rosa Maria Mota da Silva Lohana Gomes

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INSTITUIÇÕES DE ENSINO DE MÚSICA EM BELÉM DO PARÁ/ AMAZÔNIA/ BRASIL A enorme diversidade musical da região amazônica dos tempos pré-coloniais deixa-se entrever a partir dos documentos coloniais e dos vestígios das civilizações que aqui viveram, a exemplo dos instrumentos musicais

das

sociedades

indígenas

Tapajônicas que habitaram a região do Rio Tapajós no período entre os séculos XIX e XX (GUAPINDAIA, 1993). Todavia, a instituição de práticas musicais de origem europeia foi introduzida ainda no período colonial, no século XIX, quando da chegada dos Padres da Companhia de Jesus (SALLES, 1980; BETTENDORF, 1990; BARROS, 2009). Segundo Lia Braga Vieira:

foi introduzida e firmada em Belém do Pará pelo europeu colonizador. A ele coube reproduzir, no novo espaço geográfico conquistado, as práticas culturais, entre as quais estava a música, como meio de assinalar a sua conquista. Ela foi ensinada pelos padres franciscanos, mercedários, carmelitas, capuchinhos da Piedade, jesuítas, por meio do canto gregoriano e com o auxílio de instrumentos medievais, como o órgão, o slatério, o pífano (flauta transversal), a gaita (flauta vertical), a charamela, a corneta e a rabeca. Alguns instrumentos renascentistas, como o cravo e a viola, também eram utilizados (2012, p. 163).

As Crônicas dos Padres da Companhia de Jesus (BETTENDORF, 1990) e o Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas, do Pe. João Daniel (1976) vez por outra se refere a contextos e práticas musicais de sociedades indígenas durante o período colonial, a partir do julgamento cristão e etnocêntrico.

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Desta forma, tais práticas musicais nunca

criada a Fundação Carlos Gomes e, em 1997,

foram vistas ou tidas como legítimas. Em

o Curso de Bacharelado em Música, numa

certo momento na Crônica dos Padres,

parceria entre a Universidade do Estado do

Bettendorf (1990) descreve a chegada dos

Pará e a Fundação Carlos Gomes, voltado

Aruans, antigos habitantes do arquipélago

para a formação de músicos instrumentistas

do Marajó, “pacificados” pelo Padre Antônio

especialistas em música erudita.

Vieira, que vieram com seus instrumentos

Em 1961 foi criado o Centro de Atividades

musicais e foram recebidos pelo Coro dos

Musicais – CAM, vinculado à Universidade

Frades Mercedários. Tal imagem fornece

Federal do Pará, depois denominado Serviço

uma visão das distintas práticas musicais do

de Atividades

período colonial e do processo de assimilação

Escola de Música da Universidade Federal

e sujeição das populações nativas da

do Pará, à qual o Curso de Licenciatura em

região. Da mesma forma, as práticas

Música é vinculado desde 2008, posto que

musicais afrodescendentes foram vistas

foi criado separadamente, em 1989 (PPC,

de forma negativizada durante o processo

2010). A Universidade do Estado do Pará e

colonizador. Salles (1980) e Lago (2006)

a Universidade Federal do Pará, ambas com

abordam notadamente a demonização e

os Cursos de Licenciatura em Música, são as

marginalização de práticas como o Boi-

instituições responsáveis pela formação de

Bumbá e o Carimbó.

professores de música na cidade de Belém

Musicais

e,

finalmente,

Continuando o processo de ocupação

do Pará. Este artigo aborda uma experiência

da região amazônica, durante o período da

pedagógica na formação de professores

Belle-Époque, ao mesmo tempo em que

na Universidade Federal do Pará a partir

inúmeras companhias líricas aportavam

da implementação do Projeto Encontro de

em Belém e partiam rumo a Manaus, foi

Saberes, coordenado pelo Instituto Nacional

construído o Teatro da Paz, em 1878, e

de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino

o Conservatório Carlos Gomes em 1895

e na Pesquisa da Universidade de Brasília, no

(SALLES, 2012). Ambas as instituições

âmbito da graduação e da Pós-Graduação em

coroavam o período rico da borracha na

Artes na UFPA.

Amazônia como expoentes máximos da música culta europeia (VIEIRA e SOUZA, 2013), que passou a fazer parte do cenário musical da região e que, até hoje, movimenta e dinamiza a cidade. Na primeira metade do século XX, ocorreu o fechamento do Conservatório Carlos Gomes e sua reabertura em 1929 (BARROS, 2012), ao mesmo tempo em que inúmeros cursos particulares de piano funcionavam nas casas de professoras de música (BARROS e MAIA, 2011). Em 1986 foi

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SABERES TRADICIONAIS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS O INCTI/UNB desenvolve ações de pesquisa

e

inclusão

pioneiras

através

do Projeto Encontro de Saberes, desde 2010, bem como participa ativamente de ações afirmativas de valorização dos saberes tradicionais dos mestres da cultura


popular. Este projeto está sendo replicado

de experimentar uma inovação pedagógica

na Universidade Federal de Minas Gerais,

na formação dos licenciandos e dos mestres

na Universidade Estadual do Ceará e na

em música e, ao mesmo tempo, reconhecer

Universidade Federal do Pará, congregando

e valorizar o conhecimento tradicional dos

a Rede Encontro de Saberes. Tal projeto está

mestres e mestras de música.

ligado aos grupos de pesquisa da Escola de Música da UFPA, quais sejam: Grupo de Pesquisa Música e Identidade na Amazônia – GPMIA e, Grupo de Estudos sobre a Música no Pará – GEMPA, responsáveis pelo andamento

ENCONTRO DE SABERES NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

do projeto através de suas líderes, Líliam Barros e Sonia Chada, respectivamente.

O Projeto Encontro de Saberes na

Para a ministração das disciplinas, foram

Universidade

convidados

assistentes

vinculado ao Curso de Licenciatura em

Jorgete Lago e Paulo Murilo Guerreiro do

Música, através da disciplina Sociologia da

Amaral, da Universidade do Estado do Pará

Música e, ao Programa de Pós-Graduação

(UEPA) e, Rosa Silva e Líliam Barros, da

em Artes, através da disciplina Seminários

Universidade Federal do Pará (EMUFPA).

Avançados III – Encontro de Saberes, com

os

professores

Federal

do

Pará

esteve

O objetivo do projeto foi o de incorporar

o objetivo de incluir os saberes tradicionais

os saberes tradicionais dos mestres de

de mestres de práticas musicais diversas da

música do Pará no Ensino Superior, com o

cidade de Belém. Para isso foram organizados

intuito de oportunizar uma visão abrangente

quatro módulos temáticos: 1. Música, Cultura

de música e a diversidade de práticas

e Sociedade, ministrado pelo mestre de

musicais ocorrentes em Belém. Tratou-se

Boi-Bumbá Alberto Melo e pela professora

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assistente Jorgete Lago; 2. Música, Cultura e

para a importância desta vivência para todas

Experiência, ministrado pela Mestra/Guardiã

as partes e para formação docente, além

de Pássaro Junino Tucano, Iracema Oliveira

de oportunizar a discussão de paradigmas

e pela professora assistente Rosa Silva; 3.

próprios da disciplina Etnomusicologia e

Saberes e Fazeres Musicais, ministrado pelo

Sociologia da Música que emergiram a partir

mestre Lucas Bragança, do Grupo de Carimbó

da fala dos mestres.

SANCARI, e pelo professor assistente Paulo

Na réplica do Projeto Encontro de

Murilo Guerreiro do Amaral e, 4. Diversidade

Saberes na UFPA, os alunos constantemente

e Diferença, ministrado pelo mestre indígena

são incentivados a interagir com os mestres

Tixnair Tembé e pela professora assistente

convidados e a participar das atividades

Líliam Barros.

por eles propostas, acreditando que essas

O planejamento interno de cada módulo

interações produzirão efeitos imediatos e,

foi feito pelos mestres e os professores

a médio e longo prazo, em sua formação

assistentes. Os mestres imprimiram sua

profissional. Assim sendo, para a avaliação

própria metodologia e maneira de ver/fazer

da disciplina foi considerada a participação

música, proporcionando uma expansão no

nos encontros e a produção de um texto

universo musical experimentado pelos alunos.

final abordando um dos mestres, sua prática

Cada módulo iniciava com dois seminários

musical e as questões por ele apontadas,

teóricos ministrados pelas coordenadoras

atividades dependentes da interação dos

do projeto na UFPA e responsáveis pelas

alunos com os mestres convidados.

disciplinas, Líliam Barros e Sonia Chada.

Um relato dos alunos do Curso de

Nestes módulos eram discutidos conceitos

Licenciatura Plena em Música nos mostra a

inerentes à disciplina e suas relações com

relevância desta experiência:

os temas trazidos pelos mestres. As aulas ministradas pelos mestres perfaziam duas semanas e culminavam com atividades práticas e musicais propostas pelos mestres.

OS SEMINÁRIOS DE AVALIAÇÃO Foram previstos três seminários de avaliação ao longo do projeto, com o objetivo de refletir sobre a experiência em curso e os procedimentos metodológicos. O Primeiro Seminário de Avaliação contou com a presença de alguns mestres e dos alunos e professores de ambos os cursos. Os relatos de todos os envolvidos no projeto apontavam

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O encontro dos saberes nos proporcionou a experiência de conhecer diferentes saberes musicais despertando a nossa consciência e reflexão da importância que eles representam para a nossa cultura e as comunidades a que pertencem. Nos fez perceber que alguns conceitos musicais que são de nosso conhecimento, como, afinação, ritmo, melodia, estão inseridos de alguma forma em suas práticas músicas, talvez até de maneira sinestésica (FERREIRA ET ALL, 2014).

Outro grupo menciona a necessidade de inserção destes saberes na academia: Esse contato com o mestre Beto permitiu que os graduandos conhecessem a manifestação e reconhecessem a figura do mestre, como um promotor do conhecimento não só na música, mas também nas artes plásticas e coordenação do grupo. Aliás, essa iniciativa


sociais e papéis dispensados aos membros do grupo bem como no acesso a diferentes instrumentos musicais e estratos musicais; - Processos específicos de ensino e aprendizagem nos diferentes postos de performance do grupo (coreografias, padrões rítmicos, interpretação dos papéis, domínio do repertório); - Ingresso, aceitação e permanência no grupo – formas de coesão social; - Aspectos sócioculturais presentes no auto, nas toadas, na performance musical e nas manifestações culturais; - Domínio do repertório, flexibilidade e mudança nas toadas, toques e outros domínios musicais; - Questões de gênero e religiosidade; - Representatividade da manifestação em relação ao contexto onde está inserida. - Interesse dos alunos da graduação na execução instrumental das músicas das manifestações culturais ministrantes da disciplina. - Dificuldades na execução instrumental das músicas, dificuldade no aprendizado por imitação. - Falta de conhecimento sobre as práticas musicais paraenses. Um distanciamento cultural.

de trazer o mestre de Boi-Bumbá para dentro da universidade é bastante relevante, pois esse mestre está às margens do conhecimento científico, sendo que o conhecimento que ele possui é imenso e tem fortes indícios de que esteja em situação de vulnerabilidade, afinal, não existem atualmente pessoas dispostas a assumir e preservar a manifestação com o mesmo interesse. Com o reconhecimento e valorização desse mestre, será possível resgatar e inserir os saberes de tradição oral na academia. Visto que, o ensino da música não se dá somente a partir do ensino conservatorial e formal. Provavelmente, os licenciandos em música da UFPA, terão uma visão ampliada e diferenciada daqueles que não tiveram esse contato com os mestres e seus conhecimentos. De certo, foi um momento ímpar e fará toda a diferença para os que puderam vivenciar e principalmente para a manifestação que, certamente ganhou novos seguidores (CORDOVIL ET ALL, 2014).

CONTRIBUIÇÕES DO ENCONTRO DE SABERES PARA O ENSINO DAS ARTES E DA MÚSICA. A

partir

da

fala

dos

mestres,

foram elencadas questões que geraram contribuições para a área da sociologia da música e da etnomusicologia: - Interfaces artísticas entre música, teatro, poesia, dança, cenografia, figurino, gestão cultural e ofícios e modos de fazer específicos da cultura musical; - Processo de confecção de instrumentos musicais, vulnerabilidade do processo de transmissão deste ofício e possível adaptação musical a partir da introdução de instrumentos musicais industrializados; - Especificidade de timbre, afinação, registro e volume sonoro do uso de instrumentos tradicionais (com materiais considerados tradicionais); - Técnicas de uso, armazenamento e manutenção de instrumentos musicais (cuidado para não molhar, necessidade de se colocar no sol para estirar o couro e manter a afinação e timbre); - Estratificação e hierarquia nas funções

As discussões em torno das questões acima

levantadas

oportunizaram

uma

ampliação do conceito de música para além do utilizado no senso comum (ocidental) e, por conseguinte, uma quebra de paradigmas no próprio ensino de música agora obrigatório nas escolas de ensino fundamental e médio na capital paraense. Do ponto de vista da disciplina Sociologia da Música, em seu diálogo com a Etnomusicologia, observa-se que tais

questões

estão

relacionadas

com

as proposições dos módulos do projeto, espraiando-se nas relações entre música, cultura e experiência propostas por Blacking (1995), iluminadas pela própria vivência dos alunos no contexto de ensino dos mestres,

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em que a experiência fala mais alto do que a mera racionalização do saber musical. Os aspectos históricos, de estratificação social, as relações entre os diversos grupos sociais e cada manifestação e as interelações com a prática musical, aprofunda a percepção das relações entre música, cultura e sociedade (BLACKING,

2000).

Oportunamente,

a

especialidade, domínio de técnica e apuração de conceitos musicais a partir do domínio do ofício de mestre executante e construtor de

instrumento

musical,

apresentados

pelo mestre de carimbó – Lucas Bragança – sublinhou a questão dos saberes e fazeres musicais (BLACKING, 1979; NETTL, 2005).

SAIBA MAIS ADORNO, Theodor. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Perspectiva, 2007. BARROS, Líliam. Repertórios Musicais em Trânsito: música e identidade indígena em São Gabriel da Cachoeira, Am. Belém/Pará: EDUFPA, 2009. BARROS, Líliam e MAIA, Gilda. Ode a Uma Nobre Pianista. Belém/Pará: PAKATATU, 2011. BÉHAGUE, Gerard. Fundamento sóciocultural da criação musical. In: Art 19 (ago): 5-17, 1992. BENJAMIN, Walter. A obra de arte no tempo de suas técnicas de reprodução. In Sociologia da Arte, IV: 15-47. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. BETTENDORF, João Felipe. Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém/Pará: SECULT, 1990. BLACKING, John. The Study of Man as MusicMaker. In The Performing Art Music and Dance. Editado por John Blacking and Joann W. Kealiinohomoku. New York: Mouton Publishers, 1979. Pp. 33-45. BLACKING, John. Music, Culture & Experience. Chicago: University of Chicago Press, 1995. BLACKING, John. How musical is man? 6a ed. Seattle: University of Washington Press, 2000. CARVALHO, José Jorge de. La Etnomusicología en Tiempos de Canibalismo Musical: Una Reflexión a partir de las Tradiciones Musicales Afroamericanas. In Josep Martí & Silvia Martínez (Orgs.), Voces e Imágenes de la Etnomusicología Actual. Madrid: Ministerio de la Cultura, 2004. Pp. 37-51. CARVALHO, José Jorge de. Los Estudios Culturales en América Latina: Interculturalidad, Acciones Afirmativas y Encuentro de Saberes. In Tabula Rasa, no. 12, enero-junio, 2010. Bogotá, Pontificia Universidad Javeriana. Pp. 229-251.

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Recortes do Vídeo de Apresentação do Grupo Boi Estrela Dalva do Bairro do Guamá- Belém-PA Divulgação do Grupo no Youtube

12 TUCUNDUBA


BOI-BUMBÁ EM BELÉM: Tradição e resistência que vem de longe... Jorgete Lago

O Módulo I do Projeto Encontro de

coordenadoras locais, asprofessoras Liliam

Saberes iniciou no dia 26 de fevereiro de 2014,

Barros e Sonia Chada. Nessa reunião houve

com sua apresentação na disciplina Sociologia

a elaboração do cronograma dos módulos, a

da Música, para os graduandos da UFPA. No

escolha dos mestres e resoluções de questões

dia 11 de março, ocorreu a apresentação do

burocráticas.

Projeto para a turma de pós-graduação em

Finalizada a reunião, nossa tarefa foi a

Artes da mesma Universidade. Com estas

elaboração de uma justificativa para a escolha

turmas foi desenvolvido o projeto por meio de

de cada mestre, para o módulo I, sobre o

disciplinas ofertadas em cada curso.

saber da prática do Boi-Bumbá em Belém foi

Antes do início das aulas, houve

escolhido o Mestre Beto, Sr. Alberto Melo, em

momentos de preparação, desenvolvidos

função de sua notoriedade e reconhecimento

em etapas nas quais estivemos presentes.

de seu trabalho junto ao grupo Estrela Dalva,

A primeira etapa foi o convite recebido

com mais de 50 anos de atividades na cidade.

pela coordenação local para participação

Com a escolha do Mestre definida, a

de professora acompanhante do módulo

bolsista

I, acreditamos que tal escolha ocorreu em

Lohana Gomes e a professora Liliam

virtude da pesquisa realizada sobre a prática

Barros estabeleceram os primeiros contatos

do Boi-Bumbá em Belém e nossa experiência

com o Mestre Beto, mediante sua aceitação

e vivência junto com os grupos, além da

para participar do projeto, foi providenciada

formação

prática

sua documentação e de seu assistente, o

docente na Universidade do Estado do Pará

rapaz que dança debaixo do Boi Estrela Dalva,

(UEPA) e doutorado em curso na mesma área

Cleto Esmaez. Paralelamente ao contato,

na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

elaboramos o cronograma de realização do

em

Etnomusicologia,

Após aceitarmos o convite, nós, os professores parceiros, fomos convidados para participar de uma reunião com as

módulo I colaborando com textos para as aulas teóricas e nas aulas práticas com o Mestre. Quando chegamos a Belém, entramos

TUCUNDUBA 13


em contato com o Mestre Beto paraafinarmos melhor as quais informações que seriam repassadas

para

os

alunos

da UFPA,

considerando o tempo disponível para o módulo. O Mestre nos perguntou sobre o perfil dos alunos e a partir desta informação achou interessante repassar informações sobre a prática musical do Estrela Dalva, ensinando-os a cantar e tocar as toadas de Boi-Bumbá. Para isso, foram copiadas dez toadas escolhidas pelo Mestre Beto, digitadas e repassadas aos alunos. Além das toadas, foi solicitado material para confeccionar um pequeno esplendor e mostrar aos alunos uma pequena parte do figurino dos brincantes do seu grupo. Terminada a organização, junto ao Mestre Beto, foram agendados dia e horário em que ele e o Cleto iniciariam nos cursos de turmas de graduação e pós-graduação.

execução instrumental. - Articular diálogos entre os alunos da licenciatura e pós-graduação da UFPA e os grupos de Bois-Bumbás da cidade. A prática do Boi-Bumbá em Belém tem relatos desde meados do século XIX, quando grupos saíam pelas ruas centrais da cidade cantando e dançando, tendo com figura principal um boi feito de cipós e panos vistosos com uma pessoa embaixo para lhe dar vida e mobilidade ao boneco. Em função de brigas que ocorriam entre grupos rivais quando se encontravam e também ao apelo das elites que moravam no centro da cidade, os grupos foram impedidos pela polícia de circularem pelas ruas. Com a urbanização da cidade de Belém e o afastamento das classes populares para a periferia, os grupos passaram a se apresentar em locais circunscritos aos quintais das casas de seus coordenadores,

DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA os chamados currais. E assim, nos bairros da periferia, nos quintais das casas onde eram UTILIZADA NO MÓDULO I organizados os arraiais do mês de junho que

O Módulo I do Projeto Encontro de Saberes foi realizado com o Mestre Alberto Costa, o “Seu Beto”, que é coordenador do grupo de Boi-Bumbá Estrela Dalva, juntamente com seu assistente Cleto, que é brincante no grupo e faz o papel de “tripa” do Boi, pessoa que carrega e dança debaixo do boi. Os objetivos deste módulo foram: - Apresentar a prática do Boi-Bumbá em Belém desde os primeiros relatos na cidade. - Divulgar a experiência do mestre Beto através do Boi-Bumbá Estrela Dalva. - Conhecer as técnicas de confecção de figurinos do Boi Estrela Dalva. - Executar as toadas do Boi-Bumbá Estrela Dalva através do canto e da

14 TUCUNDUBA

os grupos passaram a se apresentar, de forma mais contida, organizada e espetacular. Os grupos de Boi-Bumbá em Belém têm como auge de suas atividades o mês de junho, durante as festas juninas, quando realizam suas apresentações em vários locais da cidade, eventos promovidos por órgãos públicos, contratos particulares e festas na própria comunidade em que estão inseridos. A apresentação do Boi-Bumbá consiste no desenvolvimento de uma história, chamada de comédia, na qual o tema central é a morte e ressurreição do Boi. A comédia possui uma variedade de personagens que retrata de forma caricata a sociedade brasileira, desde tempos coloniais. Encontramos o Amo, dono


da fazenda, senhor branco e poderoso, sua

que com sua maloca, ou caboclos reais, vão

esposa Mãe Maria, mulher frágil e bondosa

caçar o Nego Chico. Depois de capturado pela

com os trabalhadores da fazenda. Na fazenda

Maloca, Nego Chico explica porque matou o

encontramos o Rapaz, que é o capataz e braço

Boi, mas o Amo não quer saber, só quer seu

direito do Amo e os Vaqueiros que cuidam

animal vivo, ele chama o Doutor para curar

do Boi. Também vive um grupo de negros

o boi, mas não é possível. Então Nego Chico

arrendatários, que na comédia são chamados

apela para o sobrenatural e chama o Pajé ou

de Matutagem, representados como matutos

Macumbeiro para ressuscitar o Boi. Depois

ou caboclos: Nego Chico, sua esposa Catirina,

de fazer a sua dança, o Pajé levanta o Boi e

Cazumbá e Mãe Guimá, sua esposa. Catirina

todos comemoram com toadas de louvação.

está grávida e deseja comer a língua do Boi,

Ao longo da apresentação, os grupos

com receio de perder seu filho, Nego Chico

cantam toadas antes, durante e depois

mata o boi do Amo e foge para não ser preso.

da comédia. Além das toadas, também

Como Nego Chico foge para mata é preciso

encontramos as marchas e o valseado que são

chamar pessoas que conheçam este ambiente

executados pelos grupos. Os instrumentos

para capturar o “fujão”. Então o Amo manda

musicais são: a barrica, o cheque, o bumbo

uma carta para o Tuxaua, chefe dos índios,

ou marcação, o apito e o pandeiro que são

TUCUNDUBA 15


executados somente pelo Amo ou puxador

prática, pois seu objetivo era ensinar alunos

de toadas.

a tocarem e cantarem as toadas do boi, além

O início deste primeiro módulo foi

de dançar com o mesmo. Os alunos tiveram

de cunho teórico, onde foram discutidas

a oportunidade de observar a confecção

questões ligadas à temática “Música, Cultura

de um esplendor, utilizado pelas índias da

e Experiência”. Na turma de graduação foram

maloca, aprendendo como ocorre o processo

estudados dois textos de John Blacking do

de produção do esplendor, desde o rascunho

livro How Musical is Man? (1974). Além do

do molde até a finalização com purpurinas

texto de Blacking, foi apresentado um artigo

e penas. Houve mais interesse por parte

de José do Espírito Santo sobre a prática do

dos alunos nessa parte manual do trabalho,

Boi-Bumbá em Belém desde seus primeiros

onde houve colaboração durante o processo

relatos até dias atuais com um enfoque no

de confecção do esplendor. Mestre Beto

bairro do Guamá. Na turma do PPGARTES

ressaltou sobre a confecção dos figurinos dos

além dos textos citados, as professoras Liliam

brincantes do boi, reinterando que o esplendor

Barros e Sonia Chada apresentaram o Projeto

é somente uma das peças de figurino, que

Encontro de Saberes, finalizando com o vídeo

ainda tem o dos demais personagens,

sobre o mesmo.

inclusive o do próprio Boi. Infelizmente não

Finalizado esse momento teórico e

foi possível concluir o esplendor com os

as questões gerais, inicio-se o segundo

alunos, dada a indisponibilidade do tempo.

momento com a presença do Mestre Beto

Eles aprenderam o início do processo e Mestre

e seu assistente. Mestre Beto falou de sua

Beto finalizou o esplendor em sua casa.

experiência com a prática do Boi-Bumbá

Terminado o processo com o esplendor,

desde a infância, quando saía com sua mãe

os alunos foram aprender as toadas do Boi-

no bairro do Guamá, descreveu também os

Bumbá Estrela Dalva. Mas antes de iniciarem

personagens da comédia do Boi-Bumbá,

esta parte, Mestre Beto trouxe algumas fotos

quais são e o que fazem. Metre Beto levou

de apresentações do Estrela Dalva em anos

alguns figurinos para mostrar para os alunos,

anteriores para mostrar os personagens e

explicando como eram confeccionadas as

suas fantasias, pois não teriam oportunidade

fantasias, quais os materiais utilizados e

de vê-los pessoalmente. Além de mostrar

as técnicas de aplicar os bordados. Ainda

o vídeo de uma apresentação do grupo no

neste momento de apresentação, o Mestre

ano de 2013 em um evento promovido pela

mostrou os instrumentos musicais utilizados

Secretaria de Cultura do Estado em um ponto

no grupo, seus respectivos nomes e o papel

turístico da cidade. Finalizada a visualização

dos músicos e do Amo na brincadeira do

das fotos e vídeo, Mestre Beto ensinou o

boi. Ele também falou sobre o repertório

ritmo de acompanhamento das toadas, nas

musical, quais os ritmos tocados e quando

barricas e no xeque, pois os dois têm ritmos

são executados na apresentação do Boi.

diferenciados. Para isso, houve a participação

Na semana seguinte, Mestre Beto organizou suas aulas de maneira mais

16 TUCUNDUBA

de dois brincantes do grupo que foram nesta semana para as aulas.


Alunos, 2014. Acervo LabEtno

Um dos brincantes era um rapaz que

eles chamam de “socado” que corresponde

fazia o papel de Nego Chico e o outro era um

à maioria das músicas do grupo, além do

garoto que fazia o papel de vaqueiro no Boi-

“socado” tem a “marcha”, que também

Bumbá Estrela Dalva. A metodologia utilizada

foi ensinada para os alunos. Outro ritmo

por eles era a de imitação, o brincante tocou

executado pelo grupo, o “valseado”, que

a barrica enquanto os alunos escutavam,

é executado somente na comédia, como

depois foram tocando até acertarem o ritmo.

ela não foi encenada devido a restrição de

Então, Mestre Beto foi ensinar as toadas,

tempo, os alunos não puderam aprender este

as mesmas foram digitadas e entregues as

outro ritmo. Ainda nestas aulas, os alunos

cópias para os alunos.

presenciaram a evolução do Boi que foi

Ele cantava a toada sozinho, para todos

levado para o local e assim, ficou explícito o

conhecerem a música e depois com o apito e

papel do “tripa” na brincadeira, demonstrado

pandeiro dava a entrada para os instrumentos.

pelo ajudante Cleto, ensinando como se

Quando ele achava que o acompanhamento

colocar debaixo do Boi e quais as evoluções

estava ajustado dava entrada para o

do mesmo. Ele dançou com os alunos

grupo cantar. O ritmo das toadas é o que

enquanto cantavam e tocavam as toadas,

TUCUNDUBA 17


alguns se ofereceram para dançar debaixo do boi e apesar da dificuldade, conseguiram uma boa evolução e tiveram o aval de Mestre Beto e dos demais, momento de comoção e alegria na turma.

REFLEXÕES SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICOMETODOLÓGICAS DO MÓDULO I PARA A FORMAÇÃO DOS LICENCIANDOS EM MÚSICA

Para finalizar, Mestre Beto ensinou para a turma o “Rola Boi” que é uma toada de

apresentação

dos

personagens

Acreditamos

que

o

interesse

da

demonstrado pelos alunos neste módulo I

comédia do Boi-Bumbá, quando cada um

foi estimulado pelas discussões nas aulas

dos personagens é chamado pelo Amo para

teóricas por meio dos textos estudados, ao se

dançar com o Boi e depois retorna a roda.

pensar nas práticas musicais como elemento

No PPGARTES, Mestre Beto foi chamando

integrador e integrado as práticas sociais

o nome dos alunos e alunas para dançar com

de um grupo ou comunidade. Outro ponto

o Boi, na turma de graduação, os alunos

importante foi pensar que em centros urbanos

decidiram interpretar alguns dos personagens

e complexos, como é o caso de Belém, a

e foram chamados por grupos, a exemplo da

variedade de práticas culturais é imensa,

maloca, matutagem e vaqueiros. A execução

mas, muitas delas se tornam invisíveis, pois

desta toada finalizou as aulas deste Módulo

são desconhecidas por grande parte da

com muita animação por parte dos alunos

população, sendo relegadas às comunidades

e do Mestre Beto também, que gostaria de

que

ter ficado um pouco mais de tempo com os

dificuldade em se conhecer profundamente

alunos para ensinar mais toadas.

todas as práticas musicais de uma cidade

as

praticam.

Compreendemos

a

Ao final do módulo, os alunos pediram

como Belém, mas não podemos esquecer

o contato do Mestre Beto e do Cleto, pois

que há uma desigualdade na divulgação e

tinham intenção de assistir alguns ensaios

difusão das mesmas. Para alguns grupos, os

do grupo e as apresentações que ocorrem na

órgãos governamentais e a mídia local dão

cidade no mês de junho. Um dos resultados

mais visibilidade em detrimento de outros.

parciais atingidos com a finalização do

É neste sentido de se fazer conhecer estas

módulo I foi o despertar do interesse das

práticas menos visibilizadas e os saberes de

turmas em acompanhar as atividades do

pessoas que trabalham edivulgam a cultura

grupo Estrela Dalva e de conhecer outros

popular que enriquece a diversidade cultural

grupos e Bois-Bumbás da cidade de Belém.

da cidade é que o Projeto Encontro de

No

decorrer

do

semestre

outros

Saberes tem sua contribuição.

resultados surgirão assim como a contribuição

Observamos também o interesse dos

do material produzido pelos alunos da

Coordenadores e Pró-Reitores da UFPA em

graduação e pós-graduação da UFPA.

colaborar com a divulgação e valorização de um conhecimento que está ali em frente

18 TUCUNDUBA


ao Campus, mas que até o momento ainda

há hierarquia e um desejo de manter uma

não havia recebido um convite para adentrar

tradição que articula o movimento cultural e

no mundo acadêmico, tão distante, tão

social daquela comunidade. Todos obedecem

inatingível para pessoas como o Mestre Beto

a uma ordem, uma organização, mas

e seus brincantes. E para os alunos, fica a

com interesses e perspectivas diferentes.

oportunidade de conhecer e reconhecer os

Acreditamos que esta experiência para os

saberes proporcionados, além de refletir

alunos da graduação e da pós-graduação

sobre como as metodologias e teorias não

foi importante na reflexão de um ensino

estão somente na academia.

de música ou arte mais democrático, mais

No Boi-Bumbá Estrela Dalva há uma sistematização,

uma

organização,

uma

acessível e articulado com os saberes tradicionais praticados na cidade de Belém.

Modificada - LabEtno

estética musical, corporal, coreográfica,

TUCUNDUBA 19


PÁSSARO JUNINO TUCANO NO PROJETO ENCONTRO DE SABERES Rosa Maria Mota da Silva

20 TUCUNDUBA


PREPARAÇÃO PARA O MÓDULO II

de manter o grupo participativo e atuante nas atividades oficiais, assim como em

Após termos aceito o convite das

apresentações extraoficiais na cidade e no

professoras Liliam Cohen e Sonia Chada, para

interior do Estado. A partir do Concurso 1999,

integrar a equipe do projeto e participarmos

o grupo passou à categoria especial, não

das reuniões iniciais, elaboramos uma

concorrendo a prêmios, mas apresentando-

justificativa para a escolha da Guardiã

se em todos os eventos oficiais. Atualmente,

Iracema Oliveira, responsável pelo Pássaro

sua sede está localizada na residência da

Junino Tucano, ministrar as aulas práticas do II

guardiã: Rua Curuçá, número 1.109, bairro do

Módulo do Encontro de Saberes na Disciplina

Telégrafo, antigo São João do Bruno, ao qual

Sociologia da Música.

a letra da Marcha do Tucano faz referência.

Foi apresentada a seguinte Justificativa

“São João do Bruno organizou este grupo

para a escolha da Guardiã: Elegemos o

Joanino/Para mostrar a muita gente que ele

Pássaro Junino Tucano para esse projeto, por

também é competente. ”

ser um grupo tradicional e representativo do

A guardiã Iracema Oliveira – figura

gênero Pássaro Junino Melodrama Fantasia

querida e respeitada pela comunidade

em Belém do Pará.

artística paraense – começou com a idade de oito anos a participar das manifestações

HISTÓRICO DO PÁSSARO JUNINO TUCANO

culturais da cidade, primeiro como Portapássaro, depois Princesa e, à medida que crescia, representou outras personagens nos grupos “Cigarra Pintada” e “Quati”.

Fundado

em

1927,

por

Cipriano

Francisco Oliveira, seu pai, foi um

Simplício dos Santos, teve sua primeira sede

conhecido dramaturgo e músico popular

na rua dos Mundurucus, bairro da Cremação.

que contribuiu com diversas peças para os

Apresentou-se regularmente até a morte

grupos da cidade, escrevendo e musicando

de seu guardião, em 1942. Ressurgiu por

suas peças, pois tinha a facilidade para tocar

iniciativa do dramaturgo professor Laércio

vários instrumentos sem ter recebido o

Gomes e Guaracy de Oliveira, em 1980. No ano

ensino musical tradicional. Hoje, muitos dos

seguinte, o professor Laércio Gomes passou

seus familiares estão envolvidos em diversas

a guarda do Tucano para Iracema Oliveira,

manifestações populares e três de suas filhas

que desde então assumiu a responsabilidade

são guardiãs - Iracema Oliveira (Tucano),

TUCUNDUBA 21


Guarany de Oliveira (Ararajuba) e Raimunda

seus dados, escolheu como sua assessora

Domingas de Oliveira Carneiro (Pavão do

Nazaré Azevedo, coreógrafa do grupo, e

Mosqueiro).

pediu a presença de um músico, conhecido

Iracema, com a vivência adquirida

por Jó, que é o responsável em acompanhar

no teatro popular, direcionou sua escolha

os brincantes no período de ensaio, e ficou de

profissional para as artes, atuando como atriz

ajudá-la na preparação das músicas durante

em radionovelas, telenovelas e peças teatrais

as aulas na universidade.

na cidade. Atualmente, é locutora de uma

No segundo encontro (26/02/2014),

importante rádio local, assim como ministra

foram discutidas as proposta de trabalho

cursos sobre o processo de construção de

como: a escolha da peça, seleção de quadros

Pássaros para produtores culturais do interior

e músicas da comédia a serem trabalhadas,

do Estado e cursos de aperfeiçoamento de

ficando acertado que seria trabalhada a

dicção e interpretação para grupos da cidade.

comédia: “A justiça das selvas”, de autoria

Como produtora cultural, organizou

de seu pai, Francisco Oliveira, com livreto e

quadrilhas, pastorinha “As filhas de Sion” e,

músicas impressos pelo Instituto de Artes do

mantém, desde 1992, o grupo parafolclórico

Pará - IAP. Fiquei responsável em providenciar

“Frutos do Pará”, que no passado chamava-

a compra de vinte exemplares da peça no IAP,

se “Frutos do Tucano”, por ser formado por

adquiridos pela coordenação do Projeto.

brincantes que pediam para apresentarem-

No terceiro encontro (01/03/2014), foi

se mais vezes durante o ano. Este grupo

apresentado o PPS para a primeira aula e

gravou seu primeiro CD em janeiro de 2001,

selecionados os vídeos com as cenas que

com músicas e danças típicas do Pará como

seriam apresentadas em sala, do arquivo de

carimbó, siriá e outros.

vídeos do Pássaro Junino Tucano. Fizemos

O Tucano é formado por cinquenta e seis

também a seleção das músicas para as aulas

integrantes com idade de 8 a 80 anos, que

e ficou acertado que D. Iracema levaria

são familiares, amigos e vizinhos da família

o figurino e acessórios dos personagens

Oliveira.

trabalhados e a porta-pássaro do grupo no último dia de aula, para os alunos vivenciarem como acontece uma apresentação do Pássaro

ENCONTRO COM A GUARDIÃ E A ELABORAÇÃO DO PLANO DE AULA

Junino. Assim, pensamos no seguinte plano de aula: - O que é um Pássaro Junino. Elementos comuns aos Pássaros Juninos: Enredo,

Em 13/01/2014, aconteceu o primeiro

Músicas, cenário e figurino, organização,

encontro com a Guardiã D. Iracema Oliveira

personagens e quadros. Apresentação de

quando lhe foram apresentadas a carta

vídeo com o trabalho do Pássaro Junino

convite e a proposta do Projeto. A guardiã

Tucano.

aceitou de pronto e ficou lisonjeada com o

- Ensaio das músicas de entrada e

convite. Após preencher o formulário com

despedida e preparação do Quadro da

22 TUCUNDUBA


Matutagem e suas músicas.

Iracema, que respondia a perguntas dos

– Revisão das músicas da aula anterior e

alunos:

Explicação e Ensaio do Quadro da Maloca e suas músicas. - Explicação Ensaio de Magia e suas músicas e a cena de Caçada do Pássaro, considerada

o

clímax

da

comédia.

Apresentação dos alunos com os quadros trabalhados.

DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA UTILIZADA NO MÓDULO II O Módulo II do Projeto Encontro de Saberes foi realizado com a Guardiã D. Iracema Oliveira, que é a proprietária da razão social do Pássaro Junino Tucano e figura central desse grupo, tendo como assistentes: Nazaré Azevedo (coreografa do grupo) e o músico Jó, responsável por passar as músicas com os brincantes nos ensaios. Foram

objetivos

desse

módulo:

apresentar o que é um Pássaro Junino; quais são seus elementos formadores: Enredo (comédia); estrutura musical (músicas de entrada -músicas da comédia – músicas de despedida) e seus gêneros musicais (marchas, valsas, xotes entre outros), descrição dos personagens

e

figurinos;

apresentação

dos quadros (Matutagem, Macumba e Caçada), que compõem a comédia. Ensaiar o repertório musical da peça “A justiça das selvas”. Selecionar alunos para compor o quadro de personagens, além da preparação do coro e da banda musical. Na primeira aula foram abordados os seguintes tópicos em apresentação de slides, além de fotos e vídeos comentados por D.

- O que é um Pássaro Junino? É um teatro popular musicado, com histórias dramáticas, que tratam das vicissitudes da psique humana como ódio, vingança, assassinato, adultério e traições. Que segundo Vicente Salles tem seu registro mais remoto no ano de 1877. - Quanto ao Enredo - Narra episódios da vida de nobres, nos quais um deles representa o vilão que arquiteta suas maldades contra os mais fracos. Porém, haverá um herói, também pertencente à nobreza, que com o auxílio dos mais humildes, grupo formado pelos índios, matutos e caboclos, vencerá o tirano. Quando não há o núcleo da nobreza, o poder é representado por um fazendeiro ou coronel. Entrelaçado a este enredo, há a história de um pássaro de estimação, pássaro que é ferido, alvejado ou capturado. - Quanto à organização - Guardião ou Proprietário, Ensaiador, Brincantes, Figurinista, Coreógrafo e Músicos. - O Guardião ou Proprietário - é a figura central do grupo. Em seu nome está o registro ou razão social do Pássaro, o que garante a participação do grupo nas programações oficiais. Dentre as suas inúmeras atribuições destacamos: arcar com as despesas financeiras do grupo, escolher ou encomendar a peça, selecionar brincantes, distribuir papéis, elaborar e confeccionar figurinos, marcar ensaios, organizar a agenda de apresentações, contratar músicos e regê-los durante os ensaios e espetáculos, gravar fitas das músicas para os músicos. - O Ensaiador - é a pessoa responsável em passar o texto com os brincantes. Geralmente esta função é desempenhada pelo próprio Guardião. - Os Brincantes - são as pessoas que sobem ao palco para a realização da apresentação. Eles podem representar

TUCUNDUBA 23


um personagem, compor a maloca grupo de índios, ou fazer parte do balé. O nome Brincantes é usado para as pessoas que representam sem serem atores profissionais, embora alguns pássaros contratem atores ou cantores profissionais para atuarem como personagem de destaque. Porém, a maioria dos participantes são amadores. - O Figurinista - é o responsável pela concepção e confecção das roupas e adereços usados pelo grupo. - O Coreógrafo - cria e ensaia a coreografia dos dançarinos do grupo. - Os Músicos - acompanham os grupos nos espetáculos das apresentações oficiais, recebem cachê sendo um dos itens mais onerosos para os guardiões. - Os Personagens - A Porta-pássaro é representada por uma menina com idade entre cinco e dez anos e de pequena compleição. Sua indumentária é a mais luxuosa do grupo. Na cabeça traz um capacete com a escultura do pássaro, veste-se com um macacão de tecido brilhoso e plumas nas cores do pássaro, tendo um leve tecido ligando as pernas aos braços, que com o movimento constante dos braços de cima para baixo simula o voo da ave. Quando em cena, movimentase constantemente por todo o palco demonstrando leveza, graça e fragilidade. Os Nobres representam o poder social e econômico. É o núcleo formado por rei, rainha, príncipes, princesas, marquês, marquesas, duque, duquesas e barões que vivem em palácios dentro da floresta amazônica. Suas vestimentas luxuosas e extravagantes são baseadas nos figurinos do século XVIII. Os Coronéis ou fazendeiros representam a classe dominante. Suas vestimentas estão mais próximas do nosso tempo. O modelo mais comum lembra a moda “country”. O Caçador é um dos papéis principais. Seu figurino se compõe de bota, calças justas, camisa, chapéu e a espingarda. Os Matutos representam o lado cômico do espetáculo. Com eles o público se descontrai e ri bastante. O

24 TUCUNDUBA

figurino dos matutos lembra as fantasias de São João na roça, chapéu de palha, camisa quadriculada e as meninas com vestidos de chita. Temos geralmente dois tipos de matutos: o paraense e o cearense. Seus modos de falar retratam bem o linguajar do nosso caboclo ribeirinho. A presença do matuto cearense pode ser justificada pela grande imigração de nordestinos para a extração da borracha em seu período áureo e na II Guerra Mundial. A música dos matutos é pensada com a finalidade de se fazer rir; as letras são maliciosas e de duplo sentido. A Fada é uma personagem saída dos contos de fadas europeus, com estrela na cabeça e varinha de condão. Aparece sempre para fazer revelações, cortar encantamentos e canta com uma voz suave e doce, sua missão constante é a defesa do bem e proteção da natureza. A Feiticeira é também chamada de “Mãe de Santo”. Seus poderes podem estar ligados ao bem ou ao mal. Para realizar suas sessões, conta com a colaboração das ajudantes, também chamadas de Filhas de Santo. Suas roupas lembram as das baianas sem dispensarem o uso do turbante e colares. O Tuxaua ou Morubixaba é o chefe da tribo. Tem a responsabilidade de proteger a floresta, consequentemente, o pássaro. É solicitado para encontrar e prender o caçador ou qualquer personagem que se perca na floresta. Nos Pássaros Juninos seu figurino é um dos mais luxuosos. - Os Quadros - O Quadro da Maloca é formado por uma tribo de índios, que impressiona pela beleza de suas fantasias. Fazendo parte da maloca, temos como destaque as personagens do Tuxaua, do primeiro guerreiro e da índia branca ou índia favorita, que foi uma criança perdida na floresta e salva pelos índios, sendo ela o elo de comunicação entre índios e brancos, falando sempre as duas línguas. O Quadro da Matutagem representa o lado cômico do espetáculo. Seus personagens são caracterizados como matutos cearenses ou caboclos paraenses. Geralmente os quadros de matutagem estão intercalados


Alunos, 2014. Acervo LabEtno

ao lado de momentos de maior tensão nas peças dos Pássaros Juninos. O Quadro da Macumba é um quadro formado pela feiticeira e seus ajudantes, mãe de santo ou pajé e ajudantes. Tendo como função principal a cura ou ressurreição do pássaro, ou realizar serviços benéficos ou maléficos para os personagens da história. O Quadro de balé é frequente nos Pássaros Juninos. Tem a função de distrair o público durante a troca de roupas dos brincantes, já que não há intervalos durante o espetáculo. É tradicional serem apresentadas neste quadro coreografias de rumbas e mambos semelhantes às coreografias dos filmes musicais americanos.

Marcha de apresentação e Marcha de

Terminada

genuinamente paraense

a

exposição,

houve

a

despedidas. Os alunos tocaram a melodia com flautas doce, acompanhados ao violão e percussão (tambor, atabaque, chocalho). Depois de aprendidas as canções, foram ensinadas as coreografias das marchas. Esse momento, propiciou tanto aos alunos da graduação quanto aos da pósgraduação o conhecimento da manifestação, desconhecida pela maioria dos presentes, e despertando o interesse deles em conhecer a prática do Pássaro Junino, também conhecido de

“opereta

cabocla”

e

manifestação

distribuição do libreto “A justiça das selvas”

Iniciamos a segunda aula, relembrando

aos alunos que começaram a leitura das

as músicas já estudadas, da seguinte maneira:

partituras das músicas: Marchas de rua;

primeiro foram trabalhadas as partituras

TUCUNDUBA 25


destacando as entradas dos músicos: que eram

escolhia pelo biótipo do aluno: Pulquério,

alunos da graduação e depois com os alunos

Jujuba, Salviana e Ceará (os Matutos),

da pós-graduação. Estes tocaram trompete,

Meeram (a feiticeira),

clarinete, percussão (tambor, atabaque,

,Vicente (o caçador) e

chocalho) e o violão fico a cargo do músico

experiência nas escolhas foi comprovada,

do Pássaro Tucano. Essa banda formada

pois todos os alunos se destacaram em seus

por alunos deixou a Guardiã muito feliz. Em

personagens.

Paulo (o príncipe) o Soldado. Sua

seguida, as músicas foram trabalhadas com

A partir daí, aconteceu à leitura

o coro e os músicos. Aprendidas as músicas,

do texto com D. Iracema orientando o

foram ensinadas as coreografias das marchas

posicionamento, a postura dos personagens,

para todos os alunos.

a dicção dos matutos. Nesse momento, D.

Na segunda parte da aula, foi ensinada

Iracema, percebeu que o revisor do livro, tinha

a valsa do caçador e ensaiado o quadro da

corrigido o falar característico do caboclo

caçada. D. Iracema aproveitou o momento

alterando a intenção do autor da peça.

para selecionar os seguintes personagens: o

A aula foi finalizada com um ensaio geral,

caçador, a fada, a índia e demonstrou o papel

do que seria apresentado como resultado final

da porta-pássaro. Os alunos realizaram a cena

do Módulo II, com o seguinte roteiro: Músicas

com empenho, surpreendendo a Guardiã que

de entrada, parte da comédia (quadro da

os convidou para participarem de seu grupo.

Matutagem, quadro da Macumba, quadro da

Na

semana

seguinte,

D.

Iracema

iniciou a aula contando o enredo da peça

Caçada e cura do Pássaro, terminando com as músicas de despedidas.

selecionada e relatou que atualmente são

Na última aula, houve um ensaio geral

feitas mudanças no final das peças, pois no

em sala de aula, com os alunos usando os

passado havia muitas cenas violentas. Assim,

figurinos dos personagens, com a presença

como contou que houve um acordo entre os

da porta-pássaro do Tucano. A banda foi

guardiões para não matarem o pássaro e sim

formada por alunos do curso e dois músicos

feri-lo ou tonteá-lo. A aula prosseguiu com o

do Pássaro Tucano (violão e atabaque). Em

ensaio do quadro da Matutagem e o quadro

seguida, aconteceu uma apresentação no hall

da Macumba. Primeiro, foram ensaiadas as

de entrada para os alunos de outras turmas

músicas da matutagem, a embolada “Menina

e professores, que elogiaram o trabalho

toma cuidado com o namoro no escuro”, com

apresentado.

letra jocosa e de duplo sentido, provocou risos entre os alunos.

D. Iracema agradeceu e elogiando a participação dos alunos/brincantes, e as

Depois foram cantadas as músicas:

coordenadoras do curso pela iniciativa de

“Meu Santo Antônio de ouro fino”, “Quem

levar e divulgar a cultura popular no espaço

rola pedra na pedreira” e “Beira-mar” que

universitário e se comprometeu em receber

pertencem ao quadro da Macumba.

os alunos em sua casa para assistirem aos

Em seguida, houve a seleção dos personagens entre os alunos, que a Guardiã

26 TUCUNDUBA

ensaios do grupo, bem como divulgar os locais das apresentações no mês de Junho.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

ensaios e de apresentações durante as festas juninas.

O trabalho desenvolvido com a Guardiã

O

envolvimento

dos

músicos

Iracema Oliveira e os alunos da graduação

universitários e seu interesse em aprender

e pós-graduação foi bem produtivo, pois

a tocar os gêneros musicais dos Pássaros

em duas semanas de aulas os alunos, além

sensibilizou

de adquirirem o conhecimento teórico

dificuldade para os grupos de Pássaros é

do que é um Pássaro Junino, tiveram a

conseguir instrumentistas de sopro e fazer o

oportunidade de aprender como se prepara

pagamento desses nas apresentações, pois

esse teatro-popular-musicado, que tem

somente os instrumentos de percussão são

como especificidade possuir diversas peças

tocados pelos brincantes.

a Guardiã,

pois

a

maior

antigas e atuais com autores e compositores

O momento também foi propício,

conhecidos, mas ainda são pouco conhecidas

porque desde 2009 os Guardiões dos Pássaros

fora de seu meio de atuação.

Juninos junto com pesquisadores e o Prof.

Outro ponto positivo foi constatar

João de Jesus Paes Loureiro vêm lutando

a alegria da Guardiã e seus colaboradores

pelo reconhecimento do Pássaro Junino com

por ter ministrando aula pela primeira vez

Patrimônio Cultural Brasileiro de Natureza

na universidade, e ter obtido o resultado

Imaterial, por meio da Superintendência do

excelente na apresentação do espetáculo.

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Motivo que levou a Guardiã a convidar os

Nacional (IPHAN), que em 2013, através

alunos para fazerem seus trabalhos de campo

de Edital iniciou o estudo para realização

dentro da comunidade de origem do Pássaro

e preservação da manifestação na área

Tucano, além de conhecerem os espaços de

metropolitana de Belém.

TUCUNDUBA 27


28 TUCUNDUBA


SABERES E FAZERES Oficina de construção de instrumentos do Carimbó Paulo Murilo Guerreiro do Amaral

APRESENTAÇÃO

de maracas (ou maracás), ganzás (ou milheiros), e de tambores denominados

O presente artigo comenta sobre as

curimbós, cuorimbós ou carimbós. Estes

atividades de preparação e execução de

últimos figuram no imaginário popular e de

Oficina de construção de instrumentos

Mestres como o símbolo mais emblemático

tradicionais do Carimbó durante o módulo

desta manifestação, que além de musical é

Saberes e Fazeres Musicais do Projeto

também coreográfica e de contundente teor

“Encontro de Saberes”, no âmbito das

social e étnico.

III,

Suas coreografias refletem um típico

oferecida em 2014 (primeiro semestre) no

erotismo de danças profanas (a exemplo

Programa de Pós-Graduação em Artes da

da

Universidade Federal do Pará, e Sociologia

movimentos sensuais de cortejo realizados

da Música, ofertada no mesmo período para

por casais. Dialogando com a música

o curso de Licenciatura em Música da mesma

instrumental, a poesia cantada retrata

IES.

o amor, o trabalho e o lazer do caboclo

disciplinas

Seminários

Avançados

umbigada

africana)

traduzido

em

amazônida. A partir da década de 1970 o Carimbó

PREPARAÇÃO DA OFICINA

ganhou popularidade em Belém graças à produção de LPs de artistas referenciais

Considerada peculiar do Estado do

como Pinduca e Mestre Verequete. Em

regional,

contrapartida, mudanças de ordem musical

a música do Carimbó mistura vozes,

teriam afetado sua estrutura “original”,

instrumentos

destituindo-o de seu teor de “pureza”.

Pará

e

referência

identitária

melódicos

e

percussão

TUCUNDUBA 29


O Pau & Corda do Carimbó 2011 - Belém-PA (foto Acervo SANCARI)

Estariam relacionadas, em primeira instância,

recentemente, declarado patrimônio cultural

à introdução de fontes sonora elétricas

brasileiro.

ao grupo instrumental pau-e-corda e à

Ao longo de um lapso de tempo de

incorporação de outros ritmos na estrutura

cerca de quarenta e cinco anos o Carimbó

musical.

jamais deixou de ser mencionado, lembrado

Apesar de estabelecido como ícone

e valorizado. Se me pedirem para dançá-lo

cultural regional, vinte anos mais tarde o

ou cantar algum sucesso, certamente eu o

Carimbó passa a experimentar popularidade

faria. Conheço a dança e também as letras

mais restrita, por um lado encantando os

das músicas. Talvez eu consiga inclusive

turistas e curiosos que visitam Belém, mas,

percutir no tambor alguns “toques”. Ainda

por outro, não fazendo parte do cotidiano

assim, continuo refletindo sobre o tipo de

cultural local e da cena artístico-musical

popularidade encarnada no Carimbó, que

com a mesma força de antes. Situação

não raramente me urge, de certo modo,

oposta acontece com gêneros musicais

como uma essência intocada.

populares como o Brega e o Tecnobrega,

Na esteira deste preâmbulo sobre o

que arrebanham multidões para grandes

Carimbó, emergiu como grande desafio nesta

festas populares, mesmo sem talvez gozar

fase de preparação de módulo o de contatar

do prestígio do Carimbó como símbolo de

um Mestre ou um grupo musical que, ao

identidade musical e cultural regional, e, mais

mesmo tempo, atuasse em Belém e fosse

30 TUCUNDUBA


Alunos, 2014. Acervo LabEtno

reconhecido localmente como detentor de

acompanhada de experiências musicais

saberes tradicionais. Por meio de mensagens

envolvendo os alunos, já que, além de ser

trocadas em redes sociais e conversas com

artesão, Mestre Lucas também sabe tocar as

músicos populares atuantes na cena musical

percussões.

de Belém foi possível fazer contato com

Após a elaboração da Oficina, foi

Mestre Lucas Bragança, que lidera o Grupo

necessária especial atenção à aquisição

Sancari.

de matérias-primas para os instrumentos

Três encontros presenciais que tive com

musicais,

incluindo

troncos

escavados

Mestre Lucas Bragança anteriormente à

de madeira de mangue e couro bovino

Oficina destinaram-se aos acertos referentes

hidratado para os cinco tambores que foram

à sua participação no módulo. Inicialmente

construídos. Adquiriram-se, ainda, esferas de

imaginei que seria uma oficina de percussão

aço e canos PVC para os milheiros e maracas.

de tambores, maracas e milheiros. Aconteceu,

Estas últimas foram feitas de cuias de coco

porém, que Mestre Lucas Bragança preferiu

doadas à Universidade Federal do Pará pelo

ministrar Oficina de construção destes

próprio Mestre Lucas, que também doou à

instrumentos, que é a sua especialidade no

IES um milheiro de metal soldado similar aos

âmbito do grupo.

utilizados em seu grupo.

Combinou-se, portanto, que a Oficina de construção dos instrumentos seria

Ressalto a receptividade de Mestre Lucas

em

relação

à

proposta,

pela

TUCUNDUBA 31


oportunidade tanto de divulgar o trabalho

procedimentos: 1) corte do couro (já

do Sancari quanto de perceber valorizada a

hidratado),

cultura popular no âmbito acadêmico. Apesar

cobrindo uma das aberturas de cada tronco

de visivelmente apreensivo, o Mestre sentiu-

(demanda grande força física), e 3) fixação do

se recompensado, por antecipação, pela

couro em cada tambor por meio da utilização

possibilidade de atuar na Universidade na

de tarraxas de madeira. A participação dos

condição de professor.

alunos nesta etapa foi predominantemente

2)

retesamento

do

couro

de observação. A construção dos milheiros ficou

NOTAS SOBRE O MÓDULO E DESCRIÇÃO DA OFICINA

praticamente sob a responsabilidade dos alunos que, orientados por Mestre Lucas, serraram os canos PVC, inseriram as esferas e

O Módulo III do Projeto “Encontro de

vedaram as extremidades dos instrumentos.

Saberes” teve como professor convidado o

Quanto às maracas, as cuias foram

Mestre Lucas Bragança, que lidera o grupo de

preenchidas com esferas através de seus

Carimbó Sancari. Mestre Lucas foi assistido

orifícios naturais, que por sua vez foram, em

por Dona Neire Prestes Rocha, sua esposa,

seguida, vedados com cola em barra. A cola

que com ele participou de todas as aulas,

serviu ainda para fixar haste de madeira no

inclusive encabeçando algumas discussões

lado diametralmente oposto ao do orifício

que serão comentadas no final deste relatório.

de cada cuia. Em virtude da cola não secar

O Módulo em questão teve como

em curto espaço de tempo, Mestre Lucas

objetivos:

conhecer

procedimentos diferentes

para

as a

instrumentos

técnicas

e

emprestou as maracas do Grupo Sancari aos

construção

de

alunos durante as experiências musicais dos

de

percussão

alunos com os instrumentos construídos.

utilizados na “orquestra” do Carimbó;

Ao final de cada uma das duas etapas

confeccionar esses instrumentos; transmitir/

iniciais, Mestre Lucas ensinava aos alunos

apreender saberes em relação à prática de

como tocar os curimbós, maracas e milheiros.

cada instrumento de percussão; viabilizar

O envolvimento dos alunos foi positivamente

diálogos e trocas de experiências entre

surpreendente, conforme me relatou Mestre

acadêmicos e Mestres da cultura popular e

Lucas.

outros detentores de expressões tradicionais na localidade.

A última etapa aconteceu no momento da culminância do módulo, em que uma

A Oficina inserida neste Módulo foi

grande “orquestra” se formou com a

dividida em três etapas: 1) construção de

participação de alunos e de integrantes do

curimbós; 2) construção de milheiros e

Grupo Sancari. Deu-se em espaço aberto do

maracas; e 3) experiência musical.

campus da Universidade Federal do Pará e

A primeira etapa foi a mais longa, trabalhosa para

e

Mestre

32 TUCUNDUBA

desgastante

fisicamente

Lucas. Constou

de

três

contou com a apreciação de muitos curiosos que por ali passavam.


CONTRIBUIÇÕES PARA A ÁREA DE ETNOMUSICOLOGIA

do Pará. Na esteira do tema anterior, comentouse a respeito de agenciamentos ligados

Ao longo de todo o módulo, Mestre

à campanha junto ao IPHAN em favor de

Lucas mostrou-se bastante solícito em

o Carimbó tornar-se patrimônio cultural

relação aos questionamentos dos alunos,

brasileiro, a exemplo de políticas públicas

que abrangeram questões não apenas da

necessariamente se voltarem às comunidades

ordem estrita da produção sonora. Temas

tradicionais protagonistas desta expressão e

importantes para a Etnomusicologia foram

da construção de uma identidade musical e

tangenciados a partir dos debates entre

cultural regional com base forte no Carimbó.

Mestre Lucas e as turmas de Graduação e

A Etnomusicologia encontra ressonância

Pós – dentre as quais: 1) mudança cultural;

no “Encontro de Saberes” na medida em que

2) sustentabilidade e patrimonialização;

o Projeto valoriza saberes e práticas musicais

3) políticas públicas; e 4) formação de

enquanto reflexo de práticas socioculturais

identidades – e com base em textos teóricos

e, ao mesmo tempo, enquanto geradoras de

discutidos em classe em momento inicial do

culturas, comportamentos, modos de vida e

Módulo.

visões de mundo. Ainda, confere atenção a materializou-se

saberes e práticas culturais expressivas tais

em discussões nos âmbitos da música e

como as do Carimbó, que por um lado teriam

da performance relacionadas às práticas

perdido visibilidade na cena musical local de

antepassadas do Carimbó, que remontam

Belém do Pará, mas que por outro se mantém

o século XIX, e ao surgimento de grupos

reconhecido

artísticos e folclóricos, a partir da década de

regional.

O

primeiro

tema

como

símbolo

identitário

1970, em Belém e particularmente no interior

fonte: SANCARI - 2014

TUCUNDUBA 33


OFICINA DIVERSIDADE E DIFERENÇA MINISTRADA PELO MESTRE TIXNAIR TEMBÉ Liliam Barros

34 TUCUNDUBA


PREPARAÇÃO

Festa do Moqueado e a Festa do Mingau. Tixnair propôs chegar uma semana antes do

O Mestre Tixnair Tembé estava morando

início das aulas para preparar os materiais a

na aldeia Tekohaw, no Gurupi, fronteira entre

serem utilizados em sala e solicitou a compra

Pará e Maranhão, e estávamos sempre em

de papel, canetinha, cartolina, fita durex e

contato através do telefone de uma liderança

cola. A Escola de Música apoiou o projeto

local, o Sr. Waldecir Tenetehara, chefe

financiando a hospedagem e alimentação do

da FUNAI local. Através das professoras

mestre no hotel conveniado com a UFPA, no

Eneida Assis e Carmem Izabel Rodrigues

caso, o Hotel Regente. Vieram, então, Tixnair

(antropologia/UFPA) e da pesquisadora

Tembé e Waldecir Tenetehara para Belém.

Claudia Lopez Garcés (antropologia/MPEG)

Waldecir seria o assistente, mas, em razão

fiquei sabendo da maestria de Tixnair

de sua condição de liderança, foi chamado

na condução das cerimônias e tradições

urgentemente para reuniões em Brasília e

culturais Tembé após a morte de seu pai

para tratar de assuntos relativos à invasão

– Chico Tembé – poderoso pajé e sabedor

nas terras indígenas Tembé na área de

dos cantos, danças, rituais e da cultura

Capitão Poço, de forma que não foi possível

geral deste povo. Após contato inicial com

permanecer para o módulo. Todavia, foi

Tixnair por telefone, foi combinado que ele

possível realizar entrevistas com ele também.

ministraria aulas sobre a Festa da Moça Nova

No hotel, Tixnair tinha a tranquilidade para

Tembé, que embute duas outras festas – a

estudar e preparar suas aulas. Ao longo da

TUCUNDUBA 35


semana de preparação, o mestre foi algumas

tiveram como objetivo fortalecer o material

vezes na sede da FUNAI de Belém para ter

para ministração de suas aulas nas aldeias.

acesso a livros que falavam sobre a história

A primeira delas foi na FUNAI, conforme

Tembé e sobre a história de uma liderança

relatado acima, teve como objetivo ter

feminina fundamental para o processo de

acesso à bibliografia sobre seu povo e obter

reorganização deste povo – a Sra. Veronica

informações sobre Verônica Tembé para

Tembé, falecida em 2012. Durante o período

basear a confecção do banner. Este banner

de preparação das aulas, o grupo que havia

seria utilizado numa festa em homenagem a

escolhido a cultura Tembé para realizar o

ela, cuja preparação estava sendo feita desde

trabalho final teve a possibilidade de realizar

aquele momento. Depois Tixnair pediu que

entrevistas com o mestre no hotel e, para isso,

o levasse ao Museu Paraense Emílio Goeldi.

utilizaram gravador digital. A bolsista Lohana

Marcamos, então, uma visita à Reserva

Gomes e eu estávamos sempre à disposição

Técnica Curt Nimuendajú, localizada no

do mestre para o que ele necessitasse. Tendo

Campus de Pesquisa do Museu Paraense

em vista falar sobre a atuação da Senhora

Emílio Goeldi, cuja curadoria é da antropóloga

Verônica para os alunos e, ao mesmo tempo

colombiana Claudia Lopez Garcés, sob

homenageá-la, Tixnair solicitou a confecção

responsabilidade

de um banner com o histórico desta liderança

Karipuna Suzana Primo. A visita à Reserva

feminina. Também durante o período de

Técnica foi muito rica. Suzana Primo, sabendo

preparação para as aulas, Tixnair desenhou

que se tratava de um parente indígena, fez

em cartolinas os principais elementos visuais

uma exposição sobre os artefatos Tembé

para que os alunos entendessem a Festa da

coletados por Curt Nimuendajú e Frederico

Moça Nova e que ele mostraria durante as

Barata. Tais artefatos consistiam em flechas,

aulas. Decidiu, também, os tópicos que iria

alcangataras,

abordar:

maracás. Tixnair tomou fotografias e disse

técnica

da

socióloga

tornozeleiras-chocalho

e

1. A história do povo Tembé;

que atualmente não se fazem mais maracás

2. A história do Maíra e do Mairaí;

como aqueles, com estilo tipicamente Tembé.

3. Os momentos da Festa da Moça Nova e

Os maracás atuais possuem forte influência

seus significados;

Kaapor. Tixnair pretende que, através

4. Os cantos do dia e da noite, ligados à

das fotografias, possam refazer maracás

Festa da Moça Nova;

iguais àqueles (ressalta-se que fotografias

5. Ensinar dois cantos compostos por ele

são permitidas apenas aos índios. Demais

para os alunos, na língua Tembé;

pesquisadores necessitam de autorização

6. Algumas explicações sobre fauna e flora

e termo de responsabilidade especial para

a partir da perspectiva Tembé.

acessá-las). Posteriormente a visita de

Importante

que

Tixnair foi ao Parque do Museu Paraense

Tixnair fez algumas pesquisas por conta

Emílio Goeldi, localizado no centro da cidade.

própria na cidade, sempre auxiliado por

O objetivo da visita ao parque era procurar

mim e pela bolsista Lohana. Tais pesquisas

algumas plantas que Verônica Tembé havia

36 TUCUNDUBA

mencionar,

ainda,


plantado anteriormente por ocasião de sua

seres

visita a Belém, todavia, não encontramos as

encantados pelos Tembé, responsáveis pela

plantas. Tixnair aproveitou para conhecer

guarda da floresta. Segundo ele, o caçador

a exposição dos Kayapó Mebengrokê, cujo

desavisado que mata muitos bichos de uma

catálogo de artes foi lançado por ocasião

só espécie, com intuito outro que não seja a

da Feira Pan-Amazõnica do livro em Belém,

alimentação, ou mata bichos com espíritos

em maio de 2014, e cujos materiais estavam

potencialmente perigosos como a onça, ou

à venda na lojinha do Museu. A exposição

mata fêmeas grávidas, são castigados pelos

contava, entre outras coisas, com mostra

encantados, rodando perdidos na floresta ou

de alguns animais empalhados, os quais

“mundiados”, ou ainda loucos e enfermos.

Tixnair tomou fotografias com o objetivo de

Todavia, aquelas reproduções não surtem

mostrar a seus alunos. Durante o passeio pelo

efeito por estarem num ambiente de mata

Parque Zoobotânico, Tixnair foi detectando

muito pequeno. Tixnair tomou fotos para

a diversidade de árvores, plantas, frutos e

mostrar aos seus alunos.

bichos presentes no parque, fazendo um raio-X daquele micro-bioma.

sobrenaturais

são

considerados

A última instituição visitada por Tixnair com o objetivo de pesquisa foi o projeto

Ainda em busca das plantas de dona

POEMA, na UFPA. Na área do POEMA há

Verônica, Tixnair manifestou interesse em

uma maloca construída pelos Tembé, e

visitar o Bosque Rodrigues Alves, localizado

Tixnair desejava verificar as condições da

no bairro do Marco. Lá, percorreu todas as

maloca. Fomos lá e Tixnair me disse que a

trilhas do bosque, identificando as espécies

maloca estava necessitando de reparos no

de árvores, os rastros dos bichos, os caminhos

teto, feito com palhas trançadas em padrões

que os bichos fazem para beber água e para

tipicamente Tembé. As estacas são todas

ir para suas casas, identificou as casas dos

enclavadas e não é utilizado pregos. Após

bichos, sendo que alguns tinham duas casas!

todas essas visitas de pesquisa, tiveram início

Identificou uma árvore importante para o

os módulos que serão contados a seguir.

povo Tembé – a tauari. Trata-se de uma árvore enorme com raízes separadas em pequenos gabinetes,

onde

ficam

escondidos

os

DESENVOLVIMENTO DA OFICINA

caruanas. A casca do tauari é usada para feitura do cigarro de tauari, usado nas pajelanças

No primeiro dia de aula o mestre iniciou

para defumar os doentes. Segundo Tixnair,

ensinando algumas palavras nas línguas

o cigarro é apenas soprado e não aspirado

Tembé, Guajajara e Kaapor. Escreveu no

pelos pulmões. Ele mencionou diversas

quadro cada palavra nas três línguas e explicou

vezes que em sua aldeia o uso do tauari e das

as diferentes sonoridades da pronúncia de

bebidas fermentadas é feito apenas durante

cada uma delas, depois pediu aos alunos

as cerimônias. No Bosque Rodrigues Alves

que repetissem, pedido que foi prontamente

encontramos duas estátuas representando

atendido pelos alunos. Depois explicou todo

o Curupira e o Mapinguari. Ambos os

o processo de luta do povo Tembé para

TUCUNDUBA 37


conquistar suas terras – processo no qual

se referiam a animais específicos, com

Verônica Tembé teve papel fundamental

diversas simbologias que ele explicou em

– e para reorganizar as famílias Tembé

outro momento, como veremos a seguir.

que estavam desbaratas e marginalizadas

Mencionou que assim que a moça fica

em razão do processo colonizador. Falou

menstruada ela é conduzida à “tocaia”,

também de como procede atualmente

onde fica reclusa por sete dias ou enquanto

enquanto professor das escolas indígenas, na

o fluxo menstrual durar. Desta forma, com

medida em que ensina conteúdos da própria

as pinturas, a reclusão e a dieta específica,

cultura Tembé, com o intuito de fortalecer

ela não fica vulnerável à ação dos caruanas

a cultura entre as crianças e jovens. Ao

– os espíritos dos animais. Para a realização

falar do processo de retomada das terras, o

da festa, é necessária uma preparação de

mestre apresentou o banner confeccionado

meses de antecedência, incluindo a caça

pelo projeto e ressaltou a importância da

dos animais específicos da dieta para esta

liderança da Sra. Verônica que não permitiu

festividade – os animais do dia e os animais

que os Tembé fossem transferidos para

da noite. Antigamente esta festa era feita

outros lugares, garantindo a conexão deste

para cada moça, atualmente, em razão da

povo com a sua terra ancestral e a ligação

escassez de caça (há um problema sério

com as demais famílias Tembé, bem como

com caçadores ilegais não-índios na reserva

com os grupos indígenas vizinhos com

indígena), a festa só é feita uma vez por ano,

os quais possuem relações de amizade e

e todas as meninas que se tornaram moças

intercâmbios culturais, como os Kaapor e

naquele ano participam desta festa. No ano

Guajajara. A cada informação que o mestre

de 2014 a festa foi realizada na semana de

dava, era interrompido por um mundaréu de

26 de julho e durou sete dias. A realização

perguntas dos alunos, tanto na graduação

da festa requer, também, a presença de

quanto na pós-graduação, assim, o mestre

um pajé cuja função é manter o equilíbrio

era estimulado a tratar de vários tópicos

espiritual da aldeia. Neste caso, o próprio

relacionados com sua cultura, desde questões

Tixnair é o pajé, assumindo a função que seu

de gênero e parentesco (casamento com

pai desempenhava no passado. Tixnair não

não-índios ou com outros grupos indígenas)

se considera tão preparado quanto seu pai,

até questões de criação musical.

todavia, ele tem o respeito e respaldo de seu

No segundo dia de aula, foi abordada

povo para a realização destas cerimônias.

a Festa da Moça Nova. O mestre iniciou

Após a caça de alguns animais como paca,

explicando que a festa se realiza uma vez

veado, cutia e outros, realiza-se a Festa do

por ano e está ligada à primeira menstruação

Moqueado. Os animais são tratados pelos

da menina que então se torna moça. Para

homens e moqueados pelas mulheres, que

ministrar esta aula o mestre valeu-se dos

servem a porção de cada pessoa durante

desenhos que havia feito. Apontando para

as refeições. Ao longo do dia cantam-se os

o primeiro desenho, o mestre demonstrava

“cantos do dia” e os “cantos da noite” que,

a moça nova pintada com desenhos que

por sua vez, referem-se aos “animais do

38 TUCUNDUBA


dia” e aos “animais da noite”. Os “animais

os cantos são acompanhados pelo maracá,

do dia” são mais perigosos que os “animais

percutido apenas pelos homens. As mulheres

da noite”, pois, segundo o mestre, possuem

acompanham cantando e dançando. Os

tendência a ficar “loucos” e se deixam ver,

cantos possuem refrão e estrofes, os refrãos

não se intimidam com o ser humano, a dança

são repetidos por todos.

é pulada em roda. Ainda segundo o mestre,

Afora os cantos das Festas da Moça

seus cantos são mais rápidos. Os “animais

Nova, havia o uso da trombeta. Trata-se

da noite” são menos perigosos e seus cantos

de um aerofone feito de madeira cortada

são mais lentos, a dança é em roda apenas

em duas metades coladas com um breu,

com a batida do pé direito. Os cantos são

com a presença de um bocal no estilo

propriedade coletiva e são aprendidos

trompete, desbastado na própria madeira. O

a partir da incorporação do espírito do

instrumento é todo revestido de um trançado

animal pelo pajé. Quando o pajé incorpora

nos padrões Tembé, o que lhe confere uma

o espírito do animal, este canta seu canto,

beleza única. Sua função é comunicacional,

e todas as pessoas aprendem, tornando-

anunciando chegadas, partidas e outras

se, então, parte do repertório do grupo.

formas de aviso que Tixnair não chegou a

Tixnair mencionou que qualquer pessoa pode

detalhar. O último tocador desta trombeta

incorporar espírito dos animais a partir dos

faleceu há alguns anos, e seu filho, por

cantos e aprender novos cantos, todavia, há

tristeza, não quis mais tocar, apesar de saber

necessidade de ter um pajé para manter um

confeccionar e tocar o instrumento. Tixnair

equilíbrio e conseguir “puxar” a pessoa de

disse saber confeccionar o instrumento e

volta. Ele diz que é possível ter domínio sobre

prometeu doar um para a UFPA.

os cantos e não incorporar, como ocorreu

Além da Festa da Menina Moça, havia

em sala de aula, ocasião em que ele cantou e

também a Festa do Milho que hoje não é

não incorporou os espíritos. O mestre disse,

mais realizada. Segundo Tixnair, a realização

ainda, que não se sente forte o suficiente

desta festa exige a presença de um pajé

para aguentar sozinho os espíritos de alguns

forte, pois atinge espíritos muito poderosos

animais, haveria necessidade de ter outro

cuja fortaleza, se não for dominada por um

pajé para ficar ao seu lado e lhe “puxar”.

pajé experiente, pode trazer malefícios para

Caso isso não ocorra, pode haver malefícios

toda a coletividade. Isso acontece, também,

coletivos para a aldeia. O mestre fez uma

em outra festa denominada Festa do Mel.

relação dos “cantos do dia” e dos “cantos da

Ambas possuíam repertórios específicos e

noite”, indicando os nomes em português

não ocorrem mais nas aldeias Tembé. Apesar

e na língua Tembé. Para cada canto há um

dos mais velhos conhecerem todos os ritos e

animal, então ele ia descrevendo o modo

mitos vinculados a elas, a não existência de

de ser de cada animal, seus hábitos diurnos

um pajé experiente inviabiliza a realização da

ou noturnos, sua forma de andar no mato,

mesma.

de comer, suas pegadas, sua personalidade

No terceiro dia de aula Tixnair contou a

e instinto e seus habitats preferidos. Todos

história de Maíra e Mairaí, trata-se da saga de

TUCUNDUBA 39


um herói cultural, criador das coisas, Maíra,

dificuldade, pois a música na realidade é

e de seu ajudante, Mairaí, os quais Tixnair

acompanhada pelo maracá, e os alunos não

traduziu como Deus e Jesus, para que os

conseguiam determinar o tempo inicial de

alunos entendessem. Este tema despertou

cada unidade de tempo, por desconhecer

o interesse nos alunos em saber acerca

o sistema musical e o próprio canto/letra.

da introdução do cristianismo nas aldeias

No final do módulo, os alunos fizeram uma

Tembé, pelo que Tixnair mencionou que ele

homenagem a Tixnair cantando músicas

não permite igrejas em sua aldeia, apesar

populares para ele, e manifestaram suas

de existirem algumas pessoas evangélicas

impressões sobre o módulo.

e uma assistência de alguns moradores às festividades católicas realizadas por uma comunidade quilombola que mora nas

CONSIDERAÇÕES FINAIS

cercanias, em lugar não precisado por ele. Maíra foi criador da mandioca, dos fazeres,

A experiência com o mestre Tixnair

das comidas, da luz e do dia, da noite e dos

Tembé

possibilitou

a

ampliação

da

animais, e Mairaí era seu filho, possuía alguns

compreensão da prática musical vinculada

dons espirituais, mas não era tão poderoso.

a outros saberes como o conhecimento da

No último dia Tixnair ensinou duas

biodiversidade; a compreensão de processos

músicas criadas por ele e que são utilizadas

específicos Tembé de criação, circulação,

em suas aulas nas aldeias do Tekohaw e

ensino e aprendizagem e renovação musical

Itaputyre. As músicas foram escritas à mão

a partir dos cantos vinculados à Festa da

por ele e depois digitadas pela bolsista

Menina Moça e das relações simbólicas que

Lohana, as cópias foram entregues aos

compõem uma cadeia Inter comunicacional

alunos. Tixnair primeiramente explicou que

a partir dos domínios estéticos da pintura,

aquelas músicas não trariam espíritos dos

dança, música e mito. Junto com isso,

animais. Ele resolveu falar isso em respeito

oportunizou-se a percepção de sistemas

aos alunos evangélicos presentes na sala,

sonoros e linguísticos diferenciados a partir

mencionou, ainda, respeitar as diferentes

da prática dos cantos criados por Tixnair e

religiões. Depois, ensinou a pronúncia de

a observação do ciclo infinito entre música,

cada palavra e sua tradução (já transcrita

natureza, humanidade e território indígena.

no texto entregue aos alunos) e, só depois,

A percepção da maestria de um líder indígena

ensinou a melodia juntamente com a letra.

e seu domínio técnico, grande conhecimento

Por fim, pediu aos alunos que se levantassem

filosófico e liderança de seu povo e o aumento

e cantassem batendo os pés no chão. Assim

do respeito e interesse em ter contato com

ocorreu com as duas músicas compostas por

a pluralidade e riqueza cultural indígena

ele. Ao final da aula, Tixnair cantou uma das

brasileira,

músicas dos espíritos dos animais, sozinho,

representaram enorme contribuição para a

mas pediu que os alunos batessem o pé junto

formação dos licenciandos como professores

com o canto dele. Os alunos sentiram alguma

e como cidadãos.

40 TUCUNDUBA

notadamente,

amazônica,


Telhado do POEMA na UFPA Dayanne Eguchi

TUCUNDUBA 41


BOI-BUMBÁ ESTRELA D’ALVA: Conhecimento tradicional na academia

Brena Cordovil Daniela Lira Flávia Bandeira Luana Raquel Mara Lúcia Rayssa Macedo

42 TUCUNDUBA


INTRODUÇÃO A

divisão

A MANIFESTAÇÃO – BOI-BUMBÁ ESTRELA D’ALVA entre

as

esferas

do

conhecimento científico e tradicional é

PERSONAGENS E ENREDO

um paradigma ocidental recente, forjado na modernidade e que traz em si uma

Enredo significa intriga ou trama e,

determinada concepção do que é a educação,

num texto narrativo, designa a sucessão de

que é também cultural e permeada por

acontecimentos que compõem a ação de

ideologias.

uma obra de ficção. O Boi Estrela D’alva é

Para discutir isso, o curso de graduação

uma prática cultural que trabalha expressão,

em música da Universidade Federal do Pará

enredo, música que mostram um pouco do

foi exposto ao projeto nomeado Encontro

cotidiano dos que integram o Boi.

de Saberes, promovido pela Universidade

O Boi, como parte da cultura popular,

de Brasília, a fim de promover a inserção

pode se adaptar dependendo do contexto

de outras bases de conhecimento, a partir

em que se encontra. De acordo com DIAS

do conhecimento dos mestres da cultura

JR. (2010), na maioria das encenações, o

popular. O objetivo do projeto é promover

desfecho se dá com a morte do Boi e Pai

o diálogo entre os saberes acadêmicos e os

Francisco (Preto Velho), que faz represália

saberes tradicionais, populares e indígenas,

aos seus antepassados.

além de contribuir para o processo de

Menezes

(1972),

citado

por

Dias

reconhecimento de mestres de artes e ofícios

Jr. (2010), atribui esse comportamento

como docentes no ensino superior.

às reminiscências nobres presentes na

Para representar o diálogo em questão,

linhagem dos cativos "que não podendo

a disciplina Sociologia da Música foi dividida

impor-se pela força ou violência" recorriam

em quatro módulos, contando cada módulo

à sátira para manifestar seus sentimentos.

com um mestre de saber tradicional e um

Diferentemente do enredo do Boi do amo

professor parceiro. Para esse trabalho foi

Beto, onde Pai Francisco tem apenas o desejo

realizada uma pesquisa acerca de uma

de satisfazer a vontade de sua esposa sem o

manifestação em específico, o Boi-Bumbá

sentimento de vingança.

Estrela D’Alva, conhecimento pertencente ao saber tradicional de Mestre Beto.

O início do enredo se dá com o Rolarola, que é a música introdutória, na qual

TUCUNDUBA 43


os personagens são apresentados. Entra a

anos, durante os meses de maio e junho,

Mãe Maria, o Amo, o Capataz, os Vaqueiros,

os brincantes e mais algumas pessoas que

o Doutor, o Pajé, a Tuxaua, a Maloca, as

não participam das apresentações, mas se

Catirinas, Cazumbá e por último Pai Francisco

envolvem por puro prazer, se dedicam nas

que atira no Boi, então a música encerra e

preparações e nas apresentações do boi.

começa a comédia.

Os ensaios acontecem durante a noite

Pai Francisco era um preto velho

no curral do boi. Todos os anos o boi Estrela

que vivia na área de pastagem do animal,

D’Alva traz novas toadas (canções) compostas

uma vez que sua esposa, Catirina, grávida,

pelo amo Beto. Segundo ele, sua inspiração

sentira o desejo de comer a língua do boi,

para compor as toadas vem de seu dia-a-dia

ele resolve feri-lo, mas o Amo ao ver o que

e da própria convivência na comunidade, o

havia acontecido com o seu Boi cobrou dos

amo não atribui nenhum sentido religioso

Vaqueiros, que acusaram o Pai Francisco.

nem á toadas, nem á manifestação em si.

Estes foram capturá-lo, mas não conseguiram

As apresentações se dão de forma

trazê-lo, pois era um homem rude. Foi

lúdica, onde todos os brincantes devem

necessário, então, o Amo chamar o Tuxaua

estar caracterizados de acordo com os seus

e toda a Maloca para trazer o Pai Francisco

personagens e, por isso, são confeccionadas

até ele. Quando questionado pelo Amo, Pai

novas fantasias todos os anos. Todos

Francisco explica que queria satisfazer o

se envolvem nessa fase e cada um fica

desejo de sua esposa grávida, então o Amo

responsável por pelo menos uma etapa da

desejando salvar o seu boi, convoca o Doutor

confecção de sua fantasia.

para curá-lo, mas este não tem sucesso, então o Pajé foi chamado e, através de rituais

DIFICULDADES

de pajelança, o Boi levanta. As

melodias

são

importantes

na

Mestre Beto é o único que arca com todas

manifestação. Os brincantes e o Boi desfilam

as despesas da manifestação. O material

enquanto o amo canta as toadas e ainda

para a confecção das fantasias, o transporte

o acompanham os músicos que tocam a

até as localidades das apresentações e

barrica e o xeque-xeque. As letras das toadas

a alimentação durante os trabalhos de

narram a comédia enquanto os brincantes

confecção das fantasias e ensaios, tudo sai

entoam os coros.

do bolso do próprio amo que poupa uma parte do seu salário de pedreiro e carpinteiro

PREPARATIVOS

durante o ano todo com essa finalidade. Mas arcar com estes custos está cada vez mais

O que começou com uma brincadeira

difícil, pois os materiais ficam mais caros

para as crianças da rua, foi tomando forma.

com o passar dos anos e a manifestação fica

E hoje, o boi estrela D’Alva possui entre 80

cada vez menos valorizada. O único apoio

e 85 brincantes. Estes são moradores das

financeiro que o boi recebe vem da FUMBEL,

redondezas do curral do boi. E, todos os

que consiste em uma quantia aproximada

44 TUCUNDUBA


Crianças que tocam no boi estrela D’Alva. Fonte: Vídeo Youtube

de R$1.300,00 que só é entregue depois do período de apresentações, mas segundo os

A IMPORTÂNCIA DO BOI PARA OS BRINCANTES

relatos do Mestre Beto, essa quantia é muito inferior aos gastos que ele tem. No entanto,

A importância desta manifestação para

mesmo assim ele continua firme em não

os participantes vai além das apresentações.

pedir ou cobrar nenhuma ajuda financeira de

Muitos dos brincantes têm o Boi Estrela

seus brincantes. Muito pelo contrário, ele se

D’Alva como parte de suas vidas e estão

sente em dívida com aqueles que participam

emocionalmente ligados ao Boi. Isto é

da brincadeira. E, a seu ver, a única forma

perceptível em relatos, como o do rapaz que

que ele tem de recompensá-los é durante a

assumiu o posto de tripa do Boi. Cleto, que

“ferração” do boi. Esta consiste na festa de

participa deste Boi há treze anos, afirma se

encerramento do período de apresentações

arrepiar e chorar quando escuta as canções de

do boi. Nela, além de ser feita a cerimônia

despedida. Sua ligação começa na infância,

de “ferração” do boi, o amo contrata uma

quando apenas observava as apresentações.

aparelhagem e oferece almoço e bebida para

Em seu testemunho ele afirma que sentia

os brincantes como um agradecimento pela

uma alegria muito grande em apenas usar

participação e pelo trabalho dos brincantes.

o chapéu de um dos vaqueiros. Ele ainda

TUCUNDUBA 45


diz sentir prazer por fazer parte do grupo e

séria. Seu Solino honrou Dona Tereza

orgulho pelo seu posto.

passando o Boi Estrela D’Alva para a sua

Em outro depoimento, dona Jurema,

administração, para que então, aos 28 anos,

esposa do mestre Beto, relata a importância

Mestre Beto assumisse a posição de maior

do Boi como uma tradição, pois a mãe de seu

honraria dentro da manifestação, ser o Amo

Beto pediu que eles não permitissem que a

do Boi.

manifestação acabasse. Menezes (1972),

Dias Jr. (2010, p. 79) relata que,

citado por Coimbra (2009), diz que, participar

[...] os bumbás estavam reorganizados e em maior número, restabelecendo os “encontros” agora marcados pela “briga entre bairros”. [...]. Os “amos” eram respeitados pelo poder de improvisação nos encontros onde a arma de combate era a resposta pronta, a glosa ao mote do contrário.

do Boi gera uma grande sociabilidade entre os brincantes. Homens, mulheres e crianças seguem o Boi pelos bairros e eles acabam tornando este evento num momento de distração. A contribuição destes é de forma dinâmica, pois todos estão muito envolvidos nos ensaios e na preparação dos trajes.

Foi nesse cenário que Mestre Beto cresceu, vendo em tantos outros bois, mas especialmente no “Malhadinho” e no “Tira-

SOBRE O MESTRE BETO Natural de Belém, Alberto Costa Melo Mestre Beto - construiu uma longa jornada de cinquenta e cinco anos brincando e cantando a brincadeira do Boi-Bumbá. Aos 62 anos é Amo do Boi Estrela D’Alva, proprietário e cantador das toadas. O mestre começou a participar da manifestação ainda cedo, em 1959, assistido pela sua mãe, Dona Tereza, aos sete anos de idade. Para ele a festa ainda não passava de uma brincadeira de criança em frente à casa de seu vizinho, Solino Rodrigues da Costa, no Guamá, bairro localizado a sul de Belém, capital do Pará. Mestre Beto conta que Seu Solino tinha vários filhos e muitas outras crianças que gostavam de brincar, mas por uma questão de deslocamento optou por confeccionar um “boizinho” de paneiro para eles. A criançada tomou gosto e posteriormente virou coisa

46 TUCUNDUBA

Fama”, o exemplo de como produzir o seu próprio boi. Aprendeu a fazer as fantasias, encourar barricas, criar toadas e todos os pormenores da manifestação. Essa importância do saber do mestre vem do vínculo com o Boi desde a sua infância, quando ele apenas observava e aprendia sobre a tradição, além de toda a responsabilidade que ele traz sobre si, afinal, a manifestação só permanece pela sua iniciativa e por se sentir responsável em manter o legado de sua mãe. Identidade histórica e entretenimento são

duas

importantes

consequências

promovidas pelo saber do mestre Beto. A perpetuação do boi Estrela D’Alva traz consigo significados históricos que desencadearam a atual identidade da população belenense, ou mais especificamente dos moradores do bairro do Guamá. O enredo do boi, as toadas, as vestimentas dos personagens, as formas de tocar, a arte em si, prestam serviço à história cultural no sentido de desenhar um


período onde hábitos de diferentes povos

de tradições populares oriundas de diversos lugares.

passariam por uma "primeira miscigenação", a miscigenação de costumes. De acordo com Dias Jr. (2010, p. 82), A forte relação dos bumbás com os cultos da religiosidade afro demonstra a aproximação da cultura popular urbana com as reminiscências da ancestralidade negra e escrava na Amazônia, um aspecto do hibridismo cultural presente nos bairros de periferia de Belém.

Essa realidade reflete a importância do saber do mestre em promover conhecimento cultural. Na verdade, a arte em si é responsável por promover as concepções e tendências de determinado período. Como afirma Palisca, Somos tentados a crer que existe, de fato, uma relação estreita - e não só no século XVII, mas em todas as épocas entre a música e as outras atividades criadoras do homem, que a música produzida em determinada época não pode deixar de refletir de forma adequada à sua natureza própria as mesmas concepções e as mesmas tendências que se exprimem nas outras artes contemporâneas (GROUT & PALISCA, 2001, p. 308).

Além da identidade histórica, o fazer do mestre produz um dos provedores do bem estar, o entretenimento. Que nada mais seria do que promover diversão aos seus brincantes. Isso é confirmado por Dias Jr. (2010, p. 82) quando diz que: O boi bumbá é um entretenimento popular que ajuda a compreender costumes e aspectos da vida social brasileira, ironizados e carnavalizados por “homens do povo” que dedicam tempo e atenção realizando seus espetáculos nas ruas, praças, currais e teatros, manifestando suas identidades por meio da perpetuação da tradição e de traços ancestrais que resistem às transformações do tempo. Uma expressão da cultura popular brasileira que cresceu juntamente com os subúrbios de cidades como Belém, envoltas em um mosaico

O SABER ACADEMIA O

TRADICIONAL

projeto

encontro

de

NA

saberes

realizado na UFPA proporcionou a relação do

conhecimento

acadêmico

com

os

saberes tradicionais da cultura popular. Essa experiência única permitiu aos licenciandos em música, uma visão abrangente da diversidade de práticas musicais, gerando uma reflexão acerca do reconhecimento, valorização

e

até

da

validação

do

conhecimento de tradição oral. Para Schön (apud ARAÚJO 2006, p. 145), A prática reflexiva deve ser considerada como um elemento-chave da educação profissional, pois favorece o encontro de respostas às situações novas do cotidiano docente. Segundo ele, deve-se integrar teoria com prática, por meio da reflexão-na-ação e sobrea-ação, ou seja, do aprender por meio do fazer.

Nesse módulo, foi possível vivenciar e participar dos bastidores do Boi-Bumbá Estrela D’alva, tendo a oportunidade de aprender muito sobre essa manifestação, desde o enredo, a decoração do boi, o canto e até a dança que o acompanham: Para saber o que é música e quão musical é o homem, precisamos nos perguntar quem escuta e quem toca ou canta em uma dada sociedade, e por quê. Esta é uma questão sociológica e situações em diferentes sociedades podem ser comparadas sem referência alguma às formas superficiais da música (BLACKING, 2000, p. 64).

Essa concepção de Blacking é justificada quando observamos a construção das

TUCUNDUBA 47


Acervo LabEtno

práticas musicais do Boi-Bumbá inserida em

Esse contato com o mestre Beto

um contexto específico de alguns bairros de

permitiu que os graduandos conhecessem a

Belém, restrito a um determinado número de

manifestação e reconhecessem a figura do

pessoas e não incorporado em todo o Estado.

mestre, como um promotor do conhecimento

Blacking também afirma que,

não só na música, mas também nas artes

As funções da música na sociedade podem ser fatores decisivos na promoção ou inibição de habilidade musical latente, bem como a escolha dos materiais e conceitos culturais a partir do qual a compõem. Nós não seremos capazes de explicar os princípios de composição e os efeitos da música até que não compreendamos melhor a relação entre a experiência musical e experiência humana (2000, p. 67).

48 TUCUNDUBA

plásticas e coordenação do grupo. Aliás, essa iniciativa de trazer o mestre de Boi-Bumbá para dentro da universidade é bastante relevante, pois esse mestre está às margens do conhecimento científico, sendo que o conhecimento que ele possui é imenso e tem fortes indícios de que esteja próximo da extinção, afinal, não existem atualmente


pessoas dispostas a assumir e preservar a

saberes tradicionais, de forma a incentivar

manifestação com o mesmo interesse.

a participação em diferentes experiências

Com o reconhecimento e valorização

musicais já vividas fora da academia, para

desse mestre, será possível resgatar e inserir

então estender a investigação e conhecer os

os saberes de tradição oral na academia, visto

processos de apropriação musical a partir dos

que, o ensino da música não se dá somente a

mestres envolvidos.

partir do ensino conservatorial e formal. Provavelmente, os licenciandos em

A música no contexto do Boi-Bumbá Estrela

D’Alva

opera

com

materiais

música da UFPA terão uma visão ampliada

específicos do grupo, apresentado com

e diferenciada daqueles que não tiveram

suportes específicos, que determinam os sons

esse contato com os mestres e seus

e suas combinações, formas específicas de

conhecimentos. De certo, foi um momento

reconhecer, criar, compartilhar a mensagem

ímpar e fará toda a diferença para os que

da manifestação.

puderam vivenciar e principalmente para a

Em meio às várias discussões sobre

manifestação que, certamente ganhou novos

estes múltiplos espaços onde ocorre a

seguidores.

criação musical tradicional, nenhuma há uma definição precisa acerca dos termos a serem utilizados ou considerados mais adequados

CONSIDERAÇÕES FINAIS

para se tornar acadêmico. Dessa forma, é necessário fazer reflexões sobre a forma como

As

contribuições

desta

pesquisa

o estudo dessa música específica se constrói,

outros

possíveis

para encontrar verdadeira herança, sem o

estudos que possam verificar a importância

risco de descuidar-se com as peculiaridades

do processo de ensino e aprendizagem dos

da manifestação.

tencionaram

fertilizar

SAIBA MAIS ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Formação docente do professor de música: reflexividade, competências e saberes. Música Hodie, v. 6, n. 2, 2006. BLACKING, John. How musical is man? Seattle: University of Washington Press, 2000. COIMBRA, Adriana Modesto. Bruno de Menezes: Reminiscências da cultura africana na

obra Boi Bumbá – auto popular. Belém. 2009. Disponível em: <http://amazoniagraopara.ufpa. br/publicacoes/reminiscencias_cultura_africana. pdf>. Acesso em: 23 de Jun. 2014. DIAS JR., José do Espírito Santo. Boi Bumbá em Belém, uma expressão urbana e popular. Revista Estudos Amazônicos. Pará, vol. V, nº 2, 2010, pp. 75-103. GROUT, D. J & PALISCA, C. V. História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 2001.

TUCUNDUBA 49


O PÁSSARO JUNINO TUCANO Antonio Diego Paula Nascimento Camila Silva Costa Danilo Rosa dos Remédios Gabriel Barros de Souza Lenno Yuri Siqueira Soares Silvana Pereira da Cruz Yudae Thadeu Galeno Costa

50 TUCUNDUBA


INTRODUÇÃO

teriam se destacado no cenário das festas populares paraenses a partir de 1900, época

O Pássaro Junino é uma manifestação

da Bélle Époque amazônica” (PÁSSARO

cultural popular paraense que acontece,

TUCANO, 2010) e Tito Barata, organizador

como se subentende do próprio nome, no

da Revoada dos Pássaros no IAP, explica

mês de junho, no estado do Pará. É uma das

que “foram os camareiros do Theatro que de

mais criativas manifestações de cultura, que

tanto vestir as estrelas da ópera e ver trechos

combinam teatro, música, dança e literatura,

das encenações das coxias, resolveram eles

com lições de humanidade e respeito à

mesmos montar suas óperas nos bairros onde

natureza.

moravam, ali para os seus pares” (AGÊNCIA

Existem diversos grupos no Estado,

PARÁ, 2014), aproximando um pouco as

com temáticas e nomes variados, dentre

pessoas marginalizadas do Theatro com a

os quais acompanhamos o Pássaro Tucano.

cultura das “óperas” e ao meio artístico.

Acompanhamos de perto durante um mês

Estão divididas em duas vertentes:

o processo de ensaios e apresentações do

o Cordão de Pássaro ou Pássaro Meia Lua

ano de 2014 e queremos, através deste

e o Melodrama Fantasia, que apresentam

texto, expor o resultado de nossa pesquisa,

características diferentes no modo de

feita através de pesquisas de campo,

apresentação. Melodrama Fantasia é uma

pesquisas bibliográficas e entrevistas sobre a

espécie de teatro somado a música e que tem

manifestação popular do Pássaro Junino, em

temáticas dramáticas. Segundo Moura:

especial o Pássaro Tucano, que existe desde o início do século XX, criado por Cipriano e atualmente tem como organizadora, roteirista e produtora Dona Iracema, que há 20 anos está à frente do mesmo.

PÁSSARO JUNINO, CORDÃO DE PÁSSARO, MELODRAMA FANTASIA E SUAS DIFERENÇAS Bruno de Menezes expõe que “se tem registros de apresentações no estado do Pará desde o século XIX. (...) os Pássaros Juninos

A humanidade, no melodrama clássico, se caracteriza por uma dupla divisão: de um lado os maus, e de outro os bons e entre eles não há compromisso possível. Nos melodramas dos autores do pássaro junino o mau, por vezes, um tirano sanguinário, é personificado por um fidalgo transplantado para a Amazônia, um fazendeiro ou um seringalista, o “coronel da borracha”, cujos atos de exploração econômica e violência ainda estão guardados na memória do povo amazônico (apud MAUÉS, 2009, p. 38).

Seus textos complexos e suas ricas alegorias é que os diferem dos Cordões de Pássaros, mas a principal distinção entre eles atualmente são quanto ao enredo dos personagens, mais especificamente o que

TUCUNDUBA 51


acontece com o pássaro no decorrer da história. Podemos dizer que nos pássaros juninos, tanto os cordões quanto os

O SURGIMENTO DO BAMBA DA CURUÇÁ

melodramas fantasias, o pássaro é morto, porém nas últimas décadas, a ave dos

Em 1927, é criado em Belém do Pará,

melodramas fantasia é apenas alvejada,

mais um grupo de uma das manifestações

devido à conscientização ambiental.

mais originais do povo paraense, o Pássaro

Outra observação é quanto ao foco dos

Tucano, fundado por um senhor chamado

enredos dos personagens. Além do tema

Cipriano. Em 1942, o Pássaro Tucano

central da ave, o melodrama agrega outros

consagrou-se campeão, entretanto, deixou

aspectos envolvendo os dramas e sofrimentos

de se apresentar no mesmo ano, devido à

de uma família de nobres e fazendeiros. Essa

morte do senhor Cipriano. O tucano voltou

trama envolve suicídio, morte, vingança,

aos “palcos” no ano de 1980, mediante os

traição, entre outras problemáticas.

esforços de Laércio Gomes e Guaracy de

O Cordão de Pássaro, cujo encontro

Oliveira (conhecido como Ara). Nos anos

maior está no interior do Pará, se apresenta

seguintes, os cuidados do pássaro foram

em espaços abertos em formatos de

passados à senhora Iracema Oliveira (irmã de

semicírculos, com a presença dos integrantes

Ara), que desde então é a Guardiã do Pássaro

em cena o tempo inteiro; já o Melodrama

Tucano.

Fantasia, é característico da capital e

Os ensaios ocorrem na casa da Guardiã,

também é chamado de Ópera Cabocla, pois,

localizada na Rua Curuçá, no bairro do

faz uso de palco, cortina, coxias e iluminação.

Telegrafo e, por esse motivo, o pássaro ficou

Segundo Maués (2010) “em Belém, os

conhecido como o “Bamba da Curuçá”. Os

pássaros juninos receberam a influência dos

brincantes ou atores advêm de profissões

grandes espetáculos — óperas, operetas,

bem variadas. Alguns são vizinhos e amigos

burletas e revistas — encenadas no Teatro

da dona Iracema, outros estudantes de teatro

da Paz, no período faustoso da borracha,

e dança.

a chamada Belle Époque, quando se deu a construção da grande casa de espetáculos” e assim, tentando fazer uma manifestação popular tão grandiosa e glamorosa quanto as

A INSERÇÃO DA DONA IRACEMA NO ÂMBITO DO PÁSSARO JUNINO

obras apresentadas no da Paz; equiparando a produção do povo com a produção da elite.

Em entrevista realizada com a Guardiã

Os grupos são batizados com nomes de

do Pássaro Tucano, em 7 de Junho de 2014,

aves: Tucano, Rouxinol, Tangará, Uirapuru, Beija-Flor, Tem-Tem. Cada Pássaro tem um Guardião, que é o coordenador dos espetáculos e o responsável pelo grupo.

52 TUCUNDUBA

ela expôs que: em 1900 e antigamente, como costumamos dizer, não tinha vocês [pesquisadores] para divulgar esse trabalho. Eu comecei com 7 anos de idade, com meu pai, que dirigiu vários grupos, escreveu várias peças. O


primeiro grupo que eu participei foi a cigarra pintada, onde eu era ‘porta-pássaro’, onde meu pai dirigia. O segundo foi o grupo Quati (...). O pássaro junino se vem ao fato de nós nos apresentarmos só no mês de junho, nós éramos preparados para a quadra junina, mas isso não quer dizer que não se possa apresentar fora de época, aí deixa-se de ser junino e fica só pássaro ou cordão.

o intermédio do matuto, responsável pela carga cômica para a encenação. De acordo com Maués (2010), o Pássaro Junino fala “sobre e para o homem comum” mediante “sua maneira de olhar e entender o mundo, às vezes contraditória, mas, talvez por isso mesmo, ricamente poética”. Outra

ENREDO JUNINOS

DOS

PÁSSAROS

observação

que

podemos

ressaltar é quanto ao clima da dramaturgia, que sempre deriva de momentos de muita tensão vivida pelos personagens da nobreza

Existem várias dramaturgias de pássaros

e que é amenizado pelo papel dos matutos,

e elas não costumam ser encenadas em anos

que com sua irreverencia descontraem o

consecutivos. Mesmo com a mudança anual

público e o conflito ocorrido no âmbito da

das histórias escritas por antigos autores (das

nobreza, porém, na maioria das vezes, além

quais muitos eram donos ou guardiões de

da quebra no clima do drama, a matutagem

pássaro), ainda são contratados dramaturgos

desenvolve

para fazer adaptações das peças trazendo-

contexto e sem fazer relação nenhuma com

as ao contexto atual (em termos de

a cena anterior e a seguinte. A descontração

problemáticas políticas, sociais, econômicas,

feita pelos matutos aborda temas, palavras

ambientais, entre outras) ou escrever novas

e ideias que fazem apologia à sexualidade,

histórias. Um exemplo disso é a Guardiã do

exemplo: macaxeira, cobra, barata, e outras.

pássaro Tucano, Iracema Oliveira; que altera

Portanto, sem essa quebra, a tensão seria

todos os anos parte de cenas, falas e a própria

praticamente insuportável.

cenas

totalmente

fora

de

história, mas sem perder o seu teor original. Uma das partes da dança é o balé, que foi inserido por pessoas que não queriam participar do conto com personagens que

O “ENCONTRO DE SABERES” E “A JUSTIÇA DAS SELVAS”

desenvolvessem diálogos, mas se tornou fixo e hoje em todos os pássaros existe a parte coreográfica do balé.

No projeto “Encontro de Saberes”, organizado e coordenado pelas Professoras

A narrativa do espetáculo gira em torno

Doutoras Sonia Chada e Liliam Barros Cohen,

da caçada, morte e ressurreição de um pássaro,

na Universidade Federal do Pará (UFPA), no

o personagem central. A esta estrutura base,

curso de Licenciatura em Música, por meio da

somam-se outros personagens, a exemplo

atividade curricular Sociologia da Música, na

de fazendeiros, matutos, feiticeira, fada,

turma de 2013, foram apresentados grupos da

soldado, índios e nobres. No caso do Pássaro

cultura popular paraense (Boi bumba Estrela

Fantasia, as histórias são melodramáticas e

Dalva, Pássaro Junino Tucano e o Carimbo do

traduzem a luta do bem contra o mal, com

grupo Sancari) e a cultura, história e rituais da

TUCUNDUBA 53


tribo indígena Tembé.

a presença dos matutos, que fazem parte do

No primeiro dia de encontro do segundo módulo, a turma de 2013 foi apresentada à

núcleo humorístico da peça, onde amenizam todo o drama.

dona Iracema, que explicou o que é o Pássaro

A história conta com os seguintes

Junino e o que é o Pássaro Tucano. Ela também

personagens: Marquês: Juarez Montovany,

apresentou as músicas do Tucano, falou um

Marquesa: Matilde Montovany, Princesa:

pouco a respeito do enredo e nomeou alguns

Míriam Montovany, Príncipe: Paulo de

músicos da sala, para tocarem no próximo

Lucena, Fidalgo: Vicente (caçador), Fada:

encontro.

Amazônia Lendária, Feiticeira: Meeram,

No

segundo

encontro,

a Guardiã

Matuta: Salviana, Matuto: Pulquério, Filho

escolheu alguns alunos para executarem o

do matuto: Jujuba, Matuto cearense, Matuto

papel de alguns personagens, foi estudada

paraense, Soldado, Índia favorita: Yanejacy,

uma cena e, depois dos discentes a terem

Guerreiro: Iaci, Tuxaua: Jacyra e Maloca:

assimilado, a cena foi executada juntamente

índios.

com os músicos escolhidos na aula anterior. O terceiro encontro se deu com o intuito de ensaiar o trecho da peça visto na aula

INCENTIVOS E SUBSÍDIOS

anterior, com o objetivo de apresentar o trecho, no hall do ateliê de artes da UFPA. No último dia, ocorreu a apresentação do que foi ensaiado nos encontros anteriores. Dona Iracema trouxe as vestes usadas nas apresentações do Tucano, trouxe sua neta para fazer o papel do pássaro, um violonista, instrumentos musicais e contou com os alunos da graduação para encenarem e tocarem a obra “A Justiça das Selvas”. A peça gira em torno da ira de Paulo (príncipe), que se dá por seu amor não correspondido por Miriam (Princesa), que por sua vez é completamente apaixonada por Vicente (caçador) e vivem um amor de

Em entrevista com a dona Iracema, foi perguntado se ela recebia algum tipo de ajuda dos órgãos governamentais. Ela respondeu: Em parte sim, porem acho que devemos ser olhados com mais carinho, mas não que eles não estejam presentes, por exemplo nós temos o IAP, que nos oferecem a oficina de bordados, que nos ajuda muito, agora a prefeitura nos dão apenas um cachê que são para a despesas, mas devia ter mais atenção sim, porque só tem aqui em Belém e temos que ser mais valorizados, e nos viramos para mantê-lo, mas o que precisamos mesmo é de divulgação, espaço físico, se resume mais a isso, a mídia tem que vir até nós. Isso é um espetáculo, mas sem essa divulgação, vamos levando.

infância, então, Paulo resolve matar Vicente, para ter a oportunidade de ter Miriam, e tem a ajuda de Meeram (feiticeira), que usa de suas magias para fazer a vontade de Paulo. Mas com a ajuda da Fada e com auxílio dos índios, o mal não consegue prevalecer e a falcatrua é toda descoberta. Também se tem

54 TUCUNDUBA

A EVOLUÇÃO DO PÁSSARO Em outro momento, Dona Iracema foi questionada quanto às alterações que o Pássaro sofreu no decorrer dos anos. Ela respondeu:


A mudança foi muito grande, mas não em referência ao trabalho dos pássaros, mas o que nos deixa mais saudade são os espaços físicos. Os espaços que nós tínhamos foram se fechando, Belém foi crescendo e hoje ficamos sem saber pra onde ir, mas agora temos a esperança da reabertura do Teatro São Cristóvão, que já foi muito importante pra nós, onde vai ser uma mão na roda, fica em frente ao Parque do Governador, e hoje é difícil saber onde os pássaros estão, pois não temos um lugar fixo, e nem todos os lugares não tem um espaço bom pra nós, mas pra ficar claro que os pássaros não estão morrendo, os pássaros estão aí, o único problema é esse mesmo. Na década de 80 nós éramos 6 melodramasfantasia, em 82 nos reunimos com o DETUR e trouxemos todos os pássaros do interior para a capital, porque tudo é Belém.

e enredos diferentes. O que se percebe é que se tem uma abertura maior tanto do público em geral, quanto do apoio do Estado a esta manifestação. Na visão dos autores deste artigo, existe sim apoio do Estado a esta manifestação popular,

que

abre

espaços

públicos

como teatros e instituições públicas de disseminação cultural. É certo e claro que ainda há muito a se fazer, tendo em vista que o Pássaro Junino é uma manifestação genuinamente paraense, diferente de outras, e poucas pessoas no Estado tem conhecimento deste. Então pensamos que através de políticas públicas

CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente, no Pará, existem diversos Pássaros em atividade, de nomes, abordagem

SAIBA MAIS AGÊNCIA Pará. Instituto de Artes do Pará abre quadra junina com a Revoada dos Pássaros. Agência Pará. 2014. Disponível em: <http://www. agenciapara.com.br/noticia.asp?id_ver=101959>. Acesso em: 23 jun. 2014. OLIVEIRA, Francisco. A justiça das selvas. Adaptação de Iracema Oliveira. Belém: IAP, 2001. PÁSSARO Tucano. O que é Pássaro Junino? Pássaro Tucano. 2010. Disponível em: <http:// passarotucano.wordpress.com/2010/05/16/oque-e-passaro-junino/>. Acesso em: 07 jun. 2014.

o Estado pode ajudar a disseminar essa manifestação tão bonita e rica para que todos tomem o conhecimento da existência e da relevância dos Pássaros Juninos.

MAUÉS, Marton. Pássaros juninos do Pará: a matutagem e suas relações com o cômico popular medieval e renascentista. Repertório: Teatro & Dança, Salvador, n. 14, 2010. Disponível em: <http://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ ri/2034/1/4662-11938-1-PB.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2014. MORIM, Júlia. Pássaros Juninos. Pesquisa Escolar Online. Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 2014. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov. br/pesquisaescolar/index.php?option=com_co ntent&view=article&id=1050%3Apassarosjuninos&catid=50%3Aletra-p&Itemid=1>. Acesso em: 23 jun. 2014.

TUCUNDUBA 55


56 TUCUNDUBA


O GRUPO SANCARI BAIRRO DA PEDREIRA

DO

Carimbó do Interior para a Capital do Pará Daniel Rodrigues Durão Gabriela Rodrigues de Souza Geraldo Sousa Ingred Janaise Faro Lopes Sara Bianca S. S. Cecim Sidney Pio Silva da Silva Tassiane Silva Gazé

INTRODUÇÃO

CONTEXTO HISTORICO CARIMBÓ NO PARÁ

DO

Este artigo tem como objetivo apresentar a história do grupo de Carimbó Sancari, como

O carimbó, tipo de música e dança

e quando foi criado e, como o grupo trabalha

popular da região norte do Brasil, tem sua

apresentando o Carimbó, além de demonstrar

origem em uma mescla de culturas: indígena,

a opinião do grupo sobre o ritmo paraense

africana e europeia, adquirida pela tribo

e apontar diferenças entre o Carimbó de

Tupinambá, que incorporou o ritmo de uma

raiz, estilizado e o Carimbó moderno. A

forma monótona, mais lenta, vindo a ser

metodologia empregada é embasada em

reformulada com a chegada dos portugueses,

pesquisas bibliográficas, entrevistas com o

pelos escravos africanos, colocando ritmos

grupo Sancari e observações dos módulos.

mais alegres e a sensualidade típica do seu povo. Em várias expressões do carimbó, do

TUCUNDUBA 57


instrumental e do bailado e canto, fica difícil

Lucindo Rebelo da Costa, o “Mestre

definir um contexto exato da sua formação

Lucindo”, foi um dos marcos na história do

étnica e cultural. Até os que assiduamente

Carimbó paraense, com suas composições

frequentam as rodas e são amantes do

que valorizavam a natureza e o romantismo.

gênero, não sabem definir exatamente sua

Encanta até hoje os seguidores do gênero.

origem com total clareza.

Mestre Verequete e Cupijó completam o ciclo

Existem poucos registros sobre a formação do carimbó, seu histórico é muito

dos Mestres do carimbó denominado “pau e corda”, que segue as raízes do movimento.

rico, mas nem tudo pôde ser documentado.

Aurino Quirino Gonçalves, o Pinduca,

Salles e Salles (1969, p. 260-276) colecionaram

é uma das figuras mais famosa do gênero,

as poucas referências bibliográficas sobre o

desde os anos 60, quando começaram a

carimbó. Definem o gênero como: “samba

serem introduzidos novos instrumentos

de roda do Marajó”, “baião típico de Marajó”,

na execução do carimbó como, guitarra,

ou “dança popular muito divulgada na ilha de

contrabaixo,

Marajó”. Sabe-se que a música e a dança de

instrumentos já existentes. Pinduca, então,

carimbó representavam um contexto social

passou a ser denominado como o “Rei do

de desigualdade; o nome tem origem do

Carimbó”, sendo hoje, um dos maiores

instrumento de percussão indígena, chamado

divulgadores do gênero.

juntamente

com

os

curimbó, instrumento indispensável para a realização dos encontros em terreiros. O tambor, feito de tronco de madeira e pele de animal, é um marco simbólico do carimbó,

CARIMBÓ, PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO

gênero capaz de unir culturas através de uma mesma linguagem.

A Campanha “Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro” é uma iniciativa que busca envolver e mobilizar a sociedade em torno da

ORIGEM NO PARÁ

valorização e do reconhecimento do Carimbó como expressão importante da cultura

É uma dança típica de Belém e em

brasileira. Organizada por grupos de carimbó

alguns municípios como Salinas, Bragança,

e entidades culturais de vários municípios,

e em vários municípios localizados na Ilha do

a campanha faz parte do processo iniciado

Marajó. Em Soure é conhecido como Carimbó

pela Irmandade de Carimbó de São Benedito,

pastoril, já em Santarém, é conhecido como

junto ao Instituto do Patrimônio Histórico

Carimbó rural.

e Artístico Nacional – IPHAN, em 2008,

No município de Marapanim, arredores de Belém, estão alguns dos mais reconhecidos

para registrar o Carimbó Paraense como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.

grupos de carimbó da região, que guardam a

Entre tantas manifestações integrantes

fama de serem os maiores difusores do ritmo

que fazem parte da cultura brasileira,

e da dança no Estado do Pará.

o Carimbó tem se destacado por sua

58 TUCUNDUBA


importância histórica, artística, cultural, ambiental, histórica e social. Desde os primórdios da cultura popular na Amazônia, são inúmeras as obras de Carimbó que não possuem registro, são inúmeros os casos de produções musicais, saberes e trajetórias de vida de relevância para a história da cultura nacional que sobrevive somente na memória coletiva desses mestres e seus descendentes. O registro do Carimbó como bem cultural de natureza imaterial significa um importante passo para garantir sua preservação e seu reconhecimento. O registro se faz necessário diante do acelerado processo de desagregação social e homogeneização cultural que atinge a região amazônica, aonde as culturas nativas e tradicionais vem sendo velozmente atropeladas pelos produtos culturais da modernidade capitalista, o que ameaça a diversidade e as identidades próprias dos povos desta região.

O GRUPO SANCARI Samcari Boi foi o primeiro nome que o grupo adotou, há 17 anos. Quando questionado sobre o significado do nome do grupo, Lucas Pacheco Bragança, mestre e um dos fundadores do grupo, respondeu que o nome se devia aos gêneros tocados no grupo, segundo o mestre: O nome era porque nós tocávamos samba, carimbo e boi, só que a gente nunca tocava boi, ai a gente pensou, e tirou o boi. Continuou só “Samcari” porque a gente só tocava samba e carimbó. Depois de um tempo a gente não tocou mais samba e ai a gente pensou no que fazer pra mudar o nome, foi ai que só mudou uma letra, trocou o M pelo N ficando “Sancari” de “Santo Carimbó”, San de Santo e Cari de Carimbó.

O grupo teve início na Rua Álvaro Adolfo, com os fundadores: Flávio Monteiro, Américo, Lucas Bragança, Sergio Seabra (Jacaré), Jason Leandro e Alberto, um grupo de amigos que se reunia para tocar samba, carimbo e boi. Tudo começou com uma brincadeira, onde os mesmos saiam para tocar uns nas casas dos outros. Como o grupo viu que nada iria para frente, “O carimbó era proibido não sei por quê. Desde então procuramos divulgar o carimbó e tentar mudar essa realidade que é a do preconceito” (Mestre Lucas em 05/05/2014.). O Sizico decidiu então vender os curimbós que o grupo tinha que eram dois, para o Jason (vocalista), foi então que Jason levou a idéia adiante: “Ai começamos a vir pra uns bares daqui da Pedreira, tocava, no primeiro momento o cara dava cinco cervejas, depois aumentou pra dez cervejas, uma grade, e assim a gente ia, quer dizer, o Sancari foi o primeiro grupo de carimbó que teve aqui na Rua Álvaro Adolfo” (Jason Leandro, entrevista cedida ao Pau & Corda Histórias de Carimbó. Documentário da TV Cultura (4’10). Depois que o grupo se firmou o carimbó ficou conhecido na comunidade, “os restantes dos grupos, pode até dizer que é filho do Sancari” (idem, 4’’23). Atualmente o grupo utiliza em suas apresentações dois curimbós deitados, dois pares de maracas, dois milheiros, um banjo e um instrumento de sopro (na maioria das vezes um clarinetista contratado). A instrumentação está relacionada à opção do grupo de tocar o “carimbo de raiz”. O carimbo de raiz tem como tema a natureza, a praia, o mar, a sereia e o boi, “as músicas autorais eram compostas pelo pai do Jr.” (Neire, produtora e esposa de Lucas em 05/05/2014). A maioria das composições do grupo Sancari foi feita pelo pai de Lucas Pacheco, que era o antigo milheiro do grupo. Dona Onete (amiga dos componentes do grupo), também cedeu algumas de suas composições para o grupo, outras foram compostas pelo grupo e outras, ganhas em competições. Existe uma variação na forma como o carimbó é tocado. Por isso existem outros

TUCUNDUBA 59


carimbós, o estilizado, por exemplo, que usa instrumentos eletrônicos, ou o carimbó moderno, como o carimbó composto pelo Pinduca. “Eu procuro sempre fazer o modelo rústico, mais o rústico do que o moderno” (Mestre Lucas em 05/05/2014.). Quase todos os instrumentos que são utilizados nas apresentações do Sancari foram fabricados pelo grupo, com exceção do banjo, fabricado sob encomenda e supervisão dos membros pelo Lutie Luiz Sampaio, em Cachoeira do Arari, pois o grupo queria algo “barulhento”. Depois de formado e com apresentações marcadas o grupo sentiu falta de dançarinos, e optou por contratar dançarinos de outros grupos. Posteriormente, Luciete tornouse dançarina e professora atual do Grupo Sancari, e ensina as crianças da comunidade que fazem parte de um mini projeto onde aprendem desde cedo a dançarem carimbo de raiz, dentro de rodas de carimbó. O grupo não costuma ter ensaio para as apresentações em virtude de que todos os integrantes trabalham em outras áreas, o que dificulta a conciliação do horário. Segundo o Mestre Lucas “o ensaio já é a apresentação, valendo”. O grupo só marca ensaios em casos extremos como quando eles participam de competições. O Sancari mantém o projeto Pau & Corda do Carimbó há seis anos, com a finalidade de conquistar mais pessoas para o grupo. O projeto é anual e comemora a Semana do Folclore e do Carimbo, com diversas atividades culturais e oficinas. O projeto funciona com a ajuda da comunidade e de doações, acontece no mês de agosto, com duas semanas de duração. Todos os integrantes do Sancari tocam mais de um instrumento, isso é um costume do grupo, pois as apresentações duram em torno de uma hora e meia a duas horas e, devido ao longo tempo, eles revezam os instrumentos. Outro costume, adquirido com o tempo, foi o de todos os membros cantarem, pois no carimbó, assim como em outros ritmos, acontece a “pergunta e resposta”, e assim todos participam do canto. O Sancari atualmente é composto por doze músicos e quatro dançarinos. Costumam tocar no Mormaço, Coisas de Negro, Casa de

60 TUCUNDUBA

Show, aniversários em que são contratados, em rodas de carimbó e na sede do Arraial do Pavulagem. O grupo já lançou dois CDs, cada um com doze músicas. Apesar da falta de investimento e das dificuldades, o grupo está em fase para lançar o terceiro CD. No dia seis de dezembro de 2014, o grupo completou dezessete anos de existência.

RELATOS DO MODULO 3 SABERES E FAZERES MUSICAIS No dia 05 de maio de 2014, o mestre Lucas e seus auxiliares Neire e Junior deram um panorama geral sobre como o grupo Sancari vê o carimbó em Belém do Pará, e como faz carimbó. Na ocasião o mestre respondeu a perguntas dos acadêmicos e expôs como o grupo trabalha. Entre as perguntas feitas pelos discentes surgiram: Quando foi fundado o grupo Sancari? Quem são os fundadores? Com quais instrumentos se toca o carimbó? Como são feitos os instrumentos musicais? Onde conseguem os materiais para fabricação dos instrumentos? Como se organizam para ensaiar? Existe alguma ajuda governamental para o grupo? Quantas músicas o grupo tem? Quantos CDs gravaram? No grupo há crianças? Quantos componentes têm no grupo? O que é o projeto Pau e Corda? Qual a temática das musicas? Entre outras. Após as

a

exposição

perguntas

feitas

do

mestre,

e

pelos

alunos,

o

responsável pelo Sancari respondeu a todos

os

questionamentos

levantados

pelos acadêmicos. Disse que ele é um dos fundadores do grupo; salientou que por não terem tempo para ensaiar, por motivo de trabalho, o grupo faz suas apresentações


sem ensaio; que os dançarinos pelo mesmo

preferido o clarinete para acompanhar suas

motivo não ensaiam; mencionou que gosta

músicas; falou que tinha dois adolescentes

do som dos seus instrumentos rústicos e

que são tocadores oficiais de curimbó no

não dos modernos; explicou que existem por

grupo, um de 12 e o outro de 14 anos de

volta de 148 ritmos no Pará, mas no carimbó

idade; segundo o mestre algumas coisa que

do grupo Sancari ele não faz questão de

conseguem é na amizade, citou o exemplo do

instrumentos eletrônicos; que no inicio ele

couro de búfalo para fazer o curimbó.

não tocava carimbó, era pagodeiro e tocador

Neste mesmo dia Neire, esposa do

de pandeiro; que se mudou para o bairro da

mestre, também falou sobre a fundação

Pedreira e lá organizou um grupo de carimbó,

do grupo e que dia 06 de Dezembro fará 17

por causa da cultura do bairro; disse que

anos; explicou que os temas de sua música

Santarém Novo, Vigia e no Marajó fazem

falam sobre sereia e boi, e em outros grupos

carimbó e a quantidade de instrumentos varia

as lendas amazônicas são mais exploradas;

de grupo para grupo, e alguns instrumentos

mencionou que para eles, no Pará, os grupos

são até exóticos; disse que os instrumentos

de carimbó são chamados de parafolclóricos,

do seu grupo são 2 Curimbós, Maracas,

todavia o grupo Sancari é Carimbó de Raiz;

Banjo, Milheiro, e os instrumentos de sopro,

que o grupo tem um projeto chamado Pau e

Flauta transversal, Sax ou Clarinete, sendo o

corda há 6 anos.

TUCUNDUBA 61


Júnior mencionou que as músicas

colocar tudo, e pelo furo de cima da cuia

autorais eram compostas pelo seu pai; que

colocar as esferas. Empurrar o cabo até

todos tocam e cantam juntos é o que chamam

o furo superior, passar durepox nos dois

de pergunta e resposta musical; que fazem

furos e esperar secar. Por fim foi cortado

show no Mormaço, Coisas de negro, casas de

o que ficou do cabo de vassoura na parte

show diversas, aniversários e onde chamarem;

de cima e preenchido com durepox. Para o

que no carimbó que fazem procuram não

milheiro foi preciso um tubo de PVC de 45

envolver a religião; falaram que tem mais de

cm e duas dobradiças de cano. A confecção

100 música próprias; no grupo as pessoas vão

do instrumento foi colar de um lado o cano

mudando de instrumento, cita que o Junior

com a dobradiça. Na outra dobradiça foram

antes tocava curimbó e agora está no banjo;

colocadas 500 a 750 esferas para despejar

para eles o carimbó era proibido no passado

no outro lado do cano. Feito isso foi colado

e não sabiam porquê, agora o problema é a

o lado do cano que estava aberto com cola

má aceitação dos paraenses, embora seja

de PVC. Ao fim, foi explicado como se toca a

reconhecido no Sul e Sudeste do Brasil.

maraca e o milheiro.

No segundo dia de aula o mestre propôs

No último dia foi feita uma roda de

a construção de dois curimbós. Trouxe

carimbó à beira do rio do Guamá, dentro na

algumas partes pré-prontas como os troncos

UFPA. Tocamos juntos acadêmicos de música

de arvore já estavam contados no formato

e músicos do Sancari, com o conhecimento

que precisava e os couros já vieram do

tradicional do carimbó. Esta foi uma

tamanho certo só para furar. Trouxe, também,

experiência incrível para ambas as partes.

cordas com ganchos para esticar o couro e ferramentas para furar o couro e o pau oco. Assim, com esse material, começou a fabricar

CONSIDERAÇÕES FINAIS

o instrumento. Os alunos observavam e faziam perguntas. A aula terminou com

O Mestre Lucas Bragança informou

uma roda de carimbó no corredor do prédio,

sobre as diversas culturas que contribuíram

com os alunos tocando carimbó junto com o

para o surgimento do Carimbó. Ritmo

Sancari.

que

representa

um

papel

importante

No terceiro dia a proposta foi conhecer

no processo de formação da identidade

o processo de criação dos instrumentos

cultural brasileira com as particularidades da

Maraca e Milheiro. Começou pela maraca,

Amazônia. Embora, a sua forma de dançar, os

mostrando que os mesmos precisavam ter

instrumentos que acompanham os curimbós

duas cuias furadas em cima e em baixo, um

e a vestimenta dos grupos e dos que dançam

cabo de vassoura cortado na medida certa

carimbó possam variar de acordo com a

(20 a 25 cm) para que servisse como cabo

região do Pará em que o ritmo está presente.

do instrumento, 500 esferas pequenas e 10

O artigo teve como objetivo contar a

médias. A construção foi colocar o cabo de

história do Grupo Sancari e comentar como

vassoura na cuia pelo furo de baixo, sem

este grupo faz o carimbó em Belém.

62 TUCUNDUBA


SAIBA MAIS

SALLES, Vicente. A música e o tempo no GrãoPará. Belém: CEC, 1980.

CONJUNTO DE CARIMBÓ MODELO. Mestre Lucindo recebe homenagens. Disponível em: < http://conjuntodecarimbomodelo.blogspot.com. br/p/mestre-lucindo recebe-homenagens.html>. Acessado em: 20 de junho de 2014. CARIMBÓ PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO. Disponível em: <http:// campanhacarimbo.blogspot.com.br/>. Acessado em: 20 de junho de 2014.

SALLES, Vicente e SALLES, Marena Isdebski. Carimbó: trabalho e lazer do caboclo. Revista Brasileira de Folclore, n. 9. Rio de Janeiro, set./ dez. 1969. SANCARI. Documentário da TV Cultura. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=yNSHKqbgW84>. Acessado em: 05 de maio de 2014.

Representação do Instrumento Musical Curimbó - Grupo Sancari

TUCUNDUBA 63


ENCONTRO DE SABERES: Diversidade e Diferença A Música da Etnia Tembé Hamilton Rocha Elionay Luz Ricardo Vidal Marcos Roberto Sara de Lima Ferreira Samara Helen Sílvio Barbosa

Telhado do POEMA e Instrumento da Graduação em Música/ UFPA

64 TUCUNDUBA


ENCONTRO DE SABERES

pareciam totalmente desamparados. Teria acontecido um movimento de valorização

Nos últimos anos temos testemunhado os mais diversos movimentos sociais no Brasil,

cultural dos costumes e saberes tradicionais e históricos de nossa nação?

em suas lutas por igualdade e conquistas.

Seguindo na vanguarda das inovações

Têm sido comuns as ondas de protesto em

dos direitos sociais, a UNB em parceria

todo o território nacional. Sem duvidas, a

com o Instituto Nacional de Ciência e

extensão da nossa terra só se compara as suas

Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior

disparidades, o que estimula a insatisfação

e na Pesquisa (INCTI), Conselho Nacional de

e a sede por mudanças, explodindo em

Desenvolvimento Científico e Tecnológico

focos de manifestações. Diante das diversas

(CNPq) e com a realização do Ministério

demandas, a das minorias dos grupos raciais

da Educação, em 2010, dá inicio ao projeto

e étnicos, tanto os representantes indígenas e

Encontro de Saberes. Esta medida pública

quilombolas quanto os das cidades, o governo

vem como um misto de revalorização dos

tem se mantido quase que completamente

saberes de origem oral e renovação dos

inerte.

país

paradigmas epistemológicos que foram

presenciamos as conquistas tão controversas

herdados do modelo europeu da cultura do

para o auxilio do ingresso das minorias nas

saber exclusivamente escrito e acadêmico.

Recentemente

em

nosso

faculdades, as “Cotas Raciais”. Uma tentativa

As primeiras faculdades no Brasil

de permitir o acesso de afrodescendentes,

buscaram padrões, métodos e exemplos

indígenas e quilombolas que até hoje são

naquelas que já existiam e possuíam

minoria absoluta nos cursos superiores.

renome, em geral estabelecimentos como um

a Faculdade de Coimbra que é até hoje o

exemplo da segregação social, como diz

alvo de escolha dos estudantes do ensino

Carvalho (2010, p. 11): “A porcentagem de

superior. Com isso herdou os lemas,

professores brancos em nossas universidades

paradigmas, métodos etc., do pensamento

chega a 99%. Nas seis universidades mais

cientifico europeu. Existia e existe, porém, o

importantes do País, onde já existem cotas,

erro do pensamento etnocêntrico, darwinista

o número de professores afrodescendentes é

social, que almeja o destaque de certa etnia

de apenas 0,6% do total. ”

ou raça, que é “considerada” superior a todas

As

nossas

universidades

são

As Instituições de Ensino Superior tem

as outras, portanto a esta se deve todas as

desde seu início e origem um pensamento

oportunidades da vida, ou seja, a detenção

etnocêntrico e elitista. A Universidade de

do saber, das riquezas e do poder.

Brasília foi pioneira apresentando em 1999, a

Ainda havia e há a manutenção do

primeira versão da proposta para as cotas. A

pensamento, da experimentação e da

partir de então a administração federal tem se

criação através da razão (grega) e da escrita

mostrado um pouco mais preocupada com a

(monacal europeia) que desvirtua todo o

integração dos extratos sociais que até então

processo de aprendizagem oral, tornando

TUCUNDUBA 65


renegado todo conhecimento adquirido

de uma comunidade quilombola em Goiás,

por vias orais. O projeto vem retomar os

Lucely Pio, foi a terceira mestra convidada.

últimos séculos perdidos da tradição, cultura

O quarto mestre convidado foi Maniwa

e conhecimento oral indígenas, tradicionais

Kamayurá, do Parque Nacional Xingu,

e afrodescendentes no país, como mais um

no Estado do Mato Grosso, que é xamã,

passo a galgar nessa jornada pela isonomia

músico e arquiteto indígena conhecedor

social e cientifica do saber. A UNB e parceiros

de toda arquitetura tradicional Xingu. O

vem mantendo desde 2010 a iniciativa de

projeto conta com o auxilio de professores

reconhecimento dos mestres e ensinos

colaboradores especialistas nas áreas dos

tradicionais em equiparação aos docentes e

mestres convidados para o auxilio nas aulas.

saberes das universidades.

A Universidade Federal do Pará, em

O projeto Encontro de Saberes em sua

parceria com a Universidade de Brasília,

primeira edição procurou trazer cinco mestres

desenvolveu o Projeto Encontro de Saberes,

- da cultura e conhecimento tradicional, de

coordenado pelo professor doutor José Jorge

quatro regiões distintas do território nacional.

de Carvalho (UnB), do Instituto de Ciência e

Da região nordeste o mestre Biu Alexandre,

Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e

do Estado de Pernambuco, criador do

na Pesquisa (INCTI) e pelas professoras Líliam

grupo “Cavalo Marinho”, que é um grupo de

Barros e Sonia Chada (UFPA). O projeto

teatro com performances em teatro, dança,

aconteceu em 2014, nos meses de março

canto, musica e poesia, e que constrói até 71

a junho, em um formato novo no curso de

personagens diferentes em seu espetáculo.

Licenciatura em Música, com a participação

Benki Ashaninka, do Estado do Acre, fronteira com o Peru, foi o segundo mestre

de quatro mestres de música popular e tradicional feita no Pará.

participante. Ele é um especialista em manejo

Nesta versão participaram mestres

florestal e reflorestamento. Sua comunidade

de Boi-Bumbá, Pássaros Juninos, Carimbó

é responsável por mais de 200 mil sementes

e um Mestre Indígena. Com exceção do

plantadas ao longo da última década.

mestre indígena, os mestres convidados são

Do Estado de São Paulo o mestre

moradores da cidade de Belém do Pará, cuja

José Jerome, que é líder de um grupo de

diversidade de práticas musicais é enorme.

“Congado” e “Folia de Reis” do vale da

Participaram das disciplinas os mestres

Paraíba. O Congado é uma manifestação

Lucas Bragança, do grupo de carimbó

cultural e religiosa de influência africana

Sancari; (professor assistente: Paulo Murilo

celebrada em algumas regiões do Brasil. Trata

Amaral), o mestre Alberto Costa Melo, amo

basicamente de três temas em seu enredo: a

do Boi-Bumbá “Estrela D’Alva”; (Professora

vida de São Benedito, o encontro de Nossa

assistente:

Senhora do Rosário submergida nas águas

Iracema, Guardiã do Pássaro Junino Tucano

e a representação da luta de Carlos Magno

(Professora assistente Rosa Silva) e o mestre

contra as invasões mouras.

indígena Tixnair Tembé, da Aldeia Tekohaw

A especialista em ervas medicinais e líder

66 TUCUNDUBA

(Gurupi),

Jorgete

(professora

Lago),

a

assistente

Mestra

Liliam


Barros). Mantendo a ideia principal da matriz

e cerimônias religiosas e de envolvimento

do projeto, na UNB, a coordenação procurou

social. Foi uma experiência completamente

alcançar os objetivos já firmados, como elevar

singular para nós e todos os participantes do

o conhecimento oral e tradicional destes

projeto.

mestres da cultura popular paraense ao nível

Como alunos de música estamos

das outras disciplinas musicais do curso, além

acostumados

a

estudar

matérias

de reconhecer o valor diante dos gêneros de

essencialmente técnicas e teóricas, todas

estudo mais comuns nas universidades como

voltadas para a música clássica ocidental.

a música clássica ocidental.

Em nenhum momento da formação musical

Nas aulas tivemos a oportunidade

tanto na universidade quanto nas escolas

de conhecer as músicas, personagens,

especializadas em música há o cuidado

poesias, figurinos e apresentações de cada

de estudar os gêneros, ensinos, cultura e

mestre e seus grupos. Também tivemos a

saberes populares do nosso Estado. Tivemos

oportunidade de aprender a confeccionar

a oportunidade de entrar em contato direto

alguns instrumentos regionais.

com as mentes conservadoras e criadoras

O encontro de saberes realizado na UFPA foi dividido em módulos e cada módulo

de mundos totalmente diferentes de nosso contexto acadêmico.

teve um tema com seus respectivos mestres

O Encontro de Saberes na UFPA

representantes para desenvolver o trabalho e

conseguiu com total êxito seus objetivos de

foram formadas equipes de alunos sendo que

inclusão e valorização dos conhecimentos dos

cada uma ficou responsável por um módulo.

mestres e nos fez refletir sobre o nosso tema,

Módulo 1: Música cultura e sociedade; Módulo

Diversidade e diferença. Nos fez perceber

2: Música cultura e experiência; Módulo

que dentro de uma cultura tão diversa como

3; Saberes e fazeres musicais; Módulo 4:

a nossa existe um povo, que mesmo tendo

Diversidade e diferença.

passado pelo processo de colonização, ainda

Todos os módulos foram filmados e no final de cada um deles foi feito uma

procura manter suas tradições culturais e musicais baseada nos ritos e mitos.

avaliação participativa dos alunos através

Nos fez refletir também a respeito do

de mesa redonda, bate-papo, conferências e

que significa ser diferente dentro de uma

homenagens aos mestres.

sociedade, como devemos nos comportar

Este artigo foi feito com base em

diante

dela,

que

importância

tem

o

pesquisas e entrevistas com o mestre

esclarecimento dessas diferenças, como elas

indígena Tixnair Tembé, da Aldeia Tekohal,

vão interferir no nosso comportamento e no

que fica no Gurupi próximo a Paragominas. O

nosso pensamento e nas nossas atitudes.

mestre é um representante da Aldeia Tembé.

Esperamos que o projeto possa ser

Entramos em contato com a cultura, tradições

uma iniciativa fixa dentro do nosso curso de

e crenças dos Tembé, e nos propomos a

música e também se expanda para as demais

falar do envolvimento da música tanto no

áreas do conhecimento.

xamanismo quanto nas suas diversas festas

TUCUNDUBA 67


POVO TEMBÉ

mais velhos aos mais novos, esta atividade também interfere no cotidiano das escolas,

Falantes da língua Tenetehara, hoje

pois as crianças normalmente pedem para

vivem na região do alto rio Guamá, localizado

acompanhar os pais nesta caçada e, a “escola

nos limites dos Estados nortistas, Pará e

fica vazia. ”.

Maranhão. Por volta do século XIX parte dos

O açaí e a bacaba são complemento

Teneteharas saiu do Maranhão em direção ao

nas refeições dos Tembé. Nas proximidades

Pará, para os rios, Gurupi, Guamá e Capim.

das residências podemos encontrar algumas

Sua economia baseia-se na agricultura,

plantas que também podem ser consumidas:

onde são cultivados mandioca, banana,

urucum, limoeiro, etc. Há também o jenipapo

arroz, milho e malva, entre outras coisas.

de onde retiram a tinta para a pintura

No mês de maio a novembro são feitas as

corporal. O hábito da pintura corporal

queimadas, coivaras e limpezas nas áreas

durante algum tempo ficou esquecido, mas

destinadas a plantação, e nos meses de

nos últimos cinco anos a prática vem sendo

novembro a fevereiro é feito o plantio e as

retomada inclusive com a ajuda da escola.

capinas, fazendo parte da economia desse

É importante destacar que as atividades

povo a caça e a pesca para consumo diário

feitas por cada um dos gêneros se completam,

e festividades como é o caso da Festa da

garantindo a qualidade de vida de toda a

Menina Moça, onde o alimento consumido

comunidade Tembé. Juntos, toda a aldeia é

por essas meninas tem um papel de grande

responsável pela produção de redes, bancos,

importância

casas, canoas, ferramentas utilizadas no

na

formação

das

futuras

dia-a-dia, como vasos de cerâmica, cestos,

mulheres que serão. É bastante comum entre os povos

flechas, arcos etc.

indígenas, uma divisão das tarefas entre

Os Tembés se organizam em famílias.

homens e mulheres. Para os Tembé esta

Liderados pelo Pajé que é a figura de

divisão

alguns

extrema importância dentro da comunidade.

aspectos, onde as mulheres são as principais

Detentor de muitos conhecimentos e da

responsáveis pelo cuidado dos filhos, na

história do povo, ele é o mais experiente e

preparação do alimento, ficando sobre os

o responsável por passar adiante a cultura,

homens a obrigação das atividades de caça

história e tradições do seu povo. O pajé

(catitu, cutia, paca, anta, tatu, gauriba, jacu,

também possui a função de curandeiro

mutum, queixada e o jabuti.), pesca, retirada

dentro da tribo, pois conhece diversos rituais

do mel, roça e liderança.

e detém também o poder de cura com ervas

também

acontece

em

A maior cultura é a da mandioca,

e plantas. É o conhecedor dos meios para

que segundo eles tem quatorze tipos

entrar em contato com os espíritos e deuses

diferentes. É da mandioca que preparam a

protetores da tribo. Os Tembé acreditam que

farinha, ingrediente que não pode faltar na

o pajé possui o “poder” de entrar em contato

alimentação deles. O trato da mandioca é

direto com os espíritos dos animais, Curupira,

uma atividade que envolve toda a família, dos

Mapinguari, Mãe d’água, Yara.

68 TUCUNDUBA


Alguns costumes do cristianismo foram

entre a cultura dos índios e dos não índios.

incorporados pelo povo Tembé, devido a

Com escolas em suas aldeias aprendem

intervenção da igreja católica nos costumes

sua cultura também de forma pedagógica,

indígenas, como o batismo. Ainda assim o

assim como são ensinados a língua dos não-

cristianismo não é sua religião principal. Os

índios, o português, aprendendo, também,

Tembé tem por Maíra sua principal divindade.

matemática,

música,

informática,

etc.

Através da oralidade o povo Tembé

Assim também acontece na saúde da tribo.

passa de geração em geração sua história,

Com postos de saúde os índios garantem

de como se deu a sua origem. No livro de

suas consultas com os médicos, vacinações,

Munduruku

encontrar

consultas com oftalmologista, sem desprezar

narrativas que contam histórias do povo

suas tradições no uso de plantas e ervas na

Tembé, tendo como personagem principal a

cura de doenças.

(1964)

podemos

figura de Maíra, o mais poderoso pajé dessa cultura.

O primeiro contato dos Tembé com os não índios se deu por volta de 1615, quando

Suas festividades mantêm a cultura

os franceses foram expulsos do Maranhão. Os

viva, atravessando gerações, como: A festa

jesuítas chegam com o intuito de catequizar.

da Menina Moça que é o momento que marca

Nos anos seguintes, o trabalho na extração

a passagem da infância para a adolescência,

de copaíba marca um momento de perda

comemorado com o canto das mulheres e a

populacional para o grupo, acometidos de

batida dos maracás, danças e caças, acontece

varíola, coqueluche e sarampo. A extração de

no mesmo período da festa do milho.

copaíba fazia com que os índios tivessem que

A educação Tembé é dada através dos

se deslocar constantemente com suas famílias

ensinamentos e observação, os pequenos

e ainda eram explorados pelos regatões

índios conhecidos em algumas tribos como

(comerciantes de óleo que utilizavam de suas

curumins, aprendem de forma prática

embarcações para negociar) tornando assim

observando os adultos. A educação desse

uma problemática para os índios.

povo é vinculada à realidade da vida na aldeia. Aos poucos essa educação vem se tornando bilíngue,

multicultural

e

diferenciada.

Contudo, os Tembé mantêm a preocupação

A FESTA DA MENINA MOÇA (WIRA’U HAW)

com sua cultura cultivando suas tradições dentro da tribo. Mesmo tendo as escolas que

Tixnair (2014) explica que, essa festa

ensinam a língua dos não índios, as crianças

é feita a partir da primeira menstruação da

são estimuladas a falar a língua nativa, o

menina, é uma passagem da menina para

Tenetehara.

ser mulher. Esta festa é dividida em: Festa do

As

migrações

ocorridas

findaram

Mingau e Festa do Moqueado.

por fixar os Tembés nos territórios onde

A menina é recolhida para um lugar

atualmente habitam. Hoje os Tembé de

chamado “tocaia”, uma espécie de maloca.

certa forma vivem em dois mundos distintos

Só a mãe e a avó podem ter contato com

TUCUNDUBA 69


ela e fica em dieta comendo peixe, caça, não

se dá na primeira menstruação. A mãe é

pode pegar sol, nem sair desacompanhada. A

avisada pela própria filha, que logo é proibida

menina toma banho do sumo de jenipapo e

de comer qualquer coisa e sair sozinha. Este

após uma semana ela sai do confinamento e

momento é cercado de vários tabus, acredita-

aí é realizada a Festa do Mingau. O mingau é

se que a moça está vulnerável a todo tipo

feito de raízes. Essa festa tem a duração de

de perigo, porquanto requer uma atenção

um dia e uma noite, ocasião na qual a menina

especial.

é pintada com as cores da anta novinha.

Elas, neste período, não podem tomar

Depois dessa festa se espera alguns dias para

banho de rio, visto que os espíritos da água

a Festa do Moqueado que é um ritual que dura

podem fecundá-las ou lhe trazer doenças.

seis dias, e acontece entre os meses de junho

Narra-se que houve meninas que estavam

e julho. Nessa festa também podem ser feito

esperando há um ano pela festa, pois sua

casamentos, inclusive o da própria moça se já

menstruação chegou antes das demais e

tiver um pretendente. Também os meninos

esta espera varia de menina para menina.

celebram a passagem deles de meninos

Dias antes da festa, cada menina que no

a homens pela mudança de voz, mas não

ritual participa, oferece uma festa chamada

tem as mesmas obrigações que as meninas.

de mingau da moça, a cerimônia começa às

A música se constitui em musica do dia e

19h e termina ao raiar do sol. Dona Verônica

musica da noite. Os instrumentos usados são

que era a coordenadora da festa, era quem

os maracas que são tocados somente pelos

mantinha a tradição e o conhecimento de

homens. As mulheres e também os homens

como preparar os remédios para as meninas,

cantam os cânticos. O moqueado é dado a

que evitam as cólicas, a infertilidade, doenças

todos na festa, a letra da musica se refere aos

e para dar sorte. Dona verônica faleceu em

pássaros da região e está dividido em duas

2012, conforme relatos de Tixnair. Todas só

partes o canto da noite e o canto do dia.

podem passar para a Festa da Moça se passar

Héber Negrão (2008) explica que, na

nesta etapa. A distribuição do mingau é feita

aldeia Tekohaw a festa da moça como é

através de muita cantoria e o mingau de

chamada não tem uma data especifica.

mandioca é servido pelas moças. O mingau

A realização desta festa tem uma ligação

é preparado somente pelas moças que irão

com um rito de passagem pelas meninas

participar da festa.

e meninos da aldeia com a chegada da

As meninas passam por uma dieta

puberdade. As meninas com o primeiro ciclo

alimentar como peixes e caça, com exceção

menstrual e os meninos com a mudança de

de pássaros que não estão incluídos nesta

voz, a faixa etária é entre onze a quinze anos.

dieta. Só é quebrado esse regime no ultimo

Esta festa é feita principalmente para

dia da festa. No entanto são percebidas

as meninas, a participação delas é feita

transformações neste ritual, segundo Galvão

de proibições e preparações. Os meninos

e Wagley, antropólogos que estiveram com

participam também do ritual, mas não são

os Tenetehara, no período de 1941- 1943:

submetidos às mesmas preparações. O rito

70 TUCUNDUBA


Antigamente, tanto rapazes como meninas submetiam-se a um período de isolamento que antecedia os ritos de puberdade. Durante esse período não podem comer carne, somente milho, mandioca, farinha e mingaus. Uma vez ou outra, pequenos peixes considerados inofensivos lhes são servidos. A água que bebem deve ser ligeiramente aquecida (1961, p.88).

a fumaça até ficarem possuídos totalmente. O pajé atravessa entre eles cantando canções próprias, que diferem das que estavam cantando. No ultimo dia da festa é realizada uma refeição coletiva com o moqueado feito pelas mulheres, da caça trazida pelos homens e todos pegam o pedaço que lhe cabe. O ritual acontece dentro da Festa da Menina

A FESTA DO MOQUEADO

Moça, que dura cerca de sete dias. Durante a festa a comunidade Tembé resgata a sua cultura, nos ritos da dança e da música.

Galvão e Wagley (1961) explicam que

Os Tembés fazem suas ornamentações

os acontecimentos que indicam a passagem

com pinturas corporais, a tintura é artesanal

dos jovens para a fase adulta na aldeia se

e feita com jenipapo, urucum e adereços

concretizam em ambos os sexos. Segundo

feitos com sementes. O principal atrativo da

Claudio Zannoni (1999), no passado essa festa

festa é o moqueado, um tipo de bolo feito

era organizada por cada família grande na

com carne de caititu e massa de mandioca,

comemoração da passagem de cada menina

que é oferecido pelas meninas durante o

dos seus membros. Nos dias atuais essa festa

ritual e, depois de comerem, já podem a

é feita uma única vez por ano para todas as

ser consideradas mulheres. Durante a festa

meninas da aldeia que menstruaram pela

não se pode comer qualquer tipo de caça, a

primeira vez. A causa é a escassez de caça

exemplo do tatu. Segundo a crença dos índios

nas matas e também o alto custo com armas

Tembés, o tatu faz buraco no chão e enterra-

e pólvora usado nas caçadas. As atividades

se, então acreditam que esta caça pode levar

começam pela manhã e se prolongam até a

o espírito das pessoas para o fundo da terra.

noite. As moças são enfeitadas pelas mães ou por parentes próximos, ela tem o corpo pintado com uma tinta feita do sumo do

A MÚSICA TEMBÉ

jenipapo a cabeça é coberta por penugem branca. A festa é realizada no centro da aldeia ou na casa dos parentes da jovem.

Tem sempre um tema para as canções, segundo as palavras de Tixnair, “a música

Começa o ritual pela manhã com

repete, mas o verso pode mudar, pode

canções do cantador da festa. As mulheres

ter uma resposta diferente”. Ele se refere

seguram as jovens e levam para perto dos

à melodia que se mantém com o mesmo

homens da aldeia que os acompanham com

ritmo, mas os versos podem se improvisados.

passos simples de dança. No espaço de tempo

Observa-se a sua fala e percebe-se que o

que é realizada as danças os pajés passam

único instrumento é o maracá. Ele diz que

a invocar os espíritos que eles controlam.

o tambor, feito de couro de veado ou jiboia,

Eles trazem grandes cigarros e inalam toda

e uma madeira “maneira” (leve) chamada

TUCUNDUBA 71


cedro, é usado espontaneamente a hora que

Segundo ele, quando se canta uma

quiser e, a “mymy”, uma espécie de corneta

música o ritmo das músicas é o mesmo só

feita de madeira com um orifício no meio, é

muda o verso, mas dependendo do tema

usada para anunciar a chegada de um índio

os ritmos variam e todos podem cantar as

em outra aldeia.

músicas, só que as mulheres e as crianças não

A música está relacionada com a

tocam o maracá.

natureza, com suas crenças, com os espíritos,

A Música dos animais. Observa-se

com os rituais e também com os mitos. O

e percebe-se nas palavras de Tixnair que os

mestre explica que elas são enviadas por

versos são feitos conforme o comportamento

espíritos ao pajé, e ele começa a cantar.

e as características dos animais, “Cada um

Os mais velhos aprendem a música nova e

tem seu jeito, a música vai falando tudo”. Ele

repassam às crianças. Tem música de pajé

cita, por exemplo, “canto da onça (zawar),

(relacionada com a cura espiritual, pajelança),

o verso diz como caça, grita, se é preta se

de animais, de criança, de agradecimento, de

é pintada, se anda em grupo ou só de um”.

pedido, do tempo, da natureza, etc. Quando

Canto do vento (iwyto), “como o vento

ele fala no pajé, enfatiza muito a palavra

aparece, se tá frio, se tá quente, que horas

“caruara”, uma espécie de feitiço. A música

aparece”. Segundo ele explica tem música

pode ser dividida em música do dia e música

do pica-pau (peku), da saracura (aracur),

da noite.

do macaco (kati), da cigarra (zariran), do

A Música do dia, “Fala dos animais da

curupira (karapira), esse ele diz que é o dono

terra, aos espíritos da terra como, Curupira,

da mata, então a música diz onde ele mora,

Matinta e animais do dia”. Entre outras, canto

que é o dono dos animais.

do gavião, da águia, do aracuã, de jauarí, de

Se a música for sobre pássaro o verso

maracapi, da borboleta, peixe, cobra coral, de

descreve o comportamento do pássaro,

peixe boi, de andorinha, de taquari e da ema.

como ele voa, canta. Segundo Tixnair, nas

Segundo ele, cantam para ser protegidos

festas são usados maracás, que é tocado nas

quando saem para caçar.

festas pelos homens e cantados também

A Música da noite, segundo Tixnair,

pelas mulheres que acompanham a dança, e

“É da água, espíritos da água, como, Mãe

todos marcam o ritmo com uma acentuação

d’água, Yara, peixes, animais da noite ” Entre

forte no pé direito. A música é uma grande

outras, canto do pica-pau (peku), da onça, de

ferramenta de comunicação, e exerce um

curupira, da saracura, da sururina, da cigarra,

papel importante na preservação de seus

do macaco, do macaco kuxiú, de socó, do

rituais e suas tradições.

macaco da noite, macaco juparar, do bem te vi, do guariba, do vagalume, do pinto pelado, do pindaré, da inambú, de tucano, do

A FESTA DO MILHO E DO MEL

uirapuru. Ele diz que o ritmo dessas músicas são mais “calmos” porque a noite a “água está mais calma”.

72 TUCUNDUBA

O mestre indígena falou pouco sobre essas duas festas, mas disse que o milho é


considerado um ser humano, uma mulher

festa e o objetivo comum é o bem estar, a

por causa do cabelo do milho. Segundo ele

proteção da colheita do milho e do povo em

é uma festa de agradecimento pela colheita,

geral contra o mal que o azang pode causar.

e que na festa tem cantos que mudam os

A Festa do Mel, segundo Tixnair, não

versos, que eles ficam sentados, que usam

tem época, “é quando a colmeia está cheia.”

somente maracás e fumam cigarros. Em

Não é uma comemoração, é um pedido

outra entrevista, menciona que “o milho é

ao “Deus Maíra” aos espíritos dos animais,

uma das bases da alimentação local e o tema

“pássaros encantados, “por saúde, vida longa

da festa é o milho e o repertório é dividido em

e coisas boas. ” A festa tem um dono, ele é o

música do dia e música da noite. ”

responsável por organizar e convidar as outras

Segundo Tixnair a Festa do milho é uma

aldeias. O dono da festa é um homem que se

oportunidade para os pajés demonstrarem

destaca na tribo. Não é necessário que seja

seus poderes em chamar e controlar os

um pajé ou um chefe de uma família maior,

espíritos. É uma festa em que todos podem

mas sim um excelente cantador e também

participar, porém quem se destaca é o pajé.

ele tem que conhecer as músicas da festa.

São canções apropriadas para este momento

São os homens que vão em grupo na mata

e podem ser acompanhadas por homens e

e colhem o mel silvestre. Quando retornam,

mulheres que estão presentes.

chegam pulando, cantando e dançando

O pajé segura em suas mãos um maracá

para que o mel não fique triste. Os potes

que é usado para marcar o ritmo das canções

são pendurados no esteio da casa que foi

e também um cigarro, “tawary”. Segundo o

construída para armazenar o mel. No período

texto há uma sessão de “xamanismo” para

em que ocorre a coleta, todos eles se reúnem

chamar os espíritos, dois pajés puxam fumaça

a noite para cantar, sendo que dentro da casa

de cigarro.

ficam as mulheres e fora dela os homens.

Quando o corpo de um deles é cedido

As aldeias vizinhas também são chamadas

ao azang, que é um espírito passa a agir de

para participarem da festa. O número de

maneira característica, então, é servido para

convidados varia conforme a quantidade

ele tapioca crua e raiz de mandioca, que é

de mel colhido e também da quantidade

para o azang comer porque ele está com

de alimentos, já que a aldeia que fez o

fome.

convite se responsabiliza pela alimentação

Quando o pajé recebe espíritos de

dos que participam da festa. Os que foram

animais passa a agir como eles, porém os

convidados chegam com grande euforia e

mais frequentes são os azang e isso vai até o

são recebidos em silêncio, logo em seguida

fim da festa.

todos se direcionam eufóricos para a casa.

Na festa do milho os pajés aproveitam o

Antes de entrarem na casa do mel eles ficam

público para mostrarem suas potencialidades

em silêncio ou falam baixo. A festa inicia com

em controlar os espíritos, em particular

os membros das aldeias organizados em fila

os azang, o sobrenatural. Segundo Tixnair

e o primeiro homem da fila da primeira aldeia

“pajelança” é a principal característica dessa

começa a cantar. Quando este termina, o que

TUCUNDUBA 73


está atrás dele inicia o canto, e quando todos

que são de nosso conhecimento, como,

desta fila já tiverem cantado, a vez passa para

afinação, ritmo, melodia, estão inseridos

os outros homens da aldeia. Os homens da

de alguma forma em suas práticas músicas,

aldeia que realizam a festa ficam por último e

talvez até de maneira sinestésica.

as canções se repetem por várias vezes e para

Despertou o desejo de conhecer mais as

as mulheres ficam os estribilhos que cantam

práticas populares e nos fez reconhecer que

todas juntas com os homens. Ao entardecer

devem ser valorizadas porque os mestres

formam um grande círculo e os homens e

mesmo sem ter o conhecimento acadêmico

as mulheres cantam e dançam as músicas e

desenvolvem com grande capacidade o seu

o mel é servido. Enquanto houver mel para

fazer musical e artístico, que nos foi ensinado

os participantes dura a festa, sendo que no

de maneira simples e prazerosa. Observamos

último dia de manhã os homens saem juntos

que eles ainda têm grande responsabilidade e

para caçar, quando voltam ao entardecer, a

preocupação em manter e preservar a nossa

caça moqueada é servida em grande jantar.

cultura, que é tão diversa. Ter conhecido a etnia Tembé e seus saberes musicais, nos fez refletir sobre um

CONSIDERAÇÕES FINAIS

povo que teve sua cultura invadida, e que hoje busca preservar sua cultura através de suas

O projeto Encontro de Saberes nos

tradições musicais baseadas nos ritos e mitos.

proporcionou a experiência de conhecer

Nos fez refletir a respeito das diferenças e

diferentes saberes musicais despertando a

da natureza, como devemos nos comportar

nossa consciência e reflexão da importância

diante dela. O quanto foi importante conhecê-

que eles representam para a nossa cultura e

la, e o quanto aprendemos no sentido mais

para as comunidades a que pertencem. Nos

amplo da vida.

fez perceber que alguns conceitos musicais

Maraca Indígena - Instrumento da Graduação em Música/ UFPA

74 TUCUNDUBA


SAIBA MAIS BLACKING, John. How Musical Is Man? Washington: University of Washington Press, 2000. BARROS, Maria M. dos S. e ZANNONI, Claudio. A voz dos espíritos. Caderno de Pesquisa, São Luís, v. 19, n. 2, maio/ago. 2012. CARVALHO, José Jorge de. Los estudios culturales en américa latina: interculturalidad, acciones afirmativas y encuentro de saberes. Tabula rasa. No. 12, enero-junio, 2010, pp. 229-251. CARNEIRO, Taymã. UFPA desenvolve Projeto Encontro de Saberes em parceria com UnB. Jornal Beira Rio. Belém. 2014. GALVÃO, C. e WAGLEY, C. Os índios Tenetehara: uma cultura em transição. Rio de janeiro:

ministério da educação, 1961. Disponível em: <http://www.Maxwell.lambdaele.puc-rio. brbarra17637barra176375pdf>. Acessado em: 23 jun. 2014. MYERS, Helen. Ethnomusicology: an Introduction. New York/London: W.W. Norton & Company, 1992. Pp. 88-109. SEEGER, Anthony. Etnografia da música. Tradução: Giovanni Cirino. Revisão Técnica: AndréKees DeMoraes Schouten e José Glebson Vieira. Cadernos de campo, São Paulo, n. 17, 2008, pp. 237-260. MUNDURUKU, Daniel. Como surgiu: mitos indígenas brasileiros. São Paulo: Callis, 2011. Disponível em: <http://www.orm.com.br/tvliberal/ revistas/verpara/edicao3/festa.htm>. Acessado em: 11 jun. 2014.

A Festa da Menina Moça

Modificada do site https://www.flickr.com/photos/midianinja/10940352666

TUCUNDUBA 75


PROJETO ENCONTRO DE SABERES - BOI-BUMBÁ “ESTRELA D´ALVA” Dayse Maria Pamplona Puget Marco Antonio Moreira Carvalho Valdemir Vinagre Mendes

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De janela, o mundo até parece o meu quintal Viajar, no fundo, é ver que é igual O drama que mora em cada um de nós Descobrir no longe o que já estava em nossas mãos Minha vida brasileira é uma vida universal É o mesmo sonho, é o mesmo amor Traduzido para tudo o que o humano for Olhar o mundo é conhecer Tudo o que eu já teria de saber Estrangeiro eu não vou ser. Estrangeiro eu não vou ser Ê, ê, ê, Estrangeiro eu não vou ser ê, ê (Canção “Janela para o Mundo” de Milton Nascimento e Fernando Brandt)

encantamento. E finalmente, admiração. Neste caso, o foco deste trabalho é sobre o BOI-BUMBÁ ESTRELA D´ALVA avaliando sua história oral, sua prática, sua organização, sua criatividade, seu mestre, sua prática aprendida com a rotina de tantos anos de dedicação, seus membros e seu mecanismo de funcionamento e de expressão da arte popular que envolve seus participantes e especialmente, uma crença. A crença numa cultura que vem de costumes tradicionais que não morreram com a globalização e que existem como um modelo de resistência do

globalizado,

que somos, mesmo que a maioria de nós não

conectado por meios tecnológicos, onde

saiba o que realmente somos: cidadãos do

o conhecimento de quem ou o que está ao

mundo sim, mais antes de tudo, cidadãos de

seu lado, presencialmente, se torna, muitas

uma cidade chamada Belém, com toda a sua

vezes, impreciso e obscuro. As mídias em

riqueza e sabedoria popular a ser revelada e

geral, o domínio cultural através das artes

descoberta, e mais do que isso, perpetuada.

Vivemos

num

mundo

(cinema, música, livros), o comportamento

Como na letra da canção de Milton

de consumo influenciado pela moda que dita

Nascimento e Fernando Brandt, “estrangeiro

normas e regras diariamente aos “mercados

não vou ser”, mas, para isso não devemos mais

globalizados” e especialmente a falta de

deixar de lado esta rica cultura tão próxima

uma política educacional local/regional que

e significativa, aprendendo e revelando sua

entenda e valorize a cultura popular de sua

importância para a consolidação da cultura

cidade/estado/país para os alunos de todas

popular paraense.

as idades, certamente são responsáveis por esse desconhecimento, esse estranhamento, essa sensação de que somos estrangeiros em nosso próprio lugar. Por isso, ao entrar em

O PROJETO SABERES”

“ENCONTRO

DE

contato com elementos da cultura popular tão próxima e tão distante de nossa visão,

O Boi Estrela D’Alva integra o Projeto

do nosso dia a dia, da nossa rotina urbana,

Encontro de Saberes desenvolvido pela

a primeira sensação é de surpresa. Depois,

UFPA, em parceria com a Universidade de

TUCUNDUBA 77


Brasília, e tem como coordenador o professor

nosso Estado, encontramos algumas linhas a

doutor José Jorge de Carvalho (UNB), do

respeito das origens do Boi Bumbá, na obra de

Instituto de Ciência e Tecnologia de Inclusão

Horta (2004). Refere este autor que, “dizem

no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI), e

que o Boi Bumbá se originou na Europa mais

também pelas professoras doutoras Líliam

precisamente na França há mais de 800 anos”

Barros e Sonia Chada.

(2004, p. 42), entretanto comenta que as

O objetivo principal do projeto é

festas de boi tiveram seu início muito antes,

promover a inserção de outras bases

citando as festas ao Boi Ápis, no antigo Egito,

epistemológicas, tendo como ponto de

e também as dos sumérios e caldeus.

partida o conhecimento de mestres da cultura

popular,

incorporando

O fato é que as festas de Boi chegaram

saberes

ao Brasil, e segundo Horta (2004), se

tradicionais dos mestres da música popular

encontram atualmente em todas as suas

do Pará no ensino superior, objetivando uma

regiões, chegando à região Norte através

visão abrangente da música e a diversidade

dos nordestinos. Entretanto, para Salles

de práticas musicais em Belém do Pará.

(1994, apud LAGO), a origem da encenação

O projeto está inserido nos cursos de

do Boi Bumbá estaria nos folguedos dos

Licenciatura em Música da UFPA integrando

negros escravos e que esses grupos faziam

a disciplina Sociologia da Música e, também,

confrontos corpo a corpo, em disputas de

no Programa de Pós-Graduação em Artes da

classes.

UFPA em oferta de atividades curriculares

A denominação dada a estes grupos

nos Seminários Avançados III – Encontro de

apresenta diferenciações. Segundo Lago

Saberes. O projeto foi dividido em quatro

(2004), em Belém e no Estado do Amazonas,

módulos: Boi – Bumbá Estrela D’Alva, do

são conhecidos como “Boi-Bumbá”, e nos

mestre Beto; Pássaro Junino Tucano, da

outros Estados, como “Bumba meu Boi”. Para

Guardiã Iracema Oliveira; Grupo de Carimbó

Horta (2004), os Bois Bumbás se classificavam

Sancari, do mestre Lucas Bragança; e os

segundo os instrumentos musicais em: boi de

Saberes indígenas, com o mestre indígena

matraca, quando havia a batida das matracas

Tixnair, da Aldeia Tekohal (Gurupi). Com

(duas taboas pequenas percutidas entre si)

exceção do mestre indígena, todos são

por todos os componentes do grupo; o boi

moradores da cidade de Belém1.

da ilha, em que a marcação era feita por zabumbas, tantãs e atabaques, e o boi de orquestra, os que utilizam instrumentos de

O BOI BUMBÁ NO BRASIL

sopro. Este autor cita que atualmente já não existe tanta diferença.

Pesquisando

as

origens

desta

O que se observa, entretanto, é que

manifestação cultural tão tradicional em

ainda existem diversidades em relação à encenação do Boi Bumbá. No Amazonas, por exemplo, tem seu grande destaque no boi

1   Informação baseada no texto de autoria de Taymã Carneiro (Assessora de Comunicação da UFPA.).

78 TUCUNDUBA

de Parintins, cidade do Estado do Amazonas


distante 420 quilômetros da capital Manaus,

bois de Belém têm características distintas.

na ilha de Tupinambarana, e que alcançou

Encontramos na obra de Silva (2004) algumas

grande repercussão por vários fatores

importantes considerações dos antigos bois

incluindo entre esses a disputa entre os dois

de Belém do Pará. Segundo a autora, os bois

mais importantes bois da cidade, quais sejam

eram classificados em duas categorias: o boi

“O Caprichoso” cuja cor símbolo é o azul e “O

tradicional e o boi de comédia (SILVA apud

Garantido” de cor vermelha (HORTA, 2004).

MENEZES, 1993).

A disputa entre esses dois bois acontece

O boi tradicional segue os padrões

durante três dias consecutivos no final do

dos bois de cortejo e encena o melodrama

mês de junho em um espaço denominado

que ainda se verifica nos padrões dos bois

“bumbódromo”, cujo formato é uma cabeça

atuais. Neste melodrama, o boi de estimação

de boi e que tem capacidade para quarenta

é morto por uma personagem chamada

mil pessoas (HORTA, 2004). Embora o enredo

Pai Francisco para atender o desejo da sua

seja semelhante aos dos bois de outras

mulher Catirina que está grávida; já o boi de

regiões do Norte do Brasil, com algumas

comédia é descrito como uma variante que

variações, se observa em reportagens da

realizava um melodrama de enredo diferente,

mídia o grande apelo coreográfico, além da

mais semelhante ao do Pássaro Melodrama

grandiosidade das alegorias e o alto luxo

Fantasia (SILVA, 2004, p. 23).

das suas fantasias, fazendo com que o Boi

Neste boi comédia o enredo se constituía

de Parintins seja visto como um espetáculo

em um boi de uma sinhazinha que era

realizado principalmente para turistas que

roubado por uma feiticeira e não morto por

vem de várias regiões do Brasil e como não

pai Francisco. Nesta encenação se tocavam

dizer também do mundo, que lá vão para

vários gêneros musicais como o samba,

conhecer a Amazônia e sua cultura.

cânticos, boleros e marchas que integravam

Em Belém, existe um grupo tradicional

os cantos das personagens. Os bois de

que por apresentar características diferentes

comédia desapareceram, assim como suas

dos padrões, merece ser citado neste

partituras musicais segundo depoimentos

trabalho. Trata-se do Boi do Campo de

do mestre Drago em entrevista concedida

Odivelas. Segundo seu mestre, Nivaldo

à Silva (2004), em outubro de 2000; Mestre

Figueiredo, este boi segue os padrões do Boi

Drago (1899-2002), foi músico e compositor

de Máscaras de São Caetano de Odivelas,

e atuou nestas manifestações da cultura

munícipio distante 120 km de Belém. O Boi

popular paraense.

do Campo não tem dramatização2 .

Em um artigo de junho 1938, editado

Em relação aos bois de Parintins, embora

no jornal O Estado do Pará, sob o título “Os

se apresentem também no mês de Junho, os

grandes festejos joaninos da Praça Floriano Peixoto” (Cf. SILVA, 2004), podemos ter

2   Segundo entrevista concedida por Nivaldo Ferreira em 05/03/2009 para José do Espírito Santo Dias Júnior sobre a dissertação “Cultura Popular do Guamá: Um Estudo sobre o Boi Bumbá e outras práticas culturais em um bairro da periferia de Belém”, do programa de pós-graduação de História da UFPA.

uma relação dos bois existentes àquela época, embora este artigo não relacione somente os bois, mas, também pássaros e

TUCUNDUBA 79


outras formações afins. Ainda neste mesmo

que mestre Beto foi nos introduzindo em sua

artigo, se reportando à programação que

casa. A casa estava repleta de pessoas, todas

iria se realizar, os bois são definidos como

ou quase todas, personagens e brincantes do

Boi de Comédia e Boi de Batuque. Os bois

boi, que lá se reuniam para o ensaio geral.

relacionados são: Última Hora; Lindo Cravo;

Neste dia o Estrela D’Alva fazia aniversário:

Flor da Noite; Pai do Campo (sic); Novo

55 anos de vida. A casa tem poucos cômodos,

Querido; Brilhante; Riso do Campo; Flor da

mas o que nos chamou logo a atenção foi uma

Duque; Estrela do Norte; Estrela D’Alva.

parede onde uma estante se apresentava lotada com dezenas de troféus, frutos das vitórias conseguidas ao longo da vida do

O BOI-BUMBÁ ESTRELA D´ALVA

Estrela D’Alva que é atualmente bicampeão. Conhecemos dona Jurema, esposa do

O Boi Estrela D’Alva integra uma

mestre Beto, e Sebastiana, que está no boi

tradição de bois-bumbás do bairro do

há 46 anos. Segundo ela, que é a tuxaua do

Guamá, em Belém do Pará. Neste ano de

boi, “este papel passa de mãe para filha”.

2014, o boi completa 55 anos de existência.

Dona Jurema nos levou aos dois quartos da

Entrevistamos mestre Beto – Alberto Costa

casa; o 1º lotado de fantasias e adereços,

Melo, atual mestre do Estrela D’Alva e um

entretanto no 2º, fomos surpreendidos

dos seus fundadores no dia 13/06/2014.

com a enorme quantidade de fantasias que

Mestre Beto mora com sua família na rua

estavam depositadas em caixas por cima da

Paes e Souza, nº 789, em uma casa simples,

cama do casal. Em volta da cama, dezenas de

de madeira, de poucos cômodos, no bairro do

esplendores encostados nas paredes em uma

Guamá. (Figura 1)

profusão de cor e beleza que nos encantaram.

Mestre Beto já nos aguardava, visto

Dona Jurema, com determinação, foi

que havíamos mantido contato telefônico

retirando os esplendores, um a um e, ao

com o Cleto, um dos atuais tripas do Estrela

chegar a um belíssimo esplendor todo branco

D’Alva, quando solicitamos que ele avisasse

nos disse com certo orgulho, “esse é o da

mestre Beto da nossa visita. Ao chegarmos à

índia branca”, e logo em seguida nos revelou

Rua Paes e Souza, nos deparamos com uma

que o casal não pode dormir na cama, pois

dezena de meninos de várias idades que,

o Estrela ocupou toda a cama do casal que

tocavam “barricas” e “cheque- cheques”,

dorme em redes “lá fora”. (Figura 2)

pedimos informações sobre a casa de mestre

Com respeito ao histórico do “Estrela”,

Beto que era logo em frente onde os meninos

complementando o que havia revelado

estavam. Em toda a estreita rua, várias

durante o módulo, mestre Beto nos disse

pessoas eram vistas, sentadas nas portas das

que quando tinha 5 anos de idade, ele e seu

casas, em uma atitude de interação.com os

irmão Raimundo Nonato Costa Melo (já

meninos e suas batucadas.

falecido), assistiam à noite o ensaio dos bois,

Fomos recebidos inicialmente com certa

que naquela época eram somente dois –

curiosidade que foi se dissipando à medida

Tira Teima e Malhadinho; esses bois tinham

80 TUCUNDUBA


Figura 1 - Boi-Bumbá Estrela D´Alva

Figura 2 - Grupo de alunos observando a movimentação do Boi-Bumbá

TUCUNDUBA 81


grande rivalidade entre eles. Um dia os dois

nome e, depois de muitos pedidos, mas com

irmãos “se meteram no Corre Campo, que era

relutância a princípio, o vizinho colocou o

um boi pequeno”.

nome de Estrela D’Alva, em homenagem

Em uma noite em que os irmãos estavam

à sua filha, ainda muito pequena. Dona

brincando no Corre Campo, houve “um

Terezinha, mãe do mestre Beto, foi escolhida

problema de briga”, gerando uma grande

para ser a madrinha do boi, e quando pouco

confusão, e fazendo com que os irmãos

tempo depois por motivos não esclarecidos o

voltassem para casa; lá chegando, a mãe

vizinho não pode mais ser o mestre do Estrela

deles, dona Terezinha, ao saber do ocorrido,

D’Alva, coube à madrinha ser sua próxima

proibiu a participação dos meninos no boi.

mestra.

Muito tristes, os irmãos foram chorando para

O Estrela D’Alva foi crescendo em

a frente da casa; um vizinho (não lembra o

número de brincantes e no tamanho dos seus

nome), vendo a tristeza dos dois e tomando

participantes que foram se incluindo deixando

conhecimento do ocorrido disse que iria fazer

de ser o Estrela, um boi só de crianças. Dona

um boi, já que ele também tinha filhos ainda

Terezinha quando adoeceu legou o boi para o

crianças.

mestre Beto, que com muito orgulho diz que:

Desta forma foi criado um boizinho no dia 13 de Junho (dia de Santo Antonio), no

“O Boi não se faz só para a gente, mas para o público”. (Figura 3)

ano de 1959. O boi, entretanto, não tinha

Figura 3 - Mestre Beto numa dinâmica do módulo. Acervo LabEtno

82 TUCUNDUBA


Durante nossa entrevista com mestre Beto, tivemos contato além da Tuxaua, também com o Pai Francisco, que muito se interessou pelo nosso trabalho, ainda mais

PERSONAGENS (SEGUNDO MESTRE BETO E CLETO)

quando muito objetivamente falamos do porque de estarmos com eles, salientando a importância dos saberes deles (do Guamá) e dos outros mestres, quando fomos aplaudidos por todos os presentes. Constatamos o quanto é importante para a comunidade a participação no Estrela, mesmo não sendo os adultos, mas seus filhos e netos. A tradição da passagem das personagens menos importantes para as mais importantes é motivo de muito orgulho na comunidade; esse fato foi verificado quando em conversa com os meninos que tocam barricas e cheque- cheques, um deles disse que já galgou a posição de “vaqueiro”, demonstrando no sorriso, a importância que ele está investido. Parece que participar do Estrela é algo de extremo significado na vida das pessoas que dele participam. Este fato nos foi mostrado em vários momentos, quando da nossa visita, entretanto um dos mais interessantes ocorreu quando Pai Francisco e a Tuxaua, em conversa descontraída, estabeleceram um diálogo quando então Pai Francisco nos disse que a Tuxaua quando vai prendêlo juntamente com as índias, faz isso com muita força e determinação, ao que a Tuxaua rebateu que, ”Quem mandou tu matá o boi”. Encerramos nossa visita com a promessa de irmos assistir a apresentação do Estrela na Estação das Docas, o que foi motivo de grande alegria para todos que ali estavam.

Amo: é o fazendeiro, dono do boi canta as toadas. Mãe Maria: é a mulher do fazendeiro. Ela veste vestido branco, tipo noiva. Tripa: fica embaixo do boi comandando os movimentos do boi. Existem 4 tripas no Boi Estrela D’alva. Cleto (tripa) gosta muito de dançar. “O critério é dançar. O boi é pesado. A cada ano inovo e crio ensaiando e criando. A paixão é o Estrela D’Alva porque é branco com a malha preta”. Rapaz: capataz da fazenda. Recebe ordem do fazendeiro e da mulher dele Vaqueiros: eles tomam conta do boi. Evitam que mexam com o boi e que ele saia da roda. Doutor: ele vem para curar o boi, mas é fraco, pois não cura o boi. Pajé: é o último a ser chamado para curar o boi. Pai Francisco: Matuto. Caboclo que vem do interior. Cazumba: compadre do pai Francisco (faz papel de Matuto). Catirinas: mulher do pai Francisco e a outra mulher do Cazumba. Rebolam usando roupa de carimbó. Tuxaua: comanda a Maloca e prende o pai Francisco na hora que matam o boi para levar para o dono da fazenda. Índias: prendem o pai Francisco junto com a Tuxaua. Índia Branca: foi criada na aldeia e vai com todas as índias prender o pai Francisco. Maloca: conjunto da Tuxaua e todas as índias.

TUCUNDUBA 83


INSTRUMENTOS Bumbo, xeque-xeque e tambor ou barrica: Batuqueiros. Apito e pandeiro: tocado pelo Amo no início e final de cada música. A Barrica tem um som “fino”, tem couro de cobra ou pelica. O Xeque-xeque é feito de latas de óleo munida com madeira e dentro tem arestas pequenas.

ENREDO O tema principal da encenação do Boi– Bumbá é a morte e a ressureição do Boi.

Índias: saiote de penas, top bordado em patês e o esplendor (são 25 de vários tamanhos); Catirina: roupas tipo de carimbó (saia estampada, blusa, renda); Batuqueiros: calça normal com aplicações, jaqueta vermelha, camisa branca, chapéu de palha bordado com paetês; Doutor: jaleco branco; Pai Francisco: calça com suspensório quadriculada e blusa estampada com chapéu de palha desfiado; Tuxaua: além do esplendor, ela usa um cocar.

ROTINA

O enredo segue os padrões do enredo

Segundo mestre Beto, “existe uma

geral do Boi-Bumbá. Em uma fazenda,

associação folclórica, mas não funciona.

Catirina, a mulher do capataz pai Francisco,

Qualquer pessoa pode brincar de Boi. Tem

está grávida e deseja comer língua de

pessoas que desde criança participam e até

boi. Pai Francisco, não tendo alternativa,

mesmo pessoas mais idosas”.

mata o boi preferido da fazenda. Ao tomar

“Meu neto me ajuda porque os dois que

conhecimento, o dono da fazenda (o Amo),

me ajudaram antes estão no andar de cima.

manda os vaqueiros e a maloca prender

Meu neto já canta não como cantador, mas

pai Francisco. Um médico chega, mas não

um dia ele chega lá”.

consegue ressuscitar o Boi. O pajé então

“Graças a deus nossa brincadeira é bem

é chamado e após a sua intervenção o boi

aceita. Dou o meu esforço porque não tenho

levanta para alegria do Amo e de todo o povo

mais nada para dar”.

que canta e dança louvando o Boi.

“Vou dormir duas ou três horas da amanhã. Os outros vão embora e eu fico”. A

FANTASIAS Amo: jaqueta preta bordada com camisa branca por dentro e calça curta vermelha com bordado; Mãe Maria: toda de branco, tipo noiva; Vaqueiro: roupa mais simples, jaqueta lisa, camisa vermelha, estampa branca;

84 TUCUNDUBA

arrecadação de dinheiro para o boi vem dos próprios mestres do Boi-Bumbá.

SELEÇÃO Feita pelo mestre Beto. No caso das índias passa pela seleção de uma índia mais antiga do grupo (a Tuxaua). Ela está há


46 anos no grupo (Sebastiana dos Santos

estranho ao que nos é comum e nos

Pantoja) cria as coreografias e escolhe índias

argumentando perante as problemáticas dos

de várias idades. Quando é mulher que quer

lugares de memória de Pierre Nora (1993),

ser índia de destaque, ela tem que passar por

que são os locais de arquivamento do objeto-

um teste feito pela Tuxaua, dançando vários

história que buscamos nesta pesquisa para a

ritmos do Boi.

perpetuação de saberes populares, buscados para a consolidação de registros históricos em formas de vídeos, artigos e em outros

IMPRESSÕES DO “ENCONTRO DE SABERES” - AO BOI-BUMBÁ ESTRELA D’ALVA

meios. No entanto, de alguma forma, nos distanciando

de

nossa

memória

viva,

dinâmica, lúcida, que faz parte de nossos Antes de especificar os nossos estudos,

costumes

típicos

populares.

Então

“a

abordaremos a disciplina que nos ofereceu

memória é um absoluto e a história só

em nosso curso a oportunidade de dialogar

conhece o relativo ” (NORA, 1993, p. 09).

com nossos saberes populares. Colocando-

Como pesquisadores, nessas aulas,

nos como espectadores de nossa cultura

tivemos a possibilidade da sensibilidade

dentro de uma sala de aula, oferecendo

perante o nosso objeto de estudo, pois as

maneiras de estudar e registrar esses saberes

nossas falas de conhecedores facilitaram

para a história.

uma relação paralela com o objeto. Pois, no

Tivemos quatro momentos divididos em

caso do Boi-Bumbá, temos conhecimentos

aulas, cada um expressando um elemento de

de vivências que trouxemos para o nosso

nosso saber popular, que foram: o Boi-Bumbá,

diálogo nas aulas sobre o Boi-Bumbá.

o Pássaro junino, o Carimbo e os índios

Nas

aulas

apresentadas

sobre

o

Tembés. Não nos foi dado uma estrutura

Boi-Bumbá

fixa de aula para a aprendizagem destes

pelo mestre Beto, junto ao Cleto, que é

elementos com seus respectivos “mestres”.

responsável por ser um dos “tripa”3 neste

Foram aulas à vontade, como uma roda, em

boi, nos foi contada as peculiaridades do boi

que os mestres populares nos transmitiram

“Estrela D’alva”, por meio das conversas, de

de forma oral seus saberes. Dessa forma, a

fotos, vídeos, a confecção de um “esplendor”,

disciplina “Encontro de Saberes” nos trouxe

e a apresentação dos ritmos musicais que

o que nos é próximo, vivenciada e que se

pertencem a esta manifestação, com seus os

manifesta em nossa memória, em nossa

instrumentos musicais, e a dança feita pelo

cultura, em nossa linguagem, própria de

“tripa”. Todos estes ensinamentos, segundo

nosso lugar.

o próprio mestre Beto, são realizados de

Mas

todo

esse

conhecimento

se

“Estrela

D’alva”,

orientado

uma forma que não se perca a tradição, que é

apresentou dentro de padrões acadêmicos, dentro de normas da pesquisa cientifica, nos forçando um olhar de fora, um pensar

3   Responsável por carregar e encenar o boi.

TUCUNDUBA 85


presentes no boi “Estrela D’alva”, que são: socado, marcha e tipo valsa (Figura 5). Esses ritmos nos foram demosntrados pelo mestre Beto durante a apresentação da dança do “tripa” junto aos intrumentistas, o que foi realizado utilizando o ritmo “socado”. Os outros ritmos foram executados apenas para que conhecessemos suas características, num curto intervalo de tempo. (Figura 6) Durante um periodo de tempo das aulas sobre o Boi-Bumbá “Estrela Dalva”, foi nos mostrado em uma oficina a confecção do “Esplendor”, que é um acessório utilizado pelas “indias” 4. O mestre Beto nos orientou Figura 4 – Mestre Beto numa dinâmica do módulo. LabEtno

sobre a utilização de uma armação de ferro, pronta para ser encaixada no corpo das “indias”, e nesta armação era aclopado

bastante valorizada neste Boi-Bumbá (Figura 4). Adiante, analisaremos cada um desses ensinamentos de acordo com nossa pesquisa de campo, em alguns momentos relacionando com estudos sobre a manifestação do boi feita por estudiosos do folclore brasileiro. Abaixo tentamos fazer uma transcrição musical aproximada dos ritmos musicais

um papelão, que é um tipo mais grosso e resistente de papel, no qual se ornamentava com pintura e outros materiais para se dar brilho e o luxo necessário para a expressão de realeza passada pelas “indias” durante a apresentação do Boi. Com uma roupa carnavalesca, as “indias” dançam e mostram um exemplo de como esta manifestação pode ser conectada com outras formas de expessão popular do povo, neste caso o carnaval. Nos foi ensinado também, em oficina, a produção do instrumento musical “xequexeque”, que utilizou-se duas latas de óleo vazias, um pedaço de madeira com pregos para a junção das latas, e uma quantidade de “arestas”, que são pregos pequenos, colocados dentro das latas, para produzirem o som característico do instrumento. (Figura 7)

Figura 5 – Ritmos musicais do Boi-Bumbá

86 TUCUNDUBA

4   Personagens da encenação do Boi-Bumbá.


Figura 6 - Mestre Beto mostrando vestimentas e instrumentos. Acervo LabEtno

Figura 7 - Mestre Beto e um grupo de alunos. Acervo LabEtno

TUCUNDUBA 87


Durante o ultimo momento das oficinas

e manifestações artísticas de dança, música,

tivemos a experiencia de cantar, tocar os

teatro, e outras funções artísticas que se

intrumentos e dançar junto ao boi, ou mesmo

fazem presentes neste Boi-Bumbá paraense,

sendo o “tripa”. Isso tudo para nos fazer

que nos foi contado pelo genuíno mestre

entrar em contato com praticas comuns na

Beto.

vivencia desta manifestação de boi-bumbá. Própria do Boi-Bumbá “Estrela Dalva”.

Assim, utilizando a desconstrução do popular, para inserir esse saber dentro das conexões existentes na contemporaneidade5, dessa forma, nos confrontando com a

CONCLUSÃO

manifestação popular, acima dos padrões mercadológicos da indústria cultural, acima

O Boi-Bumbá no Brasil é, certamente,

dos registros da ciência social, para evidenciar

uma manifestação que, diante dos estudos,

uma vivencia desta prática, sem conclusões

se comprovou uma diversidade de expressão,

aparentes, para deixar que, a partir desta

relativos

contextos

memoria nos direcionamos novamente, e

regionais. O Estrela D’Alva, dessa forma, se

prazerosamente, nesta festa do boi Estrela

torna único, como objeto da cultura popular

D’alva. E como disse a contadora de histórias,

com suas particularidades que evoluíram,

“a boca abre, a boca fecha e os contos

no decorrer do tempo, para um modelo de

continuam falando...”6. (Figura 8)

aos

seus

próprios

prática preservado, mas que evolui em suas conexões e confrontos com o social, que o toma como detentor de singularidades de acepções criativas e artísticas, dentro de uma geografia e, fundamentalmente, de uma memória que, até hoje, ainda se mantem viva, para que no momento de suas apresentações, originaliza e legitima o conceito de Boi-Bumbá. Perpassando em seus valores uma estrutura de inclusão social

88 TUCUNDUBA

5   Explicando sobre a compreensão de Canclini sobre a cultura popular, Catenacci diz que “Para esse autor, a crise atual da investigação do popular se dá devido à forma pela qual os paradigmas são construídos nas Ciências Sociais. Segundo ele, essa construção é feita de forma desconectada, e essa cisão que condiciona as divisões interdisciplinares é a mesma que confronta tradição e modernidade”. (Disponível em: http://viviancatenacci. blogspot.com.br). 6   Extraído, de autoria de Vivian Catenacci, do blog http:// viviancatenacci.blogspot.com.br.


Figura 8 - Boi-Bumbá Estrela D´Alva. Acervo LabEtno

SAIBA MAIS CATENACCI, Vivian Silva. Cultura Popular - Entre a tradição e a transformação. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v15n2/8574.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2014. LAGO, Jorgete Maria Portal. A Prática do BoiBumbá em Belém – Uma Breve apresentação. Disponível em: <http://www.seer.unirio.br/index. php/coloquio/article/viewFile/123/81>. Acesso em: 15 jun. 2014.

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TUCUNDUBA 89


ENCONTRO DE SABERES: Vivências no Cordão de Pássaros no Programa de Pós-graduação em artes da Universidade Federal do Pará Jaddson Luiz Souza Silva Letícia Silva e Silva Thiago de Araújo Lopes

Tambor ou Barrica. Instrumento da Graduação em Música/ UFPA.

90 TUCUNDUBA


INTRODUÇÃO

no intuito de que estas promovessem a compreensão de como esta base epistêmica

No primeiro semestre de 2014, o

pode ser utilizada. A relação entre etnologia

Programa de Pós-Graduação em Artes

e música, constitui um campo de pesquisa já

(PPGARTES), ligado ao Instituto de Ciências

bem consolidado.

da Arte (ICA), da Universidade Federal do

Como trabalho final, nos foi orientado

Pará (UFPA), possibilitou a alguns mestrandos

que cada discente ficaria responsável por

da turma de 2013, a vivência com algumas

escrever um artigo sobre um dos módulos

das diferentes culturas e manifestações

vivenciados em aula, trazendo à tona a

tradicionais praticadas no território paraense.

importância deste Encontro de saberes para

Os mestrandos interessados em vivenciar tal

a nossa formação acadêmica. Assim sendo,

experiência, matricularam-se na disciplina

no presente trabalho, serão apresentadas

Seminário Avançados III: Encontro de

as abordagens referentes às características

Saberes, sob a responsabilidade das docentes

da manifestação do Cordão de Pássaro

Líliam Barros e Sonia Chada.

Junino, sua prática musical, seus agentes,

A disciplina foi dividida em quatro

sua constituição histórica, bem como, a

módulos: o 1º referente à Música, Cultura

importância desse Encontro de saberes na

e Sociedade, onde ouvimos os relatos e

formação de pesquisadores.

presenciamos o fazer musical do Mestre Beto de Boi Bumbá e da professora assistente Jorgete Lago; o 2º foi destinado à Música, Cultura e Experiência, a partir da Guardiã Iracema Oliveira do Pássaro Junino “Tucano”

CONHECENDO O PÁSSARO JUNINO Narrativa do Pássaro Junino

e da Professora Assistente Rosa Silva; o 3º correspondeu aos Saberes e Fazeres

Quem pouco ou nada conhece sobre o

Musicais do Mestre Lucas Bragança de

Pássaro Junino pode imaginar que a história

Carimbó, mediação do Professor Assistente

de um espetáculo dessa natureza é bastante

Paulo Murilo; e, por fim, o 4º módulo versou

simples. Se o simples estiver ligado à falta de

pela Diversidade Cultural a partir do Mestre

recursos dos grupos, é possível admitir que a

Tixnair, da etnia indígena Tembé, com a

palavra “simplicidade” se encaixa muito bem,

mediação da Professora Assistente Líliam

mas quando há uma busca por conhecer a

Barros.

fundo os significados desta manifestação

No decorrer das aulas tivemos acesso a pesquisas na área da etnomusicologia

cultural, tipicamente paraense, percebe-se um gigantesco equívoco.

TUCUNDUBA 91


Ao ser analisado por estudiosos da cultura

que a manifestação foi criada.As comodidades

popular, o Pássaro Junino mostra-se um poço

do palco - termo atribuído a Vicente Salles -

de história e infinitos conhecimentos que se

foram também requisitadas pela encenação,

desdobram. Ao contar sobre o nascimento

logo, “a cortina, a iluminação, os bastidores,

dessa manifestação, Fares diz que,

a cena frontal do palco à italiana e até o extinto ‘ponto’ – poucos brincantes decoram

[...] a quinze de fevereiro de 1878, foi inaugurado o Teatro de Nossa Senhora da Paz, situado na Praça da República, antigo Largo da Pólvora, em Belém, Pará. A inauguração desta casa de espetáculos foi responsável por um intenso fervilhar artísticocultural na cidade ainda imersa nas benesses advindas do Ciclo da Borracha. Nesta época, retratada pela literatura de alguns escritores, Belém viveu sua belle époque. E as camadas privilegiadas dessa província que começava a tomar feição de metrópole davam-se ao luxo de assistir a espetáculos importados, sobretudo da França. Era a hora e a vez da ópera. No entanto, nem todos gozaram das regalias da seringa. O leite que escorria das seringueiras não nutriu a todos. E foi justamente essa camada social desprestigiada pelo látex, que, num verdadeiro processo de carnavalização, inventou o chamado cordão de pássaro, folguedo junino tipicamente paraense (1992, p. 1).

Todos os anos, particularmente durante o mês de junho, a manifestação acontece em Belém do Pará e em outras cidades do Estado. O Cordão de Pássaro ou Pássaro Meia Lua é tido entre os guardiões, brincantes e estudiosos da manifestação como outra vertente do Pássaro Junino, já que existe também o Pássaro Melodrama Fantasia. O Cordão de Pássaro é conhecido por suas apresentações “em espaços abertos, mantendo os seus integrantes o tempo todo em cena, numa estrutura semicircular” (MAUÉS, 2010, p. 3), e cada um, conforme o seu momento no enredo, sai para apresentar a sua cena e volta para o semicírculo ao final dela. O Pássaro Melodrama Fantasia possui características bem diferentes por ter absorvido elementos característicos das óperas e operetas encenadas no período em

92 TUCUNDUBA

todo o texto –”, (MAUÉS, 2010, p.1) foram absorvidos. O tema abordado é relativamente parecido. Antes mesmo que a cortina se abra a audiência já conhece o princípio, meio e fim da história. Nada que diminua a curiosidade e o interesse do público. Nos cordões de pássaros, a ave sempre morre e, posteriormente, é ressuscitada por um médico ou um pajé, num claro enfrentamento entre a ciência e a magia, logo, através de sua caçada, morte e ressurreição, o pássaro é o personagem principal da peça, porém, segundo Silva (2004), no Pássaro Melodrama Fantasia, o pássaro passa a ser um elemento secundário, uma vez que outros núcleos são cenicamente explorados. Maués confirma esta afirmação ao dizer que o Pássaro Melodrama Fantasia agrega outros elementos ao tema central através de seus “dramas e sofrimentos de uma família de nobres ou fazendeiros, “costurados” por tramas de suicídio, morte, vingança, traição e incesto” (2010, p. 1). Sobre a eventual morte do pássaro e a sua posterior ressurreição, Fares ao conectar manifestações culturais diz que “na ‘comédia’ do boi, Nego Chico, também chamado de Pai Francisco, é um vaqueiro que se vê obrigado a matar o boi de estimação do patrão, pois Catirina, sua esposa, grávida, deseja comer a língua do garrote preferido do fazendeiro. Por isso, Nego Chico embrulha-se em “maus


lençóis”. E diante do animal morto, decide

Sabiá e Uirapuru. Outros animais também

tomar providências. Lança mão da ciência e

emprestam seus nomes aos grupos, mas a

da religião para ressuscitar o boi. O médico

predominância é mesmo dos pássaros.

e o padre são convocados, no entanto, é a

O pássaro é sempre levado por uma

pajelança que consegue trazer à vida o animal.

criança – porta-pássaro – em sua cabeça sob

O folguedo se encerra quando o boi levanta

um arranjo muito rico em detalhes. Segundo

e, ao som das barricas, põe-se a dar volteios

Loureiro, o porta-pássaro possui “a imagem

entre as personagens que, contagiadas pela

mítica do homem-pássaro – o pássaro na

alegria da ressurreição, caem na folia. No

cabeça do homem ou da mulher no Egito

Cordão de Pássaro, o boi é substituído por

antigo, onde essa figura simbolizava a alma

uma ave pertencente à princesa, filha do

de um morto partindo, ou a visita de um deus

imperador. Neste folguedo, quem tira a vida

a terra”. E pergunta-se se não estaria aí, neste

do animal é o caçador. ” (FARES, 1992, p.1)

símbolo que é o porta-pássaro, representada

Os grupos em Belém que trabalham

“a alma nativa que não morre, que não pode

para que esta manifestação não seja

ser morta? (...) Uma espécie de fênix tropical

esquecida, são representados ou tem o seu

da alma de uma cultura? ” (LOUREIRO apud

nome ligado a uma ave, tais como: Bem-Te-

MAUÉS, 2009, p. 3-4).

Vi, Colibri, Tem-Tem, Tucano, Papagaio Real,

Mestrandos do PPGARTES na Vivência do Pássaro Junino Tucano (Registro Pessoal: Letícia Silva)

TUCUNDUBA 93


ELEMENTOS CONSTITUINTES (AGENTES)

No

Pássaro

Melodrama

Fantasia,

podemos encontrar outra visão no que diz

Cenário e Figurino

respeito a movimentação no palco, pois, como tal, recebeu influências significativas dos

A “simplicidade” presente no Pássaro

grandes espetáculos que eram encenadas no

Junino é verificada pela não utilização de

Teatro da Paz no período majestoso da Belle

cenários, ou melhor, o figurino utilizado pelos

Époque, a encenação, segundo Charone:

brincantes serve como cenário e evidencia para o público, momentos distintos na trama. Na encenação do Cordão de Pássaro, a apresentação por ocorrer em “espaços abertos, em formato de semicírculo, com a presença dos integrantes em cena o tempo inteiro” (MORIM, 2009), leva os brincantes

Requer espaço mais apropriado, com palco, camarim e cortina. Os brincantes, durante as apresentações, fazem várias trocas de roupas. As cortinas são utilizadas para a finalização de cenas e quadros. Assim, se temos uma cena da maloca e, a seguir, o bailado, o ato de abrir e fechar a cortina faz a separação imaginária dos ambientes, muitas vezes, acompanhado do comentário de um narrador (2009, p. 1).

para o centro do palco em seus respectivos momentos e de volta aos seus lugares ao fim deles. Já os figurinos são confeccionados de

maneira

evidente

ao

caráter

dos

personagens, onde, por exemplo, a nobreza utiliza vestimentas comuns ao século XVII e XVIII e os matutos vestem-se de maneira semelhante à comunidade ribeirinha do interior do Estado. O pássaro recebe atenção especial chegando muitas vezes ao excesso devido à abundância de material utilizado na sua confecção. Segundo Refkalevsky, no figurino do pássaro: Evidencia-se a riqueza e elaboração da indumentária (...), estruturada a partir de uma calça e uma túnica que permitem ao comediante maior flexibilidade nos movimentos. Os motivos bordados procuram dar volume a certas zonas do corpo do pássaro como no peito ou ainda desenhos que lembrem penas. Os pássaros possuem asas de tecido pregadas na parte inferior das mangas da vestimenta. Os trajes são dispendiosos e utilizam uma grande quantidade de elementos brilhantes, como lantejoulas, vidrilhos e pedrarias, bordados em motivos muito bem elaborados sobre cetins e veludos (apud MAUÉS, 2009, p. 2).

Personagens A escolha dos intérpretes que darão vida aos personagens é obtida de maneira muito peculiar, pois segundo Maués (2010, p. 40), “os intérpretes, nos pássaros juninos, são escolhidos pela adequação de seus dotes físicos aos personagens, segundo a ótica de cada ensaiador. ” Como o Pássaro Melodrama Fantasia agrega outros agentes à trama como nobres ou fazendeiros, figuras essas que não são encontradas no Cordão de Pássaros, tomaremos como base para descrição dos personagens envolvidos, a peça “A Justiça das Selvas”, de Francisco Oliveira, publicada pelo Instituto de Artes do Pará1 e encenada pelo Pássaro Junino Tucano que tem como Guardiã, Iracema de Oliveira.

1   Cf. OLIVEIRA, Francisco de. A justiça das Selvas: pássaro junino/Francisco de Oliveira; adaptação de Iracema de Oliveira. Belém: Instituto de Artes do Pará, 2001.

94 TUCUNDUBA


Os personagens são esses:

imperial, o que configura a presença do europeu; há a maloca, corporificando o elemento nativo, e há ainda a feiticeira, que desenvolvendo os rituais de umbanda, traz as marcas da cultura africana. Afora esses elementos constitutivos da estrutura dramática da encenação, existe um quadro, o da matutagem, composto pelos caboclos, ou seja, por aqueles que já sofreram o processo de mestiçagem. Esse quadro faz-se necessário ressaltar, é desvinculado da encenação trágica, e ocorre paralelamente. A matutagem é a responsável pelo riso, elemento capaz de aliviar as tensões do público ante a tragicidade contida no enredamento da peça (1992, p. 1).

Marquês: Juarez Montovany Marquesa: Matilde Montovany Princesa: Miriam Montovany Príncipe: Paulo de Lucena Fidalgo: Vicente (caçador) Fada: Amazônia Lendária Feiticeira: Meeram Matuta: Salviana Matuto: Pulquério Filho do Matuto: Jujuba Matuto cearense Soldado Índia favorita: Yanejacy Guerreiro: Iaci Tuxaua: Jacyra Maloca: Índios

Quadros Nos Pássaros Juninos, os quadros funcionam como os atos nas óperas. Esses quadros tornam-se mais evidentes no Pássaro Melodrama Fantasia, uma vez que, o ato de “abrir e fechar” as cortinas, numa clara influência operística, confirma para o público que um novo momento na trama ou a entrada de um novo personagem chegará. São exemplos dos quadros encenados nos Pássaros Juninos: O quadro da maloca, com a presença de uma tribo de índios, dos matutos que trazem riso e descontração ao espetáculo após momentos de grande tensão, da macumba que entre outras coisas apresenta o momento da ressureição ou

Livro “A Justiça das Selvas”: Pássaro Junino/Francisco de Oliveira; adaptação de Iracema de Oliveira. Belém: Instituto de Artes do Pará, 2001. (Registro Pessoal: Letícia Silva)

da cura do pássaro e o balé, que auxilia os brincantes na função de entreter a audiência enquanto a troca de roupa dos personagens é realizada.

Ao visualizar os personagens descritos, podemos conectá-los ao universo operístico, onde

uma

quantidade

razoável

de

Organização da cena

personagens é apresentada através de atos que dividem o espetáculo. Segundo Fares:

Para a construção e organização do Pássaro Junino Tucano, existe uma variedade

O pássaro nada mais é que uma ópera cabocla (...) o núcleo dramático é protagonizado pela família

de etapas a serem desempenhadas e muitas

TUCUNDUBA 95


vezes quem as realiza são os próprios

conhecimento quanto à estrutura musical

integrantes do espetáculo. Há um Guardião

do espetáculo “Pássaro Junino Tucano”.

ou Proprietário que por ser a figura central

Assim, após essa compreensão, alguns

do grupo é o responsável por todo o

mestrandos puderam vivenciar a prática

desenvolvimento até chegar à apresentação,

musical de algumas das músicas que

como por exemplo, o registro e/ou a razão

compõem o espetáculo. Tais canções foram

social do Pássaro. Silva descreve algumas das

interpretadas na voz de Iracema de Oliveira

inúmeras atribuições do Guardião como:

que mesmo reduzindo a quantidade de

Arcar com as despesas financeiras do grupo, escolher ou encomendar a peça, selecionar brincantes, distribuir papéis, elaborar e confeccionar figurinos, marcar ensaios, organizar a agenda de apresentações, contratar músicos e regê-los durante os ensaios e espetáculos, gravar fitas das músicas para os músicos (2004. p. 25).

músicas para que o tempo do encontro não fosse ultrapassado, teve um cuidado especial ao escolher as peças que serviriam como uma pequena demonstração do Pássaro Junino. Por não estar em um teatro ou na sede de suas apresentações2, foi possível vivenciar

Todavia também há auxiliares que

o improviso e um pouco da dificuldade

complementam essa organização como:

da guardiã em conseguir músicos para

Ensaiador, Figurinista, Coreógrafo, Músicos

acompanhá-la.

e Brincantes. Cada um a partir de sua

Para o Encontro de Saberes, um músico

singularidade desenvolve seu papel, com

conhecido

responsabilidade e criatividade.

alguns alunos foram incluídos e um grupo

Silva ressalta que os músicos por receberem

cachê,

nas

da

guardiã

foi

contactado,

que constava de 2 (dois) violões, 1 (uma)

apresentações

clarineta e percussão seguiu durante os

oficiais, tornam-se um dos componentes

dois encontros como o responsável por

mais caros para os guardiões. Enquanto que

acompanhar as canções do Pássaro. Sobre as

a maioria dos participantes são amadores,

canções, Silva (2004) ressalta a importância

como por exemplo, os brincantes; ficando

de compreendermos como são inseridas as

ao guardião a responsabilidade da escolha

músicas tanto no Cordão de Pássaro como no

dos participantes, onde esse pode escolher

Pássaro Junino.

alguém do seu seio familiar para integrar

De acordo com Andrade (1982, p. 57),

o Pássaro ou pode escolher espectadores

essa estrutura musical é caracterizada por

interessados em participar do cortejo (2004,

Danças Dramáticas que são nomeadas como:

p. 25).

cortejo, parte dramática e despedidas. Silva destaca esta relação no Pássaro Junino da seguinte maneira:

VIVÊNCIA MUSICAL ESPETÁCULO

DO 1. Músicas de Entrada: são consideradas aquelas que antecedem a parte dramática. Geralmente,

No decorrer do 2° Módulo, Pássaro Junino, foi possibilitado aos participantes o

96 TUCUNDUBA

2   Ponto de Cultura Herança do Velho Chico, Bairro Telégrafo.


Músicos e Mestrandos do PPGARTES na Vivência da Prática Instrumental do Pássaro Junino Tucano (Registro Pessoal: Leonice Nina)

fazem parte desse grupo uma abertura musical ou canto de apresentação e hino do grupo; 2. Músicas da parte dramática: são aquelas que compõem o enredo (músicas das personagens) ou aquelas que servem de entreato (músicas do balé ou quadro especial) e 3. Músicas de despedida: apresentação das despedidas e agradecimentos finais do grupo (2004, p. 44).

evento” (2008, p. 238) são levantadas e por isso, podemos dizer que a experiência vivida em sala de aula potencializou o sentimento de

contentamento

devido

ao

grande

desconhecimento sobre a manifestação cultural presenciada. As palavras da Guardiã do PássaroTucano Iracema Oliveira trouxeram

CONSIDERAÇÕES FINAIS Seeger ao estabelecer um conceito sobre a etnografia da música cita a expectativa

outra visão, ou melhor, acrescentaram visões para muitos dos envolvidos que nunca tinham vivenciado tal experiência. As

dificuldades

enfrentadas,

as

que envolve músicos participantes e público

esperanças de um futuro melhor – com a

antes de uma apresentação. Questões

reforma do Teatro São Cristóvão – foram

como “ações do público” e as “expectativas

partilhadas e os valores adquiridos desde a

sobre o que irá acontecer, tendo como base

infância foram expostos como se um grande

experiências passadas e conceitos sobre o

livro estivesse sendo aberto. A inclusão

TUCUNDUBA 97


de alunos no enredo e no grupo musical –

como as pessoas fazem sentido de “música”

prática recorrente, principalmente, entre os

em uma variedade de situações sociais e em

músicos - que acompanhava a encenação

diferentes contextos culturais, e distinguir

confirmaram as palavras de Eco que afirma

entre as capacidades humanas inatas que as

que uma obra de arte “é passível de mil

pessoas usam no processo de fazer sentido

interpretações diferentes, sem que isso

de “música” e as convenções culturais que

redunde em alteração de sua irreproduzível

orientam suas ações 4(1979, p. 223).

singularidade” (2005, p. 40).

Ao tomarmos como base as palavras

Cada canção, cada frase, cada nota,

de Blacking para ressaltarmos a importância

possuía um significado que foi encantando

do contato estabelecido, concluímos que o

todos os participantes. Embora, a timidez e o

Pássaro Junino, em especial, o Pássaro Junino

desconhecimento tomassem conta da turma,

Tucano, por seguir aproximando gerações

cada momento ia superando o anterior e, de

através do teatro e da música, presta enorme

repente, tudo fazia sentido.

serviço à cultura popular tradicional paraense

Canções como: Marcha de Rua, Marcha

e merece uma maior atenção dos nossos

de Apresentação, Canto do Caçador e a

governantes para que esta atividade não

Marcha da Despedida serviram de base para

pereça.

a pequena encenação que contou com a

As palavras de Maués são perfeitas para

participação de alunos do PPGARTES e da

descrever como o Pássaro Junino deve ser

porta-pássaro do grupo. Outras canções como

visto:

o Canto da Fada e o Canto da Sambista foram somente apresentados sem a encenação com a voz da Guardiã e do grupo musical presente. Canções de um valor inestimável e que foram compostas por Francisco Oliveira - pai da Guardiã - em parceria com outros compositores3.

O pássaro deve morrer sempre, mas somente na quadra junina, enredado em suas tramas melosas e dramáticas, em meio a reis, princesas, nobres, coronéis, capatazes, feiticeiras, fadas, seres lendários e míticos, matutos, números musicais e dançantes. Morrer para sempre e sempre renascer, por um toque de mágica, em meio a fogos e fogueiras. Como uma fênix. Uma fênix que também ri (2010, p. 41).

Sobre o processo de criação musical, Blacking afirma que “fazer ‘música’ é um tipo especial de ação social. “Música” não é apenas reflexiva, é também geradora, tanto como sistema cultural, como quanto capacidade humana, e uma das tarefas importantes da etnomusicologia é descobrir

3   Laércio Gomes e João Oliveira.

98 TUCUNDUBA

4   “Music” making is a special kind of social action. “Music” is not only reflexive, it is also generative, both as cultural system and as human capability, and an important task of ethnomusicology is to find out how people make sense of “music” in a variety of social situations and in different cultural contexts, and to distinguish between the innate human capabilities that individuals use in process of making sense of “music” and the cultural conventions that guide their actions.


SAIBA MAIS BLACKING, John. The Performing Arts. Mouton Publishers, 1979. CHARONE. Olinda. O teatro dos pássaros como uma forma de espetáculo pós-moderno. Revista Ensaio Geral. Belém, v.1, n.1, jan-jun, 2009. ECO, Umberto. “Obra Aberta: Forma e Indeterminação nas Poéticas Contemporâneas”. Trad. Giovanni Cutolo. São Paulo: Perspectivas, 2005. FARES, Josse. Pássaro Junino: cordão e entre - lugar do discurso amazônico. Revista Asas da Palavra, Belém: Ed. Unama, 1992. LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura amazônica: uma poética do imaginário. Belém: Cejup, 1995. MAUÉS, Marton. Breve voo sobre o universo imagético do Pássaro Junino Paraense. Revista Ensaio Geral. Belém, v.1, n.1, jan-jun, 2009. MAUÉS, Marton. Pássaros Juninos do Pará: a matutagem e as suas relações com o cômico

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TUCUNDUBA 99


DO ESTRANHAMENTO À REFLEXÃO: Uma análise a partir do Encontro de Saberes com o Mestre Lucas Bragança do grupo de carimbó Sancari. Danihellen Prince Dias Siqueira Joelma de Almeida e Silva Bezerra Leonice Silva Nina

Instrumento Musical Curimbó da Graduação em Música na UFPA e Mestre Lucas

Modificada do endereço eletrônico http://musicaeidentidadenaamazonia.blogspot.com.br

100 TUCUNDUBA


No meu “pedaço”, onde moro, tenho certeza que o carimbó não vai morrer! Lucas Pacheco Bragança (13.05.14).

manifestações, nascidas em outros ares e lugares tão distantes de nossa realidade cabocla, criando um elo entre o que vemos, ouvimos para assim construir alicerce teórico

Falar, debater, escrever sobre a temática

para esta manifestação.

do carimbó é para nós um grande desafio,

Alguns conceitos da palavra Carimbó

pois tal tarefa nos faz mergulhar não só

são necessários para nos situarmos neste

nas lembranças sonoras de nossa infância,

contexto,

nas teorias pensadas e estruturadas por

“Dicionário Crioulo” de Vicente Salles:

acadêmicos que “estranhamente” observam e tentam compreender e “explicar” as manifestações culturais e de que forma elas acontecem e, também no “simples” e tão “complexo” falar de um dos mestres do carimbó, Mestre Lucas Pacheco Bragança, um dos fundadores do grupo Sancari, e sua esposa dona Neire Prestes Rocha, que estiveram nos dias 06 (seis) e 13 (treze) de maio de 2014 relatando suas vivências com o grupo de carimbó em Belém do Pará. A disciplina Seminários Avançados III – Encontro de Saberes nos proporcionou o diálogo com o mestre da cultura popular, ministrando

aulas.

Participaram

desta

experiência alunos do curso de Mestrado em

optamos

por

buscá-los

no

Carimbó é “dança rural; tambor. Comum no Pará e Maranhão, onde é atrativo para manter o homem no seu meio. As mulheres ficam mais paradas, os homens saracoteiam a sua frente, evitando serem cobertos pelas saias das mulheres (banho). Dançase ao som de pequeno conjunto instrumental, predominando os tambores do carimbó na marcação do ritmo. L. C. Cascudo redigiu verbete próprio no Dic. Folcl. Bras. (1954: 1956), ampliado na 2ª edição (1962, I: 184), com a colaboração de Bruno de Menezes. V. Salles e Marena I. Salles publicaram a pesquisa “Carimbó: trabalho e lazer do caboclo” (RBF, 1969). DIC.: Chermont: “Atabaque, tambor, provavelmente de origem africana. É feito de um tronco, internamente escavado, de cerca de um metro de comprimento e de 30 centímetros de diâmetro; sobre uma das aberturas se aplica um couro de veado, bem entesado. Senta-se o tocador sobre o tronco, e bate em cadência com um ritmo especial, tendo por vaquetas as próprias mãos. Usa-se o carimbó na dança denominada batuque, importada da África pelos negros cativos (1906:23, 1968:20).

Artes do PPGARTES-ICA/UFPA e convidados dos grupos de pesquisas GPMIA e GEMAM,

O conceito de Carimbó encontrado na

estando presentes os professores Doutores

Enciclopédia da Música Brasileira: Popular,

Sonia Chada, Liliam Barros e Paulo Murilo.

Erudita e Folclórica é:

Partimos

para

o

levantamento

bibliográfico específico para a temática do carimbó. A dificuldade primeira foi a de como “adaptar” nossa forma de perceber e

compreender

tal

manifestação

em

teorias acadêmicas relacionadas a outras

s.m. Dança brasileira de origem incerta, registrada na ilha de Marajó e arredores de Belém- PA, em São Luiz–MA e nas zonas de lavradores e pescadores do Salgado, Curuçá, Marapanim e Maracanã-PA. Parece mais ligada aos fandangos que a origens africanas, pois se trata de dança de salão, durante os festejos natalinos. Talvez se assemelhe aos lundus primitivos… Acompanhamento: carimbó, pandeiro,

TUCUNDUBA 101


tambor, reco-reco, marimba e eventualmente instrumentos de corda. Em Bragança-PA existe uma dança muito semelhante ao carimbó, chamada retumbão.

De acordo com o dossiê do Inventário Nacional de Referências Culturais do Carimbó – INRC (2013), a palavra carimbó vem do Tupi Korimbó, é composta pela junção de curi (pau

de Alan Merriam que envolve conceito, comportamento e som, elementos que ao serem analisados nos auxiliarão na compreensão de uma leitura da prática do carimbó do grupo Sancari, que segundo o mestre Lucas, embora em área urbana, apresenta expressão interiorana.

oco) e m’bó (furado, escava), assim significa pau que produz som. Esse documento foi elaborado entre 2008 a 2013 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, resultante de pesquisa realizada no Estado do Pará em “150 localidades e em cerca de 45 municípios resultando em 415 entrevistas”1, e indica que o carimbó foi criado no século XVII, pelos negros que habitavam a região da Amazônia, no Estado do Pará, sofrendo influências da cultura indígena e europeia. Observamos

que

controvérsias

sobre a origem desta dança e/ou ritmo, mas o que queremos abordar é o Carimbó como uma manifestação que transcende um estilo musical e/ou dança realizada em várias localidades do Estado do Pará e em especial na zona do Salgado, de onde mestre Lucas é filho; uma manifestação rica de saberes e fazeres redimensionada a partir da sua vivência como mestre de carimbó, como expressão interiorana na área urbana de Belém, um convite a compreender o que diz este mestre sobre ele e sobre o que o seu grupo faz. Cada fazer tem seu discurso, e cada discurso, em se tratando de manifestações, tem seu resultado sonoro, e é a partir desse pensar que chegamos ao Modelo Tripartite

SANCARI – VARIAÇÕES NOMINAIS E REPERTÓRIO Há trinta e três anos atrás, com sete anos de idade, o senhor Lucas Pacheco Bragança, conhecido como Mestre Lucas, veio morar em Belém do Pará, residente da Pedreira, bairro do samba e do amor, como é conhecido. O mestre com orgulho lembra como surgiu o nome do grupo, antigamente denominado Samcariboi, e que poderia ser traduzido como os estilos de repertório tocados pelo grupo na época, a saber; samba, carimbó e boi. Depois passou a se chamar Sancariboi, que segundo ele preferiu tirar do repertório o samba, e posteriormente o boi, sendo assim passaram a se chamar Sancari, porque no repertório agora somente o Santo Carimbó era tocado. Analisando a história contada pelo mestre Lucas, fez-se relação com o modelo Tripartite

de Alan

Merriam,

conceito,

comportamento e som. A nomenclatura e significado do nome do grupo traz o programa a ser tocado, ou seja, o próprio repertório ao qual o grupo se especializou, o que escolheu tocar, aqui percebemos o pensamento prático materializado no próprio nome do grupo, que passou por “fases” de descobertas sobre o

1   Ver site IPHAN disponível em http:// www.iphan.gov.br acessado em 23 de junho de 2014.

102 TUCUNDUBA

repertório que poderiam tocar, chegando até


a negociação e decisão entre seus integrantes a partir da predominância do ritmo carimbó. O grupo agora, ao rever seu repertório muda de nome e passa a se chamar Sancari, san de santo, e cari de carimbó, o santo carimbó.

DE UMA RODA DE CARIMBÓ “SEM” COMPROMISSO AOS PALCOS DE CASAS NOTURNAS E GRANDES EVENTOS NO PARÁ E EM OUTROS ESTADOS DO BRASIL

Percebe-se a grande valorização do ritmo sobre os outros e sua “divinização”, se assim, podemos dizer.

Dona

Neire,

esposa

do

mestre

Lucas, ajudou a lembrar como se formou

Segundo Mestre Lucas, o Sancari

o grupo. Segundo ela, no início era algo

é um grupo de carimbó urbano, pois foi

meio “desorganizado”, tocavam nas casas

formado na cidade de Belém, embora 99%

por uma grade de cerveja e assim iam, se

de seus integrantes sejam interioranos dos

ganhavam camisas de apoiadores, ao final

municípios da Zona do Salgado, Cafezal,

da apresentação davam as camisas3, ela viu

Marapanim, Bragança, Cachoeira do Arari,

que o grupo precisava de algo mais além

Curuçá e outros. A temática das músicas se

do tocar, cantar e dançar o Carimbó, e aí

reporta à “essência” do carimbó; ou seja,

passou a organizar a agenda, se preocupar

a natureza, o dia-a-dia dos pescadores e

com as “roupas” de apresentação, ou seja,

seus “causos”. Apesar de o grupo residir

com a retaguarda do grupo, melhor dizendo,

na cidade de Belém cativa a temática do

produção, e então passou a estudar sobre

“carimbó tradicional” da região interiorana.

o que é o ritmo e a dança do Carimbó e

O repertório é constituído por músicas de

começar uma “luta” para o reconhecimento

compositores diversos e músicas autorais

e valorização do ritmo pela população local.

geralmente compostas por seu filho, que

Aqui

vemos

uma

mudança

no

estudou música na universidade, e que

comportamento a partir da reflexão do

também é responsável por ensinar crianças e

que e como tocar, antigamente, a reunião

jovens.

do “grupo” era considerada um tipo de

Percebemos aqui a preocupação de uma

brincadeira, que com o passar do tempo

continuidade à prática do grupo a partir do

se

ensino às crianças e jovens, vislumbrando

(performance)

“formar” novos integrantes a partir da

localidades, evocando sua beleza e o modo

vivência e do aprendizado que ocorre de

de viver do caboclo com a predominância da

forma oral e prática, se a criança ou jovem

região do Salgado. Mestre Lucas afirma que

deseja tocar instrumentos, cantar ou dançar.

embora morando na cidade, não esquece sua

Mestre Lucas fala com convicção: “No meu

terra, juntamente com os outros integrantes

“pedaço”, onde moro, tenho certeza que o

do grupo, e diz que aquela sonoridade é de

carimbó não vai morrer! ”2.

sua região. Observamos que há além da

2   Aula ministrada pelo mestre no PPGArtes-ICA/UFPA, realizada em 13 de maio de 2014

3   Depoimento dado pela dona Neire em aula ministrada pelo Mestre Lucas.

transformou da

numa

representação

sonoridade

de

suas

TUCUNDUBA 103


mudança do repertório a partir da reflexão do

passado realizou o quinto ano da iniciativa

que cantar, uma mudança no comportamento

objetivando comemorar no período de

do grupo, que agora, funciona de forma

17 a 24 de agosto o Dia do Folclore e o Dia

mais organizada e profissional, adquiriu-

Municipal do Carimbó na passagem Álvaro

se e agregou-se valor e significado a sua

Adolfo, bairro da Pedreira, Belém-PA,

prática musical, refletindo na sonoridade do

constando de uma vasta programação para o

grupo, o que os possibilitou certas práticas

público de todas as idades com brincadeiras

nunca vivenciadas pelo grupo, como convites

populares como quebra-pote, corrida do

em vários locais dentro e fora do Estado,

saco, amarelinha e outras; apresentações

e a repercussão e valorização do seu fazer

de grupos de folguedos populares; oficinas

musical.

de dança, flauta-doce, reciclagem; exibição

O Sancari participa ativamente dos

de curtas paraenses para o público infantil;

eventos realizados para a prática de

rodas de conversas sobre o carimbó e sobre

valorização e divulgação da Campanha

a Campanha Carimbó Patrimônio Cultural

Carimbó – Patrimônio Cultural Brasileiro

Brasileiro; cortejos pelas ruas de Belém e

lançada em 2008.

apresentações de grupos de Carimbó. Tal

Vale ressaltar que a Dança do Carimbó

iniciativa tem apoio cultural do Instituto de

foi declarada como Patrimônio Cultural e

Artes do Pará- IAP, Armarinho Progresso,

Artístico do Estado do Pará, através da Lei

CINE e outros.

n. 7.345, de 3 de dezembro de 2009, que objetiva:

Observamos o grande empenho deste grupo em criar mecanismos para a prática, divulgação e valorização do Carimbó na

preservar, conservar e proteger as formas de expressão, objetos, documentos, fantasias e músicas da Dança Carimbó” (Art. 2°), bem como inclui também o “carimbó nos calendários: histórico, cultural, artístico e turístico anual do Estado do Pará” (Art. 4°), “cabendo a ele através dos órgãos gestores a política estadual de cultura, registrar, manter e garantir os patrimônios documentais, fonográficos e audiovisuais das entidades civis de direito privado organizadas na representação” (Art. 5°) desta dança.

O grupo Sancari desde 2004 participa ativamente de festivais de música em Marapanim (PA), Santarém Novo (PA), Belém (PA), Mosqueiro (PA), Cachoeira do Arari (PA), Ourém, São Paulo (SP) e Maringá (PR) conquistando sempre os primeiros

sociedade, buscando envolver a comunidade do seu famoso “pedaço”, a passagem Álvaro Adolfo. A partir da fala do mestre Lucas Bragança foi possível observar a visão do carimbó, com base na sua vivência no grupo Sancari. Nettl (2005, p. 178) aponta que: Músicos são melhores em fornecer pontos de vista de suas próprias vidas, e enquanto eles podem e desejam realmente lançarem-se em um tipo especial de luz, eles provavelmente têm mais dados factuais disponíveis sobre si mesmos na memória do que eles têm sobre a cultura de seu povo como ele pode ter mudado ao longo de uma série de décadas. Mas, além disso, o estudo de indivíduos também nos diz como eles se veem em sua própria cultura, e como eles representam a si mesmos.4

lugares. Realiza além de apresentações uma programação especial dentro do seu Projeto Pau e Corda do Carimbó, que no ano

104 TUCUNDUBA

4   Musicians may be much better at providing views of their own lives, and while they may indeed wish to cast themselves


que essa mudança pode ser compreendida a Baseado nas lembranças individuais do

partir de quatro processos distintos, que são:

mestre é possível compreender o carimbó

inovação, aceitação social, performance e

de forma ampla, pois Halbwachs (1990)

integração.

expõe que não existe memória puramente

A inovação (1989, p. 307) é definida

individual, em virtude de o indivíduo estar

“como uma recombinação de conceitos de

envolvido em um contexto social coletivo,

duas ou mais configurações mentais em

sofrendo as influências desse meio. Enne

um novo padrão que é qualitativamente

(2004, p. 1), a partir de influência de E.

diferente de formas existentes”. No caso do

Durkheim, diz que a memória coletiva pode

grupo Sancari observa-se na mudança de

ser sentida:

repertório um novo fazer musical a partir da tomada de decisão pela predominância do

como aquela que é referendada pelo (s) grupo (s) com o qual se convive e do qual extraímos nossas lembranças. É preciso não esquecer que as lembranças, ao contrário das referências históricas, pertencem ao e estão no indivíduo, mas isso não as tornam únicas e individuais. Mesmo a lembrança aparentemente mais particular possui um caráter particularista, remetendo a um grupo, a um contexto de interação.

Blacking (1979) aponta que o fazer musical é reinventado pela interação social e diz que “a criação de música pode ser descrita como uma partilha de sentimentos íntimos em um contexto social através de extensões de movimento do corpo, em que certas capacidades específicas da espécie são modificadas e estendidas através da experiência social e cultural”. O carimbó faz parte do cotidiano paraense desde o século XVII, porém essa manifestação vem sofrendo mudanças ao longo dos anos, visto que como diz Spradley e McCurdy (1989, p. 302), “cada cultura está em um constante estado de mudança”, indicam

carimbó o que gerou aceitação social. Aceitação Social consiste em “ensinar sobre uma inovação, aceitar isso como válido, e então revisar o conhecimento cultural deles para incluir a nova configuração (idem, p. 324). Observamos que os integrantes buscaram nova forma de se relacionar e compartilharam essa nova forma em sua prática musical, pois, agora o grupo ampliava seu fazer agregando novos conhecimentos e estudos sobre o que faziam e como deveria ser apresentada essa mudança para a sociedade, então a performance acontece a partir do momento que uma inovação é utilizada por alguns membros de uma sociedade para interpretar experiência e/ou para gerar comportamento (idem). O grupo Sancari a partir da inovação e da aceitação social aperfeiçoou o processo de produção do fazer artístico do grupo, refletindo na sua forma de se apresentar enquanto grupo de carimbó. Sendo assim, foi gerado também uma mudança na performance do grupo ganhando visibilidade na sociedade.

in a special kind of light, they probably have more factual data available about themselves in memory than they have about the culture of their people as it may have changed over a series of decades. But beyond this, the study of individuals also tells us how they see themselves in their own culture, and how they represent themselves.

Seeger (2004, p. 238), relata que: Antes dos músicos iniciarem sua performance eles devem ter passado por um longo treinamento

TUCUNDUBA 105


em alguma tradição musical, a música que eles executam deve ser significante o suficiente para justificar a eles e à audiência o tempo, o dinheiro, a comida ou a energia utilizada no evento.

quando as inovações são legitimadas e a partir dessa aceitação surgem várias adaptações para serem integradas a cultura existente. Spradley e McCurdy (1989, p. 320), diz que

Blacking (2007, p. 204) diz que “toda

inovação “refere-se ao processo de ajustes

performance musical é, num sistema de

que ocorrem como consequência da adoção

interação social, um evento padronizado

de uma inovação”, importante ressaltar que

cujo significado não pode ser entendido ou

esse é um processo contínuo.

analisado isoladamente dos outros eventos no sistema”.

Abaixo uma síntese da manifestaçãocarimbó do grupo Sancari com base na visão

Dando continuidade ao pensamento

de Spradley e McCurdy (1989):

de Spradley e McCurdy, a integração ocorre

Configurações Culturais PROTÓTIPO

ESTIMULO

Elementos da configuração

Grupo de carimbó pau e corda/ Tradicional/de “raiz”

Lembrança e execução do fazer musical de suas localidades. Projetos culturais; divulgação nacional; participação em festivais de música no Brasil.

Identidades

Grupo Samcariboi

Performance de interioranos dos municípios da Zona do Salgado de Cafezal, Marapanim, Bragança, Cachoeira do Arari, Curuçá e outros na área urbana de Belém.

Grupo Sancari

Natureza da performance

Dança e Música do grupo Sancari de carimbó (pau-ecorda)

Produções musicais (Apresentações, CDs) e dramáticas (dança)

Bem material e riqueza

Bens especiais confeccionados (curimbó e outros instrumentos) CDs e shows

Dinheiro e reconhecimento

Direção de troca de riqueza

Carimbó de “raiz” Das performances para o público

Do público para os performances

Finalidade e função

Para validar o carimbó como patrimônio brasileiro; status e reconhecimento por ser um grupo de “raiz”.

Para ganhar dinheiro e reconhecimento

106 TUCUNDUBA


Maçaranduba6 .

CONFECÇÃO DE INSTRUMENTOS DE PERCUSSÃO

Dando prosseguimento ao processo de fabricação do curimbó, é iniciada a tarefa de escavação até se chegar à espessura

formação

desejada, para se executar sons mais grave

instrumental do Sancari é: dois curimbós,

ou agudo. Utiliza-se a pele de animal (boi ou

banjo, que antigamente poderia ser viola,

búfalo) para o fechamento e revestimento

milheiro de latão, maracas, pauzinhos (clavas)

de uma das extremidades desse cilindro cuja

para marcar a pulsação, clarineta ou sax, ou

afinação é refinada por tarraxas feitas de pino

flauta de bambu, PVC ou outros materiais.

de madeira. Tal instrumento é herdado dos

Durante a disciplina nos foi demonstrado o

escravos.

Segundo

D.

Neire,

a

processo de construção de curimbós. Mestre

Foram também confeccionados outros

Lucas se “especializou” na confecção desses

instrumentos como o milheiro e as maracas,

e outros instrumentos dessa manifestação,

ajudando-nos a compreender a sonoridade

iniciou seu processo de aprendizagem

dos instrumentos a partir de sua fabricação.

observando os antigos a realizarem tal ofício e depois passou a sozinho confeccionar os instrumentos e a ensinar crianças e jovens. O Curimbó5 - Mestre Lucas nos mostra

O ENCONTRO DE SABERES - DO ESTRANHAMENTO À REFLEXÃO

dois grandes cilindros de madeira que são utilizados para a confecção do famoso

A experiência do contato com um

Curimbó, o instrumento mais importante do

professor-mestre da cultura popular em

Carimbó. Tal instrumento é feito do tronco de

uma disciplina de pós-graduação causou-

árvore do mangue, que segundo o mestre,

nos inicialmente grande surpresa, embora

não precisa derrubar a árvore para a sua

todas nós de alguma forma tenha a vivência

fabricação. A madeira deve ser forte como a

com repertórios que advém do contexto popular e o exercício de pesquisa de obras de mestres no contexto de nossa cultura.

5   “O mesmo que carimbó. Grande atabaque de origem africana, feito de um tronco oco, com cerca de um metro de comprimento por 30 cm. de diâmetro. Usado na dança homônima do Pará e também no batuque. Montado no instrumento, o tocador percute-o com as mãos”. Ver ENCICLOPEDIA DA MÚSICA BRASILEIRA: POPULAR, ERUDITA E FOLCLÓRICA.

6   “Maçaranduba Nome científico: Manilkara spp., Sapotaceae. Observação: a Madeira de maçaranduba pertence ao grupo de espécies do gênero Manilkara que produzem Madeiras pesadas, duras, de coloração castanho-avermelhada. Dentre essas espécies, pode-se mencionar Manilkara amazônica (Huber) Chevalier (sinônimo M. bidentata subsp. surinamensis (Miq.) Penning.; M. cavalcantei Pires & Barb. Rodr. ex Penning.; M. huberi (Ducke) Chevalier; M. inundata (Ducke) Ducke. Essas Madeiras recebem nomes vulgares típicos em suas regiões de ocorrência, como aparaiú, marapajuba-davárzea, maçaranduba, marapajuba, maçaranduba-de-leite e maçarandubinha, na Amazônia; maçaranduba e paraju, no sul da Bahia até as regiões Sul e Sudeste. Como essas Madeiras são semelhantes nas suas características e têm o mesmo valor no comércio, nesta ficha são tratadas em conjunto, sendo mencionada a espécie, quando pertinente” Disponível em: <http://www.ipt.br/informacoes_madeiras/4.htm>

TUCUNDUBA 107


Todas são professoras de música e regentes, seja de coro ou de banda.

Em seu artigo “Los estúdios culturales

Inquietude e

estranhamento se deram no sentido de lidar

em

América

Latina:

Interculturalidad,

com o espaço em que estávamos; um curso de

acciones afirmativas e encuentro de saberes,

pós-graduação, e a proposta de se encontrar

Carvalho (2010, p. 244) comenta que o

um mestre ensinando como se constrói um

Encontro de saberes (UnB) será a primeira vez

curimbó. Pensamos: O que esta ação teria a

em que pessoas sem formação acadêmica

ver com nossa formação em mestres no curso

ocidental ditarão classes convencionalmente

de Pós-Graduação em Artes do Instituto de

como professores em universidades públicas

Ciências da Arte da Universidade Federal do

brasileiras onde um dos temas chave da

Pará? Temos 24 meses para construir uma

ruptura acadêmica com o modelo euro

pesquisa para neste período obtermos o

centrismo será a oralidade, ponto central

título de mestres. Mas o que a construção de

nas práticas culturais de tradição africana e

um instrumento nos revela e nos conecta a

indígena. Afirma também que os mestres e

esta realidade? Antes de nos aprofundarmos

mestras trarão essa cena da oralidade para

nesta questão, vamos saber um pouco mais

o nosso mundo acadêmico onde os mesmos

sobre o projeto Encontro de Saberes, que está

rejeitaram em sua constituição.

vinculado ao Instituto Nacional de Ciência

A partir daí com a disciplina sugerir

e Tecnologia de Inclusão no Ensino e na

uma intervenção que envolva o modelo

Pesquisa – INCTI, na Universidade de Brasília

universitário

– UnB- INCTI segundo Carvalho (2014):

executar essa inovação em vários planos

disponível

simultaneamente O objetivo é “propiciar um espaço de experimentação pedagógica e epistêmica e de promoção da diversidade cultural no ensino superior capaz de inspirar resgates de saberes e inovações que beneficiem a todos os envolvidos – estudantes, aprendizes, mestres e professores universitários” (Projeto Executivo, 2012). O INCTI/ UnB desenvolve ações de pesquisa e inclusão pioneiras e, há quatro anos, através do Projeto Encontro de Saberes, participa ativamente de ações afirmativas de valorização dos saberes tradicionais dos mestres da cultura popular que atuam como professores nas unidades envolvidas. Este projeto está sendo replicado na Universidade Federal de Minas Gerais, na Universidade Estadual do Ceará e na Universidade Federal do Pará, congregando a Rede Encontro de Saberes. As atividades resultantes do projeto integram a oferta de disciplina regular, seminários, exposições e oficinas. O projeto Encontro de Saberes nas Universidades Brasileiras, com a proposta de abertura de uma cátedra de saberes tradicionais, ministrada por mestres e mestras é, provavelmente, uma iniciativa totalmente inédita e inovadora na história das nossas universidades (Projeto executivo, 2012).

108 TUCUNDUBA

ordem

para

como:

institucional

que

inovar

Inovação

e na

favoreça

a

interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade; Uma política de inclusão por meio de ações afirmativas para estudantes indígenas e estudantes afros; Expansão do universo do conhecimento para se deslocar de faculdade para uma monoepistémica multiepistémica universidade;

Uma

reestruturação

de

conhecimento e teorias sobre a linha dada por Wallerstein para superar as duas culturas de CP Snow; Uma reestruturação educacional. Uma expansão radical do corpo docente da universidade, incluindo professores e acadêmicos indígenas e professores afros como cursos regulares de diferentes raças, em constante diálogo com os colegas na formação exclusivamente europeia.


Desta forma, segundo Carvalho (2010,

mais interativa e participativa, que leva ao

p. 241) assim teremos reconhecimento

quase desarmamento e até esquecimento

e a valorização do conhecimento afro e

das exigências do dia-a-dia, necessitando

indígenas que foram totalmente excluídos

de tempo para sentir confiança; De outro, a

e desqualificados ao longo dos últimos

urgência de saber lidar com prazos, criação

quinhentos anos de repúblicas coloniais

de artigos, projetos, dissertações, e em meio

e racistas exclusivo: “A meu ver, a tarefa

a tudo isso nosso simples ser e a dificuldade

dos

de

de se lidar com o tempo cronológico e

multiculturalismo deve ser parte desse

“lógico” do programa, em que a cada fração

projeto de refundação do nosso universo

de segundo estamos mais próximos do fim.

acadêmico”.

E qual o fim do conhecimento a não ser servir

estudos

Diante

culturais

de

e

iniciativa

políticas

“inovadora”

ao bem estar humano? Em algum lugar no

precisamos seriamente fazer grande revisão

passado esquecemo-nos do fundamental

do processo de ensino-aprendizagem em

em qualquer processo que envolva humanos,

nossas universidades, mas como propor

sermos simplesmente humanos, criar um

um espaço de reflexão em um sistema tão

espaço de reflexão, de ouvir o outro, o

rígido que valoriza notas, conceitos, e uma

Encontro de Saberes parece ser um grande

única forma de aprender, atrofiando a visão

exercício de humildade, onde nenhum “título”

de quem é mestre, quem é aprendiz, ou

nos diferencia ou distancia, poder olhar nos

simplesmente e tão complexamente quem

olhos, cumprimentar um ao outro, valorizar

aprende, ensina; ensina, aprende, ouve,

o conhecimento adquirido de amplas, ricas

questiona, dialoga, faz junto? Carvalho

e diferentes formas e saber conviver com

(2014) afirma que “a universidade é racista no

a alegria de se saber mais sendo mais, mais

imaginário”, de “saberes” com “alma branca”

humanos. Talvez essa “inovação”, não seja

que nascem de um formato ocidental.

O

tão inovadora quanto pensamos, parece

que sentimos e vivenciamos, revela-nos uma

que ganhamos um espelho ao olhar para o

encruzilhada, de um lado; nossa sensibilidade

semelhante, e ver que apesar das diferenças

humana e artística, de ouvir, dialogar, se

merecemos as mesmas coisas, viver com

permitir uma apropriação de conhecimento

dignidade respeitando uns aos outros.

TUCUNDUBA 109


SAIBA MAIS AMARAL, Paulo Murilo Guerreiro do. Tradição e Modernidade no Carimbó Urbano de Belém. Música e suas Interfaces, 2007. Disponível em: <http://www.overmundo.com.br/overblog/ tradicaomodernidade-no-carimbo-de-belem.> Acessado em: 02 de maio de 2014.

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TUCUNDUBA 111


Representação da árvore Tauari

112 TUCUNDUBA


A CULTURA E A MÚSICA DO POVO TEMBÉ: Experiência do Encontro de Saberes no Programa de Pós-Graduação do instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará Jose Antonio Salazar Cano Letícia Silva e Silva

ENCONTRO DE SABERES: CULTURA DO POVO TEMBÉ

A

na aldeia do Rio Gurupi. O acesso para tal aldeia se dá através de uma estrada de terra a cerca de duzentos e sessenta quilômetros

O presente artigo foi elaborado a partir do

do município de Paragominas, no Estado

contato com Leosmar Lima Tembé, o mestre

do Pará, na divisa com Maranhão. Além das

indígena Tixnair, realizado no decorrer da

atividades comuns em sua aldeia, o mestre

disciplina Seminários Avançados III: Encontro

Tembé realiza um importante trabalho de

de Saberes, do Programa de Pós-Graduação

ensino em projetos de resgate da língua e das

em Artes da Universidade Federal do Pará,

tradições culturais em diversas comunidades

que propõe um espaço de experimentação

Tembé e instituições de ensino como, por

pedagógica e epistêmica que possibilite o

exemplo, universidades.

resgate de saberes tradicionais, assim como

Segundo depoimento do Mestre Tixnair

o diálogo entre a visão do pesquisador e a

descrito durante as aulas no Encontro de

visão do mestre da cultura.

Saberes, de acordo com relato de seu pai,

Os Tembés formam um subgrupo

anteriormente, havia nove mil Tembés. Após

derivado dos Teneteharas e vivem nas terras

o contato com os “brancos” não indígenas

do Alto Rio Guamá, no Estado do Pará, na

ocorreram muitos conflitos ligados à posse

fronteira com o Maranhão.

de terras, sobretudo com madeireiros

Tixnair Tembé – Mestre Tembé – vive

e

garimpeiros.

Também

ocorreram

TUCUNDUBA 113


contaminações por vários tipos de doenças

acesso a uma grande diversidade de produtos

como malária e o sarampo. Justificando,

e alimentos industrializados comprados nas

assim, que esses são alguns dos fatores que

vilas e cidades próximas às aldeias.

determinaram o extermínio de muitos índios

Para melhor compreensão da turma,

e corroboraram para a separação do povo

a respeito do povo Tembé, o Mestre narrou

Tembé.

sobre a criação do mundo através da história

Descreveu que atualmente, na sua

do “Deus Maíra”, que vivia queimando a

aldeia, já existe um sistema de saúde e

terra neste mundo e assim queimou todas

educação geridos pelo município, onde

as florestas. Quando resolveu plantar as

são lecionadas diversas matérias tanto da

sementes, encontrou uma lagarta e disse

grade comum das escolas regulares como

para ela que se casaria caso ela fosse uma

por exemplo a matemática, como também

mulher. Após algum tempo ela apareceu

são ofertados conteúdos pautados nas

em forma de mulher e se entregou a ele.

necessidades cotidianas da aldeia, como as

Assim eles se casaram, ela engravidou e

noções de tempo, distância, quantidades

ele criou várias roças. Posteriormente ela

de rios, árvores, plantas medicinais, tipos

também engravidou do Mucura, entidade

de caças etc. Contudo a tradição Tembé é

que representa o reino animal. Mairaí,

mantida, e os ensinamentos são transmitidos

representação de Jesus, filho do Deus Maíra

de pai para filhos.

e o Mucuraí filho de Mucura, estavam na

A seguir Tixnair ressaltou que a aldeia do

barriga da mãe que havia sido devorada

Rio Gurupi é a maior aldeia do povo Tembé

pela onça. Dentro do útero, Mairaí doava

com aproximadamente dois mil e duzentos

parte do poder herdado de seu pai Maíra ao

habitantes e que além dessa existem mais

seu irmão Mucuraí. Ao nascerem, a Onça

quatro, localizadas nas terras indígenas do

Velha não conseguia matá-los e, por isso,

Alto Rio Guamá: Capitão Poço com seiscentos

resolveu criá-los e em menos de seis meses

habitantes, Santa Luzia com duzentos e

eles já estavam desenvolvidos como adultos.

cinquenta habitantes, Santa Maria com

Certa vez tiveram a ideia de matar a Onça

cento e oitenta habitantes e a reserva Turé-

Velha para vingar a morte da mãe, assim

Mariquita, do Rio Acará, em Tomé Açu, com

transformaram piranhas, cobras e jacarés

quatrocentos e cinquenta habitantes.

nos rios para que devorassem a Onça. Na

Os Tembés vivem da caça, pesca, coleta

volta para a aldeia levaram frutas para a

de frutos e do plantio nas “roças”, as quais

Onça Velha, quando ela atravessava a ponte

a produção além de servir para sua própria

Mucuraí cortou a corda fazendo com que ela

subsistência também é comercializada.

caísse no rio. Assim seguiram o caminho até

Mestre Tixnair descreveu que em sua aldeia

encontrar Maíra, que logo reconheceu seu

também já se teve como atividade econômica

filho, porém sabia que Mucuraí não era seu

a confecção e venda de acessórios indígenas

filho, então resolveu testá-los para saber se

para lojas de artesanato em Belém, onde

eles tinham conhecimento e poder. Mandou

a renda obtida com o comércio permitiu o

primeiro que Mairaí fosse ate à beira do

114 TUCUNDUBA


Desenho apresentado aos mestrandos pelo Mestre Tixnair sobre as pinturas corporais Tembé (Fonte: Letícia Silva)

rio, lá ele encontrou um pescador. Depois

pedagógico para facilitar a aproximação com

mandou Mucuraí, que ao chegar ao destino

os indígenas durante a colonização.

faleceu. Sentindo a falta do irmão, Mairaí na forma de uma grande formiga tucandeira, saiu à procura de Mucuraí e encontrou sua

A MÚSICA TEMBÉ

ossada, juntou tudo para ressuscitá-lo. Os dois passaram por outras diversas provações

Embora também possuam músicas de

até que Mairaí percebeu que seu pai queria

caráter não ritualístico, a música ancestral

matar o Mucuraí, e assim o indagou. Irritado,

dos Tembés está mais relacionada aos rituais,

Maíra partiu deste mundo e Mairaí ficou para

porém Mestre Tixnair relata que temas

proteger os Tembés.

famosos do cancioneiro popular também já

Quando Mestre Tixnair diz que Maíra é

pertencem ao universo sonoro da aldeia. Isso

Deus e Mairaí é Jesus, nota-se aí não apenas a

provavelmente se dá devido ao processo de

presença de certo sincretismo religioso, mas,

aculturação com a forte influência a partir do

sobretudo indícios de uma herança secular do

contato com a “cultura dos brancos”. Ele diz

domínio bélico e ideológico europeu imposto

ainda que foram produzidos livros didáticos

pela igreja católica através da catequese

para o ensino da música Tembé e que já

que era utilizada como recurso político e

existe uma iniciativa para registro de áudio

TUCUNDUBA 115


em estúdios.

do dia, sendo assim existem aquelas criadas

Descreve alguns instrumentos, um deles

para serem cantadas durante o dia e aquelas

é um tipo de corneta feita de madeira de cedro

para serem executadas à noite. Muitas

com cerca de um metro de comprimento,

delas servem para explicar ou descrever a

ornamentada com traços geométricos da

fauna, flora, fenômenos e espíritos. Algumas

cultura Tembé, que é utilizada no dia a dia,

funcionam num esquema de pergunta

em momentos de festa, em banhos de rio e

e resposta, enquanto o primeiro canta

também para anunciar a chegada de canoa

a pergunta, em seguida o outro entoa a

a outra aldeia; é mais usada quando se está

resposta; mestre Tixnair diz que esses cantos

próximo do rio, pois funciona melhor quando

não possuem versos criados previamente,

está molhada. Outro importante instrumento

mas que esses versos são improvisados por

sagrado é o maracá, tipo de chocalho feito

quem canta.

com uma pequena cabaça esférica adornada

Como músicas para serem cantadas à

com penas, contendo em seu interior certa

noite, ele cita: Canto do Pica-Pau (Ipeku),

quantidade de sementes, tocado somente

Canto do Vento (Iweto), Canto da Onça

por homens em dias específicos de rituais.

(Zawar), Canto do Curupira (Karapira), Canto

Aos rituais também são incorporados

da Saracura (Arakur), Canto da Sururina

um conjunto de acessórios artesanais como

(Tururi), Canto da Cigarra (Akiran), Canto

cuias, cocar, tipitis, “estrelas” e as pinturas

do Macaco (Kati), Canto do Macaco Kuxiú

corporais realizadas pelas mulheres com as

(Kuxihu), Canto de Socó (Hoko), Canto do

tinturas de diversas cores extraídas de fontes

Macaco da Noite (Tupaxi), Canto do Macaco

como urucum, breu, jenipapo e carvão; cada

Juparar (Kuwi’a), canto do Bem-te-vi (Pitawã),

pintura possui um significado específico.

Canto do Guariba (Wariwa), Canto da Flor

É através dos cantos que o Pajé recebe o

( Ma’e Putyr), Canto do Amanhecer do Dia

poder espiritual e a autorização para realizar

(Ku’Emare), Canto do Jenipapo (Zanypaw),

outros trabalhos ou cantos de cura. Nos

Canto do Vagalume (Vag), Canto do Pinto

rituais existem os “cigarros” feitos com casca

Pelado (Zapukar), Canto do Apaixonado

de tauari que são utilizados na defesa contra

(Zaio), Canto do Pindaré (Kagahy Pàwàm),

maus espíritos. O “cigarro de cura” pode ser

Canto do Inambú (Inambu), substância que

usado tanto para tirar como para pôr feitiço

é o principal remédio da Festa da Menina

de caruara e quebrante. Mestre Tixnair

Moça, Canto de Tucano (Tukano), Canto da

conta que já não existem muitos Pajés com

Pergunta (Marazewe Ereiko), para pessoas

antigamente; talvez isto ocorra por conta da

que são de fora da aldeia que vão para

influência de igrejas e cultos não pertencentes

realizar projetos, associações etc e, Canto do

a cultura Tembé que se encontram presentes

Uirapurú (Wirapuru Wukamarar).

na aldeia e que podem ter enfraquecido a

Entre as músicas para serem executadas

crença no Pajé e na religiosidade ancestral

durante o dia, Mestre Tixnair, cita: Canto

Tembé.

do Gavião (Wyrahu), Canto de Tesoura

As músicas são divididas pelos turnos

116 TUCUNDUBA

(Tapetapem), Canto da Águia (Japocani),


Canto do Aracuã (Arakwá), Canto da Nuvem (Ywak), Canto da Tarde (Karuk), Canto da

FESTA DA MENINA-MOÇA

Capoeira (Kokaiwepe), Canto do Macarapi (Makarapy), Canto da Chegada (Awyze),

A festa da menina moça é um ritual

cantado quando se chega em uma aldeia para

realizado para comemorar a passagem da

cumprimentar e agradecer, Canto do Início

“menina-criança” para a “menina-moça”.

(Azegar Tamo Rihixe), Canto da Curupira

Durante a 1ª menstruação a mãe e a avó

(Ka’azar), Canto da Mãe da Água (Yzar),

são as responsáveis pelo banho de jenipapo

Canto dos Espíritos (Teko A’G), pois existem

na moça. Depois esta é levada para uma

vários tipos de espíritos, bons e ruins, Canto

“Tucáia” – espécie de maloca feita de palha

da Borboleta, Canto da Maracá (Maraka),

de açaizeiro (ver ilustração abaixo) –, ficando

Canto da Caruara (Karuwar), tipo de feitiço

recolhida na maloca por 5 a 6 dias.

em que se usa o cigarro, Canto do Pajé (Paze

Após uma ou duas semanas é realizada

Zegar), existem momentos certos para

a Festa do Mingau, com duração de 24 horas.

cantar, Canto de Peixe (Pira Zegar), Canto

Durante toda a noite é tocado o maracá e feita

de Cobra Coral (Axawoz), Canto de Peixe

a distribuição do mingau. Ao nascer do sol a

Boi (Tapi’ir Pira), Canto de Tanga (Hopoz)

Festa do Mingau é encerrada com cânticos.

relacionado à vestimenta masculina, Canto

Em seguida, ocorre a Festa do Moqueado.

de Cocar (Wazay), que é usado apenas em

Geralmente o período dessa festa dá-se de

rituais, Canto de Andorinha (Wiriri), Canto de

Junho a Julho, há uma reunião para organizar

Taquari (Takuari) e, Canto da Ema (Wyranu).

e dividir as tarefas da festa com a participação de outros integrantes de outras aldeias. Os

Música de Agradecimento

homens são responsáveis pela caça e a pesca

(Autor: Tixnair Tembé)

e as mulheres preparam os maracás, cocares, colares e tangas.

Heta zane ma’ e kwapaw 2x Ko tàri; zanawe kury. Txiko wiwi kwaw, kwehe arer. Wazewe zane kury no. Heta wiwi zane ma’ e kwapaw 2x Zanawe a’ e kury no. Agora existe para nós a inteligência Hoje nós não estamos mais como antes Cada vez chega para nós Novos conhecimentos

Plumas e adereços ultilizados pelas índias moças Tembé

Modificada do site https://www.flickr.com/photos/ midianinja/10940409374/in/photostream/

TUCUNDUBA 117


Ilustração apresentada aos mestrandos pelo Mestre Tixnair sobre a Tucáia (Fonte: Letícia Silva)

Depois todos aguardam a chegada da caça. Servida para os presentes.

mesma forma não devemos julgar a aparente complexidade de uma prática musical, segundo o autor. Ressalta ainda que a questão da

CONSIDERAÇÕES FINAIS

complexidade na música torna-se importante quando se busca compreender o grau de

Blacking (2000), destaca que para

musicalidade humana. Há muitas sociedades

identificar o quão musical uma sociedade é

nas quais os membros são tão competentes

devemos perguntar quem ouve, toca e canta

em música quanto na língua falada, como

nessa sociedade e porque faz isso. Esta é

vivenciado por nós com o mestre Tixnair

uma questão sociológica, por isso não se

Tembé.

pode comparar música e seu significado em

Contudo, a função da música numa

sociedades distintas, como por exemplo, a

sociedade pode ser um fator decisivo em

vivência no Encontro de Saberes. Por esta

promover ou inibir a habilidade musical tanto

razão também não devemos julgar a eficácia

quanto afetar a escolha de conceitos culturais

da música ou os sentimentos dos músicos

e materiais com os quais se compõe música.

apenas a partir do que vemos e ouvimos. Da

Nós podemos não ser capazes de explicar

118 TUCUNDUBA


os princípios composicionais numa cultura,

a experiência humana e musical, como

como, por exemplo, na música apresentada

experienciada nesse encontro de saberes

pelo mestre Tixnair Tembé, os efeitos da

(idem).

música até que conheçamos a relação entre

SAIBA MAIS ALONSO, Sara. Os Tembé de Guamá: processo de construção da cultura e identidade Tembé. UFRJ, 1996. Disponível em: <http://pt.wikipedia. org/wiki/Temb%C3%A9s>. Acesso em: 12 Jun. 2014. BLACKING, John. How musical is man? 6ª Ed. Seattle: University of Washington Press, 2000.

<http://pib.socioambiental.org/pt/povo/ tembe/1695>. Acesso em: 12 Jun. 2014. <http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2013/01/ indios-tembe-desenvolvem-projeto-depiscicultura-em-tome-acu-pa.html>. Acesso: em 18 Jun. 2014. <http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ amazonica/article/viewFile/774/1060>. Acesso em: 18 Jun. 2014.

Representação Indios Tembé

Modificada do Jornal Eletrônico Agência Pará

TUCUNDUBA 119



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