Olha só! (4a. edição)

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A revista do Portuguese Flagship Program da Universidade do Texas Edição número 4 Ano: 2023

REVISTA OLHA SÓ Brasil Intercultural

Nota da editora

A quarta edição da revista Olha só! do Portuguese Flagship Program da Universidade do Texas em Austin está repleta de temas importantes sobre o Brasil, que tenho certeza irá agregar muita informação não apenas para a nossa comunidade brasileira, mas para toda a comunidade lusófona amante do idioma português espalhada em muitas partes do mundo. Nesta edição pude contar com a colaboração de vários parceiros e parceiras cujo os quais eu expresso aqui meus mais sinceros agradecimentos O ano de 2023 começou com novo governo presidencial e isso nos enche de esperança! A revista está recheada de textos com ótimas reflexões sobre cultura, política e educação. E também temos entrevistas incríveis sobre o candomblé, uma religião de matriz africana muito popular no Brasil, sobre a trajetótia do food truck Espadas do Brasil, uns dos pontos legais de comida brasileira em Austin e sobre a história musical de Hudson Lima, um violoncelista que recentemente terminou seu doutorado na Universidade do Texas.

Desejo a você uma ótima leitura!

Um abraço fraterno, Axe!

PORTUGUESEFLAGSHIPPROGRAM E D I T O R I A L - O F F I C E Department of Spanish & Portuguese 150 W 21st Street, Austin, Texas, 78712 BEN 2 116 | lindsey jamieson@austin utexas edu BEN 4 122 | denisebraz@utexas edu
PORTUGUESE FLAGSHIP PROGR E D I T O R I A L - O F F I Department of Spanish & Portu 150 W 21st Street, Austin, Texas, 2.116 | lindsey.jamieson@austin.ute 4.122 | denisebraz@utexas OLHASÓ!ISTHEMAGAZINEOFTHEPORTUGUESEFLAGSHIP PROGRAMATTHEUNIVERSITYOFTEXASATAUSTIN. Olha só! Número4-Spring2023 Editor-in-chiefDeniseBraz-GraduateResearchAssistant forthePFP

ÍNDICE

Atenção aos textos

PRETO NO PALCO - A INSURGÊNCIA DA CENA NEGRA NO RIO DE JANEIRO. CYNTHIA RACHEL PEREIRA LIMA..............................................................6 NOTAS SOBRE NUTRICÍDIO, ESPIRITUALIDADE E ANCESTRALIDADE AFRIKANA. EMERSON CALDAS ................................................................10 JOVENS NEGRAS/OS E O GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA: SUJEITOS POLITICAMENTE MULTIFACETADOS E PROTAGONISMOS EM AÇÕES POLÍTICAS INSTITUCIONAIS NO BRASIL. PAULO HENRIQUE FERREIRA DE FREITAS..................................................................................................15 BEMBÉ DO MERCADO: A FESTA DO 13 DE MAIO POR RITA HIPÓLITO...........21 20 DE SETEMBRO – A REVOLUÇÃO FARROUPILHA. RODRIGO MAIA............26 1 CINE-DEBATE: RESISTÊNCIAS NAS AMÉRICAS. POR LARISSA COSTA.......30 CORPOS BRANCOS NÃO SE PREOCUPAM COM CABELOS. POR DENISE DA COSTA ....................................................................................................33 ENTREVISTA COM O VIOLONCELISTA DOUTOR HUDSON NERES LIMA.......37 ENTREVISTA COM ROBINSON SOUZA DE FIGUEIREDO, PROPRIETÁRIO DA CHURRASCARIA ESPADAS DO BRASIL ......................................................46

A INSURGÊNCIA DA CENA NEGRA NO RIO DE JANEIRO

Falar do teatro negro é também falar sobre mim. É um olhar para dentro de quem cresceu tendo como referência artistas brancos em todas as esferas midiáticas. E quando decido falar sobre a insurgência do Teatro Negro carioca, preciso olhar para trás para entender a efervescência pulsante dos corpos negros na cena contemporânea. Quantos de nós, brasileiras e brasileiros, ou até mesmo pessoas que admiram a cultura brasileira, já nos deparamos com a pergunta: “onde estará a população negra do Brasil?”. Esse é um questionamento decorrente do que a mídia projeta enquanto referência de nação brasileira: a imagem de pessoas brancas, uma vez que, apesar de mais de 55% da população ser NEGRA, tal representatividade expressiva se mostra insuficiente em muitos segmentos da vida social, sobretudo na(s) arte(s).

PRETO NO PALCO -
ENCRUZILHADA FEMININA, 2018. DIREÇÃO: CYNTHIA RACHEL ESPERANÇA. FOTO: PRETO NO PALCO VALMYR FERREIRA
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Desse jeito, quando afirmo que falar sobre o teatro é falar sobre mim, me refiro a viver fatos similares ao de outros artistas negros: muitas vezes ser a única preta em muitos espaços; ser minoria em locais culturais; viver personagens que não gostaria de interpretar apenas para criar relações de pertinência com o “fazer arte”; contudo, o que mais causa desconforto, em todo esse contexto, é não ver mulheres e homens negros no seu ofício artístico por falta de oportunidade, espaço.

SOLANO - O VENTO FORTE AFRICANO, 2020. DIREÇÃO: GEOVANA PIRES | FOTO: PRETO NO PALCO VALMYR FERREIRA

Na história do teatro, por exemplo, há um histórico de propagação dessa realidade; na década de 40, foi preciso que Abdias do Nascimento [Ativista/Artista Plástico] criasse mecanismos político-culturais para a inserção de pessoas negras na dramaturgia cênica. Desta forma, nasceu o TEN - Teatro Experimental do Negro. É importante ressaltar que o surgimento do TEN não implica que artistas negras e negros já não estivessem fazendo suas artes. Todavia, todo esse experimentalismo teatral, que coloca o negro em primeiro plano, surge a fim de lançar mão de questões maiores como a invisibilidade e o ostracismo dos corpos fazedores de arte.

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No Brasil, durante décadas, artistas negras e negros foram colocados em sublugares da cena. Os papéis destinados eram: escravizados, domésticas, bandidos. Além da hipersexualização da mulher negra, personagens, geralmente, sem família, transitavam sem rumo dentro da dramaturgia. No início dos anos 2000, artistas começam a reivindicar representação na construção das histórias com a aparição de pessoas negras. No teatro, bandos de teatro, companhias de artistas se lançam à cena, muitas vezes sem patrocínio. Embora esses grupos promovam a arte "guerrilha" para realizar seus espetáculos, ainda não conseguem ter acesso aos espaços públicos de cultura devido às barreiras burocráticas que impedem as produções pretas.

LUIZ GAMA, UMA VOZ PELA LIBERDADE, 2019. DIREÇÃO: RICARDO MASK. FOTO: PRETO NO PALCO VALMYR FERREIRA

Nesse sentido, eu desejo que os artistas negros sejam lembrados pelo legado que deixaram no mundo das artes. Que suas obras promovam e divulguem uma arte plural, que conte histórias de poesia, beleza e superação, e que provoque o pensamento crítico. Bom e maravilhoso que a magia deste tempo presente não é somente ter a oportunidade de criar essas memórias pelo advento da fotografia, mas saber o que essa

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documentação vai gerar nas futuras gerações de crianças, adolescentes, jovens-adultos representados pelo que vêm sendo contado pelo registro cênico.

PRETO NO PALCO - A INSURGÊNCIA DA CENA NEGRA NO RIO DE JANEIRO, em suma, busca resgatar e preservar a memória da cena negra no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que promove a diversidade e a representatividade no teatro. A presença de artistas negros nos palcos é essencial para combater o racismo e construir uma cultura mais justa e inclusiva. A valorização das histórias e lutas dessas pessoas contribui para fortalecer sua identidade e senso de pertencimento.

O MENINO OMOLU, 2020. DIREÇÃO: CYNTHIA RACHEL ESPERANÇA.

FOTO: PRETO NO PALCO VALMYR FERREIRA

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NOTAS SOBRE NUTRICÍDIO, ESPIRITUALIDADE E ANCESTRALIDADE AFRIKANA por Emerson Caldas

Comecei a escrever esse texto após o primeiro dia da Jornada AKOMA em 2021, organizada pela Caroline Costa (@cozinhaeginga no Instagram), irmã que acompanho nas redes sociais, e que me inspirou a repensar a relação com a alimentação. Discutimos durante a jornada, o livro African Holistic Health, do Dr. Llaila Afrika (2012). No qual, ele aborda o nutricídio; o genocídio nutricional da população negra. O autor traz informações sobre a indústria alimentícia e as alterações deliberadas e sistemáticas dos alimentos. Tudo isso, causa doenças físicas, mentais e a morte de nosso povo.

O Dr. Llaila Afrika fala sobre o junkie food, as comidas porcarias/besteiras, dentre elas podemos citar as frituras, salgadinhos, refrigerantes e alimentos ultraprocessados de modo geral. Essa alimentação baseada em junkie food, não possui os nutrientes vitais para o bom funcionamento de nossos organismos. Essa política de genocídio nutricional, produzida pela branquidade com suas empresas, hospitais e indústria farmacêutica, lucram diretamente com o adoecimento e as mortes da população negra, criando ferramentas contínuas de exploração e manipulação alimentícia.

Como combater e enfrentar essa sistemática de morte e extermínio da população negra que é diretamente afetada pelo nutricídio? O Dr. Llaila Afrika, afirma que a civilização, a história, a cultura e a ancestralidade africana, podem atuar como forças vitais e rítmicas para o povo negro que vive em constantes movimentos.

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Sendo assim, precisamos estar alinhados com a nossa nutrição de uma forma mais ampla, considerando o poder da força de nossos saberes ancestrais, enquanto ferramentas de combate na remoção das problemáticas que enfrentamos.

Sendo assim, uma nutrição vital para nossos organismos, considera a africanidade como alimento e combustível para um desenvolvimento mais pleno e saudável de nossas vidas. Por essa afroperspectiva, como nos aponta o filósofo Renato Nogueira (2012), nos tornamos mais atentos às questões éticas, estéticas, morais, artísticas, políticas, psicológicas, espirituais e culturais.

Aancestralidadeafricanaresidenoquintaldeminhaavó

IMAGEM 1 - ÁRVORES NA COMUNIDADE QUILOMBOLA BELA AURORA FOTOGRAFIA: CÍNTIA MATTOS

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Esses saberes presentes em nossa africanidade, foram elaborados e deixados por nossos ancestrais. Meu pai e minha mãe são de comunidades remanescentes de quilombosna Amazônia paraense, uma grande parte de minha família ainda reside nesta região. Nossas raízes, estão fincadas em lugares como o Quilombo de Itamoari, Bela Aurora e Vila Mariana, essas comunidades resistem desde o período colonial nas margens do Rio Gurupi, o Rio de Ouro como alguns pesquisadores já o chamaram. Nesse rio há muitas histórias, pois está repleto de resistências indígenas e africanas que lutaram, elaborando formas de combate contra a dominação branca colonial. Hoje residem ali os herdeiros e herdeiras das tradições de lutas quilombistas. Revisitar e mergulhar nas histórias que seguem o trajeto deste rio me fazem entender a potência de nosso povo. E ter orgulho de meus ancestrais e suas inteligências negras e indígenas.

IMAGEM2-VISTADOQUILOMBOBELAAURORA

FOTOGRAFIA:CÍNTIAMATTOS

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O papai e a mamãe sempre viajam à região do Gurupi, na divisa do Pará com o Maranhão, eles possuem uma conexão muito forte com esse lugarterritório ancestral, ali nasceram e viveram grande parte de suas vidas, antes de se mudarem para a região metropolitana de Belém. Em minhas lembranças tenho a imagem deles comendo o que vinha quando algum parente trazia algo; a farinha, o açaí, o cupuaçu, o coco e outros alimentos. Via a alegria e o prazer deles ao sentirem os sabores de comidas cheias de memórias-afetos-saudades em seus paladares. Nessa viagem mais recente o papai trouxe cupuaçu, a mamãe trouxe coco e chocolate em pó de cacau, do quintal da vovó. Aos poucos, vou compreendendo algo que provavelmente o papai e a mamãe já entendem e sentem sobre os alimentos que vem dos quilombos, dos quintais de minha avó e de minhas tias; são alimentos que nutrem o corpo, a mente, alma, a nossa espiritualidade, pois reside ali nesses quintais, uma ancestralidade que nos reconecta com a nossa africanidade. Uma força vital propulsora que possibilita a continuidade das nossas vidas.

IMAGEM 3 - QUINTAL NO QUILOMBO DE ITAMOARI

FOTOGRAFIA: CÍNTIA MATTOS

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Deste modo, se há uma sistemática racista que busca adoecer e matar corpos negros com a indústria alimentícia. Os alimentos provenientes do quintal de minha avó e das minhas tias, nos quilombos de Itamoari, Bela Aurora e Vila Mariana, são formas ancestrais de combate ao nutricídio.

Compreendo que a nutrição a partir das frutas, das folhas, ervas, sons, rios e águas provindos desse território ancestral quilombola, possibilitam a construção de caminhos à cura e conexão com a espiritualidade e a ancestralidade africana.

IMAGEM 4 - MEU PAI PASSEANDO DE CANOA NO RIO GURUPI -

FOTOGRAFIA: MARIA ELIETE (MAMÃE)

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JOVENS NEGRAS/OS E O GENOCÍDIO DA

JUVENTUDE NEGRA: SUJEITOS POLITICAMENTE

MULTIFACETADOS E PROTAGONISMOS EM AÇÕES POLÍTICAS INSTITUCIONAIS NO BRASIL

Por Paulo Henrique Ferreira de Freitas

Juventudes negras como sujeitos multifacetados politicamente

Em vários estados do Brasil se apresentam dados alarmantes que especificam uma política que há muito tempo pode ser considerada como uma continuação da política de branqueamento (NASCIMENTO, 2016) da nação brasileira a partir da lógica do extermínio em massa de jovens negras/os. Dados gerais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada apontam que em média de 24 minutos no Brasil um jovem negro é assassinado por armas de fogo.

A imposição desses dados levou há diversos artistas e coletivos políticos e culturais que alcançaram notoriedade pública, principalmente através do RAP e da cultura hip hop em suas variantes no Brasil, a definirem esse processo como uma imposição estatística que afirmava inconscientemente que esse público antes mesmo de nascer já estava destinada a não ultrapassar a barreira dos 29 anos de idade e em outros contextos reside uma dificuldade de que esses jovens possam atingir a maioridade, sendo executados ainda mesmo como “menor”.

Para o pesquisador Paulo César Ramos as categorias de juventude negra e de genocídio da juventude negra são: “ações coletivas de diversos atores em torno da categoria de juventude negra e mobilizados pela denúncia de assassinatos de jovens negros”. Para PC Ramos esse seria o pano de fundo que levariam a organizações políticas e culturais engajadas na denúncia em torno dessa rede de assassinatos coletivos a constituirem políticamente as categorias de juventude negra e de genocídio das juventudes negras.

Essas duas categorias são fundamentais para compreender as estratégias políticas do estado brasileiro através de dois grandes processos de esgotamento coletivo da população negra em seu contexto intergeracional no Brasil que são os extermínios e o encarceramento em massa.

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Se por um lado se encarcera uma grande massa de homens negros no sistema prisional é possível também perceber que desde a infância, negras e negros não possuem as mesmas oportunidades e incentivos que crianças brancas(os).

Tem se tornado importante discutir essas duas categorias à luz da compreensão dentro dos seus processos de confinamento. Primeiro a partir de uma deliberada importância de distanciar a hegemonica ideia de juventude e ao mesmo tempo aproximá-la de uma literatura que observe os processos do racismo como uma ferramenta de genocídio.

A categoria de juventude negra implicaria então no reconhecimento dos marcadores de raça e juventude como categorias fundantes de uma complexidade que aprofundam uma literatura pouco existente e pouco debatida em meios acadêmicos estando quase sempre restrita ao universo do hip hop e dos movimentos sociais negros.

Protagonismos e ações políticas institucionais de jovens negros/as. Embora não esteja expressamente colocada no Estatuto da Juventude (Lei 12.852/13), as categorias de juventudes negras e genocídio da juventude negra possibilitaram que muitas ações de denúncias coletivas fossem realizadas em campanhas institucionais por todo o país.

Essas atividades que aconteceram em diferentes métodos, mobilizaram a organização coletiva de parte da sociedade para a sensibilização ao enfrentamento das pautas visibilizadas por agrupamentos de juventudes negras. Muito longe de se desvincular da norma estrita das pesquisas sobre juventude que quase sempre tem como foco a violência e sua relação com o estado, principalmente

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na questão das juventudes negras, é preciso que essas duas categorias possam dar luz a novas questões tanto de produção de pensamento crítico como de associativismos políticos para que se possam ser geradas novas categorias de pesquisa.

Nos espaços institucionais acadêmicos é perceptível que não há uma literatura nem sequer emergente sobre essas questões, sendo que apenas dois temas circundam essas categorias que são, políticas de ações afirmativas na educação e no emprego e outras políticas públicas e a já expressa violência e estado.

Paulo César Ramos ao dialogar com outros pesquisadores que trabalham a questão da juventude traz algo interessante para se pensar no contexto brasileiro, “é necessário buscar exemplos de experiências políticas de juventudes negras”

(CASTRO, 2011; ABRAMO, 1997). Para tanto essa busca implica num deslocamento da própria investigação científica em seus termos para a promoção de um diálogo aberto entre questionados e questionários que através de novos olhares sobre as juventudes negras no Brasil seja capaz de interagir com essas experiências de subjetividades e políticas construídas por sujeitos e coletivos.

Campanhas institucionais de denúncias do genocídio das juventudes negras no Brasil

Trataremos então aqui rapidamente de três ações públicas que repercutiram em seus circuitos e mantiveram uma interdependência entre elas. Essas são especificamente estratégias institucionais de promoção de debate sobre toda essa questão que envolve prioritariamente os homicídios em massa de jovens negras/os no Brasil.

Em quase todas as ações é possível perceber o trabalho com a produção de dados científicos que embasassem discussões mais responsáveis e críticas sobre um tema que por uma parte da população no Brasil é tratada com trivialidade e descaso, mais conhecidos entre os bordões “defensores de bandidos” ou “bandido bom é bandido morto”.

Através de uma imensa repercussão nas instituições brasileiras é possível perceber que um desses objetivos é discutir com maior propriedade e intensidade argumentativa como esses bordões ou termos complexamente racistas na sociedade brasileira trabalham para manter não somente as altas taxas de letalidade juvenil negra como também de silenciar um debate tão fundamental para toda a sociedade brasileira e global.

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poderia ser eu A campanha que gerou a #PODERIASEREU cobrava do então governo Dilma Rousseff a aprovação do projeto de lei 2438/15 que previa a instituição de um plano de enfrentamento aos homicídios de jovens no Brasil. Uma campanha organizada em 2016 por entidades estudantis que se mobilizaram através do movimento negro brasileiro, a diretoria de combate ao racismo da União Nacional dos Estudantes

“PODERIA SER EU / O JOVEM NEGRO DA FAVELA / QUE SAI DE CASA DE BOA E

LEVA UM TIRO NA VIELA / PODERIA SER

EU / PODERIA SER VOCÊ / MAIS UM

JOVEM NEGRO NA RUA QUE VAI MORRER”.

Com essa poesia se alerta o fato da iminência de morte que vive um jovem negro no Brasl, essa campanha buscou a denúncia dessa tragica forma de vida e pelo seu enfrentamento necessário. Jovem negro vivo A Anistia Internacional organizou no início do ano de 2012 uma campanha institucional que promoviam séries de encontros por todo o país, além de buscar assinaturas para o documento intitulado "Queremos ver os jovens vivos". A campanha afirmava que o problema se daria em torno de várias questões, sendo que: “em 2012 houveram no Brasil 56.000 pessoas assassinadas. 30.000 deste foram jovens entre 15 e 29 anos de idade e deste total 77% eram negros”. Ademais aponta que a principal prática desses homicídios eram por armas de fogo. A principal defesa da campanha dizia que o Brasil deveria adotar medidas de segurança pública não letais para jovens negros.

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DeJuventudeVivaàJuventudeNegraViva

O plano juventude viva foi uma possibilidade de reconhecimento institucional da criminalização da juventude negra no Brasil, para o órgão “O jovem negro encontra um complexo de obstáculos impostos pela sua cor que potencializa a probabilidade de tornar-se vítima de homicídio” (BRASIL, 2018)

Esta iniciativa possui diversos parceiros e foi constituída na Secretaria Nacional de Juventude (SEJUV) no Governo Dilma Rousseff. Infelizmente com a transição de governos o plano foi extinto por inviabilidade no ex desgoverno brasileiro. Através de metas e de estratégias, o plano buscou em três eixos principais, fomentar grupos e coletivos que trabalhavam nos 162 municípios brasileiros com maior taxa de letalidade policial, elaborar políticas públicas transversais entre ministérios e parceiros interessados nas atividades desenvolvidas e controle social de monitoramento da implementação do plano. A partir dessa rede de atuação institucional e popular se concretizaram muitas ações que aqui não cabem serem apresentadas.

Com a nova chegada de Lula à presidência do país, o Movimento Negro Unificado se antecipou as articuações para o governo e protocolou uma carta apresentando o interesse da organização na prioridade numero 1 de combate e enfrentamento ao genocídio da juventude negra no Brasil para o atual Secretario Nacional de Juventude e para a Ministra da Igualdade Racial do Brasil.

Uma das questões foi a transição do nome do antigo plano, podendo agora ser chamado por juventude negra viva para que se reconheça que o estado brasileiro é

responsavel por milhões de jovens negros assassinados, jovens promissores de suas próprias vidas que foram interrompidas pela força armada do estado e por sua política de omissão ou de deixar morrer.

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Juventudes negras e o genocídio da juventude negra são portanto, duas categorias fundamentais para a auto explicação das principais questões e vida de jovens negros/as como pessoas não em desenvolvimento mas como pessoas que precisam de várias formas serem oportunizadas e reconhecidas como sujeitos politicamente multifacetados e de direitos.

R e f e r ê n c i a s b i b l i o g r á f i c a s

B R A S I L . P l a n o J u v e n t u d e V i v a : U m

l e v a n t a m e n t o h i s t ó r i c o . B r a s í l i a , 2 0 1 8 .

B R A S I L . L e i 1 2 . 8 5 2 / 1 3 . E s t a t u t o d a J u v e n t u d e .

B r a s í l i a , 2 0 1 3 .

B R A S I L . J u v e n t u d e v i v a : m o r t e s m a t a d a s p o r

a r m a s d e f o g o . M a p a d a V i o l ê n c i a , 2 0 1 5 .

N A S C I M E N T O , A b d i a s . O g e n o c í d i o d o n e g r o n o

B r a s i l : u m p r o c e s s o d e r a c i s m o m a s c a r a d o . S ã o P a u l o , p e r s p e c t i v a s , 2 0 1 6 .

R A M O S , P a u l o C é s a r . C o n t r a r i a n d o a s e s t a t í s t i c a s : G e n ó c i d i o , j u v e n t u d e n e g r a e p a r t i c i p a ç ã o p o l í t i c a . S ã o P a u l o , A l a m e d a ,

2 0 2 1 .

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BEMBÉ DO MERCADO: A FESTA DO 13 DE MAIO Por Rita Hipólito

Treze de maio, dia da Libertação dos escravos no Brasil, é uma data que há algum tempo inspira muito mais o debate do que a comemoração. Não por acaso, depois de muita luta, o Movimento Negro elegeu o 20 de novembro como símbolo da resistência negra, centralizado na figura de Zumbi dos Palmares. Ao fazer uma breve análise dos fatos históricos surge o questionamento: o que comemorar?

Até 1930, como relata nossos mais velhos, 13 de maio era feriado no Brasil, mas para o projeto de cultura nacional de Getúlio Vargas, a data abarcava somente a população negra. O presidente vislumbrava um dia que contemplasse toda a população, é assim que nasce o primeiro de maio, feriado do dia do trabalhador.

(BORGES, 2021)

Ainda que Getúlio relegasse à abolição lugar secundário, o mesmo não aconteceu com Princesa Isabel, que continuou recebendo os louros de grande redentora dos escravizados. No cinquentenário da Lei Áurea, em 1938, o presidente manda trazer, por intermédio do Ministério da Educação e Saúde, seus restos mortais, bem como de seu marido Conde d´Eu. Getúlio ainda ordena a construção de um monumento em praça pública na capital do país e estabelece que todas as escolas devem celebrar a “significação política e moral desse magno acontecimento”.

(Decreto lei nº427, 13 de maio de 1938)

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Curioso notar que fica a encargo do Ministério da Educação as tratativas, não só da comemoração, como também o traslado dos restos mortais da filha de D.Pedro

II. Hoje, 134 anos após a abolição, algumas escolas continuam a celebrar a data; a reduzir a luta abolicionista à figura de Princesa Isabel e a traduzir o cumprimento da Lei 10.639[1] como ensino da escravidão.

A contribuição dos povos africanos que no Brasil chegaram não se resume a saga do tráfico negreiro. Superar essa visão é contribuir para que nossos alunos, maioria negra, encare o seu passado, não apenas como sinônimo de dor, mas de orgulho, superação e empoderamento.

Numa comprovação de sagacidade, nosso povo negro ressignificou o 13 de maio numa grande festa de rua, o Bembé do Mercado, uma celebração fundamentada em valores do candomblé, que demonstra que é possível, sim, comemorar o 13 de maio.

[1] Lei que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio.

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UM LUGAR ONDE O 13 DE MAIO É FESTEJADO: O BEMBÉ DO MERCADO

Treze de maio de 1889, João Obá[2], negro malê, forro, Babalorixá[3], reúne seus filhos de santo e arma um barracão de palha no largo do Xaréu, dançando, ao som dos atabaques, por três dias, em reverência aos orixás para comemorar a liberdade e homenagear seus ancestrais pelas constantes lutas contra o cativeiro. Ao final, uma grande oferenda coletiva foi entregue ao mar para as divindades das águas, Iemanjá e Oxum, em agradecimento à proteção recebida. Nascia assim, o Bembé do Mercado, uma festa de caráter afro-religioso, na cidade de Santo Amaro da Purificação, Recôncavo baiano, em comemoração ao aniversário da abolição.

Desde então, todos os anos um grande Candomblé de rua se forma reunindo filhos de santo de mais de cem casas religiosas da cidade e da capital. São praticantes das diferentes matrizes Ketu, Angola e Jeje. Além do povo preto, seus descendentes do Recôncavo, aqueles que reverenciam a cultura afro-brasileira e a liberdade. Ainda que o mote da festa seja religioso, ela abriga manifestações de capoeira, samba de roda, maculelê, nego fugido[1], dentre outras.

Não se pode deixar de mencionar o cunho político que a festa imprimiu à época. Muitos senhores de engenho acreditavam que a abolição seria revogada, outra parte, se mobilizava para cobrar indenização do Estado. Neste contexto festejar era, sim, um ato de resistência, ainda mais quando a forma de comemoração era levando o candomblé para a rua, religião proibida naquele período, sobretudo em espaços públicos, e que até hoje sofre violentos ataques de intolerância.

A festa não deixa de ser, também, um agradecimento a Xangô. É em nome do grande senhor da justiça que se prepara o barracão do mercado onde acontecem as grandes trocas da cidade, que em tempos de outrora se comercializou os próprios escravos. Assim como João Obá fizera em 1889,

[2] Em iorubá, Obá é sinônimo de realeza.

[3] Pai de Santo

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estaca-se um poste central com uma bandeira branca, simbolizando a sacralização do espaço com cerimônias aos orixás que protegem o local.

São três dias de festa em que são homenageados: os ancestrais, Exu –senhor dos caminhos e Orixá relacionado às trocas comerciais e as divindades das águas: Iemanjá e Oxum.

Na década de 50, período em que os candomblés deviam ser fichados na “Delegacia de Jogos e Costumes” (HIPÓLITO, 2020), a autorização para festa era sempre concedida, porém em 1956, um delegado proibiu os festejos. De acordo com a comunidade, o agente e sua família sofreram um acidente automobilístico, atribuído à proibição da festa. Em 1958, na véspera de São João, duas barracas de fogos explodiram no Largo do Mercado.

Dessa forma, a festa ultrapassou os limites do 13 de maio, ganhando um caráter sagrado, que para além de afastar o infortúnio, é garantidora da energia existencial de toda uma comunidade, tanto que durante às interdições, conta-se que os pescadores continuaram entregando o presente a grande Mãe D´Água, motivo central das cerimônias [4].

O Bembé é uma festa que arrebata toda a comunidade, por isso, antes que balaio seja entregue na praia de Itapema, exatamente no entroncamento entre rio e mar, personificados nas divindades de Oxum e Iemanjá, um grande cortejo percorre locais simbólicos da cidade, contemplando todos os terreiros da região, acompanhado pela cantoria do povo a pedir que a maré esteja propícia para a entrega da oferenda.

[4] Auto tradicional da comunidade de Acupe, Recôncavo baiano, que encena a luta de negros escravizados contra capitães do mato e senhores de engenho.

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Em 2012 o Bembé do Mercado foi registrado como Patrimônio Imaterial do Estado da Bahia. Em 2019 a celebração foi reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil e em 2022 recebeu o registro de salvaguarda pelo âmbito federal por meio do IPHAN.

Enfim, o Bembé pode ser lido como um grande Candomblé da Liberdade, uma genuína expressão da perspicácia do povo negro em reelaborar a história à luz de sua própria linguagem e visão de mundo. Numa sociedade, em que nós negros somos aniquilados à bala cotidianamente, o Bembé demonstra que nossa resposta ainda é a fé, a alegria e a devoção.

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

BORGES,Waleska.Porqueo13demaio,diadaaboliçãodaescravidão,nãoéferiado?Uol. Rio de Janeiro. 13.05.2021. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2021/05/13/por-que-13-de-maio-dia-da-abolicao-da-escravidao-nao-eferiado.htm

Decreto Lei nº427, de 13 de maio de 1938. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-427-13-maio-1938350765-publicacaooriginal-1-pe.html

HIPÓLITO, Rita de Cássia. Ela não quer guerra com ninguém. Caso de menina de Araçatuba expõe preconceito com religiões de matriz africana. Folha de São Paulo. São Paulo. 30.06.2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/08/elanao-quer-guerra-com-ninguem.shtml

IPAC - Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia. Bembé do Mercado. coordenação de Antônio Roberto Pellegrino Filho; textos de Ana Rita Machado et. al. Salvador:FundaçãoPedroCalmon,2014.

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F O T O : A L B E R T O B U G A R I N

20 DE SETEMBRO – A REVOLUÇÃO

FARROUPILHA Por Rodrigo Maia

Ascomemorações

O dia 20 de setembro no Rio Grande do Sul é feriado estadual. Nesse dia é celebrada a Revolução Farroupilha, também conhecida como a Guerra dos Farrapos, o conflito mais longo da história do Brasil, que durou de 20 de setembro de 1835 à 1º de março de 1845. As comemorações ocorrem em todo o estado, e se estendem ao longo de uma semana, de 13 a 20 de setembro. Nesta ocasião, toda a comunidade gaúcha celebra as “façanhas” dos farroupilhas com muito churrasco, chimarrão, danças típicas e músicas gauchescas. Durante a semana farroupilha em Porto Alegre (capital do estado), também acontece o Acampamento Farroupilha, sendo esse o maior evento alusivo ao conflito e à tradição gaúcha em todo o território brasileiro.

Visãogeraldaguerraesuascontrovérsias

No início do século XIX, as elites oligárquicas insatisfeitas com os altos impostos cobrados pelo governo imperial sobre a produção do charque, do couro e outros produtos, organizam uma força militar e iniciam uma guerra contra o império.

Os combatentes, chamados de farroupilhas ou farrapos, são recrutados das camadas mais pobres da população. Muitos deles são negros escravizados, aos quais é prometida a liberdade ao fim da guerra. Conhecidos como “lanceiros negros”, esses combatentes lutavam a pé, sem armas de fogo, portando apenas grandes lanças e adagas.

Em 20 de setembro de 1835, os rebeldes conseguem sitiar a capital Porto Alegre e expulsar as tropas imperiais da região. Quase um ano depois, em um combate no Arroio de Seival, mesmo com um contingente bem menor que os imperiais, os farroupilhas saem vitoriosos. Após a tomada de Porto

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Alegre e o êxito dos farrapos na Batalha de Seival, o movimento já assume um caráter separatista e republicano. Em 11 de setembro de 1836, os farrapos proclamam a República Rio-Grandense.

Após alguns anos de intensos combates, a partir de 1844, a liderança dos farroupilhas e o governo imperial iniciam as tratativas para o fim da guerra. Contudo, a liberdade aos lanceiros negros tornara-se um entrave, pois o império não aceita conceder a alforria prometida pela liderança do movimento aos negros. Eis então um ponto bastante incômodo à história da Revolução Farroupilha: o Massacre de Porongos.

À noite, acampados no Cerro de Porongos e desarmados, os lanceiros negros são massacrados em um ataque dos soldados imperiais. O massacre fora combinado entre as forças imperiais e o comando farroupilha, a fim de acabar com o entrave para selar o acordo de paz entre os farrapos e o império.

Na revolução, os farroupilhas representaram os interesses das elites, e lutaram pelas oligarquias. As tropas imperiais representaram os interesses do poder imperial, e lutaram por esta manutenção de poder.

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Os lanceiros negros lutaram ao lado dos farroupilhas por um ideal de liberdade! É lamentável que até os dias atuais não vemos exaltada a figura dos lanceiros nas comemorações de 20 de setembro. No hino do Rio Grande do Sul, inclusive, há um trecho considerado de cunho racista, que parece desprezar a bravura dos combatentes durante a guerra, quando diz "povoquenãotemvirtudeacabaporserescravo" :

Mas não basta, pra ser livre

Ser forte, aguerrido e bravo

Povo que não tem virtude

Acaba por ser escravo

Mostremos valor, constância

Nesta ímpia e injusta guerra

Sirvam nossas façanhas

De modelo a toda Terra

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Finalmente, após inúmeros conflitos militares que vitimaram cerca de três mil pessoas, em 1º de março de 1845 é assinado o Tratado de Poncho Verde, que sela o fim da guerra que se arrastou ao longo de dez anos. A república Rio-Grandense que havia sido proclamada pelos farroupilhas, é então reintegrada ao império brasileiro.

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1 CINE-DEBATE: RESISTÊNCIAS NAS AMÉRICAS Por Larissa

Aconteceu em março de 2023 o 1o Cine-debate: Resistências nas Américas na Universidade do Texas em Austin. A seleção de curtas-metragens sobre ativismo e resistência nas Américas foi exibida em duas sessões seguidas por debate com diretores e movimentos sociais envolvidos no trabalho áudio-visual. O Cine-debate nasceu para celebrar filmes que retratam o poder político e social de indivíduos e coletivos que questionam a desigualdade social.

No primeiro dia, foi exibido o curta-metragem "Comadre" (2022 - USA, Costa Rica). O filme retrata Marielitos, uma imigrante mexicana e babá nos EUA, lutando com os últimos dias de seu trabalho atual e tentando encontrar um novo. O filme foi dirigido por Nicole Chi, estudante de mestrado da UT-Austin, que concebeu a produção em diálogo com o grupo de trabalhadoras domésticas de Austin, MISMA. No debate a diretora do curta e as membras do MISMA, Maira Brito e Rosário Nava, evidenciaram a situação de barreiras linguísticas e desigualdade laboral que caracteriza o serviço doméstico Entretanto as trabalhadoras encontram formas de resistir através do is e construção de comunidade.

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No segundo dia, foram exibidos dois curtas-metragens. O primeiro foi “Afrografias” (2018, Argentina) que discute a presença de mulheres negras nos espaços públicos da cidade de Buenos Aires. A diretora, Denise Brazão, estudante de doutorado em Estudos Latino-Americanos na UTAustin, compartilhou sobre o processo de produção do curta com o coletivo Luz Negra na Argentina e evidenciou o acesso à cidade como enfrentamento contra o racismo.

O segundo curta da noite foi "Ocupação” (2015, Brasil) que retrata a favela da maré no Rio de Janeiro durante a entrada do exército brasileiro pelas ruas da comunidade em 2014.

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O curta-metragem de Diego Jesus e Diego Alves, estudantes de doutorado do departamento de portugeues e espanhol na UT-Austin, apresentaram como o espetáculo midiático da ocupação da favela por forças militares fazem parte de um projeto de necropolítica do estado brasileiro.

O cine-debate foi extremamente proveitoso e abriu espaço dentro da universidade para discussão de problemas sociais relevantes através da linguagem cinematográfica. O 2o Cine-debate: Resistências nas Américas acontecerá no Spring de 2024 e está aceitando propostas de filmes que retratam resistências individuais e coletivas. Caso tenha interesse, mande email para lcosta@utexas.edu

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CORPOS BRANCOS NÃO SE PREOCUPAM COM CABELOS

Por Denise da Costa

Afinal, quais corpos se preocupam com os cabelos quando se trata de uma pesquisa de campo em outro país? Femininos? Negros? Quem se ocupa em pensar em cabelos? Quais lugares ocupam os cabelos para nós? Fui para Maputo trançada, pois precisava ter um penteado prático para usar em campo no continente sem precisar me preocupar com hidratações, desembaraços, cuidados e afins.

Alice Walker em seu texto “Cabelo oprimido é teto para o cérebro” apresenta a centralidade que os cabelos possuem para nós, mulheres negras e crespas. Ela diz:

‒ Pensamos e nos preocupamos muito com nossos cabelos. Muitas vezes, para algumas pessoas negras, os cabelos ocupam uma centralidade de disposição mental, prática e econômica. Cabelos ocupam grande parte de nossa energia.

Mas não apenas para mim os cabelos eram uma questão. Para grande parte das minhas interlocutoras moçambicanas, esse é também um tema central em que elas gastam tempo, resistência física e dinheiro para investir (COSTA:2017). Uma trança pode demorar entre sete e doze horas para ficar pronta, a depender do volume do cabelo, do tamanho e do tipo de trança.

Estima-se que uma mulher moçambicana pode chegar a gastar um terço do seu salário com cabelos. O xitique, uma espécie de consórcio gregário que mulheres moçambicanas costumam fazer, pode ser feito para pagar aquela extensão desejada que custa o equivalente a mil reais. Quem não chegou a conhecer os baús de cabelos em casas moçambicanas? Esse seria um espaço onde haveriam muitos cabelos guardados como objetos luxuosos em um baú. Além disso, penteados podem significar dores no couro cabeludo e dores de cabeça, tendo algumas mulheres de tomar

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analgésicos para suportar as tranças.

Se por um lado esse foi um tema que apareceu para mim de forma muito impositiva e inescapável (pois aprendi com minha orientadora Antonádia Borges que escrevemos o que interessa aos nossos interlocutores), por outro esse era um assunto dormente nos estudos produzidos em campo em Moçambique. Costumo dizer que esse foi um tema que surgiu para mim como um despertar do meu inconsciente. Eu não pude escapar dele, e assim nele me debrucei. Mas por que, se esse é um tema central, uma espécie de obsessão para grande parte das mulheres moçambicanas que conheci, estava tão adormecido como tema de produção antropológica brasileira sobre Moçambique? A composição racial dos pesquisadores e sua visão fechada para certos temas, haja vista sua perspectiva própria sobre o que vem a ser relevante pesquisar, podem ser um caminho para a resposta.

Estou aqui, como nos impulsiona Audre Lorde, movida por sentimentos como a raiva. Quando apresentei meu tema de dissertação ‒ cabelos ‒ fui fortemente repreendida. Escrevi então uma dissertação com apenas um capítulo sobre as questões capilares. Raça era tabu intocável. Fui “convidada” a não falar sobre o tema. Por isso, a raiva me impulsiona a pensar questões de racismo institucional e de apagamento sistêmico de um tema que é, para muitas mulheres negras, central. Esse apagamento surge como uma violência para subjetividades que foram construídas a partir da rejeição. Quando falo que os temas dos cabelos interessa muito às pessoas negras, falo como estratégia retórica de construção textual. Sei que mulheres brancas também se ocupam muito dos seus cabelos. Quintão (2013) nos mostra em sua pesquisa com mulheres brancas que elas também possuem uma obsessão pelos cabelos lisos, alisando-os e tingindo-os de loiro. O loiro mais loiro e menos artificial é uma obsessão branca. Essa obsessão é o que constitui a identidade branca hegemônica. Da mesma forma, o cabelo liso mais liso possível e que também aparenta ser "natural" ocupa grande parte da economia doméstica das mulheres brancas brasileiras. Quero ressaltar que justamente essa preocupação excessiva com cabelos faz com que mulheres brancas pareçam não se

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importar com cabelos. É como uma pessoa cis que usa botox, alisa os cabelos, faz escova, usa prótese dentária, coloca unhas de gel, faz lipoaspiração, mas se choca com as intervenções estéticas de uma pessoa trans.

Realizei algumas entrevistas com mulheres brancas no Ceará e, para minha surpresa, observei que elas, além de ocupar muito tempo com seus cabelos, são extremante orgulhosas deles. Sendo essa parte do corpo responsável por sua autoestima, durante as entrevistas elas se colocavam gestualmente acima de mim, que era a sua entrevistadora. Jogar os cabelos lisos é uma performance gestual comum entre mulheres brancas. Além de atualizar uma situação de superioridade, é uma forma de invasão do espaço simbólico da nossa existência. Assim, podemos dizer que as mulheres brancas pensam sim em seus cabelos, mas não publicizam isso, deixando entre si um segredo compartilhado sobre os cuidados e técnicas neles utilizados. Poderíamos dizer que não pensar em cabelos é não se racializar e permanecer no lugar cômodo de humanidade incontestável. E que ter como "segredo" o que se faz com os cabelos é um pacto narcísico branco, dessa vez, estético. Assim, alguns temas parecem ser mais relevantes que outros. Cabelo não aparece aqui apenas como metáfora, mas como produtor de relações.

A branquidade nos estudos das ciências sociais no interior da Antropologia vem sendo senão denunciada e apontada como um valor relevante da constituição do "nós" antropológico (PEREIRA:2020).

Podemos mencionar aqui algumas autoras que vêm denunciando a centralidade dessa antropologia protagonizada por pessoas brancas, de classe média e da região Sudeste do país. Num artigo recente, a professora Luena Pereira mostra como graus de alteridades são, na verdade, construções localizadas em corpos brancos pertencentes à classe média sudestina. Não estou necessariamente trazendo nenhuma novidade aqui, mas repisando uma questão latente para nós que não somos brancos e adentramos as universidades de forma mais numerosa a partir dos anos dois mil (graças, sobretudo, às políticas de ações

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afirmativas). Isso porque nos falta ainda por parte da produção branca uma reflexão honesta sobre esse lugar que se ocupa ao realizar reflexões antropológicas. Antropólogos brancos, ao fim e ao cabo, olham muito pouco para si de maneira crítica. Muitas vezes pensam-se e são corpos que transitam por numerosos espaços etnográficos, sem barreira, sem olhar para si, sem realizar críticas sobre si. Corpos, portanto, que não se preocupam com cabelos.

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ENTREVISTA COM O VIOLONCELISTA, DOUTOR HUDSON NERES LIMA

1. Asuafamíliaéumafamíliamusical?

Meu núcleo familiar originário composto de dois irmãos, pai e mãe, não conserva habilidades musicais que os tivessem inserido em um ambiente laboral artístico. Não é uma família composta de músicos profissionais. São admiradores das práticas musicais que promovem interações em espaços de culto religioso ou festivos. Poderíamos dizer que são apreciadores de estilos diferentes dos que interpreto profissionalmente.

2. Comoasuarelaçãocomamúsicanasuainfância?

Iniciei uma escuta musical mais atenta ao final dos anos 80 uma época em que a Internet ainda não circulava com tanta ênfase nas regiões brasileiras mais periféricas. Ouvia uma rádio pública do Ministério da Educação brasileira que difundia os repertórios mais canônicos da Música de Concerto. Apaixonei-me logo na infância por sinfonias e óperas, queria fazer música com gente. Eu sempre fui tímido, mas sempre me interessei por gente. E a música do rádio de pilha na favela me tornava mais humano, com a escuta eu viajava pelo mundo. Iniciei meus estudos de teoria musical em uma igreja neopentecostal, essas instituições desempenhavam uma assistência social muito significativa nas periferias do Rio de Janeiro nos anos 80 e 90. Logo em seguida dei prosseguimento a musicalização em uma escola pública no bairro Pavuna, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, tinha algo em torno dos 11 anos de idade.

3. Quais artistas você escutava mais durante a tua infância e adolescência?

Como um amante de óperas e cantatas, eu gostava muito de escutar cantores expoentes desse estilo, como Maria Callas, Luciano Pavarotti. Eu sabia boa parte das cantatas de Johann Sebastian Bach de cor, embora não recordasse dos nomes de seus intérpretes. Eu sempre escolhia mais a obra que o artista. Acredito que sou assim até os dias atuais, vejo o nome dos compositores, a peça, mas raramente consulto o intérprete, não por desleixo ou desprezo, mas evito ser influenciado por concepções prévias.

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4.Vocêselembraquaiseramosartistaspreferidosdeseuspais?

Do meu pai (Virmário Lima) eu recordo bem, ele amava escutar os fonogramas de Jovelina Pérola Negra, uma cantora de ancestralidade africana de voz potente e entusiasmada. Ela cantava um gênero de samba chamado partido alto. Outros da predileção eram Nelson Cavaquinho e Cartola. Curiosamente, hoje, Pérola Negra, é uma das minhas artistas preferidas. Quanto a minha mãe (Regina Ribeiro) sua maior predileção era pelos coros femininos das igrejas que frequentava, ela sempre cantou nos coros dos cultos e suponho que seja essa sua maior preferência, escutar as colegas do culto religioso mas de algum modo minha mãe sempre cita Roberto Carlos.

5.Comonasceuteuinteressepelamúsica?

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A música para mim sempre teve áurea poética. Atualmente consigo compreender que meu desejo de interpretar música surge da necessidade de estar em contato com a poesia. Eu era uma criança medrosa, tinha fobia de dormir sozinho, meu pai me presenteou com um livro de Monteiro Lobato (veja só, eu criança preta lendo Lobato como primeiro contato literário). O nome do livro é “Viagem a Lua”. De algum modo ter a companhia dos livros para combater a solidão deixou-me com a segurança que a Arte seria um amparo. A música era para mim a poesia que poderia não necessitar das palavras. Mas hoje, antes de escrever essa resposta, ouvi as palavras de um artista, músico negro, Baco Exu do Blues na canção “A Pele que Habito”: “A Lua quer ser preta, se pinta no eclipse, eu faço parte da noite.”. O que posso dizer é que o que me levou até a Música foi a Lua, por duas vias pelo medo dela e das sensações de solidão e desamparo que a noite me causava. Mas também foi ela, justamente ela, que trouxe para mim a poesia. Não posso dar esse crédito a Lobato e sua explorada Tia Nastácia. O que me salvou da noite foi letra e papel sob luz do Luar. A Música veio em acréscimo.

6. Qualfoiaprimeiravezquevocêviuumaorquestra?Oquevocêsentiu?

Eu havia recebido um convite (com direito à acompanhante) da Rádio do Ministério da Educação para ir ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro, eu era um ouvinte assíduo e com isso conseguia muitos brindes. Levei minha mãe, uma mulher preta, também era seu primeiro espetáculo. O Theatro parecia um local encantado pela beleza em mármore e tapetarias vermelhas. No repertório barroco, com orquestra pequena, estava Johann Sebastian Bach, ao ouvir os primeiros acordes eu entrei em um certo transe. Pelos do corpo arrepiado, sensação de abraço, muitas lágrimas. Eu virei para minha mãe e disse: é isso. O sonho de tocar em orquestra se consolidou ali.

7.Ovioloncelofoioteuprimeiroinstrumentoouantesdelevocêsesentiu atraídoporoutros?Quais?

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Eu gostava de piano, cheguei a tocar flauta doce, mas o violoncelo sempre exerceu em mim uma atração muito singular. Nunca tive dúvidas quanto a essa escolha profissional. Além do violoncelo admiro demais a harpa embora nunca tenha aprendido. Estudei canto com muito afinco por três anos enquanto cursava meu bacharelado em performance de violoncelo, porém nunca tive interesse em seguir profissionalmente apesar dos entusiasmos dos meus professores e dos elogios de quem me ouviu à época. Cantar árias de ópera era um bom entretenimento.

8. Porqueovioloncelo?

Porque eu era corajoso (risos). Eu queria o impossível. Meu primeiro instrumento veio da China, atracou em Curitiba (distante do Rio de Janeiro), foi enviado ao Rio de Janeiro e subiu a favela. Foi parcelado em 12 vezes com juros e ainda fez meu pai ir parar no serviço de proteção ao crédito.

9.Oqueesseinstrumentodizsobrevocê?

O timbre do violoncelo é um timbre que ri e chora ao mesmo tempo, é feliz e melancólico. Como todo homem preto de mobilidade social. O violoncelo diz que precisa de mim para existir, se eu não tocar não sairá som. Um instrumento musical é um orixá, você ganhará o que ofertar a ele. O violoncelo, em sua metonímia, é o símbolo do bom uso que se pode fazer de algum sofrimento irresoluto.

10. A música clássica é um espaço elitista, quais foram seus maiores desafiosnesseespaço?

O desafio da existência. Curiosamente a História Brasileira nos demonstra que ancestrais do continente africano, escravizados no Brasil, estiveram na base de formação dos primeiros grupos orquestrais e bandas brasileiras. É tudo do povo preto. Apesar que as práticas musicais tinham por princípio emular práticas europeizadas.

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Não há como retirar do horizonte de observação que tanto no Brasil quanto na Europa, são os trabalhadores da base da pirâmide social que serviam de entretenimento aos nobres. Os nobres não teriam paciência suficiente para passar muitas horas exercendo a técnica interpretativa de um instrumento musical para divertir a outrem, afinal, eles eram os entretidos. Cabe sinalizar que a Música, rotineiramente, servia como um suporte de mobilidade social da classe trabalhadora. A prática não é das burguesias, e sim consumida e apropriada por elas. Mas ainda é um problema, e não só da música, os grupos sociais que se identificam com os exploradores e competem com seus pares preferindo inserir em suas praticas os grupos mais privilegiados socialmente.

11. Muitas pessoas pensam que pessoas negras não gostam de música clássica ou que a música clássica não faz parte da cultura negra, o que vocêpoderianosdizersobreessespensamentossociais?

A construção de memória é um trabalho muito laborioso. Formalizar as lembranças é um processo caro que demanda um investimento não apenas financeiro mas também emocional. Ao olhar para o passado, ainda

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recente, percebemos que a população preta construiu muitas instituições no Brasil, inclusive orquestras. A questão delicada é que esses méritos não ficam associados a essas pessoas. Cabe as pesquisas mais recentes colocar em relevo essas informações; o que ocorreu no Brasil foi um processo de expropriação dessas práticas culturais. Há compositores não brancos que possuem sua raça apagadas de suas biografias, ou quando essas são citadas, ocorrem muito brevemente, como no caso do Padre José Maurício e Francisco Braga. Este mecanismo faz parte de uma estratégia de invisibilidade, mimetizando esses compositores com outros sujeitos. Como se a competência desses não pudesse estar acrescida as suas resistências nos ambientes hostis. Esse fato social acaba por retirar seus protagonismos pois injuriam suas lutas em um ambiente altamente racista para suas qualificações. Homens pretos não estavam destinados somente a batuques e capoeiras, também tocavam instrumentos que hoje são de natureza sinfônica. Antecessores a mim já se debruçaram nesse processo de pesquisa, como excelentes exemplos temos os doutores Antônio José do Espírito Santo e Antônio Carlos dos Santos, que fizeram publicações sobre essas atividades. O estabelecimento de memoriais é urgente e não vejo que isso ocorra a curto prazo se não houver o financiamento de pesquisas realizadas por pessoas pretas.

12. A musicalidade negra pode ser clássica? Ou só se considera música clássicaesseformatodeorquestraocidental?Afinal,oqueéoclássico?

Eu posso dizer que clássico hoje é uma categoria. Essa categoria é um nome que se dá a uma determinada prática, um dos modos de fazer música. Há também a referência ao período clássico, que não é sinônimo de música clássica. Na língua portuguesa, hoje, dá-se preferência pelo termo Música de Concerto ou Música em estilo de Concerto. Compositores nacionalistas, tais como Heitor Villa-Lobos inseriram práticas musicais consideradas da população negra e indígena em suas peças sinfônicas e de câmara (feita para a interpretação de pequenos grupos). Mas cá entre nós, clássico mesmo é a fonte primária. A bateria das escolas de samba cariocas são um clássico.

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recente, percebemos que a população preta construiu muitas instituições no Brasil, inclusive orquestras. A questão delicada é que esses méritos não ficam associados a essas pessoas. Cabe as pesquisas mais recentes colocar em relevo essas informações; o que ocorreu no Brasil foi um processo de expropriação dessas práticas culturais. Há compositores não brancos que possuem sua raça apagadas de suas biografias, ou quando essas são citadas, ocorrem muito brevemente, como no caso do Padre José Maurício e Francisco Braga. Este mecanismo faz parte de uma estratégia de invisibilidade, mimetizando esses compositores com outros sujeitos. Como se a competência desses não pudesse estar acrescida as suas resistências nos ambientes hostis. Esse fato social acaba por retirar seus protagonismos pois injuriam suas lutas em um ambiente altamente racista para suas qualificações. Homens pretos não estavam destinados somente a batuques e capoeiras, também tocavam instrumentos que hoje são de natureza sinfônica. Antecessores a mim já se debruçaram nesse processo de pesquisa, como excelentes exemplos temos os doutores Antônio José do Espírito Santo e Antônio Carlos dos Santos, que fizeram publicações sobre essas atividades. O estabelecimento de memoriais é urgente e não vejo que isso ocorra a curto prazo se não houver o financiamento de pesquisas realizadas por pessoas pretas.

12. A musicalidade negra pode ser clássica? Ou só se considera música clássicaesseformatodeorquestraocidental?Afinal,oqueéoclássico?

Eu posso dizer que clássico hoje é uma categoria. Essa categoria é um nome que se dá a uma determinada prática, um dos modos de fazer música. Há também a referência ao período clássico, que não é sinônimo de música clássica. Na língua portuguesa, hoje, dá-se preferência pelo termo Música de Concerto ou Música em estilo de Concerto. Compositores nacionalistas, tais como Heitor Villa-Lobos inseriram práticas musicais consideradas da população negra e indígena em suas peças sinfônicas e de câmara (feita para a interpretação de pequenos grupos). Mas cá entre nós, clássico mesmo é a fonte primária. A bateria das escolas de samba cariocas são um clássico. O L H A S Ó ! | 4 4

13. Quais artistas negros existiram na música clássica que você destacaria aqui?

Para não ser injusto com ninguém citarei apenas uma. Uma mulher negra. Sei que assim todes artistas de ancestralidade africana se sentirão representades. Jessye Mae Norman, uma voz singular. Recomendo a escuta de sua interpretação para Samson et Delilah; Mon cœur sꞌouvre a ta voix de Camille Saint-Saens.

14. Qualfoioshowouapresentaçãoquemarcouasuacarreira?Porquê?

Preciso considerar que a apresentação mais marcante foi quando eu já pertencendo a uma orquestra sinfônica voltei ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro e toquei uma sinfonia de Robert Schumann, A Primavera, junto a Orquestra Sinfonica Brasileira Jovem e Sinfônica Brasileira, as duas juntas formavam uma orquestra gigante. Minha mae assistia da plateia, no mesmo lugar onde chorei ouvindo Música de Concerto ao vivo pela primeira vez.

15.Vocêjápassoualgumasituaçãoinusitada?Qualfoi?

Muitas. Vou citar uma. O ano era 2003. Estava dirigindo-me a uma apresentação em um ônibus, transporte público. Juntava dinheiro para comprar um violoncelo novo, as condições eram precárias e em minha juventude eu tocava em muitos lugares para juntar algum valor. O ônibus sofreu um acidente, meu violoncelo espatifou em muitos cacos. A empresa de transporte público, mesmo sem ser a responsável direta pelo acidente, solidarizou-se com meu caso e me pagou um valor para comprar um violoncelo novo, do meu agrado. Final feliz como o acorde perfeito maior do fim de uma sinfonia

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ENTREVISTA COM O PROPRIETÁRIO DO ESPADAS DO BRASIL, ROBINSON SOUZA DE

FIGUEIREDO O L H A S Ó ! | 4 6

1.Vocêénaturaldequalestado?

Rio Grande do Sul Passo -Fundo

2. Quando você chegou nos EUA? Em Austin direto ou em outra cidade primeiro?

Em Austin diretamente.

3.OquetefezmudarparaosEUA?

Oportunidade de trabalho

4. Você sempre gostou de cozinhar ou sempre sentiu interesse por culinária?

Desde de criança eu gostava de cozinhar e com tempo fui vendo que isso poderia se tornar profissão.

5. Quais são as suas memórias familiares com relação aos churrascos da tuacasa?Haviamotivoespecialparafazerumchurrasco?

Sim, reunir a gente gostava de reunir a família nos finais e ter um bate papo, umas rezenhas

6.Porquetrabalharcomochurrasco?

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Gosto do meu trabalho, do contato com as pessoas e amo servir a meus clientes meus pratos

7. Quem te ensinou a entender cortes de carne e todo processo de assar carnes?

Trabalhando nas churrascarias no Brasil.

8.As carnes daqui são muito diferentes dos cortes brasileiros para você?

Quais cortesvocêrecomendaparaospoucosentendidos?

Beef ribs e bottom sirloin

9. Há várias formas de assar carnes por todo Brasil, qual seria o melhor métodoparavocê?

Usando carvão ou gás a pessoa pode fazer bons churrasco

10. Você no Food Truck usa o mesmo método ou teve que fazer adequações?

Sim

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11. Na sua opinião quais seriam as vantagens ou desvantagens de um churrascobrasileiro?

A desvantagem é que no truck (trailer) não tenho muinta estrutura e a vantagem é que eu não preciso de muita mão de obra. Nossa equipe é formada de três pessoas.

12.ComocomeçouaideiadoFoodTruck?

Depois de escutar no restaurante as pessoas pedindo uma comida mais caseira e valor mais baixo eu resolvi abrí-lo.

13.PorqueumTruckenãoumalanchoneteouumrestaurante?

Custo menor

14.Háquantotempovocêestánesseponto?

7 anos

15.Vocêatendeemoutrasáreas?

Sim, em Houston Leander

16.Hánovidadesparaofuturo? Novo

Espadas O L H A S Ó ! | 4 9

EQUIPE FLAGSHIP

COrlando René Kelm - Diretor
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Associate Professor of Spanish and Portuguese Department of Spanish and Portuguese The University of Texas at Austin

EQUIPE FLAGSHIP

Nascida em Gettysburg, na Pensilvânia, Jade formou-se na Universidade de Pittsburgh em 2015 com graduação em Ciência da Informação e certificados em Comunicação e Português. Seu interesse pela cultura brasileira e portuguesa começou em 2010, quando ela passou um ano como aluna do Rotary Youth Exchange na pequena cidade de Atibaia, no interior de São Paulo. Depois de se formar e iniciar sua carreira como analista de TI corporativa, Jade voltou para o Brasil em 2019 para continuar trabalhando como analista de TI para uma empresa global. Depois de passar os últimos 3 anos no Brasil, Jade está animada para estar na 'sunny' Austin Apesar de não ser brasileira de sangue, Jade se identifica como Brasileira de coração. Ela está muito animada para mostrar aos alunos da UT um pouco do que o Brasil tem a oferecer.

Contato: jade diamodn@austin utexas edu

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EQUIPE FLAHSHIP

Denise Braz

Graduate Research Assistent (GRA)

Editora da revista Olha Só!

é Graduate Research Assistant (GRA) do Flagship Portuguese Program da Universidade do Texass e estudante do PhD no Lozano Long Institute of Latin American Studies na mesma universidade. É mestre em Antropologia Social pela Faculdade de Filosofia e Letras, Universidade de Buenos Aires, Argentina Licenciada e Bacharel em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É ativista do coletivo brasileiro Resistência em Austin, grupo Kilomba (coletivo de mulheres afro-brasileiras nos EUA) É ativista da Frente Internacional Brasileira contra o golpe e pela democracia (FIBRA), da Aliança Afro Brasileira (ABA) e da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) e do Coletivo de Mulheres Negras em Buenos Aires, Argentina.

E-mail: denisebraz@utexas.edu / Instagram: @denisezarb

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SOBRE OS COLABORADORES

Cynthia Rachel Pereira Lima, também conhecida como cynthia rachel esperança, é filha de Ana Maria Esperança Caldas, pilar de toda sua trajetória humana, profissional e educacional É mestranda no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades - PPCULT pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Pós-graduada em literaturas portuguesa e africana de língua portuguesa pela UFRJ Tem graduação em Letras - Português/Literatura pela Universidade Castelo Branco. Criou o Coletivo Encruzilhada Feminina de Arte Negra. Nele escreve, dirige e produz espetáculos teatrais É autora dos livros infantis ainda não publicados “A saudade de Alex” (2016), “Edith têm duas mães em um mundo de cores” (2016), “O menino Omolu” (2017), “Os penduricalhos de Yiassed” (2019) Escreveu e dirigiu as peças de teatro “Encruzilhada Feminina” (2018), “O menino Omolu” (2020) e escreveu a dramaturgia da peça “Mulheres, Memórias e Afins - até o fim” (2021). Realiza trabalhos em literatura, teatro, cinema, contação de histórias e oficinas de artes para crianças Há seis anos pesquisa e escreve sobre o Teatro Negro Contemporâneo Desde 2018 escreve para o projeto Preto no Palco, criado pelo fotográfo Valmyr Ferreira.

Email: cynthiarachel@id.uff.br

Redes: @cynthia_esperanca | @pretonopalco | @encruzilhadafeminina

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SOBRE OS COLABORADORES

Emerson Caldas é graduado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Pará, onde. Pesquisa a relação entre Arte e Antropologia, sobretudo o que diz respeito à existência negra no mundo contemporâneo, integrante do coletivo de artistas negros Ilustra Pretice PA, produz colagens analógicas e digitais em seu projeto de experimentações visuais denominado Kuumba, além disso escreve crônicas, poemas e poesias a partir de observações de seu próprio corpo e do cotidiano.

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SOBRE OS COLABORADORES

Paulo Henrique Ferreira de Freitas,

Jovem negro (26), nasceu e cresceu na favela do Pantanal em Fortaleza (CE). Antropólogo e Bacharel Interdisciplinar em Humanidades (UNILAB) e Mestrando em Antropologia Social (PPGAS UFG). Ativista no movimento negro, atuou em conselhos de políticas públicas, coordenação do movimento negro unificado e em lutas por ações afirmativas e contra o genocídio da juventude negra nas favelas e quilombos no Brasil Pesquisou na graduação sociabilidades negras em Fortaleza no pós abolição a partir dos Autos de Congo e o surgimento dos Maracatus no carnaval da cidade. E também dinâmicas epistemológicas e políticas no contexto da intelectualidade negra no Brasil e em países

lusófonos nos circuitos da antropologia. No mestrado, desenvolve uma pesquisa sobre

relações urbanas onde a partir da categoria de juventudes negras, investiga os processos de leitura e produção de cidades afroatlânticas na Praia do Poço da Draga em Fortaleza (CE).

Contato: paulohenrique603@gmail com

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SOBRE OS COLABORADORES

Rita de Cássia Hipólito

Rita Hipólito é professora de história em São Paulo, Brasil, onde leciona há 18 anos em escolas públicas promovendo educação antirracista. Ela é mestra em cultura negra e religiões afro-brasileiras pela Universidade de São Paulo. Ela também é membro do candomblé como Muzenza do Tumbenci de Lauro de Freitas, Bahia. Em 2022 ela foi agraciada pela Fulbright com o Programa Humphrey, um intercâmbio de desenvolvimento profissional nos Estados Unidos em que ela está desenvolvendo um projeto de treinamento de professores para abordar religiões negras no currículo antirracista com objetivo de reduzir o racismo religioso.

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SOBRE OS COLABORADORES

Rodrigo Maia

é escritor, poeta e professor de português como língua adicional É graduado em Letras pela Universidade Luterana do Brasil e pós-graduado pela Laureatte International Universities Publicou em dezembro/2020 pela Chiado Books o livro "Vozes do Inconsciente - poemas que escrevi para não enlouquecer" É brasileiro residente no Texas desde agosto/2019 É membro ativo do Coletivo Brasileiro

Resistência em Austin Publica poemas e contos com regularidade em suas redes sociais.

https://www.facebook.com/rodmai aescritor

http://outrosespelhos.blogspot.co m/

https://www.instagram.com/rodma iaescritor/ https://www.wattpad.com/user/Ro dMaia

Email para contato: rodmaiaescritor@gmail com

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SOBRE OS COLABORADORES

é graduada em Pedagogia pela Universidade de São Paulo, Brasil. Atualmente, Larissa está cursando mestrado duplo em Política Global e Estudos Latino-Americanos na Universidade do Texas em Austin, com foco de pesquisa na promoção do engajamento politico de migrantes. Ela é membro da Aliança

Nacional dos Trabalhadores Domésticas (EUA) e organizadora comunitária de au pairs e trabalhadoras domésticas no país norte-americano.

Larissa Costa
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SOBRE OS COLABORADORES

professora Adjunta I no Instituto de Humanidades da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira, lecionando no Bachalerado de Humanidades e no Bacharelado de Antropologia dessa instituição. Leciona no Mestrado de Antropologia UFC/UNILAB e no Mestrado Interdisciplinar de Humanidades. Doutora e mestra em Antropologia Social pela Universidade de Brasília. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisa temas relacionados aos estudos africanos desde 2007 a partir de sua inserção no Laboratório de Etnologia e do filme etnográfico.

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Denise da Costa

SOBRE OS COLABORADORES

Recentemente convidado no programa Visiting Scholar Research na University of Texas at Austin no departamento Teresa Lozano Long Institute of Latin American Studies (LLILAS) e Butler School of Music at The University of Texas at Austin, com formação abrangente em Artes e Educação, Hudson Lima desenvolve pesquisas com ênfase em relações sociais e repertórios no campo da Música, é Doutorando em Música - Musicologia - linha de pesquisa

Documentação e História da MúsicaUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO; Mestre em Musicologia com abordagem em Etnografia das Práticas

Musicais - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);

Bacharel em Música - habilitação violoncelo - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Licenciado em Música (Claretiano). Possui cursos de extensão universitária em Didática do Ensino Superior (UFRB) e Docência em Educação à Distância (ESAB) Suas atividades profissionais incluem atuações como violoncelista da Orquestra Sinfônica NacionalUniversidade Federal Fluminense (UFF) e em conjuntos camerísticos; professor de violoncelo e professor de Atendimento Educacional Especializado (EMR); Atuou como professor de violoncelo na Escola de Música Villa-Lobos (AMAVILLA); Psicanalista (Orientação Lacaniana); Lecionou como professor de pósgraduação nas seguinte instituições: Centro de Ensino Superior Faculdade de Ciência e Educação do CaparaóFACEC; Conservatório Brasileiro de Música Centro Universitário (CBMCEU); Faculdade UNYLEYA onde também atuou como conteudista. Em 2015, foi responsável e curador junto a OSN do Simpósio Música e Pesquisa (SIMUPE) evento sinfônico que uniu Música e Pesquisa Científica na UFF Integra o coletivo de pesquisa Grupo de Estudos em Cultura, Trabalho e Educação (GECULTE - CNPq) Participou como conferencista em 2022 do The ALARI Second Conference on Afro-Latin American Studies em Harvard University

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SOBRE OS COLABORADORES O L H A S Ó ! | 6 1 Robinson Souza de Figueireido espadasdebrazilatx@gmail.com O Espadas do Brasil está localizado em: 2512 Rio Grande. Austin, Texas 78705

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