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A «saudade poética» em Pedro da Silveira: Ângela

sob o ângulo poético, ou seja, nas suas manifestações de silêncio, harmonia, som, mistério e deslumbramento. Na interpretação saudosa entra o ímpeto dum espírito participado, finito e contingente, dorido pela sua imperfeição, de que se desprende o ritmo, a beleza linear, a frescura e a energia, o movimento e outras imagens sensíveis de perfeições longínquas que no espírito intérprete admira e cobiça, (…).» (Ferreira, 1984: 735)

matriz insular ou sedere português?

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de Almeida

«A saudade é uma palavra-mãe, um símbolo linguístico que abre imediatamente o pensamento a zonas que porventura esqueceria, se não fosse a prospecção secular de todo um povo, através de muitos séculos, ter partido da vivência original da soledade ou da soidade, para chegar à vivência da saudade, que é aquela em que a solidão se descobre potencialmente transcendível pelo amor, ou, de outro ângulo, aquela em que o presente se descobre como eternidade, vinculado no passado pela lembrança, vinculado pelo futuro do desejo.» (Quadros,1984:750)

A saudade ou o «brasão da sensibilidade portuguesa» (Lourenço, 1997: 113), é analisada por Ferreira (1984: 726-748), que distingue «saudosismo lusitano», de «saudosismo poético», «saudosismo ontológico» e «saudosismo religioso», atribuindo ao «saudosismo poético»

«a interpretação saudosa do mundo,

Ora, na poesia de Pedro da Silveira, essa saudade poética resulta da sublimação da perda da ilha-mãe, através da criação de uma alteridade imagética animada pela melancolia e pelo deslumbramento«…/E só de pensar-me partindo/embarco e, deslumbrado, /imagino-me chegado às ilhas. /…» (Silveira, 2019: 97) –. O poema «Saudade», que escreve em 1944, é lapidar na criação de uma rêverie propícia a assinalar a saudade trazida ao sujeito poético pela perda de um paraíso-abrigo materno:

Onde estará agora a que ficou no cais quando eu parti?

Tinha o olhar cheio de lágrimas e com o lenço abanava.(…)

Um fio de fumo fluía da chaminé do vapor, a sereia apitou o último adeus e vim-me embora. … (Silveira, 2019:33)

Este tema da partida e da despedida inscreve-se no sedere português: desde os primórdios da nossa Literatura, as Cantigas de Amigo e de Amor deram conta das peregrinações e da guerra. Mais tarde, Camões, no imortal canto, escreve «…/ Que, posto que é de amor usança boa, / A quem se aparta, ou fica, mais magoa/…» (Canto IV, 93/104).

Já no século XX, Camilo Pessanha lembra «…/… lenços adeus, vai partir o navio/…» (Pessanha, 1987:71). E, claro, Álvaro de Campos, na exteriorização de uma «saudade lusitana», evoca o «cais absoluto». Todavia, no caso de Pedro da Silveira, há uma especificidade: as ilhas, e especialmente a mais ocidental da Europa, neste caso, estava votada a um isolamento atroz: até 1966, as comunicações faziam-se exclusivamente por via marítima. Mas não só: ficar na ilha, significava viver apartado dos grandes centros portugueses de conhecimento –Lisboa, Porto, Coimbra. Eis uma particularidade extraordinariamente importante: para estudar ou para ter acesso ao conhecimento, era necessário ser emigrante dentro do próprio país.

Em outras ilhas, assistimos à mesma realidade: Antero de Quental, Natália Correia, Vitorino Nemésio também partiram e acusaram a mesma perda da ilha-mãe. A conhecida carta de Quental a Whilhelm Storck é lapidar- «…ao sair, pobre criança arrancada do viver quase patriarcal de uma província remota e imersa no plácido sono histórico, para o meio da irrespeitosa agitação intelectual de um centro, onde mais ou menos vinham repercutir-se as encontradas correntes do espírito moderno.…»

(Quental: 1989: 833-834). Mas, a memória do cais da partida e da despedida será partilhada por Nemésio – o «cais vazio», o cais onde «… Não chega vela , nem jamais /Asa ou ponta de lenço/ Ensina porto ou saudade/…» (Nemésio, 1940: 19-20) – e por Natália Correia, no primeiro soneto, publicado em 1946:

Na poesia de Pedro da Silveira, há, sem dúvida, uma «saudade poética», que sugere a lonjura, a perda, o êxodo, mas que é, também, apologia da maternidade líquida oceânica, trazida pelo mar insular e pela vastidão do próprio oceano: «O meu desejo abarca todas as ilhas do Mar/…/A mim, o Mar!» (Silveira, 2019: 100). Há, por isso, uma espécie de abraço, à maneira de Whitman, que, por vezes, coloca o poeta muito para além do espaço insular açórico. E, neste aspecto, concordamos com Urbano Bettencourt, quando refere «…a consciência de uma distância progressivamente aprofundada entre o poeta e o seu espaço original…» (Bettencourt, 2019: 13). Quanto a essa maternidade líquida oceânica, há um universo plurívoco, trazido pelo marsímbolo de prisão e fronteira, na evocação da ilha-mãe longe - «…/O mar…/ (você o disse Jorge Barbosa) /é hoje a nossa prisão sem grades/…» (Silveira, 2019: 83) -, pelo mar-berço líquido materno insular - «…/ o mesmo mar de outrora/…» (Silveira,2019: 28) - e, finalmente, pelo Mar primordial- «o Mar, Sempre» (Silveira, 2019: 191).

Ai madrugada pálida e sombria

Em que deixei a terra dos meus pais…

E aquele adeus que a voz do mar traziaDum lenço branco, a acenar no cais… /…

(Correia, 1946: 1)

Ou seja, a poesia de Pedro da Silveira é morada de uma «saudade poética», lugar de representação da nostalgia e do deslumbramento que a ausência da ilhamãe e da maternidade oceânica evocam. Todavia, essa «saudade poética», por manifestar-se a partir da partida e da despedida é, também, uma característica profundamente portuguesa. E como a saudade (re)une passado e futuro, o poeta exprimirá a sua «Última Vontade», para a qual conta com o que ficou de tudo o que perdeu:

Sejas tu, assim, amigo Mar No fundo frio das águas cegas, Com algas e pedras e peixes insensíveis, A última cama de paz onde me deite! (Silveira, 2019: 200)

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