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Economia solidária: missão impossível?

EcONOMia basEaDa Na sOLiDaRiEDaDE NãO é NEcEssaRiaMENtE siNôNiMO DE faLêNcia. é, aNtEs DE tuDO, siNaL DE ValORizaÇÃO DO sER huMaNO E cOMpROMissO cOM O REiNO DE DEus.

por Emilio Voigt

No Evangelho de Mateus 20.1-16, encontramos uma parábola muito intrigante do ponto de vista econômico. Nessa parábola, o proprietário de uma vinha sai ao amanhecer em busca de trabalhadores. Estamos possivelmente no período da colheita das uvas. Era costume na época que os diaristas aguardassem em um determinado local até que alguém viesse contratá-los. Do amanhecer até o anoitecer, o tempo de trabalho era dividido em 12 horas. Mas não havia relógios como hoje. Uma hora no inverno podia ter 45 minutos. No verão, podia chegar a 75 minutos.

Logo na primeira hora do dia (por volta das 6 da manhã), o proprietário contrata alguns diaristas e combina o salário de um denário por dia. Denário era uma moeda romana, usada também na Palestina. O salário acertado era o praticado na época. Permitia cobrir não mais do que as necessidades básicas de alimentação diária de uma pequena família. Na terceira hora (por volta das 9 horas), o proprietário vai novamente à praça e contrata mais trabalhadores. Dessa vez, não há combinação de salário. Nas horas sexta (meio-dia), nona (três da tarde) e décima primeira (5 da tarde), são feitas novas contratações. Também nesses casos não há acerto concreto em relação ao pagamento.

Por que o proprietário foi várias vezes à praça para contratar diaristas? É possível que a real necessidade de mão de obra só pudesse ser avaliada com o andamento dos trabalhos. Mas tal forma de contratação pode também ser uma estratégia para baixar o valor do salário. Quem não foi contratado na primeira hora sabe que terá dificuldades para conseguir trabalho naquele dia. Por isso aceitaria trabalhar por qualquer valor. Não está em condições de negociar. Essa estratégia não era incomum.

Mas a parábola reserva surpresas. O inesperado ocorre quando os que foram contratados mais tarde recebem um denário, ou seja, uma diária cheia. Os que foram contratados no início

Divulgação Novolhar PEQUENOS: fEiRa DE EcONOMia sOLiDáRia EM bELO hORizONtE, EspaçO DE tROca DE ExpERiêNcia E OpORtuNiDaDE DE NEgÓciOs paRa Os pEQuENOs.

do dia reclamam da equiparação. Afinal, eles enfrentaram o peso do trabalho e o calor do dia com mais intensidade. Como podem receber a mesma remuneração? Tal insatisfação é compreensível.

O proprietário, todavia, remete ao que foi combinado. Não está sendo injusto com eles, mas sendo bondoso com os demais. Demonstra que conhece a necessidade e a aflição daqueles que ficaram esperando trabalho até a última hora do dia. Em vez de reclamar, os trabalhadores da primeira hora são convidados a alegrar-se com a imerecida graça dos outros. Em lugar de inveja e comportamento egoísta, devem ter uma atitude solidária.

Em termos econômicos, o procedimento do proprietário da vinha parece ser um verdadeiro desastre. Imaginemos que ele tenha contratado, em cada uma das vezes que foi à praça, dois diaristas. Colocando os números em uma tabela (na página ao lado), teríamos um resultado interessante.

Considerando o total de horas trabalhadas, seria necessário contratar cinco diaristas para trabalhar o dia todo (5 x 12 horas = 60 horas). Com várias contratações ao longo do dia, dez diaristas foram empregados. Isso ainda não seria economicamente inviável se o proprietário pagasse de acordo com as horas trabalhadas. Entretanto, ele pagou diária completa a todos e teve um “prejuízo” de cinco denários. Olhando somente os números, não há como aprovar tal forma de gestão.

Essa possível falha administrativa pode ser uma crítica velada aos que se orientam exclusivamente por dividendos e que se aproveitam da situação de fragilidade para pagar baixos salários. Obviamente não é apropriado abdicar do lucro. Mas não se pode buscá-lo a qualquer custo. O bolso não pode ser mais importante do que o coração. Economia baseada na solidariedade não é necessariamente sinônimo de falência. É, antes de tudo, sinal de valorização do ser humano e compromisso com o reino de Deus.

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EMILIO VOIGT é teólogo e assessor teológico do Sinodo Vale do Itajaí da IECLB em Blumenau (SC)

Homero Severo Pinto (1952-2010)

Clovis Lindner

Hospitalizado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital São Lucas, em Porto Alegre (RS), desde o dia 14 de março, o pastor primeiro vice-presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Homero Severo Pinto, 57 anos, morreu dia 23 de abril, de falência múltipla de órgãos. Em viagem pastoral a Moçambique, África, em fevereiro, Homero contraiu malária cerebral, do tipo plasmodium falciparum. Desde o seu internamento hospitalar, lutou com bravura pela vida, sofrendo parada cardíaca, além de acidente vascular cerebral, convulsões, consequências da malária.

“O falecimento do pastor Homero causa grande consternação e tristeza de saúde que leva o nome da irmã brasileira Doraci Edinger, morta em março de 2004. No enterro da irmã, no dia 9 de março do mesmo ano, em São Leopoldo, o pastor Homero frisou que a ressurreição de Cristo “permite um novo olhar, uma vez que a fé não se limita a este mundo”.

O reitor da Faculdades EST, Dr. Oneide Bobsin, disse que o pastor Homero se orientava pelo diálogo, “reconhecendo as diferenças e sem encobrir injustiças”. O coordenador do Programa de Estágio e Intercâmbio da mesma instituição, Martin Volkmann, lembrou que Homero foi um dos primeiros estudantes a ingressar na Faculdade de Teologia sem saber falar alemão, quebrando o paradigma de ingresso, quando o conhecimento dessa língua estrangeira era uma premissa. “Esse simples fato mostra que Homero era uma pessoa vocacionada para o ministério”, afirmou.

Homero tinha a indicação de sínodos que o queriam na presidência da IECLB, escolha que ocorrerá no Concílio Geral da igreja, em outubro.

Natural de Sobradinho (RS), Homero, nascido a 8 de julho de 1952, ingressou na Faculdade de Teologia, em São Leopoldo, em 1972, concluindo o curso cinco anos depois. Trabalhou como pastor em Igrejinha e Portão, no Rio Grande do Sul. Foi pastor sinodal e secretário de Educação do município de Portão, na região metropolitana de Porto Alegre. Assumiu a primeira vice-presidência da IECLB em dezembro de 2002 e a coordenação de Missão Global da igreja, em fevereiro de 2007.

Era casado com Denize Inez Volkart Pinto e o casal teve dois filhos: Catarina e Mateus. O corpo do pastor primeiro vice-presidente foi sepultado no Cemitério de Taquara (RS) no dia 24 de abril. N

na IECLB. Somos gratos pela vida e testemunho dele no Brasil, como entre igrejas irmãs e parceiras. Na confiança que temos em Deus, as sementes que Homero disseminou frutificarão em bênçãos para muitas pessoas”, disse o pastor presidente da (IECLB), Walter Altmann. “A IECLB perde uma pessoa extraordinária”, assinalou o secretário do Ministério com Ordenação, pastor Edson Edílio Streck.

Em fins de fevereiro, Homero representou a IECLB na reunião das igrejas parceiras da Igreja Evangélica Luterana de Moçambique na missão local, que avaliou a possibilidade de envio de obreiro do Brasil para o país africano. Em Moma, área rural de Nampula, Moçambique, Homero participou da inauguração de posto

EM GaNa: milhares de pessoas vivem da reciclagem, inclusive crianças a partir dos cinco anos

Divulgação Novolhar

Sobrevivência tem prioridade

por Brunilde Arendt Tornquist

Édifícil hoje conceber o mundo sem o computador. Ele se tornou essencial no trabalho, na escola, no lazer. A agilidade na informação permite que eu acompanhe no Brasil o que acontece na China quase simultaneamente. Nos anos 1990, acreditava-se que a tecnologia digital criaria uma harmonia global, sem preconceitos e limitações geográficas, e que as informações que ultrapassariam as fronteiras do mundo tecnicamente avançado para os países em desenvolvimento acabariam provocando um aumento da riqueza mundial, diminuindo o fosso entre os países pobres e os ricos. Esse sonho não se tornou realidade. E o que é cada vez mais preocupante é o outro lado da tecnologia: seu impacto na ecologia, as matérias-primas tóxicas usadas na produção e o lixo tecnológico. eletrônico do mundo, milhares de pessoas vivem da reciclagem, inclusive crianças a partir dos cinco anos de idade. Uma análise do Greenpeace mostrou que o solo e a água em torno desse mercado estão poluídos por químicos, alguns usados para amaciar plásticos. Essas substâncias causam dor de cabeça; dificuldade respiratória; infertilidade; diabetes; câncer de coração, fígado, pulmão; doenças renais; edema cerebral e atrofia muscular.

É uma questão de sobrevivência exigir uma avaliação interdisciplinar e uma previsão das consequências do avanço tecnológico e aumentar a pressão política sobre empresas e governos. Exemplos de iniciativas são o ranking ambiental do Greenpeace – que publica uma lista de nomes, a cada trimestre, de fabricantes de produtos eletrônicos com base na quantidade de substâncias perigosas em seus produtos – e a campanha em prol da produção de computadores politicamente corretos, desenvolvida por duas organizações eclesiais da Suíça: “Brot für alle” e “Fastenopfer”.

Faz-se necessária uma nova postura ética e política. Por exemplo, em 1990, no livro “Projeto ethos mundial”, o teólogo católico Hans Küng afirmou que os interesses do bem-estar comum têm prioridade sobre os interesses individuais; que a sobrevivência da pessoa ou da humanidade tem prioridade sobre a autorrealização da pessoa ou++ de um determinado grupo e que o sistema ecológico tem prioridade sobre o sistema social – a sobrevivência é mais importante do que uma vida melhor. N

De acordo com um estudo da ONU de 2003, a produção de apenas um computador requer mais de 240 quilos de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, cerca de 22 quilos de produtos químicos e 1.500 litros de água. Muitos metais usados são raros (incluindo cobre, alumínio, níquel, zinco, ouro, platina, alcatrão e cobalto) e muitas vezes disponíveis apenas em países do Terceiro Mundo. As pessoas que vivem perto das minas de cobalto na Zâmbia, por exemplo, sofrem muito devido à poluição do solo, em que já não podem cultivar vegetais, e à água poluída. Na produção dos chips, a situação é ainda mais grave. O risco de câncer de cabeça, dor muscular, dificuldades respiratórias, infertilidade e de abortos é bem maior.

Em Gana, África, atrás do Mercado Agbogbloshie, no maior lixão

BRUNILDE ARENDT TORNQUIST é teóloga e assistente editorial em São Leopoldo (RS). Baseado em Jörg Becker, Computers and ecology, Media Development, Journal of WACC (Associação Mundial para a Comunicação Cristã), n. 2, 2009.