Música. O toque da alma - Revista Novolhar, Ano 7, Número 25, Janeiro e Fevereiro, 2009

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CPAD


Ao leitor

Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Walter Altmann Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Olga Farina, Ricardo Fiegenbaum, Vera Regina Waskow e Walter Altmann. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Roberto Soares sobre foto de Ken Kaminesky/CORBIS

Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Carine Fernandes, Carlos Artur Dreher, Carlos Walter Winterle, Claus Schwambach, Edelberto Behs, Frei Betto, Hélio Musskopf, Irene Margarete Höhn, Karen Bergesch, Lídia Winterle, Maria Salette Kreutz, Martin Norberto Dreher, Orlando Eller, Paula Oliveira, Paulo André Klarmann, Rui Bender, Sharlene Leber, Tânia Cristina Weimer e Werner Ewald. Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 25,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

A música marca

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ÃO HÁ COMO ISOLAR UM TRECHO DA VIDA DE

alguém que não tenha marcas deixadas por alguma melodia. A música está em tudo, em todos os lugares e espaços. Já no berço as canções de ninar gravam-se na memória. A música perpassa nossa infância, nossa adolescência, nossa juventude e nossa vida adulta. Nesta última fase, todos temos uma trilha sonora muito clara da nossa vida, com melodias marcando os momentos e momentos sendo marcados por melodias. Independente da erudição ou do grau de cultura das pessoas, a música é a linguagem mais elástica e criativa da humanidade. Sua origem remonta ao tempo das cavernas. Ela caracteriza culturas, religiões e até os diferentes períodos da história dos povos. Ela marca também a realidade de aldeia global da atualidade como poucas coisas já ousaram nesses tempos de globalização. A música ultrapassa fronteiras, rompe barreiras e invade até culturas que tentam blindar-se frente a outras. Acima de tudo, a música mexe com nossas emoções e tem a capacidade de transformar o espírito. A Novolhar oferece uma reflexão sobre o eclético mundo da música e da apaixonada relação da humanidade com esta arte. E, como não poderia deixar de ser, esta edição sobre tão sonoro tema não pode apenas ser lida, mas também ouvida. Acesse www.novolhar.com.br e ouça alguns experimentos sonoros que temos feito. A presente edição também abre suas páginas para duas novas seções. A seção “Religiões” aborda neste número o Budismo, religião oriental que tem ao redor de 200 mil adeptos no Brasil. Outras confissões religiosas serão tema de reportagens nas próximas edições. O objetivo é ampliar nosso conhecimento sobre outras pessoas e sua maneira peculiar de praticar a fé em Deus e, ao mesmo tempo, aproximar e desconstruir preconceitos. Já a seção “Iniciativas de Paz” abre espaço para relatar sobre atividades que privilegiem uma cultura de paz em nós e entre nós. Com votos de um abençoado Ano Novo. Equipe da Novolhar


ANO 7 - NÚMERO 25 - JANEIRO/FEVEREIRO DE 2009

CAPA 12 MÚSICA, O TOQUE DA ALMA Ela mexe com nosso corpo e também com nossa alma 15 Música: que linguagem é essa? Vivemos um momento de overdose musical

17 Sonoridade e encantamento As músicas dos diferentes povos ajudam a alargar nossos horizontes

18 A trilha sonora da minha vida A canção, que une poesia e música, diz o que a palavra não consegue

O pinião do leitor Excelência Tive o prazer de receber uma cortesia: o número 23 da Novolhar. Não conhecia a revista e, ao manuseá-la, fiquei agradavelmente surpreso com a sua qualidade, tanto no que se refere à excelência do conteúdo como pelo projeto editorial e gráfico. Parabéns à equipe responsável pelo periódico. Carlos Alberto Gianotti – via e-mail Porto Alegre (RS)

Boa qualidade Tenho o prazer de contatar para fazer uma assinatura da revista para o ano 2009. Tenho lido alguns números

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18 Educação musical Lei regula ensino da música nas escolas de educação básica

20 Quem dança é mais feliz Especialistas c omprovam aspectos positivos da dança

22 Com a boca no trombone Música na igreja luterana e a Obra Missionária Acordai

24 Diferenças unidas pela música Centro de Artes dá aulas de sensibilidade e parceria

25 Mudando vidas Projetos resgatam cidadania e vida para crianças

na IECLB e destaco-a como de muito boa qualidade. Já a recomendei a pessoas amigas. Faço parte da Coordenação Nacional do Fórum da Mulher Luterana da IECLB, aqui no Sul. Ieda Radunz – via e-mail Porto Alegre (RS) Sou assinante da revista Novolhar desde seu lançamento, mas por algum motivo me falta a edição nº 6. Favor informar se existe a possibilidade de adquirir esse exemplar, caso haja disponibilidade do mesmo. Parabéns pelo conteúdo e pela qualidade dessa publicação da Editora Sinodal. Elton Stahlschmidt – via e-mail Caxias do Sul (RS)

NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


OUTROS ASSUNTOS 6

Espelhos Jochen Klepper - Poeta e romancista vítima do nazismo

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Reflexão Louvor a Deus por meio da dança: dimensão esquecida

11 Notas ecumênicas Templo compartilhado entre três denominações Um fórum para os comunicadores luteranos Movimento negro quer igrejas sem racismo Conic: Dinheiro para salvar bancos é um escândalo

26 Catecismo Menor: 480 anos Ainda hoje é o escrito mais conhecido de Lutero

27 Senhas Diárias em 50 línguas Editora Sinodal publica o devocionário há 36 anos

28 Um Baú destroçado Novembro registra a maior catástrofe ambiental do Vale do Itajaí. A região do Morro do Baú é uma das mais atingidas.

30 Profissões Pipoqueiro também vira escritor

31 Justiça Chico Mendes recebe anistia póstuma

32 Direitos humanos CESE busca criar uma cultura de apoio a projetos sociais

34 Religiões Budismo é religião e filosofia ao mesmo tempo

36 Conto 38 Iniciativas de paz Projeto com adolescentes resgata espaços sociais

40 Espiritualidade 42 Penúltima palavra

Temas para 2009 Edição nº 26 – Março/abril 2009 ADOLESCÊNCIA A adolescência é uma etapa na vida em que cada pessoa descobre sua identidade e define sua personalidade. Edição nº 27 – Maio/junho 2009 LIXO O lixo é o grande desafio do nosso tempo e também nosso defeito mais exposto no trato com o planeta. Edição nº 28 – Julho/agosto 2009 TRANSPORTE Os diversos modelos de transporte exi-

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gem políticas específicas. O futuro nessa área, que tanto depende de energias renováveis e não-renováveis. Edição nº 29 – Setembro/outubro 2009 CLIMA Refletir sobre o clima é buscar saídas para o futuro do planeta. Como entender os fenômenos climáticos? Edição nº 30 – Novembro/dezembro 2009 BÍBLIA A Bíblia é o livro mais lido, pesquisado e publicado da história. É a palavra de Deus em palavras humanas. Qual sua importância para o nosso tempo?

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Espelhos

Poeta e romancista vítima do nazismo Impedido de publicar seus livros e de sair da Alemanha e informado de que sua enteada seria executada em campo de concentração, Jochen Klepper pôs fim à vida da família enquanto lia textos bíblicos. Martin Norberto Dreher

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dezembro de 1942, Jochen Klepper entrou no prédio da Secretaria de Segurança do Terceiro Reich, em Berlim. Pouco depois estava frente a frente com o chefe do Departamento para Assuntos Judaicos, Adolf Eichmann. Eichmann era a pessoa que organizava a deportação de judeus para os campos de extermínio. Em questão estava o destino da enteada de Klepper: Renate. Renate Klepper-Stein era filha do primeiro matrimônio de Hanni Klepper, esposa de Jochen. A menina era obrigada a usar a estrela amarela, com a qual eram marcados todos os judeus no Terceiro Reich de Hitler. Há anos, Jochen Klepper lutava para que pudesse deixar a Alemanha. Na tarde daquela quinta-feira, o “caso” deveria ser decidido. Eichmann negou em definitivo o pedido de emigração para Renate. Na noite de quinta para sexta-feira, a família Klepper ficou aguardando, hora após hora, a chegada dos policiais que viriam buscar Renate. Eles não ficaram inativos. Estavam preparados para o pior. O testamento havia sido redigido, os procedimentos do funeral haviam sido detalhados. Jochen fez uma última anotação em seu diário: “À tarde, a negociação no Serviço de Segurança. Agora vamos morrer – ah, também isso está nas mãos de Deus. Esta noite adentraremos a morte unidos. Sobre nós está nessas últimas horas a ima6

Arquivo Novolhar

A TARDE DE QUINTA-FEIRA, 10 DE

Jochen Klepper, a esposa Hanni e Renate

gem do Cristo que abençoa, que luta por nós. Fitando-o, nossa vida chega ao fim”. A imagem havia sido adquirida em outubro pela família. Na manhã seguinte, a mulher que os auxiliava nos serviços domésticos encontrou afixado na porta o bilhete que advertia: “Cuidado, gás!”. Na cozinha, encontrou os cadáveres de Jochen, Hanni e

Renate Klepper. A notícia espalhou-se como ventania. Na tarde do mesmo dia, Dietrich Bonhoeffer, assassinado por Hitler em 1945, anunciava: Jochen Klepper e sua família deixaram voluntariamente a vida, olhos postos em Bíblias abertas em textos de consolo. Aqueles que espalharam a notícia sabiam que essa morte foi tudo, menos “deixar voluntariamente a vida”. O aparato nazista reagiu nervoso. Nem mesmo a participação de falecimento pôde ser publicada nos jornais. Klepper era famoso também nos círculos da Wehrmacht, onde a situação era crítica, pois a batalha de Estalingrado estava às portas. Hinos têm contexto; têm história. É o caso do hino de Klepper que consta de Hinos do Povo de Deus sob o número 3. Jochen foi poeta e romancista. Em março de 1937, foi publicado seu romance “O Pai” (Der Vater). Foi bem aceito, prometendo ser bestseller. Quatro semanas mais tarde, o autor foi excluído da Câmara do Livro do Reich e proibido de publicar qualquer texto. Concentrou-se então na composição de hinos sacros. Dentre os muitos, o acima mencionado foi traduzido para o português. Neles sabe implorar a Deus, pedindo que, mesmo que a pedra (Stein, em alemão, alusão à enteada) caia nas profundezas, Deus não a deixe desamparada. Em mim surge a lembrança dos anos de chumbo, quando Chico Buarque cantava “Pai, afasta de mim esse ‘cale-se’...” e teve o microfone desligado. Em A noite está findando, Klepper formula a contradição que, por vezes, nos parece intransponível: Como entender Deus? Como entendê-lo em sua onipotência e ao mesmo tempo não entendê-lo em meio ao caos dos tempos presentes? Como entender o Deus que ousa a impotência para nos tirar da situação de juízo, na qual presentemente nos encontramos? “Quem fez dos céus o brilho não nos há de deixar: em seu bendito Filho sua obra há de findar! De abismos insondáveis, de desespero e dor, de angústias incontáveis remiu-vos o Senhor!” O autor é teólogo e professor de História na Unisinos em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


D ica cultural

Olhar com humor

August Rush O Som do Coração Ouça. Consegue ouvir a música? Você pode ouvi-la em todo lugar: no vento..., no ar..., na luz. Ela está ao nosso redor. A gente só precisa se abrir. A gente só precisa ouvir.

E stá na agenda Ecologia e ética Teologia e O III Fórum Mundial de (PA), de lém Be Libertação (FMTL), em nir 400 reu era esp , 21 a 25 de janeiro ntes tine con os os tod de especialistas tirna alte e es para refletir sobre diretriz s ao nte fre eis táv vas éticas e susten é: a tem O . ais atu s ico desafios ecológ – para outro “Água, Terra, Teologia ser um esá mundo possível”. Dever crítica, ecoica lóg teo paço de reflexão ndo novas forlógica e plural, busca tematização de mas de relação e sis ologias e diátod saberes, novas me o objetivo de logos possíveis, com te público acercontribuir para o deba ormações: SeInf ca do futuro da vida. cal (Belém) – Lo tê mi cretaria do Co ) 4006-9060. colfmtl@gmail.com / (91

Formação musical

No filme “O som do coração”, dirigido por Kirsten Sheridan, um menino que cresceu num orfanato tem a certeza de que encontrará sua família de verdade. Possuidor de um talento extraordinário para a música, mesmo sem saber que seu pai é um guitarrista de rock e sua mãe uma violoncelista clássica, August teve seu dom descoberto por Mago (Robin Williams), que se aproveita dele como músico de rua. Como o menino lhe rende um bom dinheiro, Mago tenta impedir que o sonho de encontrar seus pais se realize. O filme, cuja música Raise It Up recebeu indicação ao Oscar 2008 como melhor canção (acesse o You Tube para ver o clipe dessa canção), é uma comovente história que tem a música e o poder do amor como motivações para a vida. Elenco: Freddie Highmore, Robin Williams, Terrence Howard e Keri Russell. Assista o filme. Ouça os sons do mundo. Ouça os sons de seu coração.

Eventos RoAcontece no Centro de fevereiro, o 19º deio 12 (SC), de 4 a 8 de a. Do pro gra ma Se mi ná rio de Mú sic mo musicalizaco es constam atividad de harmonização ção, regência, noções junto, práticas e arranjo, prática de con eja e história, igr a, pedagógicas, músic música antial, voc a nic dinâmicas, téc infantil. As oficiga, flauta doce e coro em flauta doce, nas oferecem formação o, violões, canlad tec al, flauta transvers e percussão. O to, música de câmara rece formação seminário também ofe sicais aplicamu s tilo sobre MPB e es ações: Centro dos à percussão. Inform 12 – (47) 3384de Eventos Rodeio do se mi ná rio : ão 30 25 . Co ord en aç lo telefone (47) Rubia de Oliveira, pe ail: seminario 3348-1805 ou pelo e-m o.com.br ho ya demusicarodeio12@

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Reflexão

Canto e dança

nos Salmos O livro dos Salmos, além de ser uma coleção de músicas e hinos, também fala da dança. O louvor a Deus inclui a súplica e o clamor, podendo também a dança ser expressão de dor, tristeza e lamento. Os salmos eram cantados e dançados individualmente, no culto e nas festas populares.

Salmo 150 Aleluia! Louvem a Deus no seu Templo. Louvem o seu poder, que se vê no céu. Louvem o Senhor pelas coisas maravilhosas que tem feito. Louvem a sua imensa grandeza. Louvem a Deus com trombetas. Louvem com harpas e liras. Louvem o Senhor com pandeiros e danças. Louvem com harpas e flautas. Louvem a Deus com pratos musicais. Louvem bem alto com pratos sonoros. Todos os seres vivos, louvem o Senhor! Aleluia!

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RESCI NUMA COMUNIDADE RURAL

onde a festa e a dança tinham um imenso poder de mobilização. Lembro que, nas festas da igreja, nem bem os sinos anunciavam o fim do culto, ouvíamos os fogos e a música da banda, que conduziam todos para o salão de festas. Após o almoço, iniciavam as danças, que entravam noite adentro. Uma verdadeira celebração da vida! Ficávamos todos lá – crianças, jovens, adultos e idosos –, dançando ou assistindo os que dançavam. A dança e a música tinham um poder de congregar e unificar aquelas pessoas. Parece que, quando a comunidade dançava, os problemas, as diferenças e as dificuldades ficavam menores. Enquanto dançavam, as histórias das pessoas incorporavam-se a uma história maior. Os sentimentos individuais fluíam em um sentimento coletivo. A expressão da vida ganhava força, relativizando todo o resto. Dança é movimento. Um movimento que não tem outro objetivo além do próprio movimentar-se. Parece que, durante a dança, conseguimos ligar nosso ser, nosso corpo, com o som, o ritmo, com os outros 8

corpos, com o espaço, com a história local, com a vida e com aquilo que transcende a própria vida, com Deus. A dança liga-nos com dimensões maiores do que as palavras e a razão. Ela envolve os sentimentos. O corpo tornase sentimento. A dança tem esse poder. Ela não deixa de ser uma brincadeira, um faz-de-conta, que abre os horizontes para os sonhos, para as possibilidades, para algo novo. Por isso mobiliza as pessoas, rompendo estruturas e padrões. Talvez justamente por isso ela tenha sido proibida e expulsa de alguns meios, inclusive do meio religioso. Quem dança parece inebriado por algo que é maior do que ele mesmo. O ritmo, a melodia e o movimento do corpo parecem fundir-se em algo belo e bom. Pessoa, música e instrumento tornam-se um. Uma espécie de êxtase, que foge ao controle e assusta. Não somos nós que dançamos, mas o ritmo que dança em nós, assim como a força do Espírito age em nossos corpos e mentes. Justamente aí está a proximidade da dança com a religião, algo que o povo da Bíblia já sabia. O rei Davi dançava como expressão de alegria e louvor diante de Deus (2 Samuel 6.14).

Afonso Lima

Julio Cesar Adam

O livro dos Salmos, além de ser uma grande coleção de músicas e hinos, também fala da dança (Salmo 30.12; 68.4; 149.3 e 150.4). Os salmos são hinos de louvor a Deus, que expressam tanto a alegria como a tristeza da vida. O louvor a Deus inclui a súplica e o clamor, podendo também a dança ser expressão da dor, da tristeza e do lamento. Provavelmente os salmos eram cantados e dançados individualmente, no culto e nas festas populares. O Salmo150, por exemplo, é um convite para agradecer e honrar a Deus com canto e também com dança. Encerrando NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


todo o livro dos Salmos, o Salmo 150 abarca o conteúdo dos outros 149 anteriores. Esse último salmo é do início ao fim uma explosão de louvor, o aleluia dos aleluias, o glória dos glórias e o amém de todos os améns. A grandeza da vida dada e mantida por Deus é tamanha, que as palavras, a música e todos os instrumentos já não bastam para expressá-la. É preciso dançar. Dançar a Deus no santuário, onde céu e terra se encontram (v. 1), porque Deus é o criador da vida (v. 2). Ele deve ser louvado com todos os tipos de instrumentos. WWW.NOVOLHAR.COM.BR

Não tem como imaginar a concretização do Salmo 150 senão com uma dança, uma grande festa, o movimento do corpo inebriado de sentimento. A graça de Deus em nós faz-nos dançar e cantar. Essa dimensão esquecida da espiritualidade cristã, o louvor a Deus através do corpo e do movimento, precisa ser resgatada como forma de expressar-se diante de Deus, ou melhor, expressar-se em Deus. Deus manifesta-se no movimento, e seu Espírito tem sua morada em nossos corpos. A dança, mais do que as palavras,

é sem dúvida expressão e canal desse encontro do corpo com o movimento, do humano com Deus. É tempo de redescobrir a dança como louvor que anuncia o reino da vida que se aproxima. É tempo de dar um sentido sagrado às danças de nossas festas e trazer a dança das festas, o movimento e a expressão corporal para dentro de nossas liturgias. O autor é teólogo e atua no pastorado escolar na Instituição Evangélica Novo Hamburgo, em Novo Hamburgo (RS)

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N ovolhar sobre Proteção solar Márcio Rockenbach

Os fotoprotetores são substâncias que aplicamos sobre a pele para minimizar os efeitos nocivos da exposição à radiação ultravioleta. O primeiro fotoprotetor comercial data de 1943, embora essas substâncias realmente só começassem a ser populares após a década de 1970. Os fotoprotetores dividem-se em dois grupos principais, que chamamos de orgânicos (químicos) e inorgânicos (físicos). Os protetores inorgânicos protegem por bloqueio dos raios; assim oferecem ótima proteção, mas são pouco cosméticos – geralmente opacos, deixam um aspecto esbranquiçado na pele. Os filtros orgânicos são compostos por diferentes substâncias químicas que protegem pelo efeito de absorção e devolução da energia ultravioleta e permitem que sejam mais cosméticos. Muitas vezes, como já acontece, o ideal é a associação entre filtros orgânicos e inorgânicos, a fim de obter sinergicamente uma proteção maior. O grau de fotoproteção é medido principalmente segundo o Fator de Proteção Solar (FPS) do produto, que quantifica o nível de proteção ao UVB (raios ultravioleta B). A proteção UVA (raios ultravioleta A) é medida usualmente em uma escala chamada PPD. Devemos sempre escolher filtros que ofereçam graus altos de proteção UVB – sempre fatores iguais ou maiores do que 15. É muito importante lembrar que devemos reaplicar o filtro solar com frequência e em quantidade adequada para conseguir realmente um efeito protetor. Ele deve ser aplicado em quantidade generosa pelo menos 20 minutos antes da exposição e reaplicado a cada duas horas ou antes, se necessário. O autor é médico dermatologista em São Leopoldo (RS)

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Última hora

Uma nova marca Eloy Teckemeier

Todo fabricante de um produto ou prestador de serviços tem um nome e uma marca (logomarca) que o caracterizam. Existem vários fabricantes produzindo o mesmo tipo de produto. No entanto, em alguns casos, o nome do fabricante mais famoso é confundido com o nome do produto. Quem já não fez um xerox em vez de uma fotocópia, por exemplo? Ao longo de seus 82 anos de existência, a Editora Sinodal cunhou seu nome em publicações nas áreas da teologia e educação cristã. Hoje, no Brasil, a Sinodal é referência nessas áreas e tem seu nome lembrado em seminários, escolas de teologia e igrejas. Em 2009, a Editora Sinodal apresenta uma nova logomarca. Usando traços leves, contextualizando a marca, sem, porém, afastar-se de suas características anteriores, ela acompanha a tendência do mercado. A marca expressa o foco: o livro, não fechado na prateleira, mas aberto, soltando o aroma do saber, colorido como o arco-íris da aliança de Deus com sua criatura, o sopro da vida que brota dentre suas folhas como pétalas soltas ao vento. A Editora Sinodal é a nova marca no mercado editorial cristão no Brasil. O autor é diretor-geral da Editora Sinodal em São Leopoldo (RS)

TRANSFORMAÇÃO: A logomarca da Sinodal foi mudando ao longo do tempo. A primeira, de 1954, foi usada por mais de três décadas.

Novo presidente da Luterprev Como faz tradicionalmente desde que foi criada há 15 anos, a Luterprev – Previdência Complementar realizou eleições para a presidência de seu Conselho Deliberativo em 31 de outubro de 2008. O engenheiro Seno Leonhardt assume em substituição ao pastor Ulrico Sperb, que exercia a função de presidente do Conselho há 12 anos. A direção-geral da entidade permanece com Everson Oppermann, principal executivo da Luterprev. O mandato de Seno Leonhardt vai até 2010. Ele tem 51 anos, é natural de Três de Maio (RS), formado em Engenharia Civil, com quatro cursos de pós-graduação. Profissionalmente, alinha atuações tanto nessa área como na docência, sendo professor dos cursos de pósgraduação da Faculdade Três de Maio (Setrem). Desde 2005, também é diretor da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo (RS). Na Luterprev, é conselheiro há dez anos. Para conhecer a formação completa dos conselhos e a nominata de toda a diretoria executiva da Luterprev, acesse www.luterprev.com.br. (Fonte: Assessoria de imprensa Luterprev) NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


Notas ecumênicas

Templo compartilhado

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PEQUENO TEMPLO COM TRÊS CRUZES

na torre chama a atenção de peregrinos que trilham o Caminho das Missões, em São João Tujá, no município de Garruchos (RS). Três famílias religiosas, representadas nas três cruzes, têm na Igreja Ecumênica da Trindade o seu local de culto. “Sozinhos não teríamos condições de construir a igreja”, disse o pastor Wolter Becher, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), há oito anos radicado em São Luiz Gonzaga, de onde presta atendimento pastoral às 20 famílias da denominação que vivem em São João Tujá. O templo, inaugurado há seis anos, é administrado por uma diretoria que observa o rodízio da presidência entre fiéis

das três denominações. O terreno em que está a Igreja da Trindade foi doado por um paroquiano local. O templo foi construído em dez meses, em regime de mutirão, e custou 29 mil reais, com recursos angariados no município. O que rege as relações entre as três famílias confessionais é o respeito mútuo. O horário das celebrações é observado, assim que cada denominação tenha seu espaço de culto. São João Tujá fica a 45 quilômetros da sede de Garruchos, município que tem uma população de 3,6 mil habitantes, com tendência a decrescer por causa do acentuado êxodo rural. Na região, agricultores cultivam soja e investem na produção de leite. Jovens preferem, contudo, a vida da cidade.

Um fórum para os comunicadores O pastor presidente da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), Paulo Moisés Nerbas, e o secretário-geral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Nestor Friedrich, destacaram a importância da comunicação para a estrutura e missão da igreja, mas reconheceram deficiências na área. “A comunicação é questão estratégica, mas é o espaço onde mais indefinições de competências temos”, admitiu Friedrich ao falar para jornalistas, professores e pastores em 29 de novembro de 2008, em Canoas (RS), na assembléia constituinte do Fórum Luterano de Comunicadores (FLC), organismo que vai

substituir Luteranos Unidos em Comunicação (LUC), que foi extinto. O pastor presidente da IECLB, Walter Altmann, propôs a articulação de uma política comum de comunicação para as duas igrejas luteranas brasileiras. A assembléia constituinte aprovou regulamento do FLC, que se define como uma entidade autônoma a serviço das igrejas luteranas brasileiras. O primeiro comitê coordenador eleito é integrado pelo coordenador, pastor Rony Marquardt; vice-coordenador, pastor João Artur Müller da Silva; secretária Aline Gehm Keller e tesoureiro Eloy Teckemeier.

Movimento negro quer igrejas sem racismo De perseguidos, os “evangélicos” passaram a perseguidores, quando setores neopentecostais demonizam a umbanda e o candomblé, denunciou a Semana Nacional Evangélica de Consciência Negra em manifesto dirigido às igrejas. “É indispensável que os nossos púlpitos e sermões estejam isentos de qualquer conteúdo racista ou de intolerância”, diz o manifesto, lembrando que evangélicos não podem esquecer que suas igrejas “já foram WWW.NOVOLHAR.COM.BR

perseguidas pelo ímpeto da intolerância”. O manifesto recorda que os evangélicos eram chamados de “bodes” e que Bíblias foram confiscadas e queimadas em praça pública. “Essa perseguição estendeu-se até a década de 40 do século passado e começou a diminuir nas décadas de 60 e 70”, assinalam os onze organismos representados na Semana Nacional Evangélica de Consciência Negra, reunida em São Paulo, no final de novembro de 2008.

Conic: Dinheiro para salvar bancos é um escândalo A destinação de mais de dois trilhões de dólares pelos governos dos Estados Unidos, da União Européia e da China para salvar bancos, financeiras e companhias de seguro da crise é um escândalo, diz a carta da 13ª Assembléia Geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), dirigida às congregações. A carta compara o montante com a “resposta pífia” que os países-membros da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) deram ao apelo de seu diretor, Jacques Diouf, para minorar a escassez de alimentos no mundo, que ameaça quase um bilhão de pessoas. Dos 22 bilhões de dólares aprovados, a FAO recebeu apenas dois bilhões de dólares. A Assembléia do Conic esteve reunida, de 13 a 15 de novembro de 2008, em Luziânia (GO), sob o tema “Água, fonte de vida e de paz”. A água, elemento mais necessário à vida, está ameaçada pela crescente degradação ambiental, por seu uso predatório, pelo desperdício e por “sua conversão no mais rentável negócio internacional nos dias de hoje, ao mesmo tempo em que escasseia para os mais pobres”. O Conic proclama que a água é um dom de Deus destinado a toda a criação; por isso trata-se de um bem público inalienável. Estados e comunidade internacional devem assegurar o acesso prioritário de todos os seres humanos a água limpa e potável, “a um custo suportável pelos mais pobres e vulneráveis”. A Assembléia de Luziânia analisou a configuração do movimento ecumênico mundial e o papel do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e dos conselhos regionais e nacionais. Ela conclamou as igrejasmembros a intensificar a formação ecumênica de lideranças e fiéis.

Matérias compiladas pelo jornalista Edelber to Behs a partir de repor tagens publicadas pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC). Site: www.alcnoticias.org

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Ildemar Kanitz

Capa

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NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


Música, o toque da alma A música mexe com o nosso corpo, principalmente quando falamos de seu aspecto rítmico. Mas ela mexe também com a nossa alma, nossas lembranças, nossa história e nossa religião. Nas próximas páginas, um passeio pelo maravilhoso mundo da música. Ingelore Starke Koch

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Ó A MÚSICA É LINGUAGEM UNIVERSAL, QUE NÃO PRECISA SER

traduzida; pois fala de alma para alma.” A frase é do pensador e escritor alemão Berthold Auerbach (18121882) e remete a outras versões parecidas. “A música é a linguagem universal que mais facilmente toca a alma das pessoas ouvintes”, aponta outra versão. A música (do grego, a arte das musas) constitui-se basicamente de uma sucessão de sons e silêncio, organizada ao longo do tempo e praticada desde a pré-história. Embora nenhum critério científico permita estabelecer seu desenvolvimento de forma precisa, a história da música confunde-se com a própria história do desenvolvimento da inteligência e da cultura humanas (Wikipedia).

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Ingelore Starke Koch

RUTH KRATOCHVIL: Atualmente, as pessoas podem ter acesso a todo tipo de música

Como, enfim, reagem corpo e mente à recepção da música? “Quem consegue controlar-se corporalmente quando escuta uma música? Logo começamos a bater nossos pés, mãos, a balançar o corpo e por que não dançar?”, aponta a musicoterapeuta e professora Sofia Dreher, da Faculdades EST, de São Leopoldo (RS). “A música mexe diretamente com o nosso corpo, principalmente quando falamos de seu aspecto rítmico. Da mesma forma, lembranças são suscitadas quando escutamos uma canção que nos remete a um romance, à nossa infância e assim sucessivamente. Nossa memória funciona como uma teia; uma lembrança puxa outra”, observa Sofia. Segundo ela, as diversas informações são guardadas, de forma agrupada, em torno de uma lembrança, como, por exemplo, a música. Por esse motivo, explica, quando os musicoterapeutas cantam uma canção num grupo de geriatria, eles não estão apenas trabalhando com respiração, fonação, prazer, mas também com a me14

mória dessas pessoas. As recordações que afloram através do ato de cantar podem providenciar a resolução de conflitos antes não suficientemente trabalhados. Recentemente, em um grupo de terceira idade, relata Sofia, estava sendo encerrada uma sessão de musicoterapia com a canção “Está chegando a hora”. Um dos trechos – “Quem parte leva a saudade de alguém e fica chorando de dor (...)” – provocou o choro de uma senhora que havia perdido o marido um ano atrás. Ela se remeteu ao fato e exteriorizou o problema que vinha tomando conta de sua vida. “Muitas vezes, possuímos ‘nós’ em nossas vidas que não conseguimos desatar sozinhos. Às vezes, precisamos de ajuda. As músicas suscitam lembranças, mas a composição de novas canções, através do trabalho da musicoterapia, pode providenciar um recompor de suas vidas, dandolhes outra tonalidade”, assegura Sofia. Para o músico Mauro Harff, de Novo Hamburgo (RS), a “música significa vida em

abundância, e o meu desejo é que façamos um grande jogral da paz, orientando nossos sons para o coração, evitando os estribilhos que repetem mecanicamente o que lhes foi imposto pela difusão publicitária, para cobrir a cota permitida de catarse”. Conforme a professora de canto Ruth Kratochvil, também da Faculdades EST, em todas as épocas houve manifestações culturais e musicais e em cada país existem diferentes estilos, ritmos e gêneros de música dentro das diferentes tradições culturais, com uma forte tendência à preservação. Apesar das pessoas serem bombardeadas, todos os dias, por televisão e rádio com diferentes gêneros, há aqueles que só ouvem músicas tradicionalistas, aponta Ruth. Por um lado, há o paradoxo da universalização da música de Norte a Leste, onde todos têm acesso a tudo, e, por outro lado, vê-se o incentivo à valorização da tradição local – não só no Rio Grande do Sul, mas também no Norte – com o frevo, a festa do boi e tantas outras de tradição local. Atualmente, atesta a professora de canto, as pessoas podem ter acesso a todo tipo de música. Bem diferente de décadas passadas, quando se pagava para assistir a um concerto ou se pagava caro por uma produção musical. Hoje, tornou-se muito mais fácil produzir música caseira, gravando em casa, o que é positivo, avalia Ruth. A pergunta que se faz, porém, é sobre a qualidade estética dessa produção doméstica. Aliado a isso, existe um outro senão, que é a pirataria, um atalho ilegal, aponta Ruth. Indo na contramão da qualidade estética, existe também a prática do “jabá”, denuncia. Exemplo concreto é uma banda pagar para aparecer na mídia – há bandas que chegam a pagar R$ 80 mil para apresentar-se em determinado programa de televisão, revela. O “jabá” também existe em algumas emissoras de rádio. Mas também há artistas de qualidade que não se sujeitam ao “jabá”, garante Ruth. Para ela, um dos grandes méritos da música na atualidade é o papel que desempenha na inclusão social. Como elementos dessa inclusão através da música podem ser vistos todos aqueles projetos de organizações não-governamentais (ONGs) que existem nas comunidades carentes, onde a música tem sido elemento fundamental NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


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Professor de tempo integral, Carlos tem na veia o gosto pela música. Após dar aula a semana inteira, quando chega em casa na sexta-feira à noite, mesmo muito cansado, ainda vai tocar violão. “É uma necessidade. Eu preciso da música, seja tocando ou ouvindo”, declara. Carlos ouve somente música selecionada. Gosta muito da música brasileira, introspectiva. Tom Jobim e Chico Buarque estão entre seus autores preferidos. Sempre haverá conflito de gerações, afirma. O pai acha a música do filho insuportável, e o filho acha a música do pai chata, exemplifica. Soares acredita que o fato de ser professor salvou-o desses julgamentos dos jovens. “Tenho que estar aberto a outros gostos e outros repertórios estéticos. Os jovens querem músicas mais objetivas, que sejam sínteses poéticas”, expõe Soares. Para Carlos, a docência é uma experiência muito boa, pois dá a oportunidade de compartilhar o aprendizado com os alunos, que

sempre trazem coisas novas. A geração atual é a primeira geração da humanidade que tem acesso a todo o repertório da história da música, expressa Soares. Ele é categórico: é muito raro encontrar pessoas sem musicalidade. Elas precisam é ser estimuladas. Para Murilo Bittencourt, 22 anos, de Esteio (RS), aluno de guitarra no curso técnico de música, essa tem um significado todo especial: unir o que mais gosta de fazer com a possibilidade de transformá-la em sua profissão no futuro. Ele emenda: “A música é forte aliada nos momentos de tristeza. Faz a gente viver melhor. É terapia. E pode ser aprendida por qualquer um. Contudo, exige muita persistência”. Murilo dá uma dica aos jovens: “Procurem fazer o que eu não fazia: respeitar outras culturas musicais”. Agora que estuda música, ele gosta de todos os estilos. A autora é jornalista e reside em São Leopoldo (RS)

CARLOS SOARES: Após uma semana de aulas de música, o violão é o companheiro em casa

Ingelore Starke Koch

para o resgate da autoestima, a valorização da vida e uma proposta alternativa para as situações de violência e abuso e o universo das drogas. Projeto de lei aprovado pelo Ministério da Educação em agosto do ano passado dá uma nova dimensão à relação entre a música e a inclusão social, regulamentando o ensino da música nas escolas, como elemento de construção da personalidade e de inclusão. Existe, no entanto, uma polêmica; pois, junto à lei, saiu um veto a um artigo que garantia a necessidade de formação específica dos professores que darão as aulas de música. Só que o veto dá a entender que essa pessoa não precisa ser licenciada, nem mesmo em Pedagogia, explica o professor de música Daniel Hunger. Ruth Kratochvil entende que a música também tem uma função muito importante na igreja. Diz-se que as idéias da Reforma de Martim Lutero, no século 16, na Alemanha, não teriam ido tão longe se não fosse a música. O próprio Lutero fez composições de valor musical e teológico muito significativo. Há milênios, a música vem sendo usada como elemento de cura. Há músicas que podem ser executadas em celebrações, passando a mensagem sem emitir julgamento. Na comunidade, ensina Ruth, a música é importantíssima para congregar as pessoas. Quanto ao conceito de dom musical, Ruth é categórica: todo ser que nasceu com o aparelho fonador (voz) e neurológico saudável pode vir a se tornar uma pessoa afinada, necessitando para isso as condições adequadas de estímulo. Carlos Walter Soares, de Sapucaia do Sul (RS), igualmente professor da Faculdades EST, vê o fato de ter despertado para a música como algo “meio misterioso”, pois em sua família não havia tradição musical alguma. Desde pequeno, porém, quando via as pessoas tocando, dizia que era isso que queria fazer quando crescesse. E hoje faz do exercício da música a sua profissão. O violão é seu instrumento musical. O início do aprendizado deu-se com experiências práticas. Desde os 17 anos, ele teve aulas formais, com teoria e prática, e aos 19 anos já estava no curso de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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Música: que linguagem é essa? Quando conhecemos a complexidade da música, seus ingredientes e seus nomes, nossa avaliação estética é refinada e tornamo-nos ouvintes melhores. Carlos Walter Soares

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musical. A música nunca foi tão presente, acessível e transportável. É inconcebível imaginar que, na época de Ludwig van Beethoven, um cidadão só podia ouvir alguma de suas obras num concerto. Hoje, com o advento da internet, podemos lotar nossos HDs com literalmente tudo, de Josquin des Prez a Amy Winehouse, sem falar da distribuição de CDs e DVDs cada vez mais acessível. Devido a essa exposição, é fundamental compreender algumas das discussões que envolvem a música, assim como seus elementos estruturadores. De todas as expressões artísticas, a música é a mais intrínseca. Paradoxalmente, é também a mais controversa. Não há consenso em muitos aspectos. O que é música? Música é linguagem? Existe música sem compositor? Sons da natureza formam música? Deixo abertas algumas dessas questões. Afinal, suas respostas são individuais e intransferíveis. Vejamos a linguagem. Muitos de vocês já devem ter ouvido ou lido: “A música é uma linguagem universal” ou “a música é uma linguagem divina”. Há duas convicções: É impossível, utilizando música pura, “dizer” algo objetivo, e a música pode expressar afetos. Tristeza, alegria e ira, por exemplo, são identificáveis para a maioria dos ouvintes. Portanto, dizer que a música é linguagem depende da concepção de

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Reprodução Novolhar

IVEMOS UM MOMENTO DE OVERDOSE

BEETHOVEN: No seu tempo, música só no teatro

linguagem. Linguistas, filósofos e músicos têm discutido amplamente o assunto. Leiam as reflexões de Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche sobre o tema. Independente se música é linguagem ou não, quais são os elementos que a formam? Teoricamente, a música é composta por quatro parâmetros: altura, duração, timbre e intensidade; os termos musicais conhecidos são abarcados neles. Cabe ao compositor organizá-los de forma orgânica e expressiva. No parâmetro altura colocamos termos como: notas, escalas, melodia, tonalidade, harmonia, acordes etc. A nota musical é uma frequência, ou seja, uma onda que vibra várias vezes por segundo e necessita um meio para se propagar: ar, água ou sólido. São doze as notas musicais: as

sete notas naturais (teclas brancas do piano) mais cinco notas intermediárias (teclas pretas). Essas notas têm a capacidade de repetirse periodicamente em vários registros. É importante compreender que melodia é aquilo que assoviamos. Acordes (o que os violonistas fazem com a mão esquerda) são o resultado do empilhamento das notas, e harmonia é o resultado da combinação dos acordes. Esses aspectos são interdependentes e regulados por questões físicas e culturais. É no parâmetro duração que o aspecto temporal é introduzido; termos como ritmo, métrica, pulso e figuras rítmicas são englobados nele. A combinação entre os parâmetros duração e altura gera a forma da música, ou seja, como ela é articulada. Instrumentação e orquestração pertencem ao parâmetro timbre, que é a capacidade do ouvido de perceber qual instrumento produziu um som qualquer. Instrumentação é o estudo dos instrumentos, suas características, peculiaridades e famílias. Famílias? Sim! Madeiras, metais, cordas e percussão. Orquestração é a utilização prática dos instrumentos. Ouçam os compositores do século 19! O parâmetro intensidade é responsável pelo volume na música, ou seja, a força que aplicamos ao tocar. Chamamos as diferenças na intensidade de dinâmica. No “Bolero” de Maurice Ravel, por exemplo, observamos que a música começa praticamente inaudível e segue em um constante crescendo de volume, que culmina numa apoteose de som. Existem músicas que alternam momentos sonoros de muita intensidade com momentos de quase silêncio. A “Sagração da Primavera”, de Igor Stravinski, é um belo exemplo de como essa alternância garante a manutenção no interesse musical. Certa vez, ouvi a seguinte frase: “As flores ficam mais bonitas quando sabemos seus nomes”. Isso vale também para a música: quando conhecemos sua complexidade, seus ingredientes e seus nomes, nossa avaliação estética é refinada e tornamo-nos ouvintes melhores. O autor é mestre em Composição Musical e professor de Música na Faculdades EST, em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


Sonoridades e

encantamento A música oferece um senso de comunidade e de raízes àqueles que a fazem e usam. São vínculos básicos do ser humano, o qual cria uma linguagem artística que reflete sua vida. Werner Ewald

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Ildemar Kanitz

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ANGOS , VALSAS , SAMBAS , FADOS , blues, cuecas, polcas, jazz e boleros são gêneros musicais nascidos em diferentes cantos do mundo. Embora hoje em dia estejam presentes em muitos países diferentes daqueles dos quais são originários, continuam a representar sonoramente lugares e povos específicos. Que paisagens, rostos, ideologias, culturas ou idiomas surgem em nossa mente quando ouvimos um tango? Lembramos o bandoneon, los hermanos argentinos, o castelhano. E o que nos fala a intensa marcação percussiva de tambores? Imediatamente nos vemos remetidos aos povos africanos, ao colorido e à riqueza de suas vestes e danças. E as doces e intensas melodias de flautas, como as zamponhas e as quenas, combinadas com as harmonias das cordas de um charango? Surgem na mente os povos das regiões andinas da América Latina, como o Peru e a Bolívia. Da mesma forma, o fado remete-nos a Portugal, o blues aos Estados Unidos, a valsa à Áustria ou à Alemanha, o samba à nossa própria terra brasileira. Há também os estilos musicais mais locais, como, por exemplo, a milonga, o xaxado ou o baião, que representam e cristalizam costumes regionais dentro de nosso país. Que circunstâncias e elementos são esses que levam a estabelecer um determinado tipo de música como símbolo de cer-

A música instiga nosso imaginário

tos povos e culturas? Quem os estabelece, como e quando? São perguntas controvertidas e complexas e que têm sido muito discutidas pelos especialistas, mas também são feitas por aqueles que simplesmente amam a música. Para essas perguntas não há respostas definitivas. Elas se perdem no tempo, e é também o tempo que se encarrega de definir o que “pinta” musicalmente os povos, o que é representativo de certas

culturas, o que fica e o que desaparece, assim como acontece também com os mitos das diferentes civilizações. Segundo Alan Lomax (1915-2002), que foi um grande estudioso da música tradicional das nações do mundo, “a primeira função da música, especialmente da música folclórica, é gerar um sentimento de segurança e de pertencimento no ouvinte, dando voz às qualidades peculiares de uma terra e à vida de seu povo”. O que esse estudioso está dizendo com isso? Em primeiro lugar, que a música tradicional oferece um senso de comunidade e de raízes àqueles que a fazem e usam. São vínculos básicos do ser humano, o qual cria uma linguagem artística que reflete sua vida e organização social e, ao mesmo tempo, usa-a para nela se segurar e se reconhecer enquanto ser social, enquanto pessoa que pertence a um grupo que é único e que tem personalidade e raízes próprias. Isso quer dizer que música não cai do céu, é algo abstrato ou funciona numa espécie de universo paralelo ao mundo real. Ao contrário, quer dizer que música é a vida das pessoas na forma de som organizado. É sua lide, seus conflitos, suas crenças, suas esperanças, sua história, enfim sua cultura cristalizada em padrões sonoros estruturados, que são as melodias, os ritmos, as harmonias e os timbres (isto é, seus sons e jeitos de cantar), enfim o conjunto de elementos que chamamos de música. Quando ouvimos e aprendemos a ouvir as sonoridades dos outros, podemos entender melhor o outro e sua cultura e seu modo de vida. Da mesma forma, podemos entender melhor nosso próprio contexto sonorocultural num vaivém de reconhecimento e principalmente de respeito às diferenças culturais, religiosas e políticas. As músicas dos diferentes povos, além de nos encher de encantamento, ajudam a tornar-nos pessoas mais compreensivas e a alargar nossos horizontes, características que estão sendo cada vez mais necessárias na formação dos cidadãos do século 21. Há milênios, a música tem um papel importante e prazeroso nisso. Basta abrir os ouvidos. O autor é professor e doutor em Musicologia/ Etnomusicologia em São Leopoldo (RS)

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A trilha sonora da minha vida Ruth Kratochvil

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E MINHA VIDA FOSSE UM FILME, QUAL

seria sua “trilha sonora”? Que canções deram “o tom” de sentimentos e ideias em cada fase? Na primeira infância, minha família esmerou-se em despertar meu gosto pela música. Minha mãe e meu pai cantavam canções de ninar (em alemão – minha primeira língua), canções infantis e folclóricas. Assim, as primeiras canções registradas na memória são permeadas de um profundo sentimento de afeto, aconchego e cuidado. Cantar era uma atitude de amor, estímulo à criatividade e ao universo imaginário infantil (Die Blümelein, sie schlafen – canção de ninar). O fato de não compreender nem falar português dificultou minha integração na educação infantil. Isolamento, timidez e medo substituíram os sentimentos de confiança do protegido mundo doméstico. No assustador e incompreensível universo da escola, as cantigas de roda cumpriram a função de mediadoras do processo de inclusão e da formação do “sentimento de pertença” (A canoa virou; Escravos de Jó). Já na adolescência, cantava com entusiasmo as canções da Jovem Guarda. As “ondas do rádio” conduziam os devaneios sobre as primeiras paixões e ilusões a respeito do amor (Quero que vá tudo pro inferno – Roberto e Erasmo Carlos; Banho de lua – Silvinha). Havia também a participação na comunidade e o engajamento no grupo de música, no qual predominavam as canções de louvor. A música colocava-se como possibilidade de aprendizado dos conteúdos da fé e de testemunho de uma espiritualidade de traços fortemente evangelicais (A ti, Senhor, entrego a minh’alma). Tendo completado a muda vocal, passei a acompanhar meus pais no coro, cantando 18

no naipe do soprano. Esse convívio com os adultos era curioso. Enquanto participava com fascínio da técnica vocal, podia observar as reações de constrangimento dos demais nos exercícios de relaxamento, postura e respiração. Além de encantada com a novidade, entendi que a técnica adequada facilita a execução de um repertório mais exigente, como o que era proposto (Hallelluja – Haendel). A experiência com o coro resultou no desejo de estudar música, mesmo que informalmente, no período de graduação em Teologia. O contato com pessoas de sólida formação musical e o convívio com colegas vindos de diversas culturas e “estéticas” promovia uma revisão do conceito de “belo” nos âmbitos da música popular e erudita. Surgia um interesse crescente pelos grandes compositores da MPB, seja pelo conteúdo de protesto (início da década de 1980) ou simplesmente pelo lirismo poético dos versos, magistralmente transformados em canção (Minha namorada – Chico Buarque; Pra não dizer que não falei de flores – Geraldo Vandré; Arrastão – Edu Lobo). Então veio o incentivo para estudar canto – e que resultou na decisão de assumir a música como profissão. O aprimoramento do potencial vocal tornou-se caminho de autoconhecimento, pois, ao cantar, sou simultaneamente instrumento e instrumentista e coloco-me inteiramente a serviço de incontáveis possibilidades sonoras e expressivas. E a canção, que une poesia e música, diz por mim o que a palavra sozinha não alcança com suficiente profundidade. Partilho das palavras de Vitor Ramil: “Também eu me transformo numa canção”. A autora é professora de Música no Instituto de Música em São Leopoldo (RS)

Educação musical A Lei 11.769, de 18 de agosto de 2008, regula o ensino da música nas escolas de educação básica e dá três anos para que seja implantado. Helena de Souza Nunes

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19, ABÍLIO César Borges (Barão de Macaúbas, 1824-1891) pedia, em relatório sobre “a instrução pública da Província da Bahia”, apoio oficial para o ensino da música nas escolas de educação básica brasileiras, numa época em que se falava em suprimir as raras iniciativas então existentes. A primeira determinação legal de sua obrigatoriedade aconteceu na Era Vargas, em 1932, e foi extinta durante o regime militar, em 1972. Mas retorna agora, no governo Lula, com a Lei 11.769, de 18 de agosto de 2008. Música sempre despertou grande interesse entre as crianças e na sociedade em geral. Então, por isso mesmo é particularmente significativo seu retorno à pauta de discussões pública e ao interesse oficial, tornando-se componente curricular obrigatório na educação básica, justamente em um tempo no qual o país busca caminhos para a consolidação de sua democracia. A Lei 11.769/08 altera a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96, estabelecendo um prazo de três anos letivos para que todos os sistemas de ensino se adaptem. Um de seus pontos polêmicos foi o veto presidencial ao artigo que exigia dos professores uma formação musical específica. M MEADOS DO SÉCULO

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Contudo, sem grandes razões, pois para ministrar aulas na educação básica é preciso ter curso de Licenciatura, e o governo já vem investindo em cursos de Licenciatura, inclusive Música, por intermédio de programas como a Rede Nacional de Formação Continuada, Pró-Licenciaturas Universidade Aberta do Brasil. Maiores detalhes, como periodicidade, metodologias e conteúdos específicos, serão responsabilidade dos estados e municípios, uma vez que a LDB assegura o direito às diferenças regionais, no caso da música particularmente importante. O objetivo do ensino de artes, inclusive música, não é formar artistas de carreira

nem músicos famosos, muito menos discriminar pessoas, separando talentosos e não-talentosos dentro da escola, mas oferecer formação geral e promover o desenvolvimento integral por intermédio das diversas áreas do conhecimento. A expressão “ensino de arte” empregada na LDB vinha provocando interpretações equivocadas, como a continuidade do antigo ensino polivalente de Educação Artística. Sem aulas específicas, os alunos estavam sendo reprovados em provas específicas dos vestibulares do país. É grande o número de pessoas prejudicadas em suas possíveis vocações, porque não podem pagar o ensino particular nessas áreas.

A clareza quanto à obrigatoriedade do ensino de música vem então representar, acima de tudo, um conjunto de denúncias e providências corretivas, principalmente quanto a incoerências entre formação superior de professores e seus respectivos aproveitamentos no mercado de trabalho, mas também quanto à falta de oportunidades públicas para os processos de ensino-aprendizagem musical, o que é um direito de todo cidadão. A partir de agora, o desafio será transformar a lei em realidade. A autora é professora associada do Departamento de Música da UFRGS em Porto Alegre (RS)

Sons e emoções Há 28 anos, acontecem os ENCORE, Encontros de Conjuntos Instrumentais da Rede Sinodal de Educação, entidade que agrupa as escolas comunitárias da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Muitas músicas marcaram esses 28 anos de história – histórias de vida, de paixão e dedicação à música. Jovens de muitas cidades reúnem-se uma vez por ano, em duas sedes diferentes, para viver a música intensamente. Quem já participou de uma edição do ENCORE como estudante, como regente ou como ouvinte teve o prazer de conhecer de perto seu verdadeiro significado. A música soa pelos corredores das escolas. Ouvemse diferentes estilos. Há música para todos os gostos. Os alunos têm a oportunidade de, ao conhecer, gostar ou estranhar, ampliar seus conhecimentos musicais e culturais. As escolas apresentam-se individualmente, mas o momento mais significativo é o da Grande Orquestra. Durante os WWW.NOVOLHAR.COM.BR

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Marguit Goldmeyer

REDE: Há 28 anos, as escolas da Rede Sinodal promovem encontros de alunos músicos

três dias de convivência, além dos ensaios individuais que cada escola realiza, há os momentos de ensaio da Grande Orquestra. Cada regente assume uma música para ensaiar com todos os alunos e apresenta-a numa das noites para a comunidade presente. Ou seja, a música une e convida para compartilhar sons e emoções. É preciso sintonizar com o colega de outra escola, olhar nos seus olhos, percebê-lo como pessoa que faz música como tanta gente.

A música tocada no ENCORE contribui para a construção de sentido na existência dessas crianças e jovens. Ela faz a diferença na vida de muitos jovens da Rede Sinodal de Educação. O ENCORE confirma o pensamento de Martim Lutero: “A música é o refrigério da alma”. A autora é coordenadora pedagógica da Rede Sinodal de Educação em São Leopoldo (RS)

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ENTUSIASMO: Os jovens deixam-se entusiasmar facilmente pela experiência da dança

Quem dança é mais feliz Os resultados positivos da dança são confirmados por especialistas, mostrando que a atividade pode ser valorosa em aspectos físicos e psíquicos.

cos, tanto para o pessoal mais jovem como para aquela turma que já passou dos sessenta anos. Para começar a dançar, basta saber minimamente caminhar, afirma a professora de Educação Física Scheila Machado Gerhard, que ministra aulas de várias modalidades de dança. Segundo ela, as recomendações iniciais para a atividade são simples: defina primeiramente o seu objetivo com a dança – se você quer emagrecer, melhorar o ritmo ou aprender a dançar mesmo –, depois consulte seu médico e então procure um lugar que ofereça o serviço, que vá ao encontro de suas necessidades, com aulas compatíveis com sua vontade e suas recomendações. Apesar da facilidade em começar um grupo de dança, a modalidade encontra resistência por parte de algumas pessoas. “Muitas resistem à dança alegando rigidez. Dizem que são ‘muito duras’ ou que lhes falta ritmo. Na maioria das vezes, isso acontece por vergonha de expor o corpo e até mesmo o sentimento. Isso se deve apenas a um pequeno fator: falta de prática. Todas as pessoas têm a mesma capacidade de aprender a se mover no ritmo de uma música. Apenas precisam, às vezes, de um pouco de orientação. E a prática é essencial para isso”, destaca Scheila.

A professora Scheila Machado Gerhard (ao centro) com suas alunas

Jéssica Fontoura

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S PRATICANTES DE DANÇA ASSEGUram que o ditado “Quem dança é mais feliz” faz sentido. Para eles, modalidades como jazz e dança de salão foram fundamentais na melhora da saúde e do convívio social. Os resultados positivos da dança são confirmados por especialistas, mostrando que a atividade pode ser valorosa em aspectos físicos e psíqui-

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De acordo com a médica clínica geral Adriana Benito, a atividade física, incluindo a dança, proporciona a seu praticante uma série de benefícios, que são importantes na vida de qualquer pessoa, mas que acabam sendo ainda mais valorizados na terceira idade. Segundo Adriana, há melhoras em aspectos físicos (mais equilíbrio, menos quedas, mais força, agilidade e autonomia) e psíquicos (consciência corporal, mais contato físico, afeto e convívio social). “A atividade física mantém a saúde e a pessoa não se sente só, não tem aquele sentimento de abandono”, resume. O envolvimento com a música e a combinação de movimentos também proporcionam momentos de muito relaxamento – raridade nos dias de hoje. Se você gostou da idéia, siga as recomendações, aqueça o corpo, junte-se a um grupo e comprove, na prática, o ditado “Quem dança é mais feliz”. A autora é jornalista em Novo Hamburgo (RS)

Já na infância e adolescência, a prática da dança melhora o corpo e a mente

A Associação Dança Sênior completou 15 anos de atividade em dezembro passado. Voltado para as pessoas da terceira idade, seu principal objetivo é fazer com que os idosos se encontrem, se movimentem e se alegrem através da dança. Com esse propósito em mente, a alemã Ilse Tutt, falecida em 1997 aos 86 anos, criou o movimento Seniorentanz (Dança Sênior). Sua motivação surgiu em 1971, quando visitou sua sogra no ancionato. “Você sempre dança com a geração nova, por que não dança com idosos?” O desafio estava lançado, e a ideia prosperou. A idéia de Ilse foi trazida ao Brasil em 1982 por Christel Weber, quando realizou o 1º Curso Básico de Dança Sênior em São Leopoldo (RS). Desde o início, a Instituição Bethesda envolWWW.NOVOLHAR.COM.BR

Arquivo Associação Dança Sênior

Dançando com idosos

Um dos encontros de grupos filiados, com Christel Weber à frente

veu-se no projeto, com especial dedicação da diácona Regina Krause e do pastor luterano Hans Burger, que organizaram a fundação da associação no ano de 1993. Na semana do idoso em Joinville (SC), o Grupo Bethesda na Dança se apresentou e os participantes pediram a Regina para realizar cursos e transmitir os conhecimentos. Regina atua ainda hoje como a princi-

pal executiva da entidade, enquanto o ancionato Bethesda se tornou a sede da associação. Hoje, a Associação Dança Sênior organiza a formação de multiplicadores da ideia em todo o Brasil. Com centenas de grupos associados, a entidade vê o movimento crescer e ter o apoio de prefeituras em todo o país. Mais informações podem ser obtidas em www.portalbethesda.org.br.

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filho João para que seja incluído no grupo dos meninos que serão instruídos em gramática e música. E diga a João Walter (professor) que confio meu filho a ele para aprender música, pois eu, é claro, formo teólogos, mas gostaria também de formar filósofos e músicos”. Quem ensina música é testemunha de que ela proporciona diversos benefícios a quem a aprende. O aumento da autoconfiança, da autoestima, da capacidade de concentração, a autodisciplina, a sensibilidade, a persistência, a interação respeitosa com os demais integrantes do grupo musical, a pontualidade, o cumprimento dos limites, a humildade, a capacidade de receber críticas de seus professores e mestres estão entre esses benefícios. Por isso é desejável que todas as crianças e jovens tenham acesso ao aprendizado da música no que tange a teoria, canto e prática instrumental. Dessa forma, teremos uma sociedade me-

Com a boca no trombone Entre os reformadores, Martim Lutero foi o único que usou a música como recurso na edificação cristã, no ensino da Bíblia e para aprofundar o sentido do culto.

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PARTIR DA REFORMA LUTERANA NO

século 16, a música ganhou um novo sentido na igreja. A comunidade passou de ouvinte de cantos gregorianos a protagonista, entoando ela mesma os hinos nos cultos. Isso significou uma verdadeira libertação para as incipientes comunidades luteranas. Em contrapartida, o mesmo fenômeno significou transgressão e anarquia para o catolicismo da época. Os textos dos hinos tornaram-se valiosos escritos de edificação de fé. O reformador Martim Lutero aprendeu a cantar e a tocar seu alaúde desde a casa dos pais, na escola, na juventude e no monastério, onde aprofundou o seu conhecimento em música, a tal ponto que foi capaz de compor hinos. Ele definiu a música e o canto comunitário como “maravilhosa dádiva de Deus a ser usada no louvor e na pregação da sua palavra”. O reformador também não tinha preconceitos em relação aos diversos estilos musicais de seu tempo, a ponto de escrever textos sacros para melodias populares da época, o que ajudou para que tais hinos fossem cantados com facilidade pela comunidade. A respeito disso ele escreveu: “A música é uma esplêndida dádiva de Deus, e eu gostaria de exaltá-la com todo o meu coração e recomendá-la a todos. Mas eu estou tão dominado pela diversidade e magnitude de suas virtudes e benefícios, que (...), por mais que

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eu queira exaltá-la, minha exaltação será insuficiente e inadequada. Se queres confortar os tristes, aterrorizar os felizes (pessoas sem seriedade), encorajar os desesperados, tornar os humildes orgulhosos, acalmar os inquietos ou tranqüilizar os que estão tomados por ódio (...), que meio mais efetivo do que a música poderias encontrar?” Entre os reformadores, Martim Lutero foi o único que usou a música e o canto comunitário como recursos na edificação cristã, no ensino da Bíblia e para aprofundar o sentido do culto. Quem canta com fé é testemunha de que aquilo que não se consegue alcançar no ser humano através de outros recursos de comunicação, na música e no canto se consegue. Desde os primórdios, os luteranos cultivam a música e o canto em seus mais diversos níveis, do erudito ao popular. É comum que na programação de uma mesma comunidade se encontrem cantos simples em que são entoadas melodias em uníssono, bandas com ritmos atuais e diversificados, corais com arranjos sofisticados e concertos de música erudita. Não importam o nível de sofisticação nem o estilo; o que importa é que tudo seja feito com fé e muito amor. Para Lutero, os filhos “não deveriam aprender apenas as línguas e história, mas também a cantar e a estudar música”. Quando enviou seu filho João à escola, recomendou ao professor: “Estou lhe enviando meu

Fotos: Arquivo da Obra Missionária Acordai

Ari Käfer

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nos agressiva, ansiosa e superficial, para tornar-se mais responsável e solidária. A Lei 11.769, de 18 de agosto de 2008, regula o ensino da música na educação básica e estabelece um prazo de três anos para sua implantação, abrindo boas perspectivas nesse sentido. s imigrantes alemães luteranos, ao se instalarem no sul do Brasil, trouxeram consigo a Bíblia, o Catecismo Menor, o Livro de Orações e o hinário. Também instrumentos musicais foram trazidos, de modo que nas novas colônias formaram-se corais e coros de trombones. Durante o período da II Guerra Mundial, essas comunidades sofreram. Maestros foram presos, instrumentos e livros de notas foram destruídos e tudo o que lembrava germanismo foi alvo de proibições. Há histórias de verdadeiro heroísmo: Uma senhora idosa relatou que seu

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pai colocou seus livros de música e o instrumento musical em caixas de abelhas e os pôs no meio do apiário: “Lá os soldados não tinham coragem de se meter”. A partir dos anos 1970 foram organizados Festivais Nacionais de Música Sacra na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB e multiplicaram-se os encontros de coros. Com isso, surgiram bandas, grupos e músicos que começaram a gravar. Atualmente, há na IECLB o Conselho de Música, que atua em nível nacional para promover o aprendizado, produzir material atualizado e organizar os grupos existentes nas comunidades. Os coros de metais da IECLB criaram, em 1989, a “Obra Missionária Acordai”. Em outubro de 2007, no 5º Encontro Nacional de Coros de Metais em Schroeder (SC), a Obra reuniu mais de trezentos músicos. Além do sul do Brasil, o estado do Espírito Santo também é fortemente mar-

cado pela imigração alemã e, num encontro em 2008, reuniram-se cerca de trezentos músicos somente naquela região. Entrementes, há uma grande parcela de crianças e adolescentes participando nos coros de trombones. A música é um desafio constante na IECLB. Não se deve desperdiçar esse potencial, mas dar atenção especial à música, de modo a dar condições para que esses músicos continuem aumentando em número, que se organizem e possam crescer em qualidade. Façamos nossas as palavras do reformador Martim Lutero, que percebe o ensino da música tão necessário quanto as línguas, a história e as demais ciências. O autor é teólogo e obreiro pastor em Blumenau e presidente da Obra Missionária de Metais Acordai da IECLB

SEM LIMITE DE IDADE: Franz Bold (94 anos) e Ana Zulmer Schultz (82 anos), do Espírito Santo, são os trombonistas mais idosos em atividade nas comunidades. Ambos aprenderam com familiares aos 13 anos de idade

RENOVAÇÃO: Jovens e adultos de ambos os sexos participam dos corais de trombones, cujo número vem aumentando nas comunidades luteranas brasileiras

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Luciana Reichert

SEM DIFERENÇAS: Samuel (esq.) participa das aulas de canto lírico, guitarra, teatro e coral junto com outros alunos com ou sem deficiência

Diferenças unidas através da música Luciana Reichert

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MA CASA NO BAIRRO NITERÓI, EM

Canoas (RS), é o local onde ocorrem mais do que oficinas de música, dança e teatro. É nesse lugar que verdadeiras aulas de sensibilidade, parceria e união acontecem de segunda a sábado. O Legato Centro de Artes surgiu em 1990 dentro do Colégio Maria Auxiliadora com oficinas de música, ministradas pela professora Renata Flores. Em 1996, Renata foi convidada para dar aulas de música a alunos de educação especial no Instituto Pestalozzi. “Cheguei lá com uma bagagem completamente diferente da que eu tenho hoje, com uma mala cheia de CDs de Bach, Beethoven e Mozart”, lembra a professora. A partir de 2005, juntamente com o colega Daniel Mueller, que ajudou a criar o Legato, o Centro de Artes teve uma sede própria. Hoje o Legato conta com 150 alunos e 15

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professores. Conforme Renata, o Centro de Artes surgiu da necessidade de procurar unir as artes e atualizar e manter a qualidade da formação artística dos alunos. O Legato também desenvolve projetos de inclusão junto à Associação Canoense dos Deficientes Físicos (Acadef) com o Grupo Vocal Inclusão e Canto, oficinas de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e teatro infantil, sob o patrocínio do Instituto Gerdau. “Houve uma adesão tão grande dentro do Legato, que em agosto de 2008 nós fundamos a Associação Legato, que ainda não tem sede e é formada também por um grupo de surdos; desenvolvemos dois projetos: o Corcunda de Notre Dame, com um grupo de inclusão total, e o projeto Amazônia e Paz, com seis deficientes auditivos e o professor surdo Cacau Mourão”, explica.

Renata conta que, para participar das aulas, não há diferença entre quem possui ou não alguma deficiência. “São de acordo com a aptidão.” Exemplo disso é o aluno Samuel Corrêa Machado, 21 anos, portador da Síndrome de Down, que participa das aulas de canto lírico, guitarra, teatro, coral e da banda da Acadef, junto com outros alunos com ou sem deficiência. “A música é tudo de bom para mim e escuto direto. Estou sempre conectado com ela”, entusiasma-se Samuel. A deficiente visual Raquel Medina, 37 anos, diz que se sente melhor com as aulas de música e teatro do Centro e que é assídua. “É maravilhoso, faz bem para o espírito e eleva a minha alma”, completa. Para mãe e filha que participam do coral do Legato – Ana Paula Clos (20 anos) e Beatriz Clos (56 anos) –, a música tem o poder da superação. Ana diz que vê o crescimento gradual de seus colegas portadores de deficiências físicas e mentais. Beatriz afirma que com os alunos portadores de deficiências físicas e mentais exercita ainda mais a solidariedade e que aprende muito com esses colegas. Noé Costa, 62 anos, exemplifica: “O Legato é nossa família. Eu fico sentindo que falta algo quando não venho aqui”. A autora é jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


vidas Vera Nunes

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A autora é jornalista em Porto Alegre (RS)

Ao lado, o pastor Cláudio Kupka com crianças da vila Lupicínio Rodrigues no projeto da CEPA, em Porto Alegre (RS). Abaixo, jovens que participam do projeto música e educação da Associação Pró-Cultura e Arte Ivoti (ASCARTE)

Divulgação ASCARTE

LAS TÊM TRÊS, QUATRO, CINCO ANOs ou mais, moram em vilas populares e pertencem a classes sociais menos favorecidas. Poderiam ser crianças tristes e revoltadas, mas, ao contrário, são alegres, afetuosas, gostam de cantar e até mesmo tocar um instrumento. Dois projetos socioculturais – um na capital gaúcha e outro na cidade de Parobé (RS), a 60 quilômetros dali – são os responsáveis pelo resgate da cidadania e, quem sabe, pela mudança de vida desses pequenos. Na vila Lupicínio Rodrigues, a Comunidade Evangélica de Porto Alegre (CEPA) mantém uma creche com 70 crianças, que recebem aula de música toda semana e a visita de um pastor para o culto infantil a cada 15 dias. Já no Instituto Pró-Criança e Adolescente de Parobé, cinco professores ministram aulas de violino, viola e violoncelo – individuais e em grupo – para 30 das 280 crianças atendidas no local. Os professores são cedidos pela Associação Pró-Cultura e Arte Ivoti (Ascarte), entidade ligada ao Instituto de Educação de Ivoti (IEI), educandário com uma história centenária, que une música e educação.

coordenadora pedagógica da creche Lupicínio Rodrigues. Ela observa que as cantigas estão presentes o tempo todo: na hora do lanche, nas brincadeiras ou durante as orações. No culto infantil, não poderia ser diferente. O responsável por animar e atrair a atenção dos pequenos é o pastor Cláudio Kupka. Com seu violão, muita calma e atenção, ele apresenta um repertório que vai desde a “Borboletinha” até a “Dona Aranha”, passando pelo “Borboletão” e pelo “Sapo que não Lava o Pé”. Empolgadas, as crianças cantam e gesticulam energicamente. “Eu gosto de música”, afirma Carlos Eduardo, cinco anos. “Eu quero tocar violão”, complementa Samilly, três anos. Ao final do culto, Kupka fica rodeado pelos pequenos e um misto de curiosidade e animação toma conta da creche. “Quando cantam, as pessoas se desarmam e se unem ao outro, sem freios. Isso é fantástico, especialmente entre jovens”, conta o pastor, que confessa: “Não consigo mais trabalhar sem usar a música. É minha principal ferramenta de mudança”.

Vera Nunes

Mudando

Da parceria entre as duas entidades já surgiu a Orquestra de Cordas de Parobé. Segundo o coordenador do projeto de música IEI/Ascarte, Irving Feldens, o objetivo do trabalho não é formar músicos, “mas resgatar a cidadania e preparar essas crianças para a vida”. A professora de violino e viola, Alexa Lang, que também ministra aulas para alunos do IEI, conta que é uma experiência totalmente diferente. Enquanto, em Ivoti, a maioria dos estudantes já convive com a música instrumental em casa, no Instituto Pró-Criança de Parobé, quando um violino ou violoncelo é apresentado às famílias, muitas vezes é visto como “uma coisa de outro mundo”. Mas a continuidade do trabalho e os frutos colhidos a partir dele fazem com que, aos poucos, as percepções se modifiquem. Alexa lembra o caso de um menino de nove anos que ia muito bem nas aulas de violino, mas tinha dificuldades de relacionamento, faltava às aulas e brigava com os colegas. “Conversamos com ele e explicamos que, se continuasse faltando na escola, não poderia ir às apresentações. Era preciso estar bem em todas as suas atividades”, recorda. O resultado foi uma melhora geral no comportamento do garoto e sua manutenção na Orquestra de Cordas. “A música faz parte do desenvolvimento da criança, facilita a integração, a expressão, aprimora a linguagem e a corporeidade”, afirma Maristânia Fontoura,

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Reproduções Novolhar

Educação cristã

Folha do título e de entretítulos do “Catecismo Menor” de Lutero, publicado pela primeira vez em 1539. Os livretos da bênção matrimonial e do Batismo são anexos independentes. O “Catecismo Menor” faz parte dos Escritos Confessionais do Luteranismo, no mais tardar, a partir da compilação do Livro de Concórdia em 1580

Catecismo Menor: 480 anos de ensino Wilhelm Wachholz

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ULA DE CATECISMO OU , SIMPLES mente, catecismo. É assim que muitas pessoas, especialmente as mais idosas, lembram do ensino confirmatório: “Eu tive catecismo com o pastor tal”. O catecismo marcou profundamente a identidade evangélico-luterana. Os evangélicos que imigraram no Brasil a partir de 1819/1824 trouxeram consigo especialmente três livros: Bíblia, hinário e Catecismo. Enquanto os hinários eram de versões diversas, a Bíblia e o Catecismo eram os de Martim Lutero. Especialmente o Catecismo Menor de Lutero se tornaria, por causa de sua forma simples de pergunta e

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resposta, o mais importante escrito popular de Lutero entre os evangélicos de confissão luterana. O Catecismo Menor de Lutero surgiu no início de 1529, portanto há 480 anos. Durante visitas a comunidades em Meissen e na Saxônia Eleitora entre 22 de outubro de 1528 e 9 de janeiro de 1529, Lutero ficou abismado com o pouco conhecimento sobre fundamentos da fé cristã nas comunidades e a incapacidade de pastores em instruí-las. No prefácio ao Catecismo, Lutero afirma: “A lamentável e mísera necessidade experimentada recentemente, quando também eu fui visitador,

é que me obrigou e impulsionou a preparar este catecismo ou doutrina cristã nesta forma breve, simples e singela”. Assim, as três séries de pregações realizadas por Lutero em 1528 serviram como base para a redação do Catecismo. A redação do Catecismo Menor foi iniciada em dezembro de 1528. Inicialmente, o Catecismo foi publicado em forma de pôsteres ou cartazes para serem utilizados em igrejas e escolas. Era composto por explicações dos Dez Mandamentos, Credo Apostólico, oração do Pai-Nosso, Batismo, Confissão e Absolvição, Santa Ceia, além de orações matutinas e vespertinas e de gratidão pelos alimentos. Em maio de 1529, o Catecismo surgiria pela primeira vez como livreto ilustrado. Nessa edição ainda foram acrescentadas duas partes ao Catecismo: as Tábuas de Deveres e o Prefácio. Lutero não desejou que o Catecismo fosse uma “obrigação”, um peso. A forma de perguntas e respostas permitia a fácil memorização das verdades da palavra de Deus. Essa forma também evidencia o seu objetivo: auxiliar a viver a liberdade evangélica de Cristo. Por isso o reformador afirmou que “a ninguém devemos coagir à fé ou ao sacramento, nem determinar lei, tempo ou lugar”. Importa é pregar para que as pessoas saibam sobre “a necessidade e os benefícios” do evangelho. Viver a liberdade evangélica numa nova terra. Foi esse o desafio dos evangélicos que imigraram no Brasil. Na nova terra, continuaram a preservar e testemunhar a fé bíblica com auxílio do Catecismo de Lutero. A grande aceitação do Catecismo levou a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) a adotar o Catecismo Menor como um de seus escritos confessionais quando se tornou uma igreja organizada em âmbito nacional no ano de 1949. Evidenciando a importância de viver e testemunhar a fé redescoberta por Lutero às novas gerações, o Catecismo Menor é ainda hoje o mais conhecido e usado escrito de Lutero entre as comunidades evangélicas de confissão luterana. O autor é teólogo e professor de disciplinas de História da Igreja na Faculdades EST em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


Literatura

Senhas Diárias em 50 línguas Brunilde Arendt Tornquist

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36 ANOS, SEM INTERRUPÇÃO, A Editora Sinodal publica no Brasil um livro com leituras bíblicas e orações para cada dia do ano, chamado de “Senhas Diárias”. É a tradução do livro “Die Losungen”, publicado na Alemanha desde 1731. Conta a história que a origem das “Losungen” é a Comunidade dos Irmãos Moravianos, de Herrnhut. Todos os dias, cada pessoa sorteava uma Losung / uma senha, decorava-a e refletia sobre ela durante todo o dia. À noite, nos encontros da comunidade, cada pessoa compartilhava sua senha e o grupo discutia seu conteúdo. O livro “Senhas Diárias” é um devocionário que oferece uma passagem bíblica do Antigo Testamento (AT) e outra, correspondente, do Novo Testamento (NT) para cada dia do ano, além de um texto meditativo (oração, estrofe de um hino) e a indicação de textos bíblicos para a leitura contínua matutina e vespertina (Veja quadro explicativo).

itora Sinodal Divulgação Ed

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EDIÇÃO 2009: Editora Sinodal publica há 36 anos

As “Senhas Diárias” são usadas como estímulo à meditação pessoal, familiar ou em círculos comunitários, fazendo jus à sua origem. Atualmente são publicadas em 50 línguas e dialetos diferentes, transcendendo fronteiras geográficas e constituindo um testemunho cristão em todo o

ESTRUTURA: Esquema da distribuição dos textos para cada dia

mundo. Cristãos do mundo inteiro sentem-se conectados diariamente através da leitura das “Senhas Diárias”. O processo de formação começa com o sorteio dos textos do AT para cada dia, que ocorre anualmente, na primavera européia, em Herrnhut (Alemanha). Há um arquivo de aproximadamente 1.800 passagens bíblicas veterotestamentárias. Essas passagens são rediscutidas por uma comissão ecumênica do mais alto nível a cada 10 a 15 anos. Nessa avaliação, são excluídas algumas passagens e introduzidas novas. Para cada passagem bíblica do AT, a pessoa responsável pela compilação escolhe uma passagem bíblica do NT, que desenvolva seu pensamento. Além disso, acrescenta também um terceiro texto, que pode ser a estrofe de um hino, uma oração ou texto em prosa. Esses textos são avaliados por um grupo de redatores. O material é reunido e enviado à editora, que elabora o manuscrito e repassa-o às editoras do mundo inteiro, que usam a edição alemã como base para montar suas “Senhas Diárias” de cada ano. Ao todo, são impressos anualmente mais de um milhão e quinhentos mil exemplares das “Senhas Diárias” no mundo. No Brasil, a Editora Sinodal recebe os manuscritos da Alemanha e, após a tradução dos textos, começa a montagem, que consiste em transcrever as passagens bíblicas do AT e NT previstas pelos manuscritos, incluir os textos e as indicações da leitura bíblica contínua. A indicação dos textos para os domingos do Ano Eclesiástico seguem o Lecionário Comum Revisado da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). A crítica mais comum às “Senhas Diárias” é elas serem recortes da Bíblia, tiradas do contexto original, o que poderia levar a equívocos de interpretação. Uma sugestão para evitar esse sentimento é que a pessoa leia todo o texto bíblico do qual foi extraída a passagem. Assim, aperfeiçoa-se o objetivo das “Senhas Diárias”, que é aproximar as pessoas da Bíblia e de sua mensagem. A autora é teóloga e assistente editorial em São Leopoldo/RS

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Santa Catarina

Se fosse só mais uma enchente, o pessoal do Vale do Itajaí iria “tirar de letra”. Mas a terra virou pudim e o que era seguro deixou de ser, engolindo o trabalho de toda uma vida e, em muitos casos, ceifando a própria vida. Clovis Horst Lindner

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VALE DO ITAJAÍ TEVE uma semana de sol e muito trabalho depois da tragédia. A tristeza e a apatia começavam a dar lugar ao desejo de replantar flores e reconstruir tudo, aliado a uma justa indignação pelas notícias de desvio de donativos. Mas, na noite antes de me sentar para redigir este artigo, choveu de novo. Choveu muito – o suficiente para que todo mundo dormisse de orelha em pé, muitos à beira de um ataque de nervos, com medo da repetição. Nada comparado ao que aconteceu no final de novembro passado. Segundo os especialistas, após quatro meses de tempo chuvoso, nos cinco dias entre 19 e 23 de novembro caíram 300 bilhões de litros de água em Blumenau, o suficiente para abastecer a cidade de São Paulo por três meses. Segundo a revista Veja publicada na semana da tragédia, se esse volume de água fosREGIÃO DO

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se despejado numa torre com base de 1 metro quadrado de área, ela teria 300 mil quilômetros de altura: quase a distância entre a Terra e a Lua. Seria mais uma enchente como tantas outras. Mas não foi. Com a terra encharcada até a rocha, o dilúvio avassalador fez os morros deslizarem às centenas e, junto com eles, barracos, casas e mansões caíram como dominós. Debaixo de tanta lama e entulhos, as posses de toda uma vida, mas também muitas vidas foram soterradas. No domingo 23 de novembro, o Vale do Itajaí despertava para a maior catástrofe ambiental de sua história, com dor, morte e destruição como marcas. O exemplo mais dramático é o da comunidade de Alto Baú, em Ilhota. Situada junto a uma das referências náuticas da região sul – o Morro do Baú, que parece um gigantesco baú de pirata em meio à planí-

Fotos: Georg Jann/Blumenau

Um Baú destroçado

NOVA GEOGRAFIA: O ribeirão em seu novo curso, em meio à

cie litorânea –, a localidade foi soterrada por milhões de toneladas de terra que desceram das encostas, fazendo até o rio mudar de curso. Equipes de salvamento retiraram, de helicóptero, os cerca de 600 moradores do meio da lama que soterrou a vila inteira. Muitos deles haviam morrido. O que era terra fértil virou deserto. O que era uma paisagem bucólica virou um cemitério de paus, pedras e tocos de árvores. Duas semanas após a catástrofe, um acesso por terra permitia o retorno às casas que permaneceram em pé, de onde as pessoas haviam batido em retirada deixando o café da manhã sobre a mesa. A paisagem é desoladora. O fedor do lodo fermentado, misturado ao cheiro de morte, e o que era o café sobre a mesa transformaram

NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


avalanche que soterrou tudo. À esquerda, a igreja luterana do Alto Baú, que permaneceu em pé por milagre

tudo num cenário dantesco. Ao lado de Blumenau, Itajaí foi uma das regiões mais atingidas, onde 80% da cidade de 180 mil habitantes foram invadidos pelas águas. O porto de Itajaí, o segundo maior do Brasil em movimentação de mercadorias, com uma média diária de 33,5 milhões de reais, está fechado desde o dia 21 de novembro, destruído pela força das águas. A bióloga blumenauense Beate Frank resumiu as causas da tragédia em cinco itens: a quantidade de chuva na região, o local da concentração da chuva, o tipo de rocha do Vale do Itajaí, a forma como vem sendo feita a ocupação desordenada do solo e o desmatamento. Toda a questão da ocupação do solo deve

ser objeto de estudo urgente em Santa Catarina. Já está claro que há uma Blumenau antes da tragédia e deverá surgir uma completamente diferente depois dela, com planejamento mais rigoroso. O clamor maior, entretanto, continua sendo o descaso ambiental, que tem vilipendiado a natureza em todo o planeta. A solidariedade instantânea, despertada pela tragédia em todo o Brasil, deve inspirar também maior esforço solidário comum para salvar o planeta da maior tragédia de todas, que é a rápida degradação ambiental e a conseqüente destruição de nosso espaço de vida. O autor é teólogo e comunicador em Blumenau (SC)

CHÃO REVOLTO: Algumas casas foram soterradas sob mais de oito metros de terra e lama. Escavações posteriores para retirada de veículos mostraram que as avalanches chegaram a atingir 80 Km horários no momento da queda. Não houve tempo para sair correndo.

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Rui Bender

Profissões

ZÉ DA PIPOCA: Novo livro deve fazer revelações de sua vida simples, mas interessante

Pipoqueiro e escritor Rui Bender

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JOSÉ Alves Valêncio (59 anos) numa celebridade da Praça da Alfândega no centro da capital gaúcha. Nesse local ocorre todos os anos em novembro o maior evento literário a céu aberto da América Latina: a Feira do Livro de Porto Alegre. Na esteira do sucesso de suas pipocas, com as quais “Zé da Pipoca” (como é conhecido hoje) regala os frequentadores da praça há quatro décadas, nasceu um livro que conta histórias vividas e vistas na praça em dias de feira, além de apresentar receitas de pipoca. Zé lembra que S PIPOCAS TRANSFORMARAM

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trabalhou três anos em sua obra (32 páginas) e acabou sentindo “o gosto de escrever”. Por isso já está bolando um novo livro, que trará “novas revelações” de sua vida simples, mas interessante. José recorda que seu irmão João foi seu professor no ofício de pipoqueiro. “Nos primeiros dias, foi um pouco complicado, mas gostei da experiência”, confessa. No início, ele vendia sua pipoca (doce e salgada) em todos os lugares possíveis: em praças, escolas, cursinhos, cinemas, teatros, campos da várzea, estádios etc. Acabou fixando seu ponto no Colégio Nossa Senhora das Dores, na capital gaúcha, onde continua até hoje – quando não há Feira do Livro.

À praça ele chegou no ano de 1968. Hoje ele reconhece que ficou tão conhecido pelo sabor de sua pipoca, que algumas pessoas fazem questão de levar amigos e conhecidos para prová-la. Seu produto mais popular é a pipoca com queijo. Ele brinca dizendo que “a feira é internacional, e meu produto precisa estar à altura dela”. Tanto está à altura da feira, que ele tem clientes ilustres. Enquanto estava sendo entrevistado para esta edição, o famoso jornalista gaúcho Ruy Carlos Ostermann chegou e comprou vários pacotes. “Ele vem todo dia e distribui entre seus colegas de trabalho”, explicou Zé. Ele ainda lembrou outros nomes famosos de livreiros, escritores e políticos que já apreciaram sua pipoca: os ex-governadores Rigotto e Olívio e o atual ministro da Justiça Tarso Genro. “Até o Lula já comeu da minha pipoca; isso antes de ser presidente”, vangloria-se Zé. Mas, entrementes, Zé da Pipoca também virou gente importante. De simples coadjuvante da feira passou a ser uma figura prestigiada quando ganhou o Troféu Cultura Econômica em 2007, concedido pelo Jornal do Comércio. Nesses quarenta anos como pipoqueiro, José sempre enfrentou o trabalho com muita determinação, abaixo de sol ou chuva. “É um trabalho sério e honesto, que deve ser feito com ordem e horário certo”, comenta. Com sua pipoca sustentou uma grande família: a mulher, sete filhos naturais e uma filha adotiva. Atualmente, duas filhas já trabalham no mesmo ramo. Zé revela que vende entre 150 e 200 saquinhos de pipoca diariamente. Ele comentou que a pipoca vende melhor no inverno: “Mais ou menos 70% a mais do que no verão”. Mas o ofício de pipoqueiro está em vias de extinção, opina. Diminuiu bastante o número ultimamente. Zé da Pipoca adora trabalhar na Feira do Livro. Pois aprecia estar rodeado de livreiros e intelectuais. Sobretudo porque ele também revela um grande interesse pelos livros. “Eles têm alma”, frisa. Zé gosta de ler histórias policiais e obras religiosas. E agora ele tem seu próprio livro. O autor é jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


Justiça

Anistia para Chico Mendes

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Divulgação

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COMISSÃO DE ANISTIA DO MINIStério da Justiça aprovou no dia 10 de dezembro, em Rio Branco (AC), a condição de anistiado político postmortem do líder sindical e ecologista Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, cujo assassinato completou 20 anos dia 22 de dezembro de 2008. A viúva Ilzamar Mendes protocolou o pedido de anistia há três anos e, a partir de agora, a família do seringueiro terá direito a receber indenização pelo fato de ele ter sido perseguido pela ditadura militar. Outros cinco processos de perseguidos políticos da região foram julgados durante a reunião no Teatro Plácido de Castro, com a presença do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do governador do Acre, Binho Marques, que ajudou Chico Mendes na organização dos seringueiros de Xapuri. O julgamento do processo do seringueiro fez parte de extensa programação, no Acre e em outras regiões do país, para

CHICO MENDES foi assassinado há 20 anos

marcar os 20 anos do assassinato de Chico Mendes, que começou a atuar no movimento sindical nos anos 1970. Chico Mendes foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional (LSN) em 1980, juntamente com os sindicalistas Lula, Jacó Bittar, João Maia e José Francisco, por incitação à desordem

e ao crime. Foram acusados de envolvimento na morte do capataz Nilo Sérgio. “Nilão”, como era conhecido, foi emboscado por trabalhadores e assassinado a tiros de espingarda após o assassinato de Wilson Pinheiro, então presidente do Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, dentro da sede da entidade. Chico Mendes e seus companheiros participaram, em Brasiléia, de um ato de protesto contra o assassinato de Wilson Pinheiro. Na ocasião, diante de centenas de trabalhadores rurais, Lula usou durante o discurso a expressão “está na hora da onça beber água”, o que teria, na avaliação da ditadura, sido o sinal para que os seringueiros assassinassem “Nilão” como vingança. Em 1983, os cinco sindicalistas foram julgados e absolvidos pelo Tribunal Militar de Manaus. A sessão em Rio Branco é a 17ª edição (última do ano de 2008) da Caravana da Anistia. Desde abril, quando foi lançada, passou por onze estados. A análise dos requerimentos tem ocorrido nos locais onde se deram os fatos, a pretexto de contribuir para a divulgação da história do país, para o fortalecimento da democracia e para uma maior transparência dos trabalhos da Comissão de Anistia, que já apreciou mais de 40 mil pedidos em oito anos. Fonte: Altino Machado, Terra Magazine

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Direitos humanos

Campanha de sensibilização A CESE quer sensibilizar a sociedade e ajudar a criar uma cultura de apoio a projetos que promovam a defesa dos direitos das crianças e adolescentes em todo o Brasil. Andréa Fernandes

acesso a direitos básicos como moradia, saneamento, educação e tratamento médico de qualidade, segurança e alimentação saudável. Essas são apenas algumas das carências que afetam as crianças e os adolescentes no Brasil. Há 35 anos dedicada ao trabalho de apoiar e fortalecer os movimentos sociais, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), signatária do Pacto Um Mundo

para a Criança e o Adolescente no SemiÁrido, decidiu atuar de forma mais incisiva e ampla em prol desse público. A CESE lança, em parceria com as agências holandesas Wilde Ganzen, Net4Kids, Kidsrights e ICS, a Campanha Uma Ação para as Crianças, que tem por objetivo sensibilizar a sociedade e ajudar a criar uma cultura de apoio a projetos que promovam a defesa dos direitos das crianças e adolescentes em todo o país e colaborem para o alcance dos

Arquivo CESE

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ESIGUALDADE SOCIAL, FALTA DE

SABIÁ: Projeto desenvolvido pelo Centro de Desenvolvimento

Mariângela Nogueira

PEREIRA E NINFA (funcionários da CESE) em ação de mobilização de recursos para projetos da campanha

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Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O lançamento aconteceu na Bahia no dia 2 de novembro de 2008, no especial TVE-BA, com a exibição do documentário de 52 minutos que traz à tona o forte compromisso da instituição com a luta pela garantia dos direitos humanos no Brasil. A emissora pública baiana também está comprometida com a exibição da versão em 26 minutos e dos cinco interprogramas de um minuto e meio. Nesses dois últimos produtos audiovisuais, a instituição contou com a participação voluntária do ator Wagner Moura. Os interprogramas já integram a grade de programação da TVEES e estão sendo feitas negociações com TVs públicas de outros estados. “O UNICEF respeita o trabalho da CESE por considerá-lo fundamental na defesa dos direitos humanos”, diz Ruy Pavan, coordenador do escritório do UNICEF em Salvador. Visualizando a importância e a amplitude da campanha, Ruy sugere ainda uma articulação entre o Selo UNICEF Município Aprovado e a Campanha Uma Ação para as Crianças. O NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


Agroecológico Sabiá (PE) com crianças é um dos que têm apoio da CESE

coordenador do UNICEF acredita que isso pode fortalecer as duas iniciativas e potencializar os resultados. Através da campanha, a CESE pretende compartilhar com a sociedade sua experiência no apoio a pequenos projetos e

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espera, no futuro, comemorar com os cidadãos brasileiros os mesmos resultados alcançados nesses 35 anos de atuação. “A primeira vez que o AfroReggae teve uma sede, os custos dos primeiros seis meses para a manutenção do escritório foram ban-

cados pela CESE. O start para chegarmos no que somos hoje teve grandes aliados e parceiros, e a CESE foi um dos mais importantes”, conta José Júnior, coordenador executivo do Grupo Cultural Afro Reggae. Para estimular e potencializar as mobilizações de recursos de grupos comunitários de diferentes regiões do país, a instituição dobra o valor arrecadado por eles para ações sociais na área da infância e adolescência. A CESE ainda disponibiliza peças voltadas para jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão. O material estimula doações – que podem ser feitas pelo novo website da CESE (www.cese.org.br) – e apresenta cada um dos projetos apoiados pela campanha. A CESE é uma entidade ecumênica composta por igrejas que se unem no compromisso de afirmar a vida com base na promoção, garantia e defesa de direitos, justiça e paz. Com escritório nacional sediado em Salvador/BA, a instituição atua em todo o país, visando fortalecer organizações da sociedade civil, especialmente as populares, empenhadas na luta pela promoção da plena cidadania.

A autora é assessora de comunicação da CESE em Salvador (BA)

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Religiões

Budismo Religião e filosofia O Lha Khang, no alto da serra de Três Coroas (RS), é um dos mais imponentes templos da religião budista no país. O budismo tem 375 milhões de adeptos em todo o mundo e mais de 200 mil no Brasil.

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O ALTO DAS MONTANHAS DE ÁGUAS

Claras, no município gaúcho de Três Coroas, ergue-se um majestoso centro budista: o Khadro Ling (o nome significa “morada das dançarinas do céu”). Seu colorido destaca-se no meio do verde da Mata Atlântica. As cores e a riqueza de imagens e símbolos são uma característica do budismo tibetano. Cada ornamento, detalhe e cor têm um significado particular e profundo, descreve Lama Sherab, uma líder espiritual do Khadro Ling. Lama Sherab é brasileira, cujo nome civil é Andrea Socorro de Lima. A construção mais imponente do centro é o templo Lha Khang. Vestido de vermelho, ele é réplica de um templo budista tibetano. É o primeiro construído de forma tradicional na América Latina. O centro abriu suas atividades no ano de 1998. O falecido guru Chagdud Tulku Rinpoche escolheu Águas Claras porque essa área lembra muito as montanhas do Tibete e fica próxima de um centro metropolitano. O Khadro Ling abriga hoje cerca de cinqüenta praticantes do budismo tibetano. São pessoas de vários locais do Brasil e do mundo, que buscam priorizar a prática espiritual e auxiliar voluntariamente nas atividades necessárias à manutenção do centro. Sua diretora espiritual é Chagdud Khadro, viúva de Rinpoche. A estrutura

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do centro é mantida basicamente por doações. Também a venda de livros e artigos religiosos ajuda a manter o centro, observa Lama Sherab. O budismo é baseado nos ensinamentos transmitidos por Sidarta Gautama, o Buda histórico, que viveu aproximadamente entre 563 e 483 a.C. no Nepal. Em essência, Buda ensinou às pessoas o caminho da sabedoria, isto é, como alcançar a completa liberdade do sofrimento: a iluminação. Do ponto de vista do budismo, nossa mente não está no estado natural ou normal; por isso a percepção que temos de nós mesmos, dos outros e do universo é enganosa, confusa e ilusória. O propósito último é atingir o estado de sabedoria. Afinal, o budismo é uma religião ou uma filosofia? “As duas coisas”, afirma Lama Sherab. Chagdud Tulku Rinpoche costumava dizer que “o conhecimento da filosofia embasa a prática religiosa”. Lama Sherab concorda que “a prática espiritual não é distinta ou separada das atividades do cotidiano”. Para os grandes mestres, prática espiritual significa essencialmente ter um bom coração: desenvolvem-se a habilidade e o hábito de lidar com o cotidiano, impulsionado por qualidades como compaixão, bondade, amor, generosidade, paciência, respeito e tolerância.

Fotos: Rui Bender

Rui Bender

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ORIENTAL: Na serra gaúcha ergue-se um imponente templo budista. Acima, as estupas, lugares que guardam relíquias de mestres. À esquerda, o altar de Buda com o vale ao fundo. Abaixo, o templo budista Lha Khang e a casa de orações. À direita, Lama Sherab, do templo de Três Coroas.

Os ensinamentos de Buda foram transmitidos inicialmente de forma oral, lembra Lama Sherab. Ele não deixou nada escrito. Somente por volta do século I a.C., seus ensinamentos passaram a ser registrados por escrito. O budismo não compartilha da noção de Deus comum às religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo). Nem aceita a existência de um deus criador do mundo. Além disso, não existe um livro sagrado do budismo, assim como há no cristianismo (Bíblia) e no islamismo (Alcorão). Mas há numerosos comentários sobre os ensinamentos de Buda, informa Lama Sherab. Quando se quer familiarizar uma pessoa com a fé cristã, dá-se a ela uma Bíblia; a alguém interessado no budismo “dá-se uma pilha de livros”, brinca Sherab. Hoje o budismo está presente em quase todos os países do mundo. Estimase que tenha aproximadamente 375 milhões de adeptos. Ele compreende três grandes escolas: Hinaiana, Mahaiana e Vajraiana. O budismo tibetano, cujo líder espiritual é o Dalai Lama, é da linhagem Vajraiana. No Brasil, há centros budistas de várias escolas e linhagens. Segundo o IBGE, há no país mais de 200 mil budistas. O budismo também busca contribuir, assim como outras religiões, para a paz no mundo. “Se como budista consigo manter o estado de paz interior, irradio isso para a comunidade”, frisa Lama Sherab. “Não se vai ver um budista usar da violência”, acrescenta. O Dalai Lama perdeu seu país (Tibete), mas ainda assim não reagiu de forma violenta. “O budista prefere perder do que lançar mão da violência”, observa Sherab. Há uma “motivação pura” para construir um mundo melhor para todos. Tudo é feito para que as pessoas “encontrem a felicidade completa e a liberdade de sofrimento, na intenção de construir um mundo melhor”, arremata. No campo religioso, a Lama reconhece que há muita abertura para o diálogo ecumênico. Não há um trabalho específico nesse sentido, mas o budismo não se furta a participar de atividades inter-religiosas, admite Sherab. O autor é jornalista em São Leopoldo (RS)

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Conto

Diálogo atual Hora do almoço. Mesa arrumada. Família reunida: pai, mãe, filho de 18 e filha de 15. O filho assenta-se no lugar de costume e vê o pai com o visual diferente. Fátima Soares Rodrigues

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AMÍLIA CLASSE ALTA. INÍCIO

Leo Cinezi

da noite de sexta-feira. Hora do jantar. Mesa arrumada. Todos reunidos: pai, mãe, filho de 18 e filha de 15. O pai assenta-se na cabeceira da mesa e vê o filho com o visual diferente. No nariz, destaca-se o piercing prateado; na boca, o parafuso no lábio; e na orelha, seis furos: três em cada uma, exibindo um verdadeiro “sistema planetário”. O pai olha de soslaio e, em silêncio, se serve do jantar. Ao final da sobremesa, levanta-se, dirige o olhar a todos da mesa e avisa: “Segunda-feira quero todos reunidos para o almoço”. Deseja à família uma boa noite e se recolhe em seu quarto. O final de semana transcorre normalmente. Os filhos saem à noite para os compromissos com os colegas, pai e mãe vão ao cinema; no domingo, à casa de parentes, que, assustados com o visual do rapaz, questionam os pais da permissão. A mãe, entre sorrisos sem graça, deixa que o pai se manifeste: “Não liguem, não. Coisas da juventude”, e à noite todos se encontram para o sono dos justos. Manhã de segunda-feira, o pai sai para o trabalho, a mãe molha as plantas do jardim-de-inverno, enquanto a filha se dirige a ela para o beijo de tchau, em direção à escola. O filho permanece dormindo, pois a faculdade começa às 13h.

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Hora do almoço. Mesa arrumada. Família reunida: pai, mãe, filho de 18 e filha de 15. O filho assenta-se no lugar de costume e vê o pai com o visual diferente. Na orelha direita, pende a enorme argola de prata, fazendo par com os curtos cabelos de prata do pai, contrastando com o terno azul de linho e a idade nada jovial do velho senhor. Abobalhado, mas silencioso, permanece o filho e se serve do almoço. Ao final da sobremesa, levanta-se o pai e dirige o olhar ao filho: “Vou te levar à faculdade hoje”. O filho, quase que desesperado, suplica: “Não, pai. Não precisa. De jeito nenhum que vou lhe dar esse trabalho. Deixar que desvie do seu caminho, nem pensar...”. – Faço questão – enfatiza o pai. O filho ainda tenta fazer o pai mudar

de ideia, quando é interrompido pelo pai: – Te espero no carro. Mais do que depressa, o filho corre para o banheiro e arranca de qualquer jeito os apetrechos das orelhas, na tentativa desesperada de que o pai faça o mesmo: arranque o brinco. Pega a mochila e chega esperançoso ao carro, chamando a atenção do pai para a ausência dos seis “brincos”. O pai mantém-se calmo e impassível. Liga o carro para retirá-lo da garagem. Durante o trajeto, o filho evita encarar qualquer pessoa da rua, temendo encontrar algum conhecido. Antes da entrada no campus, o jovem diz: – Falô, pai. Pode parar por aqui. Já tá ótimo. Quebrou um galhão! – E ensaia deixar o carro. Calmamente, o pai continua dirigindo. – Vou parar no estacionamento. Faço questão de deixálo dentro da sala. – Quê isso, pai! Não precisa mesmo. Você vai se atrasar mais ainda. – Não tem problema; estou com tempo hoje. Descem os dois, e antes que o filho tome a frente, o pai segura-lhe o braço: – Espera aí, me conta como está indo nos estudos... – E caminha a seu lado. O filho se recusa a olhar para os lados, mas não consegue evitar os olhares perplexos dos estudantes ao se deparar com a imagem grotesca do seu pai, que, indiferente, continua o trajeto. Já no corredor, o jovem despede-se afoito e entra como um raio no banheiro. Calmamente, o pai retoma o caminho de volta. Na manhã seguinte, para o café, a família reunida: pai despido da bijuteria, mãe, filho de 18 de cara limpa como veio ao mundo e filha de 15 dão início a um novo dia. O recado havia sido dado! A autora é escritora, contista, cronista e poetisa. Extraído do site www.releituras.com NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


Nota de falecimento

Adeus ao Sr. Bom Senso H

OJE , LAMENTAMOS A MORTE DE

nosso velho amigo Bom Senso, que passou muitos anos com a gente. Ninguém sabe ao certo quantos anos ele tinha, visto que seu registro de nascimento há muito tempo foi perdido na rotina burocrática. Ele será lembrado por ter deixado lições valiosas, tais como: saber quando é hora de sair da chuva; por que o pássaro que madruga consegue pegar a minhoca; que a vida nem sempre é justa e, talvez, que tenha sido minha culpa. O Bom Senso vivia de acordo com políticas financeiras simples e honestas (não gastar mais do que se ganha) e estratégias confiáveis (quem está no comando são adultos, não crianças).

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Sua saúde começou a deteriorar-se rapidamente quando normas bem-intencionadas, mas autoritárias, foram colocadas em seu lugar. Relatos de um menino de seis anos acusado de assédio sexual por beijar uma colega de escola; de adolescentes expulsos da escola por usar antisséptico bucal após o lanche e de um professor que foi demitido por repreender um aluno indisciplinado apenas pioraram sua condição. O Bom Senso perdeu terreno quando pais atacaram professores porque eles estavam cumprindo a tarefa que eles mesmos não cumpriam: a de disciplinar suas crianças rebeldes. Piorou ainda mais quando se passou a exigir que as escolas pedissem o consenti-

mento dos pais para aplicar protetor solar ou para colocar um curativo num ferimento, mas não podiam informar os pais quando uma estudante estava grávida e queria fazer um aborto. O Bom Senso perdeu a vontade de viver quando os Dez Mandamentos se tornaram contrabando; as igrejas se tornaram empresas e os criminosos passaram a receber tratamento melhor do que suas vítimas. O Bom Senso recebeu um golpe quando você não podia se defender de assaltante em sua própria casa e o assaltante podia processá-lo por agressão. O Bom Senso acabou desistindo completamente de viver depois que uma senhora foi internada numa instituição após derramar um pouco de café em seu colo porque não percebera que a xícara estava quente demais. O Bom Senso foi precedido na morte por seus pais, Verdade e Confiança; sua esposa, a Discrição; sua filha e seu filho, Responsabilidade e Razão. Permanecem em vida seus quatro meio-irmãos: Conheço-Meus-Direitos, Quero-Agora, A-Culpa-É-DeOutro, Eu-Sou-a-Vítima. Não havia muitas pessoas em seu funeral, porque poucas se deram conta de que ele havia partido. Fonte: http:// annewhitfield.blogspot.com

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Iniciativas de paz

Resgatando espaços sociais O PCFAI é uma tecnologia social que tem por objetivo contribuir na construção e no resgate de espaços sociais que oportunizem aos adolescentes uma nova relação com o conhecimento e a sociedade.

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PROJETO CULTIVANDO AS FLORES da Adolescência – Ivoti (PCFAI) é um programa social que encanta adolescentes, educadores e comunidade, que acreditam que a afirmação da dignidade humana é condição fundamental na promoção da paz, da justiça e da liberdade. Criado e desenvolvido desde 1998, o PCFAI é uma tecnologia social que tem por objetivo contribuir na construção e no resgate de espaços sociais que oportunizem aos adolescentes uma nova relação com o conhecimento e com a sociedade, efetivada através das práticas comunitárias (serviço voluntário), do protagonismo dos adolescentes no processo ensino-aprendizagem, na vivência da cidadania solidária, compromissada com a promoção do bem comum na família e na sociedade.

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Participam do PCFAI filhos e filhas de trabalhadores, entre 14 e 18 anos, que do seu jeito clamam por dignidade. “Participei da primeira turma do projeto. Isso foi importante porque conheci novas pessoas, aprendi sobre várias áreas do conhecimento, tais como informática, plantas medicinais, teatro, relações humanas. Hoje faço o curso de Direito e pretendo trabalhar para que todas as pessoas tenham acesso à justiça, sejam valorizadas, respeitadas e possam viver melhor”, conta Fernanda Adriane Heck Loch, da turma de 1998. A inscrição no projeto é realizada pelos próprios adolescentes e também por indicação de escolas e do Conselho Tutelar. Ressalta-se a participação da família ao assinar o termo de matrícula e o acompanhamento dos adolescentes no decorrer

Fotos: Arquivo do PCFAI

Marli Brun

APOIO: Rolf Droste (à direita) e Wilhelm Hüffmeier (camisa

do projeto tanto em casa como através de encontros realizados no Instituto de Educação Ivoti. A matrícula não é por oficinas. Quando o jovem se inscreve no projeto, ele se inscreve numa proposta educativa que envolve o estudo e a produção (em pequena escala) de plantas medicinais e ornamentais, informática e robótica educativa, direitos humanos, esporte e natureza. A essas atividades somam-se oficinas pontuais

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perior de Educação Ivoti, o PCFAI conta com a parceria de instituições públicas e privadas compromissadas com a garantia dos direitos das crianças e adolescentes. Ao longo de sua história, em edições pontuais e/ou consecutivas, o projeto contou e conta com a parceria, entre outras, da ASCAR/Emater, de prefeituras municipais, escolas municipais e estaduais, Conselho Tutelar, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e de Assistência Social de Ivoti, Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, Amencar, FECA/ RS, Fundação Sinodal de Comunicação e Petrobras. Atualmente, o projeto é desenvolvido com auxílio da Obra Gustavo Adolfo, instituição alemã que, ao completar 175 anos, trabalhou na mobilização de recursos para financiar, de forma pontual, projetos sociais em diferentes lugares do mundo. Em 2008, o ISEI integrou ao PCFAI, com apoio do Conselho Municipal de Assistência Social e da Prefeitura Municipal de Ivoti, um Núcleo de Economia Solidária na área de plantas medicinais, envolvendo seis famílias do Programa Bolsa-Família do município. branca), representantes da Obra Gustavo Adolfo (OGA), visitam o projeto em Ivoti (RS)

de artes (produção de cartões de Natal, vasos decorados, danças etc.). “Os conhecimentos adquiridos pelos jovens no PCFAI refletiram diretamente na construção de uma identidade mais sólida de cada educando, propiciando autoconhecimento, valorização da vida, convivência com outras realidades, e acima de tudo despertou sonhos de novas conquistas. Nossa escola, ao incentivar a participação dos jovens, revela seu compromis-

so com a promoção da cidadania e a vivência da solidariedade”, reconheceu Naí Gobatto, diretora da Escola Municipal Anita Garibaldi, de Estância Velha (RS). O projeto abrange anualmente em torno de 40 adolescentes de Ivoti, Lindolfo Collor, Estância Velha, Dois Irmãos, Presidente Lucena e Novo Hamburgo (RS). O número varia de acordo com convênio estabelecido com os municípios e demais parceiros. Desenvolvido pelo Instituto Su-

A autora é mestre em Teologia, pastora da IECLB e coordenadora do Projeto Cultivando as Flores da Adolescência – Ivoti/RS

Doações ao projeto podem ser efetuadas através da destinação de parte do Imposto de Renda ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente de Ivoti (fazenda@ivoti.rs.gov.br). Pessoas interessadas em conhecer o PCFAI podem entrar em contato pelo telefone (51) 3563 8600 ou pelo endereço eletrônico isei@isei.edu.br

ATIVIDADES: Projetos como a robótica, a informática e a comunicação (à esquerda) estão na pauta. Mas também há espaço para aprender a cultivar um minijardim ou a cuidar de plantas e flores (à direita).

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Espiritualidade

Deus não tem religião Os magos conheciam a tradição judaica da vinda de um salvador, redentor da humanidade. Tradição, história e magia dão o tom ao nascimento e à sobrevivência de Jesus. Jesus e Moisés sobreviveram graças à desobediência das parteiras e dos magos, pessoas que lidavam com os mistérios do parto e do universo.

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M JERUSALÉM, OS MAGOS PERGUN-

tavam: “Onde está o recém-nascido Rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo” (Mateus 2.2). A estrela, o anjo, o sonho... Símbolos de proteção e de encontro. Olhar para o céu e deixar-se guiar por uma estrela, acreditar no anjo e no sonho parecem coisas de outro mundo, como costumamos escutar e às vezes também repetir. Para perceber que aquela estrela era especial, os magos provavelmente utilizaram o astrolábio. E também a sua intuição. Poderíamos dizer que a intuição seria aquela voz interior que está sempre certa? Sem a memória da profecia, sem contato com os judeus, sem a esperança, sem as estrelas, os sonhos, o anjo... a intuição seria vazia. O que de bom está dentro de nós é muito especial. As vozes da memória, da história, do sonho, as luzes da estrela, do mistério formam nossa intuição. Intuir é tomar a decisão de ir, de caminhar, de sair do lugar, de fazer alguma coisa, de não voltar, de mudar o caminho, de ocultar. A intuição foi o 40

guia dos magos, das parteiras do Egito, Sifrá e Puá. A estrela e a memória contaram que a criança nasceu. Intuíram e acreditaram. E partiram. Tudo isso é muito negado por nossa racionalidade. Abandonamos os sonhos e não olhamos as estrelas, nem ouvimos as nossas vozes. A verdade que está dentro de nós é a voz divina. Intuímos a partir do divino. E o divino é a sabedoria dos astros, das palavras, do corpo, da água, fogo, terra e ar, da criança. O fenômeno astronômico serve também para indicar a universalidade de sua mensagem. Não diz quantos eram os magos. E se eram reis. O certo é que não há evidência histórica da existência deles. São personagens do evangelista, que nos dizem que o menino Jesus é do mundo. Sua presença é universal. Magos ou sábios, reis ou astrólogos, enfim, uma junção de sabedoria e diversidade que vai ao encontro da criança perseguida, refugiada numa gruta, à espera de proteção. A falta de evidência histórica não consegue silenciar a força da tradição dos magos. Sua presença talvez lembre a humani-

Divulgação Novolhar

Cibele Kuss

FOLIA DE REIS: O folclore brasileiro é rico em manifestações

dade de sua mais profunda necessidade de proteção, de conexão com o divino, com o mistério, com o surpreendente. Os vários saberes milenares, científicos e intuitivos, estão reunidos nos curiosos visitantes do recém-nascido. Quanta honra receber a visita pós-parto de pessoas vindas da Babilônia, com suas caravanas, que chegaram a bater na porta do palácio de Herodes para pedir o endereço do pequenino bebê e sua família. O poder bélico de Herodes encontra a sabedoria dos magos. Mas não há encontro. Herodes tenta secretamente extrair dos magos todas as informações necessárias. Quer exatidão sobre o menino. Os magos têm intuição. Eles seguem a estrela. Não há a mínima possibilidade da estrela e da arma dialogarem entre si. Sobre o palácio a NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


ligadas à história dos reis magos, que seguiram a estrela e sua própria intuição para homenagear Jesus

estrela desaparece. Ela ressurge quando os magos se retiram da companhia de Herodes. Talvez intuíssem que a estrela não gostava de palácios. Moisés também não sobreviveu por muito tempo dentro de um palácio. Provavelmente os magos conheciam a tradição judaica da vinda de um salvador, redentor da humanidade. Tradição, história e magia dão o tom ao nascimento e à sobrevivência de Jesus. Jesus e Moisés sobreviveram graças à desobediência das parteiras e dos magos, pessoas que lidavam com os mistérios do parto e do universo. O faraó e Herodes chamaram esses poderes para si, mas tais conhecimentos não estão a serviço de estruturas. São livres. Intuem para a vida, antecipam os fatos, preparam nosso ser para o que vem. É quase WWW.NOVOLHAR.COM.BR

um Advento. É como ficar esperando aquilo que vem. E tomar todos os cuidados para que nada conspire contra essa chegada tão maravilhosa, correndo todos os riscos para que as crianças sejam protegidas. Não podemos deixar de valorizar e reconhecer a importância vital de magos e parteiras à mercê de faraós e reis, tendo a coragem e a inteligência de “não entregar o ouro para os bandidos”. Presentearam as crianças. Para Moisés, deram uma mãe e uma história de libertação, superando a hostilidade do palácio. Para Jesus, deram ouro para a sobrevivência. Quero acreditar que Maria usou a mirra. José acendeu o incenso, conectando toda a sua família com Deus, aliviando o medo e pedindo proteção. Jesus ganhou dos magos também sua intuição, além da tradição.

Magos e parteiras buscam na defesa da vida a presença do divino. Não é à toa que a humanidade festeja a chamada Festa de Reis e que ainda existem parteiras que trazem as crianças ao mundo com todo o cuidado e amor. Janeiro é mês de lembrar que, por conta da intuição, da sabedoria do cuidado e da coragem, é possível cuidar de nossas crianças, de todas as periferias, de todas as cores. É possível proteger a infância. É possível voltar e descobrir o Egito-África do povo brasileiro: protegidos por santos, orixás, magos, parteiras, Deus, Oxalá... Afinal, nosso Deus não tem religião. A autora é teóloga e obreira da IECLB na Paróquia Evangélica de Confissão Luterana em Belém (PA)

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Penúltima palavra

Mulher e A dureza das regras do jogo é um dos motivos que têm afastado as mulheres que se candidatam ou aquelas que desejam se candidatar.

Mihai Andoni

política

IGUALDADE: A democracia só será plena com a participação igualitária de homens e mulheres na política Regina Heurich Perondi

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NTRAMOS EM ANO NÃO-ELEITORAL no Brasil. É tempo de especulações na mídia, de dar visibilidade a possíveis candidatos, de acelerar obras públicas. É hora de muita conversa de bastidores, afagos, reuniões, acertos e concertações, que já começaram em 2008, tão logo foram feitas as análises dos resultados das eleições municipais. Foi dada a largada para o jogo político visando às eleições de 2010, quando elegeremos alguém para a Presidência da República e representantes para o Senado, para as Câmaras Federal e Distrital (para eleitores do Distrito Federal) e para as Assembleias Estaduais. As regras do jogo estabelecidas em 2008 podem permanecer, podem ser alteradas ou esquecidas. Vai depender muito de outro jogo: o de interesses. Pesquisas vão ser contratadas para checar a aceitação e a visibilidade dos candidatos. O marketing eleitoral será acionado. O jogo é duro e amplamente dominado pela ala masculina dos partidos políticos. A dureza das regras do jogo é um dos motivos que têm afastado as mulheres que se candidatam ou aquelas que desejam se candidatar. Segundo a cientista política Flávia Biroli, da Universidade Nacional de Brasília, pesa ainda sobre as mulheres a

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ausência de um perfil de formação, a conjugalidade e a questão econômica. Esses “pesos” fazem com que a chance de serem eleitas é menor. A estigmatização de determinadas formas de atuação da mulher é outro obstáculo. O estereótipo da mulher destinada ao espaço privado e o da mulher que “só pensa no social” seriam, conforme a pesquisadora, entraves para sua aceitação pelo eleitorado. Pesquisa do jornal O Estado de São Paulo, publicada em janeiro do ano passado, revelou que 67% dos brasileiros achavam que uma presença mais forte da mulher melhoraria o nível da política no país; 80% votariam numa mulher para vereadora e 78% para prefeita. Não foi o que se viu nas eleições de 2008. Atingimos o patamar de 12,53% de vereadoras e de 9,09% de prefeitas no Brasil. Esses dados revelam um crescimento pequeno para prefeitas – em 2004 foram eleitas 7,52% – e a diminuição de vereadoras – 12,65% eleitas. Talvez esse seja o resultado de outro dado revelador da pesquisa de O Estado: se 68% dos brasileiros rechaçam o velho ditado de que “política é coisa pra homem”, quase um terço do eleitorado rejeita as mulheres na política. Flavia Biroli aponta o próprio papel da mídia como reprodutora das tradicio-

nais divisões homens/mulheres, naturalizando a sub-representação nos espaços de poder político e incidindo sobre as formas de recrutamento de candidatas. Aconselha: é preciso reconfigurar as perspectivas das mulheres na política e defender candidaturas de perspectivas plurais. Nessa linha tem caminhado o Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos, que, para as eleições de 2008 e subsequentes, editou uma cartilha contendo plataformas pela igualdade de gênero, racial e étnica, intitulada “Mais mulheres no poder. Eu assumo este compromisso!”. “A política tem de lidar sempre e em toda parte com o esclarecimento e com a dispersão de preconceitos”, ensina a filósofa alemã Hannah Arendt em O que é política?. O conteúdo e o sentido da coisa política correspondem à liberdade de movimento, de tomar iniciativas, de começar algo novo. Acrescente-se: de mudar as regras do jogo político. A democracia somente será plena com a participação igualitária de homens e mulheres nos espaços de decisão sobre os rumos e o desenvolvimento de sua cidade, de seu estado, de seu país. Você já tinha pensado nisso? A autora é jornalista e secretária-geral do PMDB Mulher Nacional, em Brasília (DF) NOVOLHAR – Janeiro/Fevereiro 2009


EDITORA SINODAL


MALWEE


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