Criança, Família, Escola - Revista Novolhar, Ano 13, Número 60, Outubro a Dezembro, 2015

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CONTATO PARA RESERVA e-mail: larbelem@luteranos.com.br Site: www.luteranos.com.br/larbelem Campinas-SP Tel: (19) 3252 5458 Novolhar_60_OutDez_2015.indd 2

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Amor: O caminho para educar

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conselho tutelar consumismo

LIMITES compromisso

ÍNDICE

Ano 13 –> Número 60 –> OUTUBRO A DEZEMBRO DE 2015

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Islã divulga texto sobre mudanças climáticas

PORTUGUÊS

diaconia

Primeiro passo: Subir a favela

Novilíngua corporativa

FLD chega aos 15 anos

ação social

CLIMA

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SEÇÕES

paternidade

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Tales Cristiano é o nome do menino

Pedradas religiosas

conto de natal

sociedade

palavras cruzadas > 6 MOSAICO BÍBLICO > 6 NOTAS ECUMÊNICAS > 7 consultório da fé > 35 O REFORMADOR > 36 de olho na educação > 37 REFLEXÃO > 38 ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Out/Dez 2015

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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Nestor Paulo Friedrich Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Denise Pinto, Eloy Teckemeier, Jaime Jung, João Artur Müller da Silva, Marli Lutz, Robson Luis Neu e Werner Kiefer. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Cristiano Zambiasi Jr. Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Alda Menine, Carine Fernandes, Dankwart Bernsmüller, Edson Ponick, Eliana Lisandra Weber, Eloir Weber, Guilherme Lieven, Irineu Valmor Wolf, Jaime Jung, Josué Reichow, Leandro Hofstaetter, Natacha Teske, Nilton Giese, Oneide Bobsin, Osvino Toillier, Patrícia Bauer, Rafaela Zang Mesquita, Simone Bracht Burmeister e Susanne Buchweitz.

Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 33,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

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O amor educa

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evia haver um “centro de formação de educadores” nos moldes dos centros de formação de condutores, as populares auto escolas. Educar filhos é uma tarefa complexa e de responsabilidade ímpar. Também a educação formal em instituições públicas, comunitárias ou privadas não é tarefa simples. Na verdade, educar as novas gerações é uma tarefa compartilhada entre os responsáveis legais pelas crianças e as instituições de ensino formal. Uma maior parceria e interação entre essas duas faces da mesma moeda educacional minimizariam muitos percalços, tropeços e tentativas de erro e acerto. A parceria, porém, nem sempre funciona a contento. Mas, como tudo o que fazemos, também a educação não dá certo sem o ingrediente principal: o amor. Esses e outros assuntos estão nas páginas da temática de capa desta edição da Novolhar, que aborda a relação entre a criança, a família e a escola. Por falar na Novolhar, a revista chega à edição de número 60! São seis dezenas de revistas desde seu lançamento em dezembro de 2003. O leque de temáticas já abordado até aqui inspira respeito. Uma pequena enciclopédia de temas candentes da atualidade já se formou nesse interim, sempre com um olhar a partir da confessionalidade luterana. Tudo isso está à disposição dos nossos leitores e das nossas leitoras no site da revista em www.novolhar.com.br. Nesta sexagésima edição, outros assuntos também são apresentados. Os 15 anos de atividades da Fundação Luterana de Diaconia bem como o trabalho diaconial da Instituição Beneficente Martim Lutero da comunidade da IECLB em Belo Horizonte estão entre eles. O professor Oneide Bobsin escreve sobre a escalada da intolerância religiosa em solo brasileiro, lamentando os ataques de cristãos a fiéis de outras religiões, como o caso da menina Kailane, apedrejada ao sair de um culto de candomblé. Ainda estamos longe do final do ano, mas, como esta é a última edição de 2015, vai aí um comovente conto de Natal do pastor Eloir Weber. Em outro texto, o pastor Jaime Jung escreve sobre o Papai Noel e o Papai do Céu. A pastora Eliana Weber ajuda-nos a entender o Advento como um tempo de cuidar do coração. Como sempre, desejamos boa leitura! E, desde já, um abençoado tempo de Natal, com bons votos para um 2016 bem melhor do que este ano, que vai terminando. Equipe da Novolhar

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NOTAS

Editora Sinodal conquista Prêmio Areté 2015

Eliseu da Cunha e Marilene Terrengui, presidente da ASEC

A Editora Sinodal, de São Leopoldo/RS, foi a vencedora do Prêmio Areté 2015 na categoria Biografia/Autobiografia com o livro De Luder a Lutero – Uma biografia, de Martin Norberto Dreher. “É com satisfação que recebemos esse prêmio, que reconhece a excelência em literatura evangélica brasileira”, afirma o gerente comercial da editora, Eliseu da Cunha. A premiação ocorreu durante a programação da IV Feira Literária Internacional Cristã (FLIC), realizada pela Associação de Editores Cristãos (ASEC). O Prêmio Areté 2015 foi distribuído em 42 categorias. O evento reúne editoras do segmento de todo o Brasil.

Visite nosso site Os conteúdos de todas as edições da NOVOLHAR estão à sua disposição no site. Visite, consulte, faça uso: www.novolhar. com.br

Tema da próxima edição A edição no 61, de janeiro a março de 2016, terá como tema de capa AMIZADE. O valor e o significado da amizade nos dias de hoje.

FLD – 15 anos Criada em 2000 por decisão do Conselho da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), a Fundação Luterana de Diaconia (FLD) apoia projetos por meio do Programa de Pequenos Projetos e acompanha parceiros estratégicos: o Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA), o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN) e o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Além disso, coordena e executa iniciativas como a exposição Nem Tão Doce Lar, a Rede de Comércio Justo e Solidário e o Projeto Pampa. São 15 anos de atuação pública no Brasil, completados no dia 17 de julho, data oficial de seu aniversário, e celebrados com uma série de ações e atividades. No dia 30 de setembro, haverá uma celebração de Ação de Graças pelos 15 anos da FLD, às 19h, na Paróquia Matriz / IECLB, Rua Senhor dos Passos, 202, no centro de Porto Alegre (RS). No dia 1º de outubro, a proposta é um debate no Seminário Diaconia Transformadora e Direitos Humanos – FLD + 15 anos de desafios, das 9h às 17h, na Inspetoria Nossa Senhora Aparecida, Rua Gonçalo de Carvalho, 390, no bairro Moinhos de Vento, Porto Alegre (RS).

carta

Imagem de Pai O texto “Imagem de Pai” (Novolhar 59) desconsidera os diferentes modelos de família presentes na sociedade brasileira, comprovadamente repletos de amor e presentes em nossas comunidades. Além disso, utiliza-se de argumentos que diz psicológicos para determinar que a ausência de uma figura masculina é prejudicial para a educação de crianças. Quais são as fontes que usa? Também tem problemas teológicos, ao falar em pai espiritual ignorando a trajetória de nossa igreja e o papel fundamental das mulheres em todas as suas esferas. Incomodou a forma como concluiu o texto, lincando Deus com a figura masculina, ignorando vários textos bíblicos que apresentam Deus de outra forma e hermenêuticas possíveis. Como leitora da revista, considero que esse texto deveria ter sido retido no crivo da editoração. Ele não condiz com a pregação de nossa igreja e muito menos com a qualidade da revista. Franciele Sander, por e-mail NOVOLHAR.COM.BR –> Out/Dez 2015

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PALAVRAS CRUZADAS

mosaico bíblico

Cabeça de Cristo: Rembrandt Harmensz van Rijn, por volta de 1656.

Educação

Jesus (Javé é Salvador) O Novo Testamento retrata Jesus Cristo como o Salvador do mundo. O próprio nome “Jesus” significa “Salvador”. Conforme escreveu João no final de seu evangelho: “Estes [milagres], porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”.

Infância Maria, mãe de Jesus, deitou-o em uma manjedoura por ocasião de seu nascimento em Belém, mesmo lugar em que os pastores foram visitar o bebê. Jesus foi apresentado no templo e, posteriormente, Maria e José (pai adotivo de Jesus) fugiram para o Egito com Jesus após a visita dos magos. Mais tarde, a família retornou a Nazaré, onde José exerceu a profissão de carpinteiro. Exceto a visita de Jesus ao templo quando tinha doze anos de idade, ocasião em que ouviu os ensinamentos dos mestres e lhes fez perguntas, não há nenhuma informação a respeito da infância de Jesus.

Três anos de ministério Resposta do Palavras Cruzadas da edição anterior. Elaborado pelo pastor Irineu Valmor Wolf, que reside em Indaial (SC).

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Quando Jesus tinha aproximadamente 31 anos de idade, João Batista batizou-o no rio Jordão. Esse episódio ocorreu antes de Jesus se dirigir ao deserto para ser tentado por Satanás. Depois disso, Jesus iniciou seu ministério público e escolheu doze apóstolos para acompanhá-lo. Jesus realizou muitos milagres, como a transformação de água em vinho em Caná, e muitas curas, como a ressurreição da filha de Jairo. Também pregou com frequência, como o Sermão do Monte, e proferiu várias parábolas memoráveis, como a parábola do bom samaritano e a N parábola do filho pródigo. Fonte: Bíblia Sagrada com Enciclopédia Bíblica Ilustrada, da Sociedade Bíblica do Brasil

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Notas ecumênicas

Gratidão “Agradeço a Deus e à Junta Diretiva do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) por esta oportunidade de servir como secretário-geral desse organismo ecumênico. Obrigado a todos os amigos, amigas, irmãs e irmãos de diversas igrejas e organismos ecumênicos que são membros, cooperam e mantêm relações com o CLAI, a minha família, assim como companheiros e companheiras de organizações e redes sociais que enviaram saudações e expressaram seu compromisso de orar, acompanhar e ser parte desse caminhar que decidi assumir.”

BISPOS E PASTORES/AS SINODAIS Convocado pela CNBB e IECLB, realizou-se em São Leopoldo/RS de 18 a 20 de agosto um encontro de bispos católicos e pastores/as sinodais sobre os 500 anos da Reforma em 2017. Com base no documento “Do Conflito à Comunhão”, na memória do diálogo católico-luterano no Brasil, o encontro de prelados elaborou propostas para a comemoração conjunta dos 500 anos da Reforma em 2017.

“O ódio religioso a cada dia cresce mais. Estamos vendo pessoas invadirem os nossos terreiros e destruírem o nosso sagrado. Então eu vim pedir socorro pelo meu povo. Tem que se dar um basta nisso. Nós temos que fazer campanha e todas as religiões se unirem para que o povo veja que nós só cultuamos um Deus diferente, mas nós somos todos iguais. Nós somos humanos e merecemos respeito.” ONEIDE RODRIGUES é lider do candomblé no Pará.

MILTON MEJÍA é o novo secretário-geral do Conselho Latino-Americano de Igrejas-

Visita ao Brasil Em visita ao Brasil no começo de setembro, o secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Rev. Dr. Olav Fykse Tveit (foto), acompanhado da presidenta do CMI para a América Latina, reverenda Glória Ulloa, esteve em Brasília. A comitiva do CMI visitou a sede do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) e reuniu-se com lideranças da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Na pauta dessas reuniões, entre outros assuntos, estavam o papel das igrejas na promoção do respeito às diferentes religiões, a importância das igrejas contribuírem para o fortalecimento da democracia participativa que leve à redução da desigualdade e à justiça ambiental.

Povo evangélico “N ós , evangélicos , talvez tenhamos episódios a lamentar por parte de certos segmentos que, no afã de defender seus ideais e a fé, esbarram no fanatismo. Mas não se pode, de maneira nenhuma, sob pena de cometermos uma injustiça histórica, generalizar isso. Em sua imensa maioria, o povo evangélico é um povo tolerante, pacífico e amoroso sem arredar um milímetro de suas convicções.” MARCELO CRIVELLA é senador pelo PRB-RJ.

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CAPA

Amor: o melhor caminho para a educação por Natacha Teske colaboração: Adriana Trierweiler

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FAMÍLIA E ESCOLA TÊM UMA RELAÇÃO IMPORTANTE NO PROCESSO DE EDUCAÇÃO DAS NOVAS GERAÇÕES. SEUs PAPÉIS SÃO DISTINTOS, TODAVIA. ENQUANTO NA FAMÍLIA ACONTECE EDUCAÇÃO E SE EXERCITAm VALORES, A ESCOLA PROMOVE A TROCA DE INFORMAÇÕES RELEVANTES PARA O CONHECIMENTO E A VIDA EM SOCIEDADE.

xiste algo que é um sonho comum para muitas pessoas: ter filhos. Mas, quando os planos começam a se concretizar, pais e mães de primeira ou até de mais viagens encontram-se em meio a diversidades e contratempos. Mesmo que seja um período de intensa alegria ou repleto de dúvidas, é hora de aprender a ensinar e dar às gerações seguintes aquilo de que mais precisam: amor.

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Acordar mais cedo para preparar o lanche, organizar a mochila, vestir os filhos e levar para a creche ou escola antes de ir ao trabalho é a rotina de numerosas pessoas todos os dias da semana. À noite, quando todos retornam para casa, os afazeres domésticos acabam ocupando o tempo em que poderiam desfrutar do convívio familiar. “Tudo o que acontece produz uma marca na história de vida de cada pessoa”, ressalta a psicanalista e doutora em Saúde da Família Rosana Cecchini de Castro. O carinho e a atenção dados, a repreensão, os ensinamentos e tudo mais vão moldando a criança durante seu desenvolvimento. Segundo ela, é importante

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PAPÉIS DISTINTOS: Enquanto disciplina, regras sociais e morais são tarefa dos pais, alfabetização e ensino são de responsabilidade da escola

que se organize uma rotina semanal, reservando para cada dia períodos de convivência e interação: “Nem todos os momentos serão bons, mas eles são necessários para a saúde do núcleo familiar”. Com a expansão das novas tecnologias e cargas horárias de trabalho cada vez maiores, é perceptível a existência de crianças e adolescentes “órfãos de pais vivos”. “Eles vivem na mesma residência, mas há rara convivência entre pais e filhos. Isso também interfere no desenvolvimento e no relacionamento de todos dentro da família”, afirma Adriana Trierweiler, psicopedagoga e secretária de Educação do município de Dois Irmãos (RS). Ela acrescenta que “a família precisa ser família e reconhecer-se como tal”, acrescenta.

Fronteiras – O respeito é algo absorvido desde a primeira infância. A criança pede limites, e os pais devem assumir essa postura, ensinando o que é certo e errado e até onde ela pode chegar. Essa relação é como um elástico em que mãe e pai estão em uma ponta do elástico e o filho na outra. “Principalmente na adolescência, ele vai testar seus limites. Ele pode esticar o elástico, mas precisa saber até onde consegue ir e também para onde pode sempre voltar e se sentir seguro e amado”, comenta Adriana. Alguém tem que ter autoridade sobre a criança e fazê-la compreender as regras da casa, da vida em família e também em sociedade. É preciso saber colocar-se como responsável por ela sem ser autoritário. Colocar limites e

dizer “não” também é uma forma de carinho, de cuidado e não significa deixar de amar. É preciso ensinar as normas que existem dentro de cada lar, e fazer a criança entender, por exemplo, que “eu durmo na minha cama e você dorme na sua” ou ainda “agora é hora de tomar banho e dormir”. “É válido impor limites e dizer até onde a criança pode ir, sabendo que estará sob os cuidados e olhares dos pais”, ressalta Rosana. É preciso estabelecer uma diferença entre autoridade e autoritarismo. “Pai e mãe ensinam leis de convivência, de hierarquia, porque também vivem sob leis. As regras são necessárias para o ser humano e a vida em sociedade”, pondera Rosana. Ela acrescenta que o exemplo dos pais também ensina: “Se eles são justos,

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PREPARO: Durante a infância, as crianças precisam de alguém que tome decisões em seu lugar

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corretos ou organizados, as crianças também tendem a ser”. Em famílias nas quais prevalece o autoritarismo, não há diálogo, mas uma relação de imposição e submissão, em que alguém se coloca como líder e sua ordem é irredutível. Mas a autoridade é dada a alguém para liderar um grupo a que pertence. “É importante que tenha alguém que tome as decisões, mas que seja basea­ do também no diálogo, que tenha tranquilidade em explicar o motivo para cada escolha”, afirma Adriana. Para ela, o ideal é que todos os membros da família possam crescer juntos nas experiências diárias. Para a coordenadora pedagógica da Educação Infantil do Colégio Sinodal, Cynthia Cristina von Mühlen, o ideal seriam pais que sabem exigir de seus filhos, mas que também se doam por eles. “A sociedade vai cobrar bons cidadãos. É preciso estar preparado, e isso vem da formação que ocorre dentro de casa”, explica.

O crescimento é mútuo. Segundo Adriana, os horários das refeições são oportunidades excelentes para estabelecer uma relação de olhares, de interação, o que fortalece ainda mais a estrutura da família, tornando um ambiente agradável de se estar e viver. “Quanto mais juntos eles estiverem, mais fortalecidos e preparados estarão para enfrentar as dificuldades que possam aparecer”, acrescenta. Durante a infância, a criança precisa que alguém tome decisões em seu lugar até que tenha autonomia para fazer isso sozinha. “O que notamos é que muitos pais precisam de ajuda para isso. Não conseguem permanecer firmes e acabam cedendo às vontades dos filhos”, esclarece Cynthia. A pedagoga explica que, muitas vezes, os pais idealizam a criança durante a gravidez e depois têm uma incapacidade de enxergar como ela é em suas reais necessidades. “O planejamento deve ocorrer desde cedo. É de grande significância quando o casal se

pergunta, por exemplo, o motivo de querer filhos”, acrescenta. Mesmo com configurações diferentes, as famílias são importantes no desenvolvimento do ser humano, e os papéis de cada um precisam ser exercidos. “Os bebês precisam de cuidado e atenção, as crianças de controle e orientação e os adolescentes de independência e responsabilidade”, esclarece a secretária Adriana. FAMÍLIA X ESCOLA – As primeiras referências da criança sempre estarão na família. “O vínculo é algo único, que surge já na gravidez. Esse é um envolvimento tão grande, de troca de afetos e emoções, que só perpassa pela família”, acredita Cynthia. Às vezes, quem está na função de professor acaba sendo um pouco mãe e pai de todos os seus alunos, o que faz com que muitas crianças busquem nos professores essa referência que não têm em casa, seja qual for o motivo.

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Com a Lei 12.796, a partir de 2016, as crianças deverão ser matriculadas na educação básica a partir dos quatro anos de idade. Assim, com o início cada vez mais precoce na vida escolar, reduz-se o tempo de convívio familiar. “Isso funciona como uma engrenagem. Uma roda começa a girar e faz com que todas as outras também girem”, esclarece Adriana. Se os pais precisam trabalhar para sustentar os filhos, eles os levam para a creche ou escola logo após a licença-maternidade, reservando pouco tempo para passar junto deles. Algumas dessas mudanças nas famílias iniciaram com a entrada da mulher no mercado de trabalho no começo do século XX. Conforme a psicopedagoga Adriana, “a era moderna deixa nebulosa a divisão de papéis no trabalho educacional”. Mas para ser pai e mãe é necessário um grande investimento no socioemocional e no tempo dedicado aos filhos. “A família educa e a escola ensina”, declara Adriana. Os valores, a disciplina, regras sociais e morais são tarefas para os pais, enquanto a

alfabetização é de responsabilidade da escola. LIMITES ULTRAPASSADOS – Uma charge que viralizou na internet (abaixo) apresenta três personagens – criança, pai e professor – em duas épocas diferentes diante da mesma situação: notas baixas. Afinal, de quem é a responsabilidade? As notas devem ser cobradas do aluno, que não aprendeu, ou do professor, que não ensinou direito? Com o passar dos anos, delegou-se muito à escola, e por isso hoje cobramse dela os melhores resultados. Por outro lado, os pais com medo do posterior sentimento de culpa alimentam nos filhos uma autonomia muito precoce, deixando que decidam desde cedo o que é melhor para esses. “Se eles podem tudo, eles não erram nunca. E isso traz consequências perigosas”, alerta Rosana. Para a pedagoga Cynthia, é difícil para os pais assumirem que o filho não é perfeito e que nem sempre faz tudo corretamente: “Talvez por isso ele aparece na charge ao lado do filho, dando razão para ele ao cobrar

ou culpar o professor pelo seu baixo desempenho. Isso provoca uma distorção de valores na sociedade, pois tanto os pais como os professores têm suas funções e detêm autoridade sobre a criança”. A charge leva à reflexão sobre a atual organização social, que deixa de ser constituída como pirâmide e passa a ser rede, com todos no mesmo patamar. “E na rede não existe mais esse lugar diferente, que conferia a autoridade aos pais”, completa Adriana. Uma conhecida cena do livro e filme “Alice no País das Maravilhas” apresenta a personagem principal em dúvida sobre qual caminho seguir. A resposta do coelho é simples: “Se você não sabe para onde quer ir, qualquer lugar serve”. A psicopedagoga Adriana Trierweiler encerra dizendo que “a família que sabe aonde quer chegar vai pegar o melhor caminho para educar seus filhos: o amor”. N

NATACHA TESKE é jornalista em Dois Irmãos (RS)

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CAPA

Conselho Tutelar e sua função por Alda Menine

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Constituição Federal assevera que criança, adolescente e jovem são sujeitos detentores do princípio da absoluta prioridade, sendo que a defesa de seus direitos fundamentais não é tarefa de apenas um órgão ou entidade, mas deve ocorrer a partir de ação conjunta e articulada entre família, sociedade/ comunidade e poder público. Pelo fato de o artigo 227 afirmar que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem a efetivação de seus direitos, é bem importante que os meios de difusão se dediquem aos temas relevantes na área da infância e juventude, multiplicando e difundindo ao público em geral esclarecimentos sobre as leis de proteção à criança, ao adolescente e ao jovem. Então vamos falar sobre o Conselho Tutelar. Segundo disciplina a Lei 8.069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “o Conselho Tutelar é órgão permanente, autônomo, não jurisdicional, encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”. É composto por cinco membros, eleitos pela comunidade para decidir, em conjunto, sobre a medida de proteção para cada caso. Em São Leopoldo existem dois Conselhos Tutelares, portanto dez conselheiros que atendem as demandas, conforme a região pela qual foram eleitos. A

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palavra que define esse órgão é PROTEÇÃO. Por isso ninguém precisa temê-lo, pois está a serviço de todas as crianças, adolescentes e suas famílias. O Conselho Tutelar é órgão municipal que possui autonomia em relação ao Poder Judiciário, e embora, dentre outras atribuições, tome decisões e aplique medidas de proteção a crianças e adolescentes, pais e responsáveis, essas ações possuem um caráter meramente administrativo e não jurisdicional. Na verdade, uma das ideias básicas para a criação do Conselho Tutelar foi o atendimento à criança e ao adolescente na perspectiva de assegurar que estivesse presente – fisicamente – em todos os municípios, com maior agilidade e menos burocracia na aplicação de medidas e encaminhamentos para os programas e serviços públicos correspondentes. Vale ressaltar que o Poder Judiciário nem sempre está presente em todos os

municípios, sendo que as comarcas, muitas vezes, abrangem diversos municípios e somente um juiz ou juíza atende diversas cidades. É preciso estar atento e participar das eleições unificadas do Conselho Tutelar, que ocorrerão neste ano no dia 04 de outubro, visando regulamentar o processo em todo o território nacional e assegurando a posse dos eleitos no dia 10 de janeiro de 2016. Nesse período, os novos conselheiros eleitos e empossados serão guardiões da lei que protege a criança e o adolescente, independente da classe social a que pertençam. O artigo 136, do ECA, dispõe sobre as atribuições do Conselho Tutelar, que não são poucas nem de fácil resolução, pois, em geral, envolvem conflitos familiares. Entre outras, pode-se citar: Orientação e apoio aos pais; inclusão em programas comunitários ou oficiais de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; as questões relacionadas à matrícula em estabelecimento oficial de ensino fundamental; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico; aplicação de medidas aos pais, como, por exemplo, advertência; encaminhamento ao Ministério Público das notícias de infração administrativa ou penal contra os direitos da criança e do adolescente; expedição de notificações; requisição de certidões de nascimento e de óbito; assessoramento do Poder Executivo na elaboração da proposta orçamentária relativa aos programas de atendimento da criança e do adolescente. É importante a participação de todas as pessoas habilitadas para votar no dia 04 de outubro, escolhendo as pessoas mais comprometidas com a proteção e a defesa dos direitos da criança e do adoN lescente. Participe! ALDA MENINE é advogada e atua no ProameCentro de Defesa da Criança e do Adolescente Pastor Bertholdo Weber em São Leopoldo (RS)

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CAPA

Alerta para o consumismo dos pequenos por Carine Fernandes

consumismo. Para a psicanalista, os presentes são, muitas vezes, formas de amenizar a culpa e terceirizar os filhos. “Eles ganham o que pedem e supostamente param de ‘exigir’.” Para ela, a única forma de mudar esse comportamento é os pais trabalharem a capacidade de suportar a sua frustração e a dos filhos. “Não dá para se ter tudo na vida”, lembra. Além da conscientização da família, o mercado da publicidade infantil deve agir com mais responsabilidade. É o que acredita o Instituto

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stamos a poucos meses do Natal. Em breve, as lojas estarão cheias de novidades em brinquedos e produtos tecnológicos para atrair o consumo das crianças e adolescentes, chamados por uma forte publicidade na mídia. Apesar do apelo da indústria, especialistas apontam que o que leva ao consumo em excesso é a dificuldade para lidar com as frustrações e a falta de limites. “Essa ideia do acalmar-se e alegrar-se através do consumo está impregnada em nossa cultura, perpassa as relações familiares, não somente entre as crianças”, alerta a psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, Katia Wagner Radke. Para ela, a base para que a criança tenha, desde cedo, um consumo consciente está no exemplo da família através das atitudes. “Não tem como ensinar sobre consumo infantil sem um modelo vindo dos pais. Não adianta eles dizerem que não vão dar presentes se, para se acalmar, consomem. Fica um modelo com o qual a criança passa a identificar-se desde sempre: é a cultura familiar”, alerta Katia. A compensação com presentes pela ausência na educação dos filhos é outro fator que pode desencadear o

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Arquivo Pessoal

Até os 12 anos, a criança não sabe se aquele mundo que está sendo vendido é real, é necessário para ela, lhe fará bem, os pais ou responsáveis têm condições de adquirir o produto, OU vai afetar o orçamento da família. Há uma vulnerabilidade constatada. RENATO GODOY

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Alana, de São Paulo, que desenvolve o projeto “Criança e Consumo”. A iniciativa busca divulgar e debater ideias sobre as questões relacionadas à publicidade infantil. “Até os 12 anos, a criança não sabe se aquele mundo que está sendo vendido é real, se é necessário para ela, se lhe fará bem, se os pais ou responsáveis têm condições de adquirir o produto, se vai afetar o orçamento da família. Há uma vulnerabilidade constatada”, explica o pesquisador do Instituto, Renato Godoy. A entidade entende que a publicidade direcionada à criança é ilegal e tem o apoio da lei, conforme a Constituição Federal (artigo 227), o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor (artigo 37). Mais recentemente, essa visão foi corroborada pela Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

O consumismo infantil é mais sério do que se pensa, quando são analisadas as consequências não apenas na infância, mas também na vida adulta. Segundo a psicanalista Katia Wagner Radke, a dependência pode não ficar somente em comprar, mas sim estender-se para a droga, o álcool e relacionamentos fugazes, que ela chama de fast foods. E, enquanto criança, Godoy coloca que, além do estresse familiar (muitas vezes o filho ou a filha exigem aquilo que os pais não podem pagar), tem também o risco da obesidade infantil. “Há pesquisas que comprovam a relação direta entre a publicidade de alimentos e a obesidade infantil”, afirma o pesquisador. Para evitar tantos problemas, o jeito é investir na conscientização. Para Godoy, é importante que haja debate sobre o assunto em casa e na escola. “Assim como há a exposição diária da publicidade aos estímulos

consumistas, também deve haver um debate diário entre professores e alunos, pais e filhos. É preciso discutir o que é o consumismo, de onde vêm os desejos por determinados produtos...”, acredita. Para a psicanalista, os pais têm que aprender a dizer não aos filhos e cuidar com a gratificação excessiva. “Criar um filho é ajudar a lidar com os limites. Presente dá-se em datas especiais e sem excessos. A vida não presenteia as pessoas a toda hora, por que tem que dar presente aos filhos cada vez que vão ao shopping?”, questiona. Ela lembra que, para a criança, a presença dos pais vale muito mais do que um presente. Cabe essa reflexão para os pais não só nas datas festivas, como no Natal, mas no dia a dia da convivência N familiar. CARINE FERNANDES é jornalista em Porto Alegre (RS)

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A velocidade e a educação por Josué Reichow

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ma das marcas do nosso tempo é a velocidade. Nossos carros são mais velozes, nossa internet deixou de ser discada, oceanos são atravessados em algumas horas e imagens fazem uma viagem no globo em um piscar de olhos. A analogia da velocidade parece aplicar-se bem ao nosso contexto social. Mas por quê? Em nossos tempos hipermodernos, o tempo engole o espaço, haja vista que não precisamos mais do lugar para nos comunicar. Imagine o diálogo entre dois adolescentes: “Quando podemos

conversar?”, “Que tal hoje à noite?”, “Onde?”, “No Whats?”. Sem a barreira do espaço, alcançamos novos níveis de velocidade. Com isso o local recebe um bombardeio de informação, advindo de inúmeros lugares, fazendo com que um grupo social seja menos coeso e mais propício à mudança. Daí nossa percepção de que as coisas mudam mais rapidamente hoje do que mudavam antigamente. Entretanto a velocidade traz suas ambiguidades. Se, de um lado, ela está associada à liberdade, uma vez que aumenta nosso campo de possibilidades,

de outro, ela eleva a instabilidade e a insegurança. Meu receio é que, subjacente a essa crescente velocidade, esteja uma busca por uma liberdade narcisista, na lógica do eu faço o que eu quero, quando eu quero, como eu quero. Esse caminho que a liberdade toma precisa livrar-se de qualquer forma, norma, limite ou lei, uma vez que vê nisso uma barreira à sua realização. Bom, mas o que isso tem a ver com a educação? Costumo perguntar a meus alunos se algum deles poderia fazer um solo de guitarra na próxima aula, mesmo sem nunca ter tocado esse instrumento. A maioria fica em silêncio, mas no impulso alguns respondem: “Claro!”. Deixo a resposta ecoar um pouco, e logo alguém dá-se conta de que, sem a disciplina e o conhecimento do instrumento, não temos liberdade para, por exemplo, fazer um solo. Que bela metáfora para a educação, não é mesmo? Aqueles que não conhecem a disciplina, como conhecerão a liberdade? Uma não existe sem a outra.

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VELOCIDADE: Uma de suas características é causar náuseas; por isso nao é à toa que uma das marcas da atual geração é a ansiedade

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Em nome de uma liberdade sem limites, instituições que tradicionalmente eram fontes de valores e normas para a ação individual, como a família, a igreja e a escola, entram em crise, sendo em alguns contextos tachadas de retrógradas, sofrendo uma reengenharia social em nome de modelos mais abertos. Com isso a noção de autoridade já não é tão evidente, o que pode trazer grande ansiedade para pais e mães: nunca foi tão difícil dizer um não a uma criança. Nesse sentido, o desafio da educação, tanto no ambiente familiar como no escolar, ganha novos contornos: temos crianças que nascem num mundo mais veloz e com muito mais possibilidades. Se, de um lado, celebramos os benefícios da liberdade, por outro, percebemos que essa liberdade sem formas pode ser caótica. Nossos adolescentes navegam habilmente por um mar de informações, mas será que conseguem organizá-las? Eles possuem mais liberdade. Mas para onde vão? Ao mesmo tempo em que a velocidade causa boas sensações, ela também pode causar náuseas e um mal-estar. Não é à toa que uma das marcas da geração atual é a ansiedade. Para confirmar isso, dê uma olhada na lista de remédios mais vendidos no Brasil nos últimos anos.

O mimo dos avós

Por isso a tarefa que pais e educadores têm diante de si é fundamental para dar uma direção e um sentido à nossa caminhada. Em seu pequeno livro sobre educação, “A abolição do homem”, C. S. Lewis sugere que a educação está diretamente relacionada às referências. Os limites não são obstáculos à liberdade, mas são a condição de sua existência. Que liberdade teriam as crianças de brincar se não houvesse muros protegendo-as? Precisamos preparar-nos para lidar com a liberdade. Voltando à analogia da velocidade, a educação ensina-nos a acelerar, mas também a frear quando necessário. Portanto um dos caminhos para a educação de filhos e alunos é a construção de um ideal de liberdade que envolva o florescimento de suas vidas dentro de certos limites, por exemplo os do respeito e do convívio harmônico com outros. Aprender a compartilhar é um ótimo exercício contra uma liberdade narcisista. Educar, nesse sentido, é deixar que nossas crianças acelerem em direção ao futuro, mas sem perder de vista que para isso elas precisam de N estradas bem estruturadas.

por Simone Bracht Burmeister

JOSUÉ REICHOW é professor de Sociologia, Filosofia, Ensino Religioso e Inglês no Colégio Sinodal/Unidade Portão em São Leopoldo (RS)

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NOVOS CONTORNOS: As crianças nascem num mundo mais veloz e de mais possibilidades

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O convívio com pessoas mais velhas é por si só um ato educacional. Os idosos ensinam por meio de suas experiências de vida e transmitem cultura e tradições. O convívio intergeracional oportuniza aos jovens e velhos aprenderem a se respeitar, criando uma sociedade de pessoas mais abertas às diferenças e mais tolerantes. Com os avós a aprendizagem intergeracional é ainda mais intensa porque ela vem recheada de afeto. Raquel de Queiroz escreveu: “Então, um belo dia, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis – nisso é que está a maravilha”. Para ela, os avós não têm a responsabilidade de educar. Os netos são uma bênção que os avós recebem de graça, sem nenhum esforço ou compromisso. Avós não foram feitos para ter a responsabilidade de educar. Essa é uma tarefa intransferível dos pais, quando eles existem e têm boa saúde física e mental. Porém as várias formatações de família que se apresentam atualmente levam muitas vezes os avós a ser responsáveis pela educação dos netos. Nesse caso, eles cumprem um importante papel social, pois as crianças terão uma família e educação. O ideal é que os avós tenham uma função de continuidade e complementaridade na educação. Eles

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FORMAÇÃO DA IDENTIDADE: Os avós carregam as heranças e histórias da família e da sociedade e ajudam na construção dos valores das crianças

podem mimar, brincar e levar para passear. Os mimos fazem parte do desenvolvimento saudável da criança e de sua autoestima. Engana-se quem pensa que o mimo dos avós deseduca os netos ou contraria as regras dos pais. Cada um tem seu papel na formação da criança. Esta é mais uma lição do convívio de avós e netos: a criança aprende que, em que cada lugar ou com cada pessoa, os comportamentos podem ser diferentes, tornando-se, no futuro, um adulto capaz de ter posturas adequadas nos diversos ambientes sociais. Pesquisas mostram que os avós têm um papel fundamental nos momentos de crise, como na separação dos pais, na superação de dificuldades na escola, no namoro e até na escolha da faculdade. Os netos não se sentem julgados ou exigidos pelos avós,

como seria com os pais, por isso fica mais fácil conversar. Os avós apenas escutam e aconselham de forma mais afetiva. Os avós também colaboram na formação da identidade. São eles que carregam as heranças e histórias da família e da sociedade. Ao repassá-las, ajudam na construção da personalidade e dos valores da criança. Os avós encontram tempo e paciência para ouvir histórias, pescar, ensinar a fazer um bolo e ir ao cinema no meio da semana. Há também a chance de desligar da TV e dos jogos eletrônicos e divertir-se com coisas, como jogos de tabuleiro. Atualmente, a probabilidade dos avós ainda trabalharem é grande. Por isso é fundamental saber da disponibilidade dos avós para não sobrecarregá-los. Os avós têm dificul-

dade para dizer não, e os pais devem ter essa sensibilidade. Se os avós já não trabalham mais, o apoio no cuidado dos netos pode ser uma forma de garantir-lhes um papel na família e na sociedade, permitindo que se sintam úteis e valorizados. As atividades com os netos contribuem na manutenção da saúde física e mental. Os avós têm um papel fundamental na educação dos netos e, consequentemente, na formação da sociedade. A longevidade e o convívio entre várias gerações são um privilégio que estamos vivenciando para desenvolver-nos como indivíduos, família e sociedade. N

SIMONE BRACHT BURMEISTER é psicóloga e mestra em Gerontologia Biomédica em Porto Alegre (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Out/Dez 2015

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Compromisso com adolescentes e jovens por Guilherme Lieven

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prendi a olhar com atenção e respeito a história de cuidados e amor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) pelas crianças, adolescentes e jovens. Ela herdou ações que promoveram a educação contínua em suas comunidades eclesiásticas e, ao mesmo tempo, construiu escolas e comprometeu-se com a educação pública. Herdou da Reforma do século XVI, em especial de Martim Lutero, a compreensão de que cabe à igreja formar bons cristãos e exigir das autoridades públicas o serviço da educação para todas as pessoas.

Os primeiros luteranos e luteranas que chegaram da Europa ao Brasil trouxeram consigo essa visão e logo se preocuparam com a educação das crianças, adolescentes e jovens. No início, antes de construir templos através de ações e esforços comunitários próprios, edificaram espaços para a educação de seus filhos e filhas. Hoje são visíveis as iniciativas e as ações de apoio, construção de espaços, projetos pedagógicos e elaboração de material na área da educação cristã. Cita-se, ainda, o apoio à Rede Sinodal de Educação, que acompanha e participa da gestão de dezenas de escolas.

E em suas comunidades eclesiásticas criaram-se instituições de ação social, envolvidas na educação popular e nas ações diaconais transformadoras. Associada a essas iniciativas, soma-se também a formação de catequistas, diáconos e lideranças comunitárias, que atuam com protagonismo na área da educação pública em municípios e estados. A IECLB desenvolveu uma forma singular de participar e comprometer-se com a educação cristã e com a educação pública em nosso país. A sua confissão, teologia e testemunho da ação salvadora de Deus no mundo desautoriza a instrumentalização da educação para

Foto: Claudio Goldacker/Pomerode

MISSÃO CRIANÇA: Trabalho de acompanhamento infantil desde o Batismo na IECLB, como aqui, num encontro dominical em Pomerode (SC)

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Foto: Clovis Horst Lindner

PASTORAL JOVEM: Acampamento de Carnaval com 600 jovens no Centro de Eventos Rodeio 12 demonstra a opção histórica da IECLB pelos jovens

o proselitismo. Através da teologia da justificação pela fé, ela testemunha que o futuro da vida, pela fé, está resolvido mediante a abundante graça de Deus. Mas, em gratidão às dádivas de Deus, todos respondem ao chamado de Deus para participar de sua missão de antecipar para este mundo sinais de dignidade, de justiça, de paz e de comunhão com vida plena. Essa tarefa da igreja exigiu, nos últimos anos, a elaboração de um Plano de Educação Contínua (PEC) com o objetivo de orientar pedagogicamente todas as iniciativas comunitárias e instâncias de formação – uma resposta responsável aos compromissos herdados e assumidos. A história da IECLB, suas tarefas e compromissos atuais na área da educação visibilizam o cuidado de amor para com as crianças, adolescentes e jovens. Trata-se de um carisma proféti-

co, um carisma baseado no anúncio e na denúncia. Ele identifica o anúncio de uma tarefa edificadora que surge da realidade contrária à vontade de Deus e articula-se na denúncia de uma situação desastrosa a ser transformada ou reconstruída. Anuncia à sociedade civil a mensagem da responsabilidade e do compromisso com a educação de crianças, adolescentes e jovens. Fortalece processos de resistência às forças que impedem a dignidade, a liberdade, os direitos e a comunhão com Deus. E, ao mesmo tempo, denuncia o descaso e a visível irresponsabilidade política, pública e social com a educação delas e deles. Ele acusa os sistemas, modelos educacionais e poderes nefastos que cerceiam o bem-estar, o acesso ao lazer e ao esporte e a construção da consciência de liberdade, preservação da criação e dos valores da justiça e da paz.

Transitou e foi aprovada na Câmara Federal proposta de lei que reduz a idade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos. Muitos segmentos da sociedade, grupos religiosos, igrejas, organizações civis, também forças políticas partidárias, surpreenderam-se com a repentina articulação de força política para aprovar uma emenda constitucional que diminui a idade penal de 18 para 16 anos. Assistiram à cômica expiação dos pecados de uma das instâncias de poder político, até então mais combatido no Brasil, questionado em manifestações de rua, acintosamente perseguido pela grande mídia. De uma hora para outra, o poder político parlamentar federal passou a atender os interesses da “família do bem” ao criminalizar adolescentes brasileiros de 16 a 18 anos de idade. NOVOLHAR.COM.BR –> Out/Dez 2015

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Jesus com as crianças Divulgação Novolhar

por Edson Ponick

MAIORIDADE PENAL: Lei equivocada e de leitura ideológica da realidade com lógica punitiva

Uma antiga leitura dualista da rea­lidade brasileira aflora na sociedade e na opinião pública. Agora passam a ser legítimas a escolha e a definição das pessoas e organizações “do bem” em detrimento da criminalização do “resto” da sociedade brasileira. Emergem, sem nenhum escrúpulo, o racismo, o fundamentalismo, o individualismo extremo e o culto à violência institucionalizada. A grande expiação dos pecados dessa instituição de poder legislativo parece respaldar-se numa lógica punitiva que envolve o castigo e elege a violência como caminho para a transformação da realidade. Creio que a lei votada na Câmara Federal está equivocada, e os argumentos estão fortemente travados por leituras ideológicas da questão e da situação dos adolescentes brasileiros. Em uma sociedade injusta, desigual e extremamente violenta, uma força política institucional passa a protagonizar a transformação do Estado brasileiro em uma nação que pune e mata os adolescentes. Os “novos”

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representantes do “bem”, sem apresentar alternativas e propostas de paz para os adolescentes e jovens, aparelham o Estado com uma velha lei que pune e encobre o verdadeiro problema da violência instalada na realidade brasileira, enfraquecendo as pequenas instituições civis e religiosas, também os processos de transformação, fundamentados em princípios éticos de paz, de justiça e de comunhão com Deus. É tempo de apoiar as igrejas e todas as instituições civis que ensaiam e praticam a construção da paz, o cuidado e a promoção da dignidade e da vida de adolescentes e jovens. Anunciam o bem, baseando-se nos princípios do evangelho de Jesus Cristo. E, ao mesmo tempo, denunciam o desrespeito, a violência e a criminalização, que encobrem irresponsabilidades, injustiças e pecados, agora expiados na tragédia de poucos que, mortos, praticam a morte. N GUILHERME LIEVEN é teólogo e diretor do Centro de Eventos Rodeio 12 em Rodeio (SC)

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rianças estão presentes na atuação de Jesus de uma maneira muito instigante. Todos os encontros narrados foram muito especiais e auxiliam a pensar a forma como nós nos relacionamos com as crianças hoje. Cinco narrativas se destacam. Cada uma delas aponta para uma peculiaridade importante sobre o que as crianças representaram na atuação de Jesus como Mestre e Filho de Deus. Essas características vão desde nosso cuidado com suas preciosas vidas até o reconhecimento de seu valor como agentes transformadoras de nossa sociedade. A ressurreição da filha de Jairo mostra o desejo de Jesus (Marcos 5.21-24; 35-43). Ele quer que as crianças vivam bem, seguras, cuidadas, amadas. Jesus foi à casa de Jairo e “acordou” a menina, orientando logo que lhe dessem algo para comer. Contra toda a incredulidade das pessoas adultas, que já velavam a criança, Jesus disse: “Menina, levanta-te”. Ela se levantou e saiu caminhando. A vida nova exige cuidados imediatos; uma delas é a retomada da alimentação. Ao ler esse relato, lembramos de Alan, o menino sírio de apenas três anos, encontrado morto na praia turca

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um reino baseado na humildade, na doação e no acolhimento amoroso. O timbre de voz das crianças foi valorizado quando elas gritaram: “Hosana ao Filho de Davi” (Mateus 21.14). Os doutores e mestres da Lei indignaram-se com aquele canto e cobraram uma atitude de Jesus. O Filho de Davi lembrou-os do Salmo 8, em que se lê que o perfeito louvor vem das crianças pequenas, dos bebês inclusive. Ainda hoje, o louvor das crianças atrapalha muitas pessoas adultas no espaço comunitário. Talvez nos falte ler o Salmo 8 com a mesma simplicidade que Jesus o fez para não correr o risco de excluir o perfeito louvor de nossos cultos e celebrações. Cultos lembram-nos o momento eucarístico. Um dos milagres mais conhecidos de Jesus, narrado nos quatro evangelhos, está relacionado com o partir do pão e tem a participação protagônica de uma criança. Desafiados por Jesus a procurar alimentos para a multidão, os discípulos encontraram um menino com seu lanche (João 6.1-15). A criança e seu singelo cesto foram apresentados a Jesus sem mui-

ta convicção. Jesus recebeu ambos, agradecendo a Deus por sua presença, e o milagre aconteceu. Milhares de pessoas comeram satisfeitas graças à doação generosa de uma criança. Chama a atenção que, sempre quando crianças participavam de um encontro com Jesus, havia pessoas adultas atravancando o caminho delas ou ignorando-as simplesmente. O Filho de Deus, que em sua divina humanidade foi criança, soube ressuscitá-las, abraçá-las, dar-lhes visibilidade, reconhecer seu louvor, deixá-las ser agentes de transformação. Cuidar das crianças e deixá-las viver; acolhê-las com carinho e bondade; perceber a mensagem do reino de Deus na simplicidade de sua presença; compreender que sua voz, seu choro, sua alegria compõem o perfeito louvor a Deus; aprender que deixá-las participar ativamente da vida comunitária pode produzir milagres: Eis as N crianças com Jesus.

EDSON PONICK é doutor em Teologia e professor da Rede Municipal de Porto Alegre (RS)

“Christus Segnet die Kinder”, Lucas Cranach d.J. (1538) / Wikimedia Commons

há poucas semanas. Assim como ele, milhares de crianças morrem vítimas da inconsequência adulta. Em outra ocasião, os discípulos impediram que crianças se aproximassem de Jesus. Diante do embaraço causado às crianças, o Mestre reagiu indignado (Marcos 10.13-16): “Deixem que elas venham a mim”. E ele as tomou em seus braços. Creio até que deve ter brincado com elas. A atitude de Jesus revela inclusão, aceitação, aconchego. Os discípulos queriam proteger o Mestre da incômoda vivacidade das crianças. Jesus alertou-os: “Deixem que as crianças venham, porque é delas o reino de Deus”. A vida que pulsa tenra e terna necessita de liberdade para vir e conviver. Viver sendo o mais importante no reino de Deus era a preocupação dos discípulos. E, mais uma vez, Jesus os surpreendeu. Abrindo uma roda, ele chamou uma criança e convidou-a para colocar-se no centro. A criança no centro fez os discípulos vislumbrarem o reino de Deus com um novo olhar. Na discussão adulta sobre status, a criança no centro é o símbolo de

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Entrevista MUDANÇAS CLIMÁTICAS

ISTAMBUL: Um grupo de pesquisadores islâmicos emitiu o documento no principal polo industrial da Turquia

Islã divulga texto ambiental por Clovis Horst Lindner

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encíclica do papa Francisco “Laudato Sí” foi considerada o mais importante documento já produzido sobre a crise ambiental e as mudanças climáticas provocadas pela ganância humana. Uma entrevista com Leonardo Boff aqui na Novolhar deixava isso claro. Com ela os cristãos cobram providências urgentes das nações em defesa da criação de Deus, e o tema da encíclica também

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marcou a escolha da temática da Campanha da Fraternidade Ecumênica do ano que vem: “Casa Comum, Nossa Responsabilidade”. A encíclica do papa não mexeu somente com os católicos, mas é um desafio para todos os cristãos. A cristandade, maior religião monoteísta do mundo, não ficou só com seu chamado em defesa da criação. O islã realizou um simpósio, durante quase todo o mês de agosto, em Istam-

bul, onde um grupo de acadêmicas e acadêmicos elaborou a Declaração Islâmica sobre a Mudança Climática, espécie de encíclica muçulmana sobre a destruição ambiental. Com o documento as duas maiores religiões monoteístas do mundo se manifestam pelo fim da exploração descontrolada da Terra, e as nações do mundo precisam ouvir as religiões: ou mudamos a rota, ou rumamos fatalmente para a autodestruição. No preâmbulo do texto produzido em Istambul, é dito que “as mudanças climáticas do passado deram origem às imensas reservas de combustíveis fósseis que hoje, ironicamente, com um uso imprudente e míope dos mesmos, estão resultando na destruição das condições que tornam possível a vida na Terra”. De saída, o texto aponta para os autores das mudanças em curso na atualidade e questiona: “O que dirão de nós as futuras gerações

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sobre o legado que vamos deixar-lhes, de um planeta devastado?”. Na linda da “Laudato Sí”, o texto islâmico denuncia: “No breve perío­ do transcorrido desde a revolução industrial até agora, os humanos consumiram grande parte dos recursos não renováveis que levaram 250 milhões de anos para serem gerados, tudo em nome do desenvolvimento econômico e do progresso humano... Estamos acelerando nossa própria destruição”. O fracasso das tentativas de mudar o rumo da destruição ambiental também é analisado pelo texto. “Apesar das numerosas conferências realizadas sobre essa problemática, o estado geral da Terra continua se deteriorando de maneira constante”, aponta. Apesar de todas as advertências e previsões, nenhum acordo deu realmente início a uma mudança de atitude. Nesse sen-

tido, “é essencial que todos os países, especialmente os mais desenvolvidos, intensifiquem seus esforços e adotem uma postura firme e empenhada o suficiente e que juntos possam dar a prioridade necessária à contenção dos efeitos danosos que se estão produzindo”. O texto aponta com clareza para argumentos teológicos do contexto da fé islâmica, ao afirmar: “Reconhecemos que não somos mais que uma minúscula parte da ordem divina, mas, dentro dessa ordem, somos seres excepcionalmente fortes (…) e nossa responsabilidade é tratar todas as coisas com cuidado e reverência. A criação dos céus e da Terra é um feito muito maior que a criação da humanidade, mas a maioria da humanidade não toma conhecimento disso”. O texto publicado pelo Islã junta-se à “Laudato Sí” e os dois chegam com

força pouco antes da Conferência de Paris, Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, marcada para novembro e dezembro deste ano e que deve determinar um novo acordo internacional para manter o aquecimento global num nível abaixo dos 2ºC. O texto dos cientistas islâmicos faz um apelo em favor do compromisso de todos os movimentos sociais e comunitários do planeta, do setor empresarial, das nações e seus líderes e de todos os líderes religiosos em defesa da criação. O apelo cita o Al Corão: “E não ande pela Terra com arrogância. Na verdade, você não pode atravessar a Terra nem alcançar a altura das N montanhas” (17:37). Fonte: Artigo produzido com base em texto de Gustavo Duch na revista Carta Maior, de 20 de setembro de 2015, traduzido por Victor Farinelli.

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LÍNGUA PORTUGUESA

Novilíngua corporativa por Paulo Hebmüller

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ocê sabe que as empresas não têm mais “clientes”, mas sim “parceiros”; que cursos e assemelhados não requerem mais “pagamento” ou “mensalidades”, mas “investimento”; que carros com milhares de quilômetros rodados não são “velhos”, mas “seminovos”; que a extorsão praticada em “estacionamentos” não raro à sombra das árvores na rua foi institucionalizada como valet parking; que você paga uma certa “taxa de conveniência” mesmo quando vai pessoalmente buscar o ingresso que comprou pela internet; que as pessoas recebem cartões nos quais são classificadas como vip, gold, platinum ou “diamante” não porque sejam consideradas de fato muito importantes ou porque corram

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metais preciosos em lugar de sangue nas suas veias, mas porque já gastaram muito com aquele “parceiro” e assim são incentivadas a continuar gastando mais ainda. Essas e outras bobagens, às vezes transformadas em picaretagens, das quais todos conhecemos exemplos às dúzias, constituem uma espécie de novilíngua corporativa, que há tempos invadiu nosso cotidiano. Como a linguagem pode ser tudo menos neutra, os objetivos da novilín­ gua corporativa, como ocorre em tantos outros campos, jamais serão os de esclarecer: trata-se aqui de dissimular, ocultar, tergiversar, maquiar, iludir, produzir efeito de obscuridade. Talvez o mais irritante de todos os vocábulos da novilíngua corporativa

seja o que quer impingir o ridículo “colaborador” no lugar de “funcionário”. A palavrinha muda, mas não muda o fato de que, sabemos todos, o tal “colaborador”, como se dá desde tempos imemoriais, pode ser sumariamente descolaboradorizado por quem manda. E quem manda, curiosamente, continua sendo chamado como sempre foi: “chefe”, “dono”, “patrão” etc. (ou, quando os “colaboradores” estão a uma distância segura, por outros epítetos que não posso publicar aqui para não ser censurado). Salvo engano ou desconhecimento de minha parte, a novilíngua corporativa não inventou um eufemismo bonitinho e fofo para a figura do mandatário. O que não deixa de ser bastante sintomático. A história na maior parte dos casos segue na mesma batida, por mais “colaborativa” e “parceira” que seja a linguagem e “horizontais”, “desierarquizados” e cheios de sofazinhos coloridos os ambientes de trabalho: descolaboradoriza quem pode, “colaN bora” quem tem juízo. PAULO HEBMÜLLER é jornalista em São Paulo (SP)

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redação premiada

A interdependência da escola e da responsabilidade social na formação de um futuro melhor por Eduarda Dilkin

Foto: Arquivo Rede Sinodal de Educação

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educação, apesar de muitas vezes não receber o valor que lhe é devido, é um tema bastante polêmico, uma vez que é responsável pelo futuro de cada criança e, portanto, pelo futuro da nação. Há, então, diversos fatores que constroem a educação de cada indivíduo, sendo a escola um dos principais. Porém ela não tem o papel de somente alfabetizar ou introduzir novos conteúdos. As instituições de ensino têm um papel além do que se consegue enxergar: elas são também responsáveis pelo processo de desenvolvimento da responsabilidade social de cada indivíduo. Com os infinitos livros didáticos, os intermináveis sites conteudistas e as milhares de videoaulas encontrados na internet, a escola quase poderia ser substituída caso seu único papel fosse ensinar português, matemática e química. No entanto, não é esse o caso. A escola é responsável por introduzir a coletividade em meio a um mundo tão individualista. Através de atividades em conjunto ela faz com que os alunos enxerguem a importância de ser respeitado e respeitar e também de ajudar os demais. Afinal, um trabalho em grupo nunca conseguirá atingir completo êxito se cada integrante não tiver conseguido dar o melhor de si. Assim, um indivíduo depende do outro para alcançar seu objetivo. E na sociedade não é dife-

EDUARDA é a autora do texto premiado

sequências; quem cuida da natureza também será prejudicado. Então, para que isso não aconteça, é necessário que se pense na coletividade, ou seja, é necessário que se tenha responsabilidade social. No entanto, introduzir a responsabilidade social num país tão individualista é realmente complicado, visto que são poucos os que pensam no coletivo. Porém essa tarefa continua plenamente possível. Para isso é necessário que as escolas insistam mais em trabalhos coletivos e que os professores abordem frequentemente a importância da responsabilidade social, a fim de que as crianças se conscientizem desde pequenas sobre o assunto. Além disso, a introdução de pequenas tarefas de reciclagem de lixo fará com que os alunos vejam para onde vai o lixo produzido por eles e, assim, enxerguem que os resíduos de fato não somem do nosso planeta. Com essas atitudes o Brasil finalmente conseguirá evoluir e, portanto, tornar-se um país ainda melhor. N EDUARDA DILKIN é aluna do 3o ano do Ensino Médio na Instituição de Educação Ivoti, em Ivoti (RS). A redação de sua autoria tirou o primeiro lugar no concurso de redação da Rede Sinodal de Educação.

rente: a responsabilidade social tem de estar presente na personalidade de cada indivíduo para que todos juntos saiam ganhando. Além disso, as instituições de ensino exercem um grande papel no processo de conscientização dos alunos sobre o meio ambiente. Estima-se que são produzidas cerca de cinquenta mil toneladas de lixo por dia na cidade de São Paulo. Logo, se a mentalidade da sociedade não mudar, o planeta sofrerá grandes prejuízos, já que não se consegue eliminar o lixo da Terra. Aí não somente os produtores descontroláveis de lixo sofrerão as conNOVOLHAR.COM.BR –> Abr/Jun 2015

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DIACONIA

Fundação Luterana de Diaconia faz 15 anos por Susanne Buchweitz

A Fundação Luterana de Diaconia (FLD) está comemorando 15 anos de atividades. Ela nasceu em 2000 no Serviço de Projetos de Desenvolvimento da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) a partir de uma avaliação externa que indicou a necessidade de ampliar a presença e a voz da igreja além de suas bases confessionais. Nesse tempo, a FLD já apoiou mais de 800 projetos em todo o país por meio de seu Programa de Pe-

quenos Projetos – que é o “coração” da organização. Também executa e coordena outras iniciativas, como a exposição interativa Nem tão Doce Lar, a Rede de Comércio Justo e Solidário, a Rede de Diaconia – junto com a Coordenação de Diaconia e Inclusão / Secretaria da Ação Comunitária / Secretaria-Geral da IECLB – e grandes projetos, entre os quais o projeto Catadoras e Catadores em Rede, o projeto Pampa e o projeto Mulher Catadora é Mulher que Luta.

Além disso, mantém parceria estratégica e proativa com o Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA), o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN), vinculados à IECLB, e o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). A FLD realiza suas atividades com a visão da diaconia transformadora. “Acreditamos e confessamos uma diaconia transformadora que promove ações coletivas em realidades

Arquivo FLD

EQUIPE: Esta é a equipe de colaboradores e colaboradoras da Fundação Luterana de Diaconia

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e grupos que vivem opressões econômicas, sociais, políticas, culturais, sexistas, racistas, xenofóbicas, homolesbotransfóbicas e ambientais”, afirma a secretária executiva Cibele Kuss. O destaque na trajetória da organização são as parcerias construí­ das com algumas comunidades, paróquias e sínodos da IECLB. “A confiança depositada fortalece a instituição e o trabalho da equipe. Queremos fortalecer as parcerias e ampliar a realização de projetos com mais comunidades.” Ao olhar para frente, Cibele diz que a “FLD tem uma bonita aprendizagem a intensificar nos diálogos entre a diaconia transformadora e os grandes temas no campo dos direitos humanos, econômico-sociais, culturais e ambientais. A diaconia que cremos e fazemos é a da transformação política, ambiental, econômica, cultural e sexual na perspectiva das N relações com justiça e amor”.

SUSANNE BUCHWEITZ é jornalista e assessora de comunicação da Fundação Luterana de Diaconia em Porto Alegre (RS)

PALLOTTI

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AÇÃO DIACONAL

Primeiro passo: subir a favela por Nilton Giese

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abertura para o trabalho social e diaconal da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana em Belo Horizonte (CECLBH) ocorreu em agosto de 1990 com a fundação da Instituição Beneficente Martim Lutero (IBML). O primeiro desafio da IBML foi dar suporte jurídico e financeiro a um lar para pessoas idosas, hoje conhecido como Lar Luisa Griese.

Com a vinda do casal Zeller a Belo Horizonte em 1992, Gertrud, esposa do pastor Hans Zeller, não se conformava em somente dar comida às crianças que desciam da favela e tocavam a campainha da casa pastoral. Ela se perguntava pelo futuro dessas crianças e adolescentes. O primeiro passo foi conhecer a realidade onde essas crianças e jovens moravam na Vila Fátima, uma das favelas próximas

à Igreja da Paz e que compõe o Aglomerado de Favelas da Serra do Curral, que é o maior complexo de favelas de Belo Horizonte (MG). A realidade revelou que, além de comida, as crianças e os adolescentes também necessitavam de espaços de comunhão e de oportunidades de desenvolvimento. Assim surgiu o Projeto Esperança. O objetivo era ensinar as crianças e os adolescentes a produzir coisas que pudessem ser vendidas e com o dinheiro comprar a comida que antes eles estavam pedindo nas portas das casas. Inicialmente, essas oficinas aconteciam no salão comunitário da Igreja da Paz. Mas o interesse dos jovens cresceu e demandou um espaço mais adequado. Em agosto de 1996, um barracão foi alugado na Vila Fátima e, a partir de um contrato de comodato,

Foto: Nilton Giese

VILA FÁTIMA: Kátia, coordenadora do projeto da Comunidade Luterana em Belo Horizonte, com o maior complexo de favelas da cidade ao fundo

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Fotos: Nilton Giese

NOVAS INSTALAÇÕES: Diante do prédio, grupo de responsáveis com o pastor Hans Zeller

firmado com a Associação de Moradores, o Projeto Esperança passou a chamar-se Centro de Integração Martinho (CIM). Em 2002, o CIM já atendia regularmente 300 crianças e adolescentes no contraturno escolar, oferecendo oficinas de arte e educação (informática, esporte, apoio pedagógico, dança contemporânea, educação ambiental e flauta) a crianças e adolescentes de 5 a 15 anos. Em cada turno são servidas duas refeições. A roda de conversa no início de cada turno favorece a participação democrática de todas as pessoas, em que são ouvidas e discutidas reclamações, sugestões e críticas. A oficina de flauta revelou vários talentos musicais. Para oportunizar continuidade no aprendizado, o professor Gelson criou em 1999 o Tocando pela Vida. Esse projeto caracteriza-se como um curso profissional de música teórica, flauta, violão

Abaixo, aulas de música fazem parte do projeto. O interior das instalações erguidas na comunidade

e piano e acontece semanalmente na Igreja da Paz. Em 2010, as instalações precárias do CIM exigiram a construção de um novo espaço. Após um esforço de cinco anos, no início de agosto de 2015, foi inaugurada a primeira parte desse novo espaço. Para a construção desse novo espaço foi muito importante o apoio de empresas, como a Gerdau, e de organizações como Kindernothilfe, além de campanhas de arrecadação de recursos na CECLBH. Atualmente, recebemos o apoio da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e de programas do Governo Federal, como o Mesa Brasil. No exterior, são nossos parceiros a Igreja Evangélica da Baviera através de Mission Eine Welt e a Comunidade Evangélica de Schwaig, na Alemanha. N NILTON GIESE é teólogo e pastor da IECLB em Belo Horizonte (MG) NOVOLHAR.COM.BR –> Out/Dez 2015

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sociedade

Pedradas religiosas por Oneide Bobsin

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uem não pecou atire a primeira pedra, disse Jesus a um grupo que queria eliminar uma mulher pega em adultério. Todos foram embora, diz o Evangelho de João. A mesma sorte não teve a menina Kailane ao sair de seu lugar de culto. Levou uma pedrada na cabeça por pessoas que viam na religião dela um espaço de demônios. Na mesma semana, também no Rio de Janeiro, um templo religioso foi alvo de agressão, como tantos outros que não são noticiados. São pessoas convictas de sua fé que agridem fiéis das religiões de origem africana e seus espaços de culto. Lamentavelmente, aprenderam a odiar e a demonizar outras formas de crer em

suas próprias igrejas, onde pastores incitam ao ódio e à agressão. Suas pregações enxergam demônios nos outros, menos neles mesmos. Basta ligar a TV para saber de que denominações religiosas vem o incitamento ao ódio e à demonização. Mas se você for a um culto de algumas igrejas, verá que a violência lá é maior ainda. Na TV, doura-se a pílula. Em seu artigo 5º, a Constituição Federal garante a liberdade de culto a todas as pessoas, bem como sustenta o direito de liturgia a cada religião. Portanto todos os símbolos e espaços religiosos precisam ser respeitados. Vivemos um momento de intolerância religiosa que se agrava. Tudo em nome da fé, mas não do Deus

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Divulgação Novolhar

EM NOME DA FÉ: Kailane foi apedrejada por causa de sua fé de origem africana

anunciado por Jesus. Os atentados terroristas de 2015 levaram governantes a fechar templos num país africano. Aqui não chegaremos a tanto, se as autoridades públicas agirem em nome da lei. Muitas delas, porém,

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são eleitas com votos de (in)fiéis que se deixam instrumentalizar por políticos. Pessoas que seguem credos e que não compactuam com a violência precisam manifestar-se, como fizeram num ato no Rio de Janeiro.

E quem sempre considerou nosso país pacífico precisa rever seus conceitos. Há muita violência em nosso meio. Como disse um sábio, cada povo adora as suas formas de violência. Há violência nas casas, contra mulheres e crianças; contras as pessoas negras e suas crenças; no trânsito, nos estádios de futebol e contra homossexuais. Só faltava a violência em nome da fé. Aí, exigindo interferência do Estado. Como explicar tanta violência num país onde mais de 85% das pessoas se confessam cristãs e quase todas se dizem religiosas? Quando a fé descarta totalmente a dúvida, ela se torna violenta. Para rir dessa fé violenta, vejam a comédia/romance em forma de filme “Fé demais não cheira bem”, com Steve Martin. N O final é surpreendente.

ONEIDE BOBSIN é teólogo e doutor em Ciências Sociais e professor da Faculdades EST em São Leopoldo (RS)

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CONTO DE NATAL

Tales Cristiano é o nome do menimo por Eloir Weber

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ina e Paulo estavam muito felizes com a gravidez. Esperavam seu primeiro filho. Desde as primeiras semanas de gravidez, depois de um exame de sangue, sabiam que seria um menino. A notícia da gravidez contagiou e alegrou toda a família. Os exames pré-natais foram feitos com todo o cuidado e assiduidade. A gravidez correu muito bem. Tudo estava se encaminhando para um parto dentro da normalidade, sem sobressaltos. A médica ginecologista que acompanhava a gravidez também era obstetra e faria o parto. O casal conheceu, conversou e tirou dúvidas com a médica pediatra que acompanharia o nascimento e os primeiros anos de vida do filho. O hospital estava escolhido. Até a bolsa com roupas para levar ao hospital estava pronta. Tudo feito com tempo e dedicação, alegria e carinho. O ninho estava preparado para receber o menino: móveis, roupas, fraldas, objetos, enfim, todo o enxoval só esperando o pequeno ser humano que estava por vir. A previsão, pela posição do feto no ventre da mãe, era de parto normal. O nascimento

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poderia ocorrer a qualquer hora nos últimos dias do ano, entre o Natal e o ano-novo. Por questões óbvias, a família decidiu não viajar: na noite de Natal, depois do culto, fariam a celebração natalina na casa do jovem casal que estava prestes a tornar-se pai e mãe. Tudo estava planejado. No entardecer do dia 24 de dezembro, todos já estavam reunidos na casa de Nina e Paulo, fazendo os preparativos. Naquela hora, armou-se um temporal, e a tarde ficou escura. As nuvens assustadoras e as trovoadas anunciaram uma grande chuva. A chuva veio com muita intensidade, alagando ruas e ilhando pessoas. Inclusive a casa de Nina e Paulo ficou completamente ilhada e sem energia elétrica. Para deixar a situação mais tensa, as contrações iniciaram e os espaçamentos entre as mesmas foram ficando cada vez menores – e a chuva não dava trégua. Por fim, a bolsa rompeu. A tensão tomou conta daquela casa. Tinham planejado tudo nos mínimos detalhes, mas não contavam com a possibilidade de ficar ilhados na hora do nascimento, ainda mais na noite de Natal.

Naquela hora, a avó de Nina tomou conta da situação. Ela era uma mulher idosa, nascida em um rincão distante da cidade, teve todos os seus filhos em casa com a ajuda de uma parteira. Ela requisitou todos eles para alguma tarefa: providenciar tudo o que fosse necessário para fazer um parto em casa. Com a iluminação de velas, celulares e lanternas, foram catados panos, vasilhas com água, tesoura esterilizada, grampo improvisado para o cordão umbilical... O maior trabalho foi tranquilizar os jovens mãe e pai. Enquanto continuavam ilhados, pela mão experiente da bisavó, sob a luz de uma lanterna,

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Foto: Rede Humaniza SUS/Ministério da Saúde

nasceu o pequeno e saudável menino rosadinho: sem as melhores condições, sem boa parte daquilo que os pais tinham planejado para o nascimento. A alegria, depois do suspiro de alívio que pôs fim ao desespero, tomou conta daquela festividade de Natal. Lembraram que, no livro de Provérbios 16.1,3, a Bíblia diz que: “As pessoas podem fazer planos, porém é o Senhor Deus quem dá a última palavra. (...) Confia ao Senhor as tuas obras, e os teus desígnios serão estabelecidos”. A imagem do casal na cama, aquentando o seu filho recém-nascido, levou à reflexão de que Maria e José, no primeiro Natal, estavam

muito mais desamparados para o nascimento do menino Jesus. E que, apesar do abandono na estrebaria, esse

menino veio a ser o Salvador, e é por isso que o Natal é festejado. Naquele dia, a família sentiu de uma forma muito forte que o Natal é celebrado porque, em Deus, a vida, apesar de frágil, surge com uma força imensa, que emana da fé, da esperança e é fruto do amor de Deus. O nome do menino já tinha sido escolhido: Tales – que significa verdejar, verdejante. Esse nome foi escolhido porque ele nasceria na época do Natal: tempo no qual o pinheiro verde lembra que o amor de Deus por nós nunca perde o seu vigor. Mas, pelas circunstâncias de seu nascimento, merecia um segundo nome, que ainda não estava escolhido. Sugestões como “Natalício” ou “Natalino” não foram bem aceitas. Alguém então sugeriu: Tales Cristiano – o segundo nome significa “cristão”. Foi esse o nome que o menino ganhou. O menino Tales Cristiano, que traz em seu nome a cor verde da esperança e a marca da fé em Jesus Cristo, seria conduzido pela mão generosa e amorosa de seu Deus, que, apesar do abandono na estrebaria, no Natal se fez gente para N nos salvar e conduzir. ELOIR WEBER é teólogo e atua na Pastoral Escolar no Colégio Sinodal em São Leopoldo (RS)

O livro Contos de Natal, de autoria de Eloir Weber, reúne oito histórias inspiradas nos valores contidos nessa festa tão popular e celebrada na comunidade e nas famílias. São histórias enraizadas na vida cotidiana e recheadas com muita emoção e experiências comuns da vida. Esse livro ajuda a descobrir os muitos significados que o Natal de Jesus Cristo, nosso Salvador, tem para os dias de hoje. Adquira seu exemplar na Editora Sinodal – www. editorasinodal.com.br – ou pelo telefone (51) 3037.2366. Boa leitura na comunidade, na família ou individualmente!

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opinião

A ciência explica muito pouco DAWKINS nega a religião e deifica a ciência. ele faz missão não em defesa da ciência, mas contra a religião. porém, ante as grandes questões da vida, os cientistas estão tão inquietos quanto qualquer outra pessoa. RICHARD DAWKINS: O cientista defende o evolucionismo

por Dankwart Bernsmüller

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pós palestra de Richard Daw­k ins, proferida em maio deste ano em Porto Alegre no âmbito do ciclo “Fronteiras do Pensamento”, várias pessoas expressaram decepção e – confesso – também fiquei decepcionado, mas com elas. Explico: Motivo da crítica da audiência é o fato de Dawkins não ter aprofundado sua defesa do evolucionismo ateísta, que o tornou conhecido mundo afora. Ele e seus seguidores têm uma visão limitada de ciência, com a qual querem disseminar uma Weltanschauung (cosmovisão) que acaba sendo uma vilania contra ela mesma, pois a coloca num patamar que falseia e deifica o científico. Negar a religião em favor da ciência pura e contestar a existência de Deus corresponde a negar os sentimentos de afeto e amor que nutrimos por cônjuges, filhos e netos, é desconsiderar o belo das artes, em suma, é negar a dignidade da vida. Ser ateísta é uma opção pessoal, mas ridicularizar, maldizer ou considerar alienados aqueles que não são, como Dawkins faz, demonstra pobreza de espírito.

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Além disso, há que considerar o fato de Dawkins nada apresentar de original. Sem dúvida, ele tem abrangentes conhecimentos, mas assume um posicionamento científico do século 19. Para ele, a ciência demonstra verdades absolutas. No entanto, hoje a ciência reconhece que ela não é “o” mundo, mas abarca apenas parte dele. Adeptos do evolucionismo excludente de Dawkins fazem missão nem tanto pela ciência, mas contra a religião. O que mais espanta é que desconhecem o juízo científico sobre religião. Para exemplificar, afirmam que, no passado, as pessoas acreditavam que o mundo havia sido criado em seis dias e que, hoje, qualquer criança sabe que isso está errado. Ora, quem detém um mínimo de visão científica sabe que há três mil anos as pessoas eram tão inteligentes quanto hoje. É certo que não dispunham de tantos recursos e, por consequência, de tantas informações como nós – mas imbecis elas não eram. Para entender o mundo na época, criavam histórias sobre ele. Nada de errado nisso – como nada de errado há na

criação artística de um poeta, pintor, escultor ou dramaturgo. Suas obras são maneiras de interpretar o mundo ou de interagir com ele. A história bíblica dos seis dias de trabalho de Deus era uma adaptação narrativa a seu próprio ritmo de trabalho. Se hoje há cientistas que tendem a considerar importante apenas o mensurável, não deveriam supor que todas as pessoas também o considerem assim. Valorizam o mensurável – mesmo que irrelevante – em detrimento do não mensurável, do espiritual. Para as pessoas da antiguidade, a história da criação do mundo em seis dias por um Deus único, confiável e onipotente – não por inúmeros espíritos naturais assustadores que se expressam por raios, trovões, tempestades – conferia-lhes a confiança de estar vivendo num mundo razoável e substantivo, no qual vale a pena viver. Da mesma forma, para nós, hoje, vale a pena viver neste mundo se confiarmos em Deus e aceitarmos que ciência e religião não são excludentes. Ante as grandes questões da vida, todos os cientistas estão tão inquie-

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ateísta


nismo

consultório da fé

“Papai Noel” ou “Papai do Céu”?

Mark Renders

por Jaime Jung

ateísta

tos como qualquer outra pessoa. Um cientista sério sabe que não dispõe de acesso privilegiado às definitivas respostas. Nenhum historiador ao vasculhar um arquivo, nenhum botânico ao perambular por um ecossistema, nenhum astrônomo ao perscrutar a Via Láctea vai subitamente encontrar Deus. Quem faz da ciência uma Weltan­ schauung (cosmovisão) vai mais cedo ou mais tarde se deparar com alguém que tem a sensibilidade de perceber que essa forma de encarar o mundo e a vida não abarca todo o nosso horizonte, pois a ciência, na realidade, explica muito pouco – pelo contrário, a cada resposta faz emergirem mais perguntas. Tenho dó daqueles que defendem o míope ponto de vista sintetizado por Gagarin na tristemente famosa frase “Estive no espaço sideral e não encontrei Deus”, assim como tenho dó daqueles que expressaram sua decepção com a palestra de Richard N Dawkins em Porto Alegre.

DANKWART BERNSMÜLLER é professor e tradutor em São Leopoldo (RS)

Diz-se que o bispo Nicolau de Mira, que viveu na Turquia no século IV, presenteava de forma anônima pessoas em dificuldades financeiras. Recebeu o título de santo e fama em todo o Ocidente. A partir de São Nicolau surge Papai Noel. Esse foi redesenhado, reciclado e, no início do século 20, tornou-se garoto-propaganda do maior fabricante mundial de refrigerantes. Com isso o “bom velhinho” atingiu o auge de sua popularidade, que dura até hoje. De barbas brancas e trajando pesadas roupas vermelhas de inverno (mesmo em nosso verão), Noel troca presentes por bom comportamento. Hoje ele tem a obrigação de atender uma lista de desejos de crianças pequenas e grandes e não ousa decepcionar ninguém. Estrategicamente convocado, Papai Noel é um personagem que catapulta os lucros da indústria e do comércio. Ele simboliza também prosperidade, festa, paz... mas isso é apenas adereço e maquiagem. É preciso desempacotar: Papai Noel é uma invenção humana, um ser fictício que tomou um lugar que não é seu e que recebe uma importância que não merece. Para as pessoas cristãs, o centro do Natal é e sempre será a celebração do nascimento de Jesus Cristo, sua vinda para junto dos pecadores, oferecendo-lhes a salvação apesar de seu “mau comportamento”. No Natal, o próprio Jesus é o presente: Deus tornou-se gente como nós, por amor ao ser humano perdido. Essa ação divina não tem nada de fantasia ou lenda. No Natal, somos convidados a redescobrir que, “seja rico ou seja pobre”, o amor de Deus e seu perdão são oferecidos a todas as pessoas. Cabe-lhes aceitar esse presente de amor, pela fé, desembrulhá-lo e fazer uso dele em proveito próprio e dos outros. Deus – o nosso “Papai do Céu” – pode e quer preencher o “sapatinho vazio” com vida em abundância. Ele está pronto para acolher os pedidos e a gratidão de seus filhos e filhas todos os dias do ano. Esclarecer isso também aos pequeninos é ensiná-los o caminho em que devem andar para que não se desviem dele – mesmo em meio a todos os apelos N comerciais do Papai Noel. JAIME JUNG é teólogo, mestre em Teologia e ministro da IECLB em Novo Hamburgo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Out/Dez 2015

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O REFORMADOR

As 95 teses hoje por Leandro Hofstaetter

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Em contrapartida, a forma do culto organiza nossa escuta, oração, lamento e louvor e nossa participação na Palavra encarnada dos sacramentos. Na bagunça e na gritaria ninguém ouve, ora, lamenta, louva e recebe os sacramentos. Não é por causa da escuta, da oração, do lamento, do louvor,

Arte sobre fotos: Clovis Lindner

stamos nos encaminhando para a comemoração dos 500 anos da Reforma Luterana em 2017. Nada mais justo do que voltarmos nossos olhos ao passado, ou seja, ao dia 31 de outubro de 1517, quando o monge Martim Lutero pregou na porta da igreja do Castelo de Wittenberg suas hoje famosas 95 teses. De fama Lutero não queria saber. Estava preocupadíssimo com o evangelho do papa e seus comparsas em contraposição ao EVANGELHO das Sagradas Escrituras, boa-nova de nosso Senhor Jesus Cristo. Todos sabemos das pregações contra as indulgências. No entanto, se apenas conseguimos entender a vida olhando para o passado, somente podemos vivê-la para frente. Por isso a pergunta à queima-roupa: quais são as indulgências que hoje tentam suprimir a grande Boa-Nova do Evangelho? Façamos uma relação de crenças que hoje necessitam nossa reflexão e combate: Não precisamos da igreja para ser salvos, mas do evangelho que reúne o santo povo de Deus. O culto e a forma de nos encontrarmos não salva, mas sim a palavra de Deus ouvida e tornada concreta na participação nos sacramentos, que nos conscientiza de nosso pecado e liberta-nos de nosso egoísmo ao nos conceder gratuitamente a graça de Deus.

da participação nos cultos e nos sacramentos que eu recebo a salvação, mas é por causa da salvação já nos dada em Jesus Cristo que eu ouço, oro, lamento, louvo e recebo os sacramentos. Digamos um estrondoso NÃO à espiritualidade da escada, que faz com que as pessoas pensem que é por mérito que se chega a Deus e esquecem que Deus já desceu. É por conta disso que existe o Natal! Digamos um estrondoso NÃO à teologia da glória, que estabelece critérios humanos para receber a salvação, como jeito de orar, jeito de cantar, jeito de dançar, jeito de se vestir, jeito de ser igreja,

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DE OLHO NA EDUCAÇÃO jeito de ganhar dinheiro, pois aqueles que não têm não são abençoados. E pior: julgam os outros e acham-se OS SALVOS! Digamos não a esses profetas que falam “Glória, glória”, sem que haja glória. Digamos sim aos profetas que gritam “Cruz, cruz”, sem que haja cruz, pois a graça de Deus não nos tira dos sofrimentos humanos, mas nos dá Jesus como certeza para viver esta vida, mesmo em momentos de sofrimento, com esperança e amigos que nos sustentam. Não são o tamanho da igreja e a gritaria que há lá dentro que definem a comunidade cristã, mas o evangelho, do qual decorrem a oração, os sacramentos, o lamento e o louvor. Digamos NÃO à espiritualidade da escada, que prevê os degraus para chegar a Deus. Digamos sim à espiritualidade da cruz, que nos dá diretamente o Cristo que morreu por nós e o qual devemos seguir tanto na alegria como na tristeza. Repito com Lutero: o verdadeiro tesouro do povo de Deus é o santíssimo evangelho da glória (que é a cruz) e da graça de Deus. Esse tesouro, entretanto, é o mais odiado, porque faz com que os primeiros sejam os últimos. Em contrapartida, o tesouro das indulgências, os pressupostos para o amor de Deus, é o mais benquisto, e com razão, pois faz dos últimos os primeiros. São inimigos de Cristo e do verdadeiro povo de Deus aqueles que ficam pregando essas indulgências ainda hoje e esquecem a N palavra de Deus. LEANDRO HOFSTAETTER é teólogo e doutor em Filosofia em Joinville (SC)

Educação - O que queremos com ela? por Osvino Toillier

Estranha pergunta, você dirá. É claro que toda a sociedade está reivindicando boa escola para os filhos, o país investe muito dinheiro na educação, os dirigentes estão conscientes de que não haverá futuro para o país se não conseguirmos superar problemas sérios que entravam nosso desenvolvimento e, sobretudo, se não nos aproximarmos dos países com melhor desempenho nas avaliações internacionais. Dito isso, voltemo-nos à realidade doméstica e observemos com o que estão preocupados muitos dirigentes das instituições educacionais: posicionamento no ranking do ENEM, resultados operacionais, cumprimento de normas legais, inserção dos alunos no mercado de trabalho, enfim, todas questões importantes, mas não nucleares para a consagração das instituições educacionais. Estou preocupado com a falta de utopia, que é, afinal, o que a escola sustenta através dos tempos. Qual é o escopo da instituição educacional? Qual é a marca indelével que perpassa os tempos? Tenho a impressão de que está havendo preocupação com a modernização – o que é necessário e louvável –, mas não se pode desconhecer a história. Na Sagrada Escritura, encontramos um versículo que diz: “Não removam os marcos antigos”. Isso é muito sério. As escolas não são apenas seu presente, mas, em comunhão com o passado, constroem o futuro. As gerações do presente e do porvir precisam incorporar em sua formação a dimensão histórica, que é o que está aí e não caiu do céu; foi uma longa e penosa caminhada até os dias atuais. O presente tem o desafio de construir a passagem e preparar o futuro, como fizeram aqueles que nos antecederam. Não se trata de celebrar pessoas, mas de fazer justiça e honrar a memória. Deveríamos perguntar-nos, fundamentalmente, sobre os valores que estamos ensinando a nossos alunos, que eles estão vivenciando em nossas escolas, com que visão de mundo estão saindo. Serão apenas qualificados competidores ou pessoas com a dimensão da solidariedade para com o sofrimento alheio? Pessoas que conquistam espaço e preparadas para ser vencedores ou seres humanos íntegros, honestos, éticos, verdadeiros, comprometidos com o amor que serve? Temo que as instituições tão voltadas demais para o sucesso institucional e esquecem a missão intransferível, que é ser laboratórios de exercício de humanidade. Foi um prazer poder compartilhar algumas das minhas crenças N exatamente num tempo difícil para as utopias. OSVINO TOILLIER é professor, escritor e mestre em Educação em Porto Alegre (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Out/Dez 2015

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REFLEXÃO

se a nossa esperança em cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os seres humanos. 1 CORÍNTIOS 15.19

por Patrícia Bauer

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m provérbio popular acerca da morte diz: “A única certeza da vida é que vamos morrer”. Crescemos com essa perspectiva. Então por que a morte inquieta? A vida comunitária é marcada por ritos. O Batismo é entendido como um presente que recebemos de Deus para ser vivido diariamente. Na Confirmação, espera-se o comprometimento com a vivência do Batismo. Na bênção matrimonial, celebra-se a alegria do amor. Depois vêm as bodas, que celebram os anos. Em meio a todos esses ritos, acontecem sepultamentos. Sepultamos sonhos, esperanças e pessoas que nos são queridas. Por que é tão difícil? Ao sepultarmos planos, outros virão. Esperanças sempre ressurgem. No luto pela morte, porém, é mais difícil perceber que especialmente ali Deus nos carrega e sustenta. Como Igreja Evangélica de Confissão Luterana cremos no testemunho de 1 Coríntios 15.19: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os seres humanos”. Portanto ressurreição é parte inerente de nossa

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fé. Confiamos que o morrer em Cristo é lucro. O que dói na morte é a ausência, a saudade, que a poe­sia diz ser a prova de que as vivências foram verdadeiras, valeram a pena. É preciso salientar que sofrer não representa, de maneira nenhuma, ausência de fé. Afinal, também Jesus sofreu a morte de seu amigo, de solidão, ao chamar discípulos para orar e esses dormirem, pelo sentimento de abandono na cruz, mas foi fiel até o fim, o que nos ensina que a fé oferece força e coragem para enfrentar os desafios e confessar: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4.13). O livro bíblico de Eclesiastes ensina que há tempo para todos os propósitos. Nem o riso tampouco o choro duram uma vida inteira. Contudo o tempo mais difícil é o tempo de morrer. Por ocasião dos sepultamentos, somos lembrados de que em Cristo a vida vence a morte, porém, na dor da separação, muitas vezes, palavras não consolam. Por isso a importância de acompanhar as pessoas enlutadas, o que ainda não é realidade em muitos contextos. As famílias têm, em geral, acompanhamento espiritual nas

ALL SOULS’ DAY, obra de Jakub Schikaneder (1855-1924) / Wikimedia Commons

Sentido de vida a partir de Finados

enfermidades, na despedida e dificilmente na continuidade, pois, embora o culto com oração memorial seja de extrema importância, não é suficiente para que pessoas enlutadas se sintam amparadas até novamente perceber que a vida não se limita à saudade. O calendário oficial dedica um dia para lembrar as pessoas falecidas: Finados. Na tradição luterana, celebramos o Dia de Finados com a observação de que não prestamos culto aos mortos, pois confiamos na graça de Deus. Esse costuma ser um dia de visita a túmulos de entes queridos, de levar flores, inclusive celebrar cultos, lembrando pessoas que faleceram e pedindo que Deus fortaleça aquelas que convivem com a ausência. No Dia de Finados, reiteramos nossa fé: “cremos na ressurreição do

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diferente? Mas, acima de tudo, deve despertar fé, alegria e confiança: fé no Deus que consola e anima; alegria que é fruto da fé, independente do estado emocional; confiança porque Jesus prometeu que prepararia nossa morada, e ele cumpre todas as suas promessas. Várias passagens bíblicas mencionam o nascer nu e morrer sem nada poder levar. Por isso é tão importante viver intensamente cada dia, valorizando a vida, como e com quem vivemos. Deus nos cria, mantém e um dia nos tomará de volta. Ele envia para nossas vidas pessoas que se tornam verdadeiros presentes ao possibilitar sentir o amor. Nós também somos enviados para que outras pessoas se sintam amadas a partir de nós. É uma relação de cuidado que nos faz tão bem, que corremos o risco de esquecer que essas pessoas não nos pertencem. Pertencemos a Deus, por isso, nas palavras do hino 221, do hinário Hinos do Povo de Deus, podemos cantar: “Por me guiares, não preciso ver, nem mesmo sempre tudo entender”. N corpo e na vida eterna”, confessada no Credo Apostólico. Lutero preferia o último domingo do ano eclesiástico, o Domingo da Eternidade, para lembrar

pessoas falecidas, culturalmente uma data menos valorizada. Finados desperta lembranças, saudades e utopias. E se tivesse sido

PATRÍCIA BAUER é teóloga, pastora vice-sinodal do Sínodo Brasil Central e ministra da IECLB em Goiânia (GO)

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ESPIRITUALIDADE

Tempo de cuidar do coração o advento é um tempo de humildade, esperança e arrependimento, para que nosso coração possa ressignificar tudo o que precisamos para viver em paz e com saúde.

a um exame espiritual? Algumas práticas podem ajudar nisso. Vão aí algumas ideias! O Natal costuma deixar as pessoas mais disponíveis para a reflexão. Na etimologia da palavra natal também encontramos a raiz da palavra natureza. Jesus nasceu no meio dela. Quem sabe, parte desse exame espiritual possa ser feito num cantinho da natureza, cheio de verde, de pássaros

por Eliana L. Weber

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emos acompanhado nos últimos tempos um crescente movimento na humanidade em busca de algo que esteja além dos bens materiais. O ser humano, em sua necessidade biológica, psicológica, ecológica, social e espiritual, tem buscado mais em seu interior um encontro com um ser superior. Seres humanos também possuem necessidades espirituais que auxiliam no pensar adequado e no agir coerente. A negação dessa realidade favorecerá o ter e fazer impensado e incoerente. Logo, quanto mais se faz, mais se tem, e com isso menos tempo sobra para pensar e avaliar o significado do que representa o ser. E temos visto que algumas pessoas não sabem mais pensar. Pensar pode ser ameaçador, requer questionamento, implica reavaliar comportamentos. E nós estamos vivendo um tempo todo especial, que nos convida a esse pensar e agir coerente, que é o tempo de Advento. Já dizia Jesus em Lucas 21.34: “Tomai cuidado com vossos corações, para que não

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fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida”. Advento é palavra que deriva do latim, adventus/advenire, e significa vinda/chegada, chegar a. Ajuda-nos, sob o ponto de vista da espiritualidade, uma postura de humildade, esperança e arrependimento. Deus dá-nos esses dias para que possamos nos redimir daquilo que o coração e a consciência, ou seja, o nosso corpo todo precisa ressignificar para viver em paz e com saúde. Na tradição do tempo de Advento, há uma preparação detalhada, envolvendo cheiros, gostos, habilidades manuais, canções. Indica que algo está para acontecer. No entanto, Advento é mais do que isso. Advento é tempo de ouvir o coração falando através de nosso corpo. Tão importante quanto cuidar da saúde orgânica e fisiológica é cuidar da saúde mental, emocional. Embora ainda não saibamos as fronteiras do emocional e do fisiológico, sabe-se que esses interagem entre si o tempo todo. Então quem sabe submeter-se

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silêncio que gera uma atitude frente à vida. Um silêncio que faça intuir gratidão e harmonia. Quem sabe, descansar de fazer tantos planos. Prefira a simplicidade, o acerto do sentimento, queira o caminho que leva ao presépio, lá onde repousa a essência: Jesus. A correria do Natal gera ansiedade, estresse, tanto para quem tem dinheiro e tem com quem se reunir como para quem

não tem. Sobram nos dias seguintes sequelas nas finanças e na alegria de viver. Quem sabe, diante do presépio oferecer-se para cuidar da pequena criança. Crianças precisam de amor, de nossa proteção. Crianças precisam brincar mais, precisam de menos agenda, de mais contato com a natureza, possuem o direito de ser apenas crianças. Não deixe seu coração ser seduzido pelas propagandas, pelo exagero nas comidas, que levam a acumular dúvidas, dívidas e adoecer. Pensar em tempos de Advento implica a coragem de perguntar: como está o meu coração? Como tenho ocupado meu tempo e quanto tempo tenho dedicado à espiritualidade e a meu semelhante? Certamente há mais beleza na simplicidade do que nos excessos disfarçados e incoerentes. Longe de tanta correria, bastaria um momento de avaliação das ações do ano que finda e uma projeção de ações para o tempo que inicia. Hoje, consolidada pela ciência, está a comprovação de que espiritua­ lidade faz bem à saúde. Renunciar a essa necessidade humana e não cultivar conexão com Deus, com o outro e com a natureza é deixar a vida inacabada. É deixar a vida no desespero, na depressão e num enorme vazio. Busque o sentido de ter nascido e preserve a alegria de viver. Fique atento ao conselho de Jesus: Cuidem do coração! Dando-se esse tempo, você ficará mais livre para entender o verdadeiro espírito do Natal. Que seja muito fecundo e edificante seu tempo de Advento! N Divulgação Novolhar

cantando, de gente, de colorido. Não surpreende o fato de que os discípulos no caminho de Emaús, em Lucas 24, ao terem saído da agitação da cidade, aproximando-se de uma aldeia, sentiram-se em paz, reconheceram Jesus. Uma atitude de recolhimento e reflexão pode fazer muito bem em tempos de Advento. Quem sabe, uma árvore de Natal feita de contemplação e silêncio. Esse

ELIANA L. WEBER é teóloga e pastora na paróquia da IECLB em Cosmópolis (SP) NOVOLHAR.COM.BR –> Out/Dez 2015

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Foto: Vera Lúcia Mendes Lenzi

penúltima palavra

Prazer, sou professora! por Rafaela Zang Mesquita

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er professor é, sem dúvida, uma das profissões mais difíceis que conheço. Exige características às vezes um tanto esquecidas por alguns, como paciência, flexibilidade, atenção, tolerância e uma boa dose de amor. É poder passar por essa experiência a cada 50 minutos em um universo repleto de pessoas diferentes. Lecionar exige esforço, dedicação e motivação, além de conhecimento. Ensinar em um país no qual a educação talvez não seja a questão primordial requer ainda muito mais. Certa vez, perguntaram-me se tinha algum prazer em ser professora. Não demorei muito a responder que sim, que me orgulhava (e me orgulho) muito. Sou professora de Língua Inglesa há 17 anos, passando pela escola

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estadual, municipal, particular e instituto de idiomas. Sim, tenho prazer em dizer que sou professora e que fiz, faço e certamente farei parte da vida de muitas pessoas. Ser educador é ser figura imprescindível na vida de vários alguéns. É uma oportunidade diária de conhecer a si mesmo e (tentar) descobrir o que se passa no olhar de cada um. É encantador poder fazer parte da construção do conhecimento e poder contribuir para a formação pessoal e intelectual de tantos que um dia serão médicos, enfermeiros, pedreiros, filósofos e, por que não, professores. Muitos dizem que as tecnologias vieram para substituir tudo e todos. Um professor? Não acredito, pelo contrário. O professor ainda é aquele que media processos, transformando

informação em conhecimento. A máquina dá-nos a informação e é mais do que necessária, mas ainda está longe de tomar o papel de qualquer mestre. Aquele que hoje consegue utilizar tecnologia com conhecimento tem vantagens, pois nossos estudantes são, sim, conectados, e não podemos viver em ilhas cujo lema é “no meu tempo não era assim”. Os tempos mudaram, as condições talvez, mas o papel do professor permanece inconfundível. Construí minha caminhada com exemplos bons e trabalho árduo. Houve empecilhos, mas nada que atrapalhasse a vontade e a paixão pelo aprender. Salário melhor? Todos gostariam. Necessário? Diria justo. Aquele “muito obrigado” após a aula ou até mesmo depois de alguns anos não tem preço, como diz a propaganda. E não tem mesmo. É gratificante poder escutar: “Sim, tu foste muito importante na minha vida”. Às vezes, pensamos que talvez não tenhamos sido importantes. Deixamos algumas marcas, tanto boas como negativas, das quais precisamos aprender como não fazer e crescer como profissionais. Sei que continuo com a satisfação da profissão no início de cada semestre, antes do primeiro dia de aula, quando ocorre o famoso friozinho na barriga. Perder tal sensação significa perder a vontade, perder o prazer, perder tudo. Questiono-me se nós professores temos noção do quão grande é a responsabilidade que carregamos conosco, pois professor não apenas transmite conteúdos, mas também dá exemplo, orienta, inspira, pesquisa, interage, diz não, desafia, caminha ao lado, estende a mão quantas vezes for necessário. Ser professor é papel N inconfundível. RAFAELA ZANG MESQUITA é professora de Língua Inglesa e coordenadora pedagógica no Colégio Sinodal/Unidade Portão e reside em Novo Hamburgo (RS)

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As Obras de Armínio Jacó Arminio A igreja evangélica brasileira em sua grande maioria, se identifica com a visão arminiana, porém, até a presente data, não havia em português toda a extensão do pensamento deste importante teólogo reformado acerca da Predestinação, Providência Divina, o livre-arbítrio, a Graça de Deus, A divindade do filho de Deus e a justificação do homem, entre diversos outros assuntos. Esta obra vem preencher esta importante lacuna. Por tudo isso, a CPAD tem a alegria de poder oferecer à igreja brasileira a oportunidade de conhecer e se aprofundar no pensamento contido nas obras de Armínio. Visite o site do livro E acesse artigos, vídeos E muito mais.

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