Inclusão - Revista Novolhar, Ano 11, Número 52, Julho e Agosto, 2013

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Pela Inclusão Pessoa com Deficiência Plantar Esperança Lei de Cotas Na Mesa de Comunhão Para Rosângela e Heitor Pandorga: Lugar para Autistas

ÍNDICE

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saúde

Hospital Sarah Kubitscheck Uma rede para a reabilitação

Ano 11 –> Número 52 –> Julho/Agosto de 2013

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Brasil assina um tratado histórico

Uma opção preferencial na Teologia

armas

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juventudes

homenagem

Pelos 130 anos do nascimento de Khalil Gibran

SEÇÕES OLHAR COM HUMOR > 6 MOSAICO BÍBLICO > 6 NOTAS ECUMÊNICAS > 7

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ASSEMBLEIA DO CLAI Responsabilidade comum

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arquivo histórico Preservando a memória da IECLB

TESTEMUNHOS > 33 O REFORMADOR > 34 REFLEXÃO > 38 ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2013

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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Nestor Paulo Friedrich Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, Ingelore Starke Koch, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Nestor Paulo Friedrich, Olga Farina e Vera Regina Waskow. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Cristiano Zambiasi Jr. Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Carla Vilma Jandrey, Cristiano Zambiasi Jr., Erica Beulke, Frei Betto, Heide Kirst, Leandro Hofstaetter, Luciana B. Reichert, Marcelo Schneider, Micael Vier Behs, Paula Oliveira, Roberto Soares, Rolf Droste, Rui Bender, Sandra Kamien Tehzy e Wagner Tehzy, Silvana Isabel Francisco, Sisi Blind, Valmi Ione Becker, Vera Lucia Engelhardt Prediger e Vera Nunes.

Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 30,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

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Deficiência e inclusão

I

nclusão não é um conceito bíblico, nem teológico. Mas a reflexão em torno de sua necessidade como tarefa diaconal da igreja está amplamente fundamentada no amor incondicional de Deus por todas as pessoas. Esse amor de Deus pela humanidade não é edificado sobre o poder e os milagres, mas sobre a humildade e a doação plena. Deus tornou-se humano para amar incondicionalmente. Ele veio para dentro do nosso mundo, das nossas dores e sofrimentos, da nossa injustiça, dos nossos porquês. Ele experimentou na própria carne o mais perverso bullying social ao ser açoitado e cuspido, humilhado e coroado de espinhos e, por fim, pendurado no madeiro em que só morriam ladrões e assassinos. Na cruz, Jesus ergueu os pilares da inclusão ao passar pelo mais profundo abismo da exclusão e da rejeição. A cruz também capacita a igreja para a inclusão das pessoas com deficiência, estabelecendo um movimento inverso ao da exclusão, dos olhares congelados, dos dedos que apontam a anormalidade exterior e a transformam em medida para a rejeição. As reportagens de capa desta edição apontam para a tarefa inadiável da igreja de construir um espaço para incluir, receber, aceitar, acolher pessoas que, por conta de seu perfil exterior diferente, são cruelmente submetidas ao bullying social da exclusão. A principal lição da inclusão é a descoberta de que essa reflexão não se pode restringir ao nível intelectual. Não há como tratar o assunto como um asséptico tema acadêmico, de mero trato científico. É necessário mergulhar de cabeça no vulcão de sensações que só o confronto direto com a rea­lidade da pessoa com deficiência e de sua família é capaz de produzir. Novolhar lança você na vida de pessoas como a família Schulze e confronta-o com a abnegação de pessoas como Valmi Becker, Carla Jandrey ou Heide Kirst. Não se envergonhe da emoção que brota espontaneamente. Que seus olhos marejados sejam o começo concreto do que propomos: inclusão, acolhimento, empatia e solidariede. Há ainda na presente edição um texto sobre os 130 anos do nascimento do poeta e escritor Gibran Khalil Gibran. Em outro artigo, você descobre como o Arquivo Histórico da IECLB está lidando com os documentos do nosso passado. Boa leitura e desafios não faltam por aqui. Equipe da Novolhar

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opinião

IECLB

CAPA celebra 35 anos

U

m culto especial no dia 9 de junho marcou os 35 anos do Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA). O culto foi organizado pelo núcleo Pelotas (RS), na cidade de São Lourenço (RS), na comunidade do Faxinal - Campos Quevedos. O CAPA foi criado pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) no ano de 1978 com o nome de Centro de Aconselhamento ao Pequeno Agricultor. Suas atividades tiveram início no dia 15 de junho de 1979 na cidade de Santa Rosa (RS), atendendo uma área que na época abrangia 74 municípios no Rio Grande do Sul e 38 em Santa Catarina. Em 1982, foi criado o CAPA em São Lourenço do Sul (RS); mais tarde, em Santa Cruz do Sul (RS). Em 1997 foram criados mais dois núcleos: um em Verê e outro em Marechal Cândido Rondon, no estado do Paraná. Em fevereiro de 1988, o CAPA de Santa Rosa foi transferido para Erechim; em dezembro daquele mesmo ano, foi criado um segundo núcleo em Três de Maio, extinto em 1994 por mudanças estruturais. Inicialmente, o projeto previa a implantação das Propriedades Modelo Nova Paisagem em propriedades com

áreas entre 10 e 25 hectares. Nessas propriedades haveria a reconstrução das benfeitorias de maneira funcional, a reestruturação na produção, utilização de técnicas de conservação do solo, rotação de culturas e diversificação na produção, além da instalação de hortas, pomares, pastagens cultivadas e área para reflorestamento. Também o aproveitamento de novas fontes de energia nas propriedades, entre elas o sol, os ventos, os cursos naturais de água, e a construção de biodigestores. Ainda em 1988, por uma questão de linguagem comum entre diversos projetos, programas e atividades afins dentro da IECLB, mudou-se o nome de Centro de Aconselhamento ao Pequeno Agricultor para Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor. O nome mudou, mas a sigla permaneceu a mesma. Desde então, a atuação dos cinco núcleos do CAPA tem acumulado experiência e resultados não apenas enquanto consórcio, mas também através das redes de que participa, como a Rede Ecovida de Agroecologia e a Articulação Nacional de Agroecologia. Para conhecer mais, visite o site www.capa.org.br. (Fonte: FLD)

Visite nosso site Os conteúdos de todas as edições da NOVOLHAR estão à sua disposição no site. Visite, consulte, faça uso: www.novolhar.com.br

Tema da próxima edição

A edição nº 53, de Setembro/Outubro de 2013, abordará a REFORMA LUTERANA. A história, seus protagonistas e as consequências para a igreja de ontem e de hoje estarão nas páginas da Novolhar.

50 edições Gostaria de parabenizar todos da equipe da revista Novolhar pelas 50 edições, cujos avanços editoriais e de projetos gráficos pude acompanhar pessoalmente e comprovar de perto, sendo um dos primeiros assinantes da publicação, bem como incentivá-los a continuar edificando lares por meio da mensagem libertadora do evangelho. Parabéns! Breno Storch – por e-mail Joinville (SC)

Mulher luterana No final de semana de 27 e 28 de abril, aconteceu o I Fórum Sinodal de Reflexão da Mulher Luterana no Sínodo Paranapanema, no Lar Luterano de Retiros, em Curitiba. Nesse encontro, quarenta e duas mulheres refletiram a partir da ótica feminina sobre o tema do ano da IECLB: “Ser, participar, testemunhar: eu vivo comunidade”. Com isso vimos aqui expressar nosso agradecimento pelo apoio da Editora Sinodal dado a esse evento através da doação das revistas Novolhar a partir do contato feito pela pastora Bianca D. Ü. Weber. Rosane Philippsen – por e-mail Coordenação do Fórum de Reflexão da Mulher Luterana no Sínodo Paranapanema

Muy linda Hoy por la mañana fui a la aduana a buscar las revistas Novolhar. Está muy linda y con buen contenido. Me servirá para trabajar también com los jóvenes el tema de la sexualidad. Dario Dorsch – por e-mail Pastor luterano em Crespo/Argentina NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2013

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olhar com humor

MOSAICO BÍBLICO

Instrumentos musicais

outros metais, era utilizada para reunir o povo de Israel diante do tabernáculo. O shofar (trombeta especial) era fabricado a partir de um chifre encurvado de carneiro. Produzia somente dois sons e era utilizado em cerimônias religiosas especiais e N em ocasiões públicas.

A música tinha um papel importante na adoração. Os músicos improvisavam a partir de uma melodia básica e, em vez de tocar em harmonia, tocavam todos os instrumentos ao mesmo tempo. Instrumentos de corda – A lira era um instrumento pequeno de oito ou dez cordas, fácil de carregar. Sua prima maior, a harpa, possuía de dez a vinte cordas. Ambas eram tocadas por Davi e também utilizadas pelos levitas durante o culto no templo.

Fonte: Bíblia Sagrada com Enciclopédia Bíblica Ilustrada – Sociedade Bíblica do Brasil – 2011

CÍMBALO: Um par de pratos rasos fabricados em metal

Instrumentos de sopro – A flauta, o instrumento de sopro mais popular, não era utilizada no templo, mas nas reuniões sociais. Fabricada a partir de cana, madeira ou ossos, possuía uma palheta e provavelmente tinha o som de um clarinete. A trombeta de chifre de carneiro, que mais tarde passou a ser fabricada em madeira ou metal, foi o instrumento que os sacerdotes de Josué tocaram enquanto marchavam ao redor de Jericó. A trombeta de prata, algumas vezes fabricada com

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Instrumentos de percussão – O tamborim era um instrumento fabricado com pele de animal esticada ao redor de um aro de madeira. O címbalo era composto por um par de pratos rasos fabricados em metal, cujo som era produzido batendo um contra o outro. O sistro era fabricado a partir de três ou quatro varas de metal em que discos móveis retiniam conforme o instrumento era chacoalhado.

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Notas ecumênicas

Ecumenismo

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A história do cristianismo mostra-nos que foram poucos os momentos em que ele – o cristianismo – realmente foi fiel aos princípios do evangelho e aos valores do reino de Deus. Na maior parte das vezes, os grupos dominantes na igreja-instituição aliaram-se aos poderes dominantes do mundo na manutenção do status quo. Ao mesmo tempo, sempre houve minorias que procuraram ser fiéis à tradição bíblica profética na qual o movimento de Jesus se insere. E, para mim, o movimento ecumênico é parte dessa tradição.

União: Duas igrejas-membro do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), de tradições reformada e luterana, uniram-se para formar a Igreja Protestante Unida da França. A fusão da Igreja Reformada e da Igreja Evangélica Luterana foi comemorada num sínodo nacional conjunto, realizado em maio em Lyon.

CIEMAL Pela primeira vez em 44 anos de existência, o Conselho de Igrejas Metodistas da América Latina e do Caribe (CIEMAL) será presidido por uma mulher, a pastora Lizzete Gabriel Montalvo, da Igreja Metodista de Porto Rico. Ela foi eleita na X Assembleia do organismo, reunido em Alajuela nos dias 13 a 17 de maio.

Jovens & trabalho

ANIVALDO PADILHA, 90 anos, pastor metodista e ex-preso político, em entrevista ao Instituto Humanitas (UNISINOS)

Direitos reprodutivos “Nossa parceria com o Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) tem como objetivo a dignidade das pessoas. Vocês são agentes de mudança e estão promovendo esforços para reduzir a pobreza, fortalecendo as mulheres, os jovens e os povos indígenas, estão levantando sua voz em prol da causa de uma educação sexual coerente e compreensiva, que englobe os direitos reprodutivos, o planejamento familiar, a prevenção do HIV e o combate à violência sexual.”

Jovens batistas reivindicam “condições decentes de trabalho, remuneração digna, respeito às legislações trabalhistas e previdenciárias, acesso à cultura e a serviços do Estado e atenção integral à saúde dos jovens trabalhadores. Somos uma nação com 52 milhões de jovens, que precisam trabalhar”. KATRE GIMONE, diretora para a América Latina do Fundo de População das Nações Unidas (FPNU)

Juventude Batista Brasileira em documento por ocasião do Dia do Trabalhador em 1º de maio NOVOLHAR.COM.BR –> Mai/Jun 2013

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Reprodução Novolhar / Wikimedia Commons

Retábulo em madeira por trás do altar da Catedral de Siena/Itália, com cenas da tentação e de milagres de Jesus Cristo. Aqui é retratada a Cura do Cego Bartimeu. A obra é do pintor Duccio di Buoninsegna (12551319), fundador da Escola de Siena

Bartimeu era cego e sobrevivia com esmolas que pedia à beira da estrada. Certo dia, ouviu uma multidão passando. Jesus estava no meio dela. Certamente Bartimeu já ouvira falar dele e suas curas. Então ele começou a berrar: Jesus, tenha pena de mim. O Mestre ouviu seu clamor. O que você quer que eu faça?, perguntou. Bartimeu respondeu: Eu quero voltar a enxergar. E Jesus realizou a cura.

(cf. Marcos 10.46-52)

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CAPA

Pela inclusão da pessoa com deficiência por Rui Bender

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essa história podem ser observadas três atitudes: a de Bartimeu, a da multidão e a de Jesus. A partir dessas atitudes olhemos para a nossa realidade. “Também hoje há pessoas com deficiência clamando para ser vistas e ouvidas. Clamam por seus direitos básicos, direitos de cada ser humano”, salienta a diácona Carla Vilma Jandrey, coordenadora do Programa Diaconia Inclusão da Secretaria de Ação Comunitária da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Entretanto, há pessoas que impedem esse clamor ou não sabem o que fazer. “Somos motivados a ter a postura humilde de Jesus e fazer a ação diaconal”, propõe Carla. “Esta é a nossa missão para construir comunidades inclusivas: ter olhos e ouvidos para o clamor”, enfatiza a diácona. “Seria muito doloroso se as pessoas com deficiência não pudessem sentir-se amadas e também participantes do plano de Deus para com este mundo”, acentua a teóloga Iára Müller, coordenadora da pastoral universitária da Faculdades EST em São Leopoldo (RS), que teve paralisia infantil e se locomove com bengalas canadenses.

CONCEITO – É necessário esclarecer que deficiência não é doença. Pessoas com deficiência podem estudar, trabalhar, sonhar e viver a vida normalmente. Podem ficar doentes, como qualquer pessoa sem deficiência. A deficiência pode manifestar-se em qualquer um de nós, de modo permanente ou temporário. Algumas pessoas com deficiência já nascem com essa condição; outras adquirem-na no transcurso da vida em consequência de doenças e acidentes. Entende-se hoje que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. As diversas barreiras da sociedade podem obstruir sua participação social plena e efetiva, em igualdade de condições com as demais pessoas. Deficiência é um conceito que evoluiu do modelo médico (problema está na pessoa) para o modelo social (problema está no ambiente). Deve-se falar em “pessoa com deficiência”, porque, gramaticalmente falando, uma deficiência não se ‘porta’, assim como uma bolsa; dela (a deficiência) a gente não se pode desfazer, como ocorre com objetos.

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Ricardo Seewald, deficiente visual e presidente da Associação dos Deficientes Visuais de Novo Hamburgo (RS)

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INCIDÊNCIA – Vivemos numa sociedade em que as diferenças estão cada vez mais visíveis, constata Carla. Dados de censo realizado pelo IBGE em 2010 mostram que 23,9% da população brasileira (45,6 milhões) têm algum tipo de deficiência. Mais da metade é do sexo feminino. 38 milhões vivem em áreas urbanas. A deficiência visual é a que apresenta maior ocorrência, afetando 18,6% da população brasileira. Em segundo lugar está a deficiência motora, ocorrendo em 7% da população. É seguida pela deficiência auditiva com 5,10% e, por fim, pela deficiência mental com 1,4%. A maior incidência pode refletir também as condições de vida encontradas em algumas regiões. O Nordeste tem a maior taxa de prevalência de pessoas com pelo menos uma das deficiências: 26,3%. As menores incidências ocorrem nas regiões Sul e Centro-Oeste: 22,5% e 22,51%, respectivamente. Esses dados

corroboram a tese de que a deficiência tem forte ligação com a pobreza e que os programas de combate à pobreza também melhoram a vida das pessoas com deficiência. DIREITOS – Segundo a Constituição Federal, todas as pessoas têm direito a escola, trabalho, condições dignas de moradia, saúde, direito de ir e vir, entre outros. Mas sabemos que, na prática, não é bem assim. Para as pessoas com algum tipo de deficiência é bem mais difícil ainda. “Quando crianças, há a dificuldade em conseguir uma vaga numa escola da rede regular de ensino”, repara a diácona Carla. “Não tendo acesso a escola, a competição no mercado de trabalho fica mais difícil ainda”, acrescenta. 2013 é o ano ibero-americano para a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Chefes de Estado e de governo reconhecem que se faz necessário fortalecer as políticas públicas, as iniciativas e os esforços

Fotos: Rui Bender

“As igrejas têm um papel fundamental na inclusão das pessoas com deficiência. e A sociedade precisa aprender a conviver com os diferentes. Precisa ser mais solidária.”

para assegurar a inclusão profissional plena e efetiva das pessoas com deficiência nos países ibero-americanos, entre eles o Brasil. A Lei de Cotas (artigo 93 da lei 8.213, de 24 de julho de 1991) é a principal ação afirmativa para o ingresso e a permanência de trabalhadores com deficiência nas empresas brasileiras. A Lei de Cotas estabelece a obrigatoriedade de empresas com 100 ou mais empregados a contratar pessoas com deficiência habilitadas ou trabalhadores reabilitados. O percentual de vagas varia de 2 a 5% desta forma: 100 a 200 – 2%; 201 a 500 – 3%; 501 a 1.000 – 4%; acima de 1.000 – 5%. SENSIBILIZAÇÃO – “Como pessoas a serviço da vida, precisamos trabalhar pela conscientização da população e pela inclusão das pessoas com deficiência na sociedade em geral”, propõe Carla. A partir disso, ela sugere algumas linhas de ação para o traba-

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lho diaconal na área da deficiência. Primeiramente, a conscientização das comunidades. “Somente quando conseguirmos aumentar a consciência para essa realidade, os preconceitos começarão a diminuir”, acredita a diácona. As pessoas com deficiência devem fazer parte da comunidade durante o ano inteiro e não apenas em datas especiais. A diácona defende que a acessibilidade é igualmente um ponto extremamente importante. Há barreiras arquitetônicas e atitudinais que dificultam a participação da pessoa com deficiência na sociedade e na igreja. “O maior desafio é romper a barreira atitudinal”, concorda Carla. “É a mais difícil de ser combatida, erradicada, pois é necessário que a sociedade respeite as diferenças”, observa. “Quando pensamos em pessoas com deficiência, temos a tendência de pensar que elas são fracas e requerem o nosso cuidado” – afirma uma

Declaração Teológica Provisória do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), expedida em 2005. Essa declaração prossegue: “No entanto, em suas epístolas, Paulo pressupõe que fraqueza não é a característica de um indivíduo ou grupo em particular, mas de toda a igreja. A deficiência não afeta somente certos indivíduos, mas diz respeito a todos nós como povo de Deus num mundo dilacerado. É o nosso mundo que está em pedaços, e cada um de nós representa um pequeno, frágil, mas precioso pedaço... Não conseguimos ser uma comunidade integral sem relacionar-nos mutuamente. Incluir as pessoas com deficiência e envolver-se com elas não é mera opção para as igrejas de Cristo. É característica do ser da igreja”. “As igrejas têm um papel fundamental na inclusão das pessoas com deficiência”, entende Ricardo Seewald, presidente da Associação dos Deficientes Visuais (ADEVIS) de

Novo Hamburgo, que existe desde 1978 e tem cadastradas 365 pessoas. Com uma deficiência visual adquirida em consequência de diabetes, Ricardo ressalta que “Jesus Cristo veio para os diferentes”. Por sua vez, Iára Müller percebe um grande esforço por parte da IECLB em tornar-se mais acessível arquitetônica e liturgicamente para acolher os diferentes. No entanto, ela reconhece que “depende muito dos ministros para que haja verdadeira preocupação com as pessoas com deficiência”. SOLIDARIEDADE – Ricardo admite que, desde a Constituição de 1988, houve progresso no tratamento das pessoas com deficiência. Foi aprimorada a legislação, houve avanços na saúde, na acessibilidade e em políticas públicas. “Mas ainda falta muito”, reclama. “A sociedade precisa aprender a conviver com os diferentes. Precisa ser mais solidária”, emenda

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“Embora a acessibilidade tenha evoluído, o preconceito está bastante enraizado. Já me senti como um simples tapa-furo para preencher cota numa empresa.” Sabrina de David, cadeirante com hemiparesia e funcionária da Faculdades EST em São Leopoldo (RS)

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“as barreiras atitudinais são as piores que existem. Quando te medem com o olhar, é terrível. o preconceito mexe muito com a gente; machuca e fere a autoestima.” Iára Müller, teóloga e professora na Faculdades EST em São Leopoldo (RS)

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Ricardo. Para isso, a sensibilização é fundamental, segundo Iára. “Temos que trabalhar muito o ser humano para quebrar as barreiras atitudinais”, pondera Ricardo. Segundo Iára, as barreiras atitudinais são as piores que existem. “Quando te medem com o olhar, é terrível”, admite. Ela acrescenta que “o preconceito mexe muito com a gente; machuca e fere a autoestima”. Fazem coro com ela Sabrina de David, cadeirante com hemiparesia e funcionária da Faculdades EST, e Gilson Garibaldi, arte-finalista da Editora Sinodal e pai de um menino com síndrome de Down. Sabrina e Gilson apontam o preconceito como a pior barreira que enfrenta uma pessoa com deficiência. Embora a acessibilidade tenha evoluído, o preconceito está bastante enraizado, reconhece Sabrina. Antes de ingressar na Faculdades EST, ela já se sentiu como um simples “tapa-furo para preencher cota” numa empresa. “As pessoas encaram os diferentes de uma forma ostensiva”, lamenta Gil-

son. Ele admite que, para as pessoas que têm consciência de suas limitações e para os pais dessas pessoas, machuca o comportamento dos ditos “normais”. Sabrina lembra que seus pais nunca a esconderam e sempre a apoiaram. Gilson, por sua vez, sabe que seu filho Igor depende muito dele e da mãe; o casal busca fazer o melhor possível para que no futuro o pequeno Igor tenha uma vida melhor. “Quanto mais estimulado ele for, mais ele se desenvolverá. Ele já adquiriu conhecimentos, apresentando uma evolução”, orgulha-se Gilson. Enfim, tudo o que é feito para melhorar a vida das pessoas com deficiência ajuda a melhorar também a convivência na sociedade. Por isso arremata a teóloga Iára: “Onde passa uma pessoa com deficiência vem logo atrás toda a população com uma meN lhor qualidade de vida”. RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)

Plantar esperança por Rolf Droste

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iaconia, como serviço ao próximo motivado pela fé, faz parte da história da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Não se limita à comunidade de fé. Em ambiente estranho e adverso, os imigrantes perceberam a necessidade da solidariedade. Ser evangélico ou católico não era a pergunta. A questão era auxiliar-se nas dificuldades. Fosse na hora do parto ou da doença, fosse na hora de fazer a roça ou de emprestar animais de tração. Era a diaconia elementar da vizinhança. Lembra as Obras de Misericórdia, citadas por Jesus Cristo no Sermão do Monte (Mateus 25): dar de comer ao faminto, de beber ao sedento, acolher os sem-teto, vestir os sem-roupa, cuidar dos doentes, visitar os presos – e sepultar dignamente os mortos, obra acrescentada pela igreja primitiva. Cedo na história, os membros da igreja aprenderam que a fé cristã toma corpo em ações concretas. Ações diferentes – Um segmento da igreja que surgiu com a vocação de servir de forma mais organizada foi o das mulheres. Elas não só deram alma às comunidades, mas também se engajaram em ações sociais além de sua casa confessional. Hoje formam a Associação Nacional dos Grupos de OASE da IECLB. São 1.200 grupos com 30.000 mulheres Brasil afora. Desde o fim do século 19 também surgiram, por iniciativa da igreja, asilos, lares para idosos, orfanatos, hospitais para suprir

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carências na sociedade. Criaram-se irmandades de diaconisas e diáconos para serviços qualificados na comunidade. O Estado não dispunha de políticas públicas abrangentes e suficientes para corresponder às demandas na área da saúde e do bem-estar social da população. A atenção às pessoas com deficiência permaneceu prejudicada. Um grande mandamento – A igreja sabia que em seu meio havia pessoas com deficiência. Eram muitas? Poucas? Quais eram as deficiências, as carências? Como lidar com a questão, como oferecer apoio e auxílio a essas irmãs e irmãos, às suas famílias? A partir da metade do século 20, algumas pessoas com deficiência e suas famílias começaram a pressionar a igreja, sugerindo ações concretas. Em Curitiba, era Arno Glitz em busca de cuidados para pessoas como sua filha Juliana. Em Santa Cruz do Sul/RS, era Günther Becker, com deficiências motoras severas, mas lúcido para lutar por um centro de vida qualificado. Becker foi o motor que levou à formação de uma comissão que estudasse sua proposta de criação de um Lar e Centro de Habilitação para Excepcionais. Apesar do estudo frutífero, o lar nunca saiu do papel. Faltaram conhecimento

e experiência. Contudo havia o grande mandamento do amor. O mérito da pressão e impaciência do Günther foi que, a partir daí, o tema “pessoas com deficiência” não saiu mais da pauta da IECLB. O trabalho recebeu impulso decisivo com a criação do Departamento de Diaconia em 1988, tendo a irmã Hildegart Hertel como diretora, e com a Coordenadoria da Diaconia Inclusão, que teve, no início, como propulsora Heide Kirst, hoje coordenadora geral da “Pandorga”. Ela percorreu o Brasil de sul a norte, organizou as fichas de um censo para levantar a presença de pessoas com deficiência na IECLB (1990/1991). Com o auxílio dos Grupos de Mulheres (OASE), o questionário chegou às comunidades mais distantes. Com o resultado na mão, foi realizada, ainda em 1991, a Consulta Nacional “IECLB e Pessoas Portadoras de Deficiência-PPD”. A presença de pessoas com deficiência como protagonistas foi marcante na consulta. E continua assim na igreja. Iguais diferentes – Todo esse trabalho foi construído com o forte apoio do Concílio da IECLB em 1990 (Três de Maio/RS). A igreja reconheceu sua própria deficiência. Aprovou

várias moções no sentido de ser mais inclusiva em suas ações e construções. A partir daí, os programas de inclusão tornaram-se permanentes. O mote “Ser diferente é normal” convence sempre mais. Estamos aprendendo a enxergar melhor o que as pessoas com deficiência podem em vez de somente ver o que elas não podem. Reconhecemos que somos iguais diferentes. Mesmo assim, é preciso persistir na luta pela inclusão. Ambientes hostis e comportamentos excludentes persistem. Porto Alegre tem, conforme o IBGE, 5 mil cadeirantes, que sofrem com a falta de rampas, por vezes rampas de mentirinha, e mais de 6 mil com cegueira total, que precisam driblar mil postes e placas. A guerra surda no trânsito gera acidentes e, com eles, mais pessoas com deficiência. E existem os predadores sociais, que vivem suas próprias leis e passam por cima dos direitos de outros sem amor e pudor. Graças a Deus, há muitas pessoas, tidas por lei com ou sem deficiência, que são luzes brilhantes em nosso firmamento social. Plantam esperanças para colher felicidade. N ROLF DROSTE é pastor emérito; ex-diretor da Casa Matriz de Diaconisas e ex-secretá­rio-geral da IECLB; reside em São Leopoldo (RS)

Fotos: Divulgação Novolhar

PIONEIROS: A partir da metade do século 20 iniciaram ações concretas na IECLB por meio de pessoas como Günther Becker (E) e Arno Glitz e esposa (D)

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Lei de cotas: benefícios e dificuldades por Vera Nunes

Vera Nunes

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o Brasil, é lei hoje: as empresas são obrigadas a reservar um percentual de vagas, proporcionalmente a seu tamanho, para as pessoas com necessidades especiais. A lei nº 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, mudou a vida de muita gente, mas ainda não resolveu todas as questões que a obrigatoriedade da inclusão gerou e continua gerando na sociedade. Falta de condições no trabalho, discriminação e estranhamento fazem parte da rotina de quem, muitas vezes, precisa provar sua capacidade a cada dia que passa.

Para a jornalista Mariana Baierle, de 27 anos, a situação não é diferente. Com baixa visão, originada por um problema congênito, ela é praticamente uma exceção no mercado onde atua, mas precisou lutar muito até provar que poderia, como qualquer outra pessoa, apresentar um programa na televisão. E melhor. Ela tem facilidade para decorar textos e pode falar de 5 a 8 minutos sobre determinado assunto sem se valer do teleprompter (é um equipamento acoplado às câmeras de filmar que exibe o texto a ser lido pelo apresentador).

“Eu sempre sou tratada de forma diferente. As pessoas não entendem a minha dificuldade ou querem quase me carregar no colo ou acham que eu não posso exercer certas funções.” Mariana Baierle, jornalista e apresentadora de TV com baixa visão de origem congênita.

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DICA DE INCLUSÃO

“Desenvolvi essa capacidade desde a escola, quando não podia copiar as matérias do quadro. Então eu prestava muita atenção e decorava tudo o que a professora dizia”, recorda. A escola, aliás, foi um dos períodos mais difíceis para Mariana. “Como eu não enxergava meus colegas, não conseguia reconhecê-los e, no pátio e na hora do intervalo, acabava ficando sozinha”, conta. Mas o tempo passou, Mariana formou-se em Jornalismo, cursou mestrado em Letras e hoje é apresentadora de um quadro num programa semanal sobre Cidadania na Televisão Educativa, além de ministrar cursos de extensão em Audiodescrição, Educação, Cultura e Acessibilidade na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A principal queixa de Mariana, além da falta de condições nos locais de trabalho, é a falta de entendimento do problema. “Eu sempre sou tratada de forma diferente. As pessoas não entendem a minha dificuldade ou querem quase me carregar no colo ou acham que eu não posso exercer certas funções”, resume, lembrando que, para trabalhar em sua área, só do que precisa é de um computador adaptado, com letras grandes. O resto ela faz sozinha. Atenta a esse tipo de dificuldade que, muitas vezes, envolve a inclusão da pessoa com deficiência, a coordenadora da inclusão no ambiente de trabalho da Comunidade Evangélica de Porto Alegre (CEPA), Cristina Müller, explica que na instituição são feitos trabalhos de sensibilização com os funcionários que irão trabalhar com a pessoa com deficiência. “A apresentação do novo funcionário possibilita que ele fale de suas necessidades especiais bem como a nova equipe demonstre seu funcionamento e o que precisa”, observa, acrescentando que o trabalho de inclusão existe há

TESTE DO OLHINHO Rápido e prático, este exame pode evitar

Doenças Sexualmente cegueira. Em recém-nascidos pode pre- Transmissíveis

venir diversas doenças graves. O teste não causa dor à criança e não necessita do uso de colírio, devendo ser realizado no berçário pelo próprio pediatra. Uma fonte de luz sai da lanterna, onde é observado o reflexo que vem das pupilas. Quando a retina é atingida por essa luz, os olhos saudáveis refletem tons de vermelho. Já quando há alguma alteração, não é possível observar o reflexo ou sua qualidade é ruim, esbranquiçada. A comparação dos reflexos dos dois olhos também fornece informações importantes, como diferenças de grau entre olhos ou o estrabismo. Em bebês prematuros, o teste torna-se ainda mais importante, pois, de acordo com pesquisas, 30% dos bebês que nascem com menos de 40 semanas ainda não têm os vasos sanguíneos da retina formados, o que pode trazer complicações, como o desenvolvimento da retinopatia da pré-maturidade, principal causa da cegueira infantil na América Latina. Após o exame, se houver uma suspeita de alguma dessas doenças, a criança deve ser encaminhada a um oftalmologista para uma consulta, em que pode ser necessária a realização de um exame chamado mapeamento de retina, no qual utiliza-se o colírio para dilatação da pupila.

bastante tempo. “Nós reconhecemos que a pessoa com deficiência pode atuar em qualquer área desde que esteja apta a executar o trabalho e tenha seu local de trabalho adaptado às suas necessidades”, resume. A maior dificuldade encontrada na inclusão, continua Cristina, é o preconceito em relação ao desconhecido. “Normalmente, diante do diferente, mas não desigual, faz-se necessário somente um olhar sensível e talvez algum recurso especial que possibilite o trabalho”, adverte. Mariana concorda. Na TV, como ela não enxerga a luz da câmera para a qual deve olhar, um simples cartaz com letras destacadas resolveu essa dificuldade. Já em um concurso público – no qual ela estava inscrita pelo sistema de cotas –, ela precisou ameaçar com um mandado de segurança para que sua prova fosse ampliada para fonte 22, a qual ela conseguiria ler. Não foi preciso

ingressar na justiça, mas foram muitos telefonemas e, com a ajuda de um advogado, ela conseguiu uma coisa fácil de ser feita, mas decisiva para sua participação no concurso. Cristina Müller diz que a CEPA, a partir de sua finalidade religiosa, luta para a promoção integral das pessoas e reconhece que, fora do trabalho formal, há um deserto para a pessoa com necessidades especiais. “É um deserto de esperanças, dignidade e possibilidade de sobrevivência”, analisa. Por isso, diante dos valores éticos da CEPA e da Lei Federal 8.213, ela ressalta que a comunidade evangélica “pretende fazer a diferença, combatendo o preconceito e reconhecendo a igualdade entre as pessoas, uma atitude que faz parte da postura a ser adotada como valor e prática em suas ações”. N VERA NUNES é jornalista em Porto Alegre (RS)

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CAPA

Na mesa de comunhão por Erica Beulke

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uantas pessoas com deficiência participam ativamente na vida de sua comunidade? Inúmeras pessoas abriram fronteiras e engajaram-se na missão assumida pelo Sínodo Norte Catarinense, que em agosto completará 15 anos. Quem desafia e motiva a inclusão é Jesus Cristo. Jesus transformou totalmente o paradigma em relação à pessoa com deficiência, que era marginalizada e não possuía nenhum valor e direito. Jesus prioriza e aproxima-se justamente dessas pessoas com grande compaixão.

As pessoas com alguma deficiência vinham a ele e clamavam por ajuda. Jesus realizava a cura integral da pessoa – física, mental e espiritual – e dessa forma as trazia de volta ao convívio na comunidade. Aliás, o Antigo Testamento já adverte em Provérbios 31.8: “Abre a boca a favor do mudo, pelo direito de todos os que se acham desamparados”. Conscientes da missão que o Mestre delegou a seus seguidores, de acolher todos na vida da comunidade, de anunciar o evangelho a todos, o Sínodo Norte Catarinense iniciou um vasto trabalho de sensibilização e in-

formação. Muitos cursos, seminários, retiros e palestras aconteceram. Os seminários sinodais foram realizados sempre em outra comunidade, a fim de divulgar o trabalho e envolver os membros locais. Procurou-se desafiar também os jovens a participar com a organização de oficinas, possibilitando interação. Desde o início, ficou evidente o interesse das entidades e de outras igrejas cristãs em participar dos cursos e seminários. Os retiros de pais de filhos com deficiência já vinham acontecendo na época da Região 2 no Lar Vila Elsa e têm continuidade. Em Joinville, surgiu um grupo de mães de filhos com deficiência que sentiu a necessidade de encontrar-se para fortalecer-se, apoiar-se e compartilhar suas experiências. No grupo, participa uma mãe cujos dois filhos têm deficiência severa; são totalmente dependentes, impedidos de andar e falar. O sonho dessa mãe é poder ouvir o nome “mãe” ser pronunciado pelos filhos. Durante vários anos, trabalhou-se em parceria com a Pastoral do Turismo GRUPO DE MÃES: Encontro para fortalecer, dar apoio mútuo e partilhar experiências

RETIROS: Encontros com pais, como este em Massaranduba (SC), ajudam na mudança por meio da convivência

CAMPO ALEGRE: Sonho de um lar para as PD

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DICA DE INCLUSÃO

CUIDADO COM SEU OUVIDO O uso de reprodutores de música MP3

e MP4 com um volume superior aos 80 Transmissíveis Doenças Sexualmente decibéis está provocando um aumento dos problemas de audição nas pessoas de 10 a 35 anos. Especialistas reunidos em Barcelona, em um curso internacional de audiologia, destacaram que o número de jovens com traumas sonoros no ouvido cresceu devido ao excessivo volume dos reprodutores de música e, perante essa situação, fizeram um pedido à indústria para “limitar o som”. O professor da Universidade de Barcelona Joan Domènech Oliva explicou que os zumbidos, que são ruídos contínuos do ouvido que hoje em dia ainda não têm cura, são a principal consequência do volume excessivo, um problema que já afeta 4% da população e, especialmente, pessoas entre 10 e 35 anos.

seus colegas considerados “normais” apenas liam com dificuldade e voz baixa seus textos, ele disse a parte que memorizou num tom de voz audível e com convicção. Sim, Deus usa os “fracos” deste mundo. No momento é dada grande ênfase à Fladepe (Fundação Luterana de

Fotos: Divulgação Novolhar

da Igreja Católica na praia da Enseada em São Francisco do Sul (SC) no mês de janeiro. Era proporcionada uma semana de inclusão da pessoa com deficiência, com diversas oficinas. Tratava-se de uma programação muito aguardada e bem-sucedida, incluindo celebrações ecumênicas. A OASE da Comunidade Balneário Barra do Sul realiza anualmente uma tarde de convívio e recreação para os alunos da APAE local. Tal encontro é uma verdadeira festa. Na Paróquia Cristo Redentor de Joinville (SC), existe um projeto de inclusão digital para pessoas com deficiência. Em relação ao Ensino Confirmatório Inclusivo, além da participação no grupo regular, era oferecido mais um momento para os confirmandos com deficiência, contemplando atividades sensoriais e lúdicas, dramatização, cantos com gestos, passeios. Uma bela experiência foi quando um dos confirmandos, participante do programa, após muito ensaio, deu um testemunho de fé que comoveu todos no dia da apresentação. Enquanto

Assistência à Pessoa com Deficiência do Planalto Norte Catarinense). Trata-se de um projeto de construção de um espaço onde pessoas com deficiência que não possuem familiares em condições de cuidar deles possam residir. A construção deverá acontecer em Campo Alegre, onde já existe um terreno que foi doado para tal finalidade. A questão da acessibilidade tem sido enfatizada desde o início: rampas e banheiros adaptados, bem como eliminar qualquer outra barreira que impeça a inclusão. Enfim, a inclusão da pessoa com deficiência é um desafio para toda a comunidade. Sabe-se que a sensibilização e a mudança acontecem através da convivência. E todos têm direito de participar e contribuir com seus dons. A meta é formar uma imensa roda de amor, compromisso e solidariedade com lugar para todos e todas na mesa N da comunhão. ERICA BEULKE foi orientadora do Departamento da Pessoa com Deficiência do Sínodo Norte Catarinense de 1998 a 2008 em Joinville (SC)

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Fotos: Valmi Becker

CAPA

OS PAIS: Harald e Verena Schulze revezam-se no cuidado de Rosângela e Heitor

Para Rosângela e Heitor por Valmi Ione Becker

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u já sabia da luta do casal Schulze. Casaram jovens. A gravidez fora tranquila, mas o bebê, sentado dentro da barriga, só veio à luz com fórceps. Depois do sofrimento veio a hospitalização, mas a dor ficou muito maior com a notícia de que sua filha tinha paralisia cerebral. Os Schulze, oriundos do interior, nunca tinham ouvido falar dessa doença, mas agora viam, sentiam,

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acariciavam sua filhinha com deficiência. Só lhes restava ir para casa com a pequena Rosângela nos braços para juntos iniciar uma árdua caminhada. As dificuldades multiplicavam-se. Nossa filha não sugava o leite do peito. Não! Nós não iríamos desistir de nossa filha. Aos seis meses de vida, constatou-se que a bacia da menina estava deslocada. Veio a cirurgia, depois o gesso e junto mais dor. A

menina só se acalmava deitada no peito do pai ou da mãe. Quando o gesso foi retirado, as dores continuaram. Quer dizer, os cuidados teriam que ser permanentes. Mexeu comigo a informação de que Harald, eletricista, dava tudo de si para manter sua família e que, nos últimos 33 anos, o item “trezentas fraldas descartáveis” sempre foi verdade em sua lista de compras mensais. O casal mostrou-se muito grato aos pais e aos irmãos, mas lamentou que muitos parentes, amigas e amigos, sabedores da criança com deficiência, passaram a não mais convidar para festas familiares e sociais. Sim, aquela forma de exclusão deixava-os muito magoados. Certamente agiam assim por não saber como lidar com a dor. O sino da igreja bateu lá longe. Verena compartilhou que, quando sua Rose completara onze aninhos, nasceu seu segundo filho, o Heitor, também com paralisia cerebral. Nessa hora, ela desabou; chorou; gritou; não quis acreditar. Sua dor vinha até mim em forma de palavras acalmadas pelo exercício da superação. Disse-me que tomava conta da filha e do filho durante o dia, enquanto o marido trabalhava, e que, à noite, nos últimos 33 anos, revezavam-se, de quatro em quatro horas, no cuidado com ela e com ele. Harald compartilhou que, aqui e ali, participam de alguma programação social ou de um culto dominical e que, nessa hora, são ajudados por uma irmã. No passado, olhavam pela janela e viam crianças brincando, correndo, rindo, falando, fazendo peraltices na rua e pensavam: Será que algum dia a nossa filha e o nosso filho vão andar, falar, brincar, fazer arte? Sofríamos porque eles eram totalmente dependentes; por isso foi preciso adaptar a nossa casa.

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DICA DE INCLUSÃO

Nesse momento, perguntei-lhes do que mais sentiam falta. De um bom serviço de saúde – responderam. Os médicos quase sempre nos esquecem na sala de espera. Agindo assim, explicitam que as pessoas com deficiência não têm valor. Claro que nos sentimos excluídos, descartados, desconsiderados pelos profissionais da saúde. Nesse momento, focamos nosso diálogo na comunidade cristã. Verena e Harald participam dos cultos dominicais e de um Programa de Mães com Filhas e Filhos com Deficiência, organizado pela Comunidade Evangélica de Joinville, quando a cuidadora familiar os ajuda. Lá, a partir de um café, refletem sobre temas bíblicos, dialogam, oram, compartilham, convivem com as irmãs e os irmãos. Será que a Rosângela poderia ser confirmada na fé depois de completar doze anos? O pastor acolheu-a e, depois, visitou sua Rose semanalmente. Seu testemunho fê-los sentir-se valorizados pela igreja. A celebração da Confirmação aconte-

DOENÇAS RARAS Cerca de 13 milhões de pessoas no Brasil possuem doenças raras, um número superior à população paulistana. Se individualmente atingem poucas pessoas, essas doenças, em conjunto, afetam entre seis a oito por cento da população mundial, cerca de 450 milhões a 500 milhões de pessoas. São estimadas 7 mil doenças raras com diagnóstico, sendo 80 por cento delas de origem genética. Outras desenvolvem-se como infecções bacterianas e virais, alergias, ou têm causas degenerativas. A maioria (75 por cento) manifesta-se ainda na infância. Em 95 por cento dos casos, essas doenças não possuem tratamento e dependem de uma rede de cuidados paliativos que garantam ou melhorem a qualidade de vida dos pacientes. (Fonte: Revista Reação)

ceu em casa. Que saudades daquele pastor – disseram. Já a Confirmação de Fé do menino Heitor foi celebrada junto com toda a turma. O outro pastor entendia que Deus aceitava e compreendia seu filho em sua deficiência, e a comunidade precisava aprender a incluir todas as pessoas, assim como Deus faz.

PARALISIA CEREBRAL: Os irmãos Heitor (22 anos) e Rosângela (33 anos)

O casal testemunhou que naquele culto entenderam que Deus fora bom com eles pelo fato de ampará-los, ajudá-los e fortalecê-los na fé, na compreensão de que Ele, Deus, os presenteara com a filha e o filho que têm. Isso não era um castigo, mas uma oportunidade de doação em amor, tal como Jesus havia feito por nós na cruz. O que mais nos preocupa é a diminuição de nossas forças. Hoje carregamos nossas “crianças” para lá e para cá nos braços, mas e quando ficarmos mais velhos? Sonhamos com a Casa para Pessoas com Deficiência, que está sendo pensada em Campo Alegre (SC). Com certeza vai ser um lugar onde as pessoas serão atenciosas e boas com os nossos filhos. Queremos ser voluntários lá – ainda disseram os dois. Antes de dar a partida no carro para ir embora, respirei fundo. N

VALMI IONE BECKER é diácona e é assessora do Departamento Sinodal de Diaconia do Sínodo Norte Catarinense, Setor da Pessoa com Deficiência, em Joinville (SC)

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Fotos: Arquivo Casa Pandorga

CAPA

Fisioterapeuta em trabalho com Vitor, que está aprendendo a caminhar

Pandorga: lugar para autistas por Heide Kirst

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omo são imprevisíveis os caminhos que nosso Criador reserva para nós! A Pandorga é fruto de uma série de acontecimentos que nós costumamos chamar de acasos, mas, no fundo, não é nada disso. Ao contar um pouco da história da Pandorga, vai ficar claro como tudo foi se encaminhando para que esse lugar para autistas graves chegasse a existir – e continua a existir, agora já com 18 anos de vida. Em 1984, Nelson Kirst, meu marido, foi convidado a trabalhar na Federação Luterana Mundial em Genebra (Suíça). Nossa família reuniu-se

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para pensar se queríamos assumir esse desafio. Resolvemos ir, eu com a condição de poder continuar a estudar. Fomos, estudei um ano intensivo francês e depois fui ver o que existia de estudo em Genebra. Através do guia telefônico descobri que havia em Genebra o Institut d’Etudes Sociales, que oferecia o curso de Educação Especial. Descobri também que, antes de começar o estudo, o curso exigia um estágio de meio ano em alguma instituição para pessoas com deficiência. Fui parar num internato para crianças autistas, que era o único lugar que estava sobrando,

pois ninguém queria trabalhar lá porque eram crianças muito estranhas, como disse a secretária do Institut. Aceitaram-me, fiz meu estágio. Após esse primeiro estágio, fiz mais dois. De volta a São Leopoldo, procurei por instituições para autistas na região da Grande Porto Alegre. Falei com neurologistas, psiquiatras e psicólogos. Todos diziam que não havia autistas na região. Depois trabalhei na APAE, onde eu via crianças autistas. Como, se os especialistas diziam que não havia autistas na região! Motivo? Desinformação por parte do pessoal na área da saúde e da educação. Ainda se falava muito pouco de autismo no Rio Grande do Sul, e os especialistas não tinham o conhecimento necessário para detectar autismo. Em 1995, resolvi iniciar um trabalho para crianças autistas graves na parte inferior de nossa casa. Com o auxílio de Maria Dirlane Witt, iniciamos a Escola da Pandorga com duas crianças autistas. As pessoas diziam: Você não vai aguentar nem um ano! Os anos passaram, a Pandorga aguentou. Em 1999, fundamos a Associação Mantenedora Pandorga e hoje atendemos diariamente 40 crianças, adolescentes e jovens adultos. São 28 adolescentes e jovens adultos, de 13 a 35 anos, e 12 crianças, de 3 a 12 anos. Os pequenos atendemos na Pandorga Criança, lugar onde tudo começou, e os mais velhos atendemos na Casa da Pandorga, que foi construída em 2005 com a ajuda da Fondation Pro Victimis, instituição ligada à Cruz Vermelha Internacional, de Genebra. A pessoa com autismo grave precisa de bastante espaço e atendimento quase individual. Os nossos autistas não conseguem conviver dentro de um grupo maior. Precisamos de uma educadora para cada três crianças ou jovens. Temos duas pessoas totalmente cegas e quatro pessoas com

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uma deficiência visual acentuada. O autista aprende visualmente, por isso a pessoa cega é um desafio adicional para nossos educadores. Duas pessoas adultas estão em cadeira de rodas. Temos dez profissionais da área da Educação, além de dois professores de música, uma fisioterapeuta e um musicoterapeuta. Além das três pessoas que trabalham na administração, temos uma assistente social que trabalha com as mães em nossa Casa das Mães, um espaço oferecido para nossas famílias. Além da orientação às famílias de nossos meninos e meninas, também prestamos orientação às famílias que vêm de fora, instituições e prefeituras, tanto local como de outras cidades. O desafio maior, nas palavras de nossas famílias, é a grande solidão que elas sentem, pois nossa sociedade ainda é muito cruel com essas pessoas tão diferentes, ou seja, a pessoa autista. As famílias dizem que eles são rejeitados pelos próprios parentes, que pouco se envolvem, principalmente porque não entendem o jeito muitas vezes estranho da pessoa autista. Nossas famílias são muito fortes, especialmente as mães que lutam para dar um espaço de vida com qualidade a seus filhos. No

AUTISMO E DEFICIÊNCIA A Lei Federal No 12.764 de 27 de dezembro de 2012 institui a “Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”, concedendo a essas pessoas os mesmos direitos conquistados pelas pessoas com deficiência, como reserva de vagas em empregos públicos e privados, atendimento preferencial em bancos e repartições públicas. O texto legal toma cuidado para não carregar o termo deficiência dos preconceitos que lhe são inerentes, mas dando suporte a autistas cujas características individuais lhes imponham situações de exclusão social. A Lei prevê também punição para os gestores escolares que recusarem a matrícula de alunos com transtorno do espectro autista, estabelecendo multas.

A jovem Renata (17 anos) na rede é tetraplégica e está com os colegas na frente da Casa da Pandorga

(Fonte: Revista Reação)

último Dia das Mães, a mãe de uma de nossas meninas fez uma reflexão e escreveu: Bom dia! Mando um abraço a todas as mães. E dizer como é bom ser mãe da Gabriela. Aprendi a ser mais paciente. Aprendi a ter um olhar bem diferente sobre a vida. E que ser diferente também é bom. Temos nossas lutas, mas temos vitórias. E é amar sem cobrar. E mesmo não cobrando, tendo uma esperança em receber algo em troca. Recebemos mais

Tiago é estudante de Teologia e professor de música na Pandorga

do que esperamos. Ganhamos um sorriso meio disfarçado. Um gesto, mesmo que tímido, de carinho. Um beijo bem docinho e um abraço de urso, como diz a Gabriela. E tudo isso é muito bom. Vale a pena ser mãe de um autista. Beijos, Jucelane. O autismo é uma síndrome que atinge quase dois milhões de brasileiros. No mundo, a ONU estima que haja mais de 70 milhões de pessoas com autismo. O autismo acontece no mundo inteiro e não olha o nível social ou intelectual da família. Por isso, antes de tudo, o autista é uma pessoa que deve ser respeitada e vista como um filho ou filha de Deus. N HEIDE KIRST é coordenadora-geral da Pandorga em São Leopoldo (RS)

serviço Associação Mantenedora Pandorga Rua Pedro Peres, 141 / Bairro Rio Branco 93032-030 S. Leopoldo (RS) E-mail: apandorga@terra.com.br Site: www.pandorgaautismo.org

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Micael V. Behs

EDUCAÇÃO

Na trilha da educação por Micael Vier Behs

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história da única mulher a receber de Jesus o título de “filha de Abraão” foi tomada como inspiração para que mais de 60 professores da Rede Sinodal de Educação, reunidos na Faculdades EST nos dias 24 e 25 de maio, pudessem atualizar-se e trocar experiências em torno do tema da inclusão. “Essa mulher, anônima e com deficiência, era demonizada à sua época, mas com coragem atravessou a sinagoga e foi curada por Jesus, recebendo desse o direito a terra, a bênçãos e a descendência”, disse a pastora Iára Müller na meditação de abertura. Ao fazer uma aposta na inclusão transformadora, o reitor da Faculdades EST, Dr. Oneide Bobsin, identificou o compromisso da Rede Sinodal em articular um círculo virtuoso capaz de questionar os mecanismos de exclusão. “Precisamos questionar o sistema de exclusão para promover um efetivo

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sinal de acolhida às pessoas com deficiência no âmbito de nossas escolas.” Segundo o diretor executivo da Rede Sinodal, Waldir Werner Scheuer­ mann, o tema da inclusão passou a ser pautado de forma mais acentuada pela instituição nos últimos sete anos. Antes disso, enfatizou, as escolas da Rede eram pouco procuradas para atender pessoas com deficiência. “Essa realidade se alterou nos últimos anos e desafiou-nos a refletir sobre o assunto com sabedoria, buscando sempre fazer o melhor.” Os pontos altos do encontro de São Leopoldo estiveram centrados na palestra ministrada pelas professoras Mara Sartoretto e Rita Bergesch, intitulada “Inclusão: da concepção à ação” e na troca de experiências entre as escolas. “O encontro proposto foi de grande valia, pois pudemos ouvir, conhecer e refletir sobre a caminhada e os rumos que as escolas estão trilhando acerca da (ex)inclusão ou (in)exclusão”, comemorou a professora Maria

Angélica Marques de Souza, da cidade de Taquara (RS). Numa avaliação geral, os professores argumentaram que a palestra principal serviu para elucidar as potencialidades tecnológicas para a promoção da inclusão. Representante da IECLB no encontro, a diácona Carla Jandrey reforçou a necessidade do trabalho conjunto entre o Programa de Diaconia e Inclusão da Igreja, existente há 21 anos, e as coordenadorias pedagógicas das escolas da Rede. “Queremos ser parceiros de vocês nessa caminhada, trocando ideias e discutindo experiências.” O vice-prefeito de São Leopoldo, Daniel Daudt, acompanhou a abertura do encontro. Ele disse que os professores da rede municipal estão sendo capacitados, assim como as escolas adaptadas, para atender as demandas advindas do ingresso de estudantes com deficiência. N MICAEL VIER BEHS é jornalista e assessor de imprensa da Faculdades EST em São Leopoldo (RS)

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identidade

FLM adota novo logotipo

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Federação Luterana Mundial (FLM) adotou uma nova marca, uma reinterpretação da Rosa de Lutero, com destaque para a cruz, o círculo e a rosa, mas acrescida de uma pomba e uma mão. O conjunto reporta-se à comunhão de igrejas, como a organização se apresenta e encara sua missão no mundo. Na nova identidade visual, a pomba assume uma dupla função. Ela traz em seu bico um ramo, referindo-se ao anúncio do fim do juízo nos dias de Noé e ao dilúvio, e também se reporta ao Espírito Santo, que inspira a proclamação da Palavra. A cruz representa o conteúdo da pregação. A mão lembra o trabalho diacônico para o qual cristãos são chamados. O ramo simboliza a reconciliação, que é promovida pelo diálogo, e a mordomia com a Criação, responsabilidade dada por Deus às criaturas. O azul é a cor predominante do novo logo, pois ela acalma e concede força. Representa, ainda, a esperança eterna e o céu. Também representa a água, fonte da fé cristã no Batismo, ofertada pela graça de Deus. O verde indica vida, crescimento, renovação, compaixão e cuidado com a Criação. N

federação luterana mundial Uma comunhão de Igrejas

Fonte: www.alcnoticias.net

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ARMAS

Um tratado histórico

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m histórica decisão, o Brasil assinou em Nova Iorque, no dia 3 de junho, junto com outros países exportadores de armamento, entre eles Reino Unido, Alemanha, França, México e África do Sul, e outras 60 nações, o Tratado de Comércio de Armas (Arms Trade Treaty). O acordo foi assinado pelo embaixador do Brasil na ONU, Antônio Guerreiro. “Demos mais um passo na direção de um mundo mais seguro, no qual as armas aterrorizarão cada vez menos a vida das pessoas. Instamos o nosso país para que aja rapidamente para assegurar os efeitos transformadores de vidas do tratado”, declarou Marie Krahn, representante da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) na Campanha Ecumênica por um Tratado de Comércio de Armas Forte e Eficaz, do Conselho Mundial de Igrejas (CMI).

Além de ser o terceiro maior exportador de armas pequenas no mundo, o Brasil lidera a lista de países que mais sofre com a violência provocada pelas armas. A cada ano, morre uma média de 36 mil pessoas vítimas de armas de fogo. Embora o país abrigue 3% da população mundial, nele ocorrem 8% das mortes decorrentes de ferimentos a bala, aponta relatório da Small Arms Survey 2004. O tratado, se bem implementado, explicou Marie, resultará em maior transparência na venda de armas. No Brasil hoje, ela é autorizada pela Defesa e pelo Itamaraty com base em documento secreto (PNEMEM) do tempo da ditadura militar. Desenhado para reduzir o efeito devastador da violência armada, responsável pela morte de mais de 520 mil pessoas por ano em todo o mundo, o Tratado de Comércio de Armas é a primeira lei internacional da história

que torna ilegal um Estado autorizar transferências de armas em que é grande o risco delas serem usadas para cometer violações de direitos humanos ou crimes contra a humanidade. O tratado também levará à redução das armas de origem estrangeira usadas nas disputas entre quadrilhas, contra as forças de segurança ou em assaltos a carros fortes e bancos. O tratado entrará em vigor 90 dias após a conclusão do processo de ratificação do quinquagésimo signatário. A Control Arms está conclamando os Estados a priorizar, com a máxima urgência, a assinatura e a ratificação do tratado, que regulamentará toda e qualquer transferência de armas convencionais, munições, peças e componentes e levará em conta o risco de que armas possam ser direcionadas do receptor original para outro usuário, manobra conhecida como “desvio”. (Fonte: ALC)

Divulgação Novolhar

Tratado: Primeira lei internacional que torna ilegal um Estado autorizar transferências de armas e munições para áreas de violação de direitos humanos

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Silvana Francisco

SAÚDE

Rede Sarah trata doenças do aparelho locomotor

Uma rede para a reabilitação por Silvana Isabel Francisco

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Rede Sarah de Hospitais, especializada no tratamento de doenças do aparelho locomotor, tem unidades nas cidades de Belém, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Macapá, Rio de Janeiro, Salvador e São Luís. O hospital que deu origem a essa rede foi o Sarah Kubistchek, de Brasília, localizado bem no centro da capital federal, com instalações amplas e espaços verdes. Inaugurado em 1980 e atualmente com capacidade de 248 leitos, em 2012 realizou 433.950 atendimentos a pacientes, com a média diária de 1.750 atendimentos e 6.612.245 procedimentos de assistência médica

e reabilitação durante o ano. O Sarah Lago Norte, outro hospital da rede em Brasília, foi inaugurado em 2003 e é conhecido como Centro Internacional de Neurociências e Reabilitação. Em 2012, realizou 104.384 atendimentos a pacientes, com média diária de 421 atendimentos. Nesses, foram realizados 764.412 procedimentos de assistência médica e reabilitação. Para solicitar atendimento no Sarah Kubistchek em Brasília, assim como em todos os outros hospitais da Rede Sarah, é necessária a apresentação de documento de identidade e do Cadastro de Pessoa Física (CPF) para os adultos e, para as crianças, a

certidão de nascimento. A partir daí, o cidadão recebe o cartão do Hospital Sarah, que será o documento para todos os atendimentos, no qual estarão indicadas as datas em que deverá comparecer ao hospital. Caso não possa comparecer ao atendimento, é necessário avisar e solicitar a remarcação da consulta. Se possível, no dia da primeira, é útil levar todos os exames já realizados, pois, quanto mais detalhada for a explicação do problema de saúde, mais fácil a avaliação. O hospital entrará em contato quando a consulta for marcada. Maria Valdenice da Silva Vilar, empregada doméstica, de Jardim Ingá (GO), passou um ano fazendo exames e tratamentos com médicos do Sarah de Brasília. Sentia inchaço e dormência na mão e no braço esquerdo, também dores até o pescoço. “A marcação de minha primeira consulta demorou a ser feita, mas depois sempre marcaram as outras para mim direitinho, e os médicos são superatenciosos”, avalia Maria. Hoje ela diz que se sente bem melhor. Tulio Macedo, funcionário do Supremo Tribunal Federal, sofreu um

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JUVENTUDES acidente de carro que provocou sequelas em sua coluna: “Meses depois do acidente, consegui consulta no Sarah e passei por cirurgia, pois um pedaço de osso da bacia seria colocado entre as vértebras para estabilizar. Não podia me mexer muito e tinha de usar aquele colar de imobilização cervical por três meses”, lembra Tulio, que, graças à equipe médica do Sarah de Brasília, hoje leva sua vida normalmente. A extensa experiência de tratamento e reabilitação de patologias do aparelho locomotor e o envolvimento direto com as consequências da violência no trânsito e com armas de fogo são os pontos de partida das ações de seu centro de pesquisas. Desde 1995, os acidentes de trânsito são a principal causa de internações de pacientes com lesão medular traumática e também de pacientes com traumatismos cranioencefálicos. Nos últimos quatro anos, quase metade dos pacientes atendidos pelos programas de neurorreabilitação em lesão medular e em lesão cerebral dos Hospitais Sarah estão na faixa etária entre 10 e 29 anos. Por conta dessa realidade, a partir de 1997, o Centro de Pesquisas vem desenvolvendo um trabalho educativo junto às crianças e aos jovens por meio de programas que abrangem estudantes dos níveis fundamental e médio. Desde sua implementação até 2012, aproximadamente 800 mil jovens participaram de aulas ministradas pela equipe do Centro de Pesquisas em Brasília, Salvador, Belo Horizonte, São Luís e Fortaleza. A instituição gestora da Rede Sarah é a Associação das Pioneiras Sociais (APS), entidade de serviço social autônomo, de direito privado e sem fins lucrativos. Os recursos financeiros que mantêm todas as unidades da Rede Sarah vêm exclusivamente do orçamento da União. N SILVANA ISABEL FRANCISCO é jornalista em Brasília (DF)

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Uma opção preferencial por Micael Vier Behs

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ealizado a cada dois anos em diferentes centros de formação, o Congresso Estadual de Teologia reuniu 350 estudantes e pesquisadores na Faculdades EST no mês de maio, a fim de decifrar a linguagem, as aspirações e a atual situação de uma variedade de culturas juvenis que, interconectadas, buscam ocupar um papel protagonista na igreja e na sociedade. “O congresso evidenciou que tanto as igrejas como as escolas de teologia precisam fazer urgentemente uma ‘opção preferencial pelas juventudes’, lembrando o que os bispos latino-americanos da Igreja Católica proclamaram em Medellín (1968) e Puebla (1979)”, recordou o professor da Faculdades EST e um dos organizadores do encontro, Dr. Roberto Zwetsch. No caso específico da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), enfatizou, está mais do que na hora de juntar esforços para retomar a Pastoral Universitária, que já existia com certa força no passado e que foi abandonada por falta de recursos. “Sem esse engajamento, corremos o risco de que essa igreja deixe de formar uma nova geração de lideranças que entendam o que são o evangelho e suas consequências para construir uma vida digna e uma igreja viva”, sentenciou. Numa das palestras mais aguardadas, o Prof. Dr. Carlos Gadea disse

que os jovens são os principais alvos da pobreza, situação geradora de vulnerabilidade, delinquência, exclusão e homicídio. O professor criticou a proposta de redução da maioridade penal, alegando que a aprovação da medida colocaria grande parcela da população jovem, CONGRESSO: Caráter ecumênico carente da palavra do evangelho, isolada entre quatro paredes. “Essa decisão representa um atentado e uma violação aos direitos das juventudes e aos direitos humanos”, protestou. Como desafio político, disse Gadea, o Estado não pode priorizar a punição enquanto estratégia repressora, mas apostar na conscientização da juventude, que, na maioria dos casos, vive nas periferias, “tendo como companhia o abandono e o isolamento”. Para o professor, todas essas circunstâncias que afligem o “mundo real” dos jovens precisam ser consideradas no instante de se articularem políticas públicas direcionadas à proteção da juventude. Sintonizada com a fala de Gadea, a estudante da Faculdades EST Jaiane Kroth destacou que o congresso de São Leopoldo conseguiu “olhar para a juventude marginalizada e seguir o mandamento de Cristo, que foi ao Micael Vier Behs

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er ecumênico marcou o encontro de nove centros de formação na Faculdades EST

encontro daqueles que não cabiam no sistema social de pureza exigido pelas leis de sua época, distanciadas da realidade do povo”. Ao abordar a violência simbólica propagada pela mídia, o professor Ms.

Edmilson Schinelo fez um chamado para que as potencialidades interativas da internet sejam utilizadas para transmitir uma mensagem de otimismo e de esperança em relação aos jovens. “Temos redes alternativas que

devem ser aproveitadas para difundir boas notícias sobre a juventude e para demarcar uma contraposição frente à força comunicativa dos grandes conglomerados”, alertou. Para o reitor da Faculdades EST, Prof. Dr. Oneide Bobsin, as discussões suscitadas ao longo do congresso deixaram evidente que o trabalho de traduzir o evangelho para o mundo dos jovens exigirá uma conversão das próprias igrejas. “O individualismo do mundo contemporâneo fragilizou os meios de transmissão da herança cristã às novas gerações, o que nos desafia a atualizar a mensagem do evangelho para os jovens, incentivando-os a ser protagonistas no processo de evangelização”, ensinou. Focado no tema “O fazer evangelizador com as juventudes: desafio para a teologia e a igreja”, o Congresso Estadual de Teologia teve um caráter ecumênico, reunindo representantes de nove centros de formação. A organização do evento foi coordenada pelo professor da Faculdades EST Dr. N Rodolfo Gaede Neto. MICAEL VIER BEHS é jornalista e assessor de imprensa da Faculdades EST em São Leopoldo (RS)

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HOMENAGEM

130 anos de Gibran por Paula Oliveira

Reprodução Novolhar

Os cedros, as montanhas nevadas, os desfiladeiros místicos e silenciosos. Em meio a esse cenário na vila de Bcharre, no norte do Líbano, nascia há 130 anos o artista plástico, poeta e filósofo Khalil Gibran. GIBRAN KHALIL GIBRAN: na concepção do artista franco-chinês Yan Pei-Ming

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ibran Khalil Gibran nasceu em 6 de janeiro de 1883 em Bcharre, nas montanhas do Líbano, a uma pequena distância dos cedros milenares. Deixou o país aos 11 anos e fixou-se nos Estados Unidos, morrendo em 1931 na cidade de Nova York. Apesar de ter morrido jovem, com apenas 48 anos, Gibran escreveu 16 livros e produziu centenas de pinturas e desenhos. Muitos deles ilustram seus próprios livros. Sua obra continua tão viva quanto atual, emocionando e influenciando gerações de artistas, escritores, poetas e pintores.

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Considerado um dos grandes nomes da literatura e da pintura de todos os tempos, o artista libanês Khalil Gibran é o autor do best-seller “O profeta”, de 1923, obra reconhecida até hoje como uma das cem mais importantes do mundo e que foi traduzida para mais de 80 idiomas. A obra literária, acentuadamente romântica e influenciada pela Bíblia, Nietzsche e William Blake, fala de amor, de amizade, de morte, de natureza e de temas que compõem a alma humana, os quais nunca sairão de moda.

Quem visitou recentemente o Memorial da América Latina na cidade de São Paulo pôde conferir numa exposição, entre pinturas e cadernos de anotações, a primeira impressão de “O profeta” – com anotações do autor. “É uma obra atemporal. Se uma pessoa leu há 50 anos e outra leu hoje, ambas sentem a mesma emoção”, comenta a artista plástica Juliana Leite, que conferiu a exposição. “A gente percebe claramente por que a linguagem é o diferencial de Gibran”, completa. Ele se tornou um dos principais pensadores da cultura árabe e teve

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Paula Oliveira

como um dos temas de sua arte a revolta contra as tradições que oprimiam seu povo. Usou o romantismo para atingir a dureza da sociedade industrial desumanizada de sua época. Essa é uma das muitas facetas do artista, que pôde ser vista na exposição que ficou em cartaz no Salão de Atos do Memorial da América Latina nos meses de maio e junho. Foram expostos ao todo 52 pinturas originais, além de documentos, cartas pessoais, manuscritos, cadernos originais e alguns objetos pessoais vindos do Museu Gibran. É a primeira vez que a exposição com peças do Museu Gibran, que fica no Líbano, vem à América do Sul. “Observar sua arte e literatura é inspirador. Ele extraiu das palavras o que a nossa essência tem de melhor e consegue desenhar uma utopia de convivência humana. A gente consegue meditar junto ao artista”, comenta entusiasmada a artista plástica, que conferiu a mostra com quadros a óleo, carvão e aquarela. As obras expostas trataram de temas variados, como o óleo sobre tela “O Outono”, de 1909. Nessa, a estação é representada por uma mulher com o busto nu e os cabelos avermelhados ao

MATERIAL: Cadernos, pincéis e tintas usados por Gibran em suas obras

vento. Entre as 52 pinturas, manuscritos e objetos pessoais, muitos remetem a temas fantásticos, como as aquarelas Centauro e Criança e Centauro Fêmea. O ente mitológico – meio homem, meio cavalo – faz referência ao lado animal do ser humano. Os Correios também fizeram parte dessa homenagem ao artista e lançaram um selo oficial personalizado, com carimbo e cartão postal relativo à figura de Gibran. O resultado foi uma coleção de selos ressaltando os traços libaneses que influenciaram a cultura brasileira. Segundo o presidente da Fundação Memorial da América Latina, João Batista de Andrade, apesar de

Gibran não ter relações diretas com o continente, os países da região têm forte ligação com o mundo árabe. “Apesar de o Memorial ser mais ligado à América Latina, também tem que se abrir a esses fatos que são comuns à América Latina. Porque a América Latina tem árabes em todos os países, e certamente Gibran é cultuado.” O Brasil é o país que abriga o maior número de imigrantes libaneses do mundo e foi o primeiro país a comemorar a data de 130 anos de nascimento do artista com uma Mostra, a maior já feita em torno de sua figura no Brasil. N PAULA OLIVEIRA é jornalista em São Paulo (SP)

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ARQUIVO HISTÓRICO

Preservando a memória por Luciana B. Reichert

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Fotos: Luciana Reichert

terceiro andar do prédio H da Faculdades EST abriga a história da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). É no Arquivo Histórico da IECLB que se encontram documentos, correspondências, relatórios e acervos das re­ giões eclesiásticas que antecederam os sínodos. Assim como os documentos dos sínodos que deram origem à IECLB. “Tudo o que diz respeito à vida da IECLB está no Arquivo Histórico”, diz seu diretor Osmar Luiz Witt. Osmar também é teólogo, professor de História da Igreja na Faculdades EST há 20 anos e capelão na Casa Matriz das Diaconisas. O arquivo abriu as portas para o público em abril de 1998 com o primeiro arquivista, o pastor emérito Wilfried Hasenack. No local, encontram-se microfilmes de livros de registros de Batismo, Confirmação, casamento e sepultamento de algumas paróquias de todo o Brasil do século XIX até a primeira metade do século XX. Cada imagem de microfilme é uma página do livro de registros das paróquias e que pode ser conferido no leitor de microfilmes. “Há muita procura por pessoas que estudam genealogia e pesquisas acadêmicas de

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graduação e pós-graduação”, comenta Witt, que está há três anos cuidando do arquivo. Pastas dos pastores e ministros assim como seus relatórios de viagens e das comunidades que visitavam também compõem o acervo. Segundo o arquivista, a esse tipo de documentos só têm livre acesso as pessoas da família e se já passaram 30 anos do acontecimento. O material do arquivo também é procedente da sede da secretaria-geral da IECLB em Porto Alegre depois que sai dos documentos ativos.

WITT: Tudo o que diz respeito à história da IECLB está no Arquiv

MELHORIAS – Recentemente, o local passou por diversas melhorias. Com o patrocínio da LUTERPREV Previdência Privada, que dá o nome à nova sala de pesquisa, o arquivo recebeu nova pintura, substituição do piso, climatização, reforma elétrica, computadores e novo imobiliário. O espaço físico do arquivo também foi ampliado com novas salas para acervo dos documentos. Um dos cuidados foi a instalação de desumidificadores, que irão preservar melhor os documentos. “Sempre tivemos cuidados com o material. Antes da reforma, usávamos

Um dos sonhos do arquivista é a criação de um museu histórico com peças e objetos. “Isso ajudaria a contar a história da igreja e das comunidades. Desse modo, vestes litúrgicas, placas e cálices que os pastores usavam na Santa Ceia teriam um local para o público visualizar”

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está no Arquivo Histórico, que abriu as portas para o público em 1998

aquecedores em dias muito frios e úmidos. Também não é permitido fazer cópias, mas pode ser fotografado sem flash”, comentou. O material ainda é acondicionado em envelopes de papel alcalino para evitar a oxidação. Como os documentos também chegam da doação de familiares de lideranças da IECLB que faleceram, e com a reforma do local, ainda existe material para ser catalogado, que está todo em caixas.

“Acredito que dentro de um ano tudo estará pronto”, diz Osmar. PLANOS – Um dos planos de Osmar é a digitalização do acervo, o que garantiria uma maior disponibilização dos materiais arquivados. Um dos desafios é a língua. Nos arquivos de microfilme, muitos documentos estão em alemão gótico. “Isso precisa de alguém para transcrever na língua latina e digitar tudo, folha por folha,

pois não existe um programa que leia os microfilmes”, falou. Além da digitalização e internet para a sala de pesquisa, um dos sonhos do arquivista é a criação de um museu histórico com peças e objetos. “Isso ajudaria a contar a história da igreja e das comunidades. Desse modo, vestes litúrgicas, placas e cálices que os pastores usavam na Santa Ceia teriam um local para o público visualizar”, contou, mostrando a placa e o cálice que estão no arquivo. A placa que o arquivo recebeu é do Instituto Martius Staden e da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha pelo prêmio Martius-Staden 1998 por seu destacado trabalho de preservação, divulgação e estreitamento dos laços culturais entre o Brasil e Alemanha. Para Osmar, a função do arquivo é muito mais do que um espaço em que pesquisadores têm acesso a fontes documentais. “É preservar os documentos que registram a história da IECLB e suas instituições e compreender seus processos. Preservar a memória e com isso processar como se vive a igreja hoje”, avaliou. N LUCIANA B. REICHERT é jornalista em São Leopoldo (RS)

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Cultura

O que é arte?

por Frei Betto

Reprodução Novolhar

Van Gogh (num de seus muitos auto-retratos) jamais vendeu uma de suas telas enquanto viveu. O único quadro que vendeu, para o irmão, foi usado para tapar um buraco no galinheiro. Há pouco, essa tela foi vendida por US$ 15 milhões.

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abemos hoje reconhecer uma obra de arte? O que conta mais: a fama do artista ou a qualidade da obra? Quem decide o valor de uma obra: o prestígio alcançado por ela na mídia ou seus atributos estéticos? O jornal Washington Post decidiu testar gosto e cultura artísticos do público. Levou um violinista para uma estação de metrô na capital dos Estados Unidos. Durante 45 minutos, ele tocou Partita para violino nº 2, de Bach; Ave Maria, de Schubert, e peças de Manuel Ponce, Massenet e, de novo, Bach. Eram oito horas de uma manhã fria. Milhares de pessoas circulavam

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pelo metrô. Quatro minutos após iniciar o concerto subterrâneo, o músico viu cair a seus pés seu primeiro dólar, atirado por uma mulher que não parou. Quem mais lhe deu atenção foi um menino que teria entre três e quatro anos de idade. Porém a mãe o arrastou, embora ele mantivesse o rosto virado para o violinista enquanto se distanciava. Durante todo o tempo do concerto improvisado, apenas sete pessoas pararam um instante para escutar. Cerca de vinte jogaram dinheiro sem deter o passo. Ao todo, trinta e dois dólares e dezessete centavos no pote a seus pés. Quando cessou a música, ninguém aplaudiu.

O músico era o estadunidense Joshua Bell, que, dois dias antes, havia dado um concerto no Teatro de Boston, lotado de apreciadores que pagaram US$ 100 por um ingresso. Seu violino era um Stradivarius, fabricado em 1713 e adquirido por quase US$ 4 milhões. Bell é professor no Massachusetts Institute Technology e na Royal Academy of Music de Londres. Bell fez, em solo, a trilha sonora dos filmes “O violino vermelho”, que mereceu o Oscar, e “Mulheres de lavanda”. Sua primeira gravação em 2003 pela Sony Classical foi “Romance of the violin”, que vendeu 5 milhões de cópias. Bell é um músico de prestígio internacional. No entanto, nessa sociedade neoliberal, hegemonizada pelo paradigma do mercado, ele era um “produto” colocado na prateleira errada. Estava no metrô. Como se o fato de estar num local público tornasse sua música de menos qualidade. Estivesse um músico medíocre no palco do Teatro de Boston, com certeza teria sido ovacionado. Fica uma pergunta: temos prestado atenção na qualidade das coisas? Ou nossas cabeças são feitas pela mídia estimuladora do consumismo, que nos impõe gato por lebre? Van Gogh jamais vendeu uma tela enquanto viveu, exceto a que seu irmão Theo, que era marchand, comprou na tentativa de ajudá-lo. Sem dinheiro para pagar o médico, o pintor presenteou-o com a tela “Rapaz de quepe”. O doutor considerou, do alto de seu preconceito elitista, que nada de valor poderia sair dos pincéis de um louco... Aproveitou o quadro para tapar um buraco no galinheiro de sua casa... Há pouco, essa tela foi vendida por US$ 15 milhões! N FREI BETTO é escritor, autor do romance “Aldeia do Silêncio” (Rocco), entre outros livros. Este artigo foi extraído do site www.adital.com.br.

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testemunhos

Cléopas de Batrum Sobre a lei e os profetas Para falar da mensagem de Jesus, é necessário que se possua essa mensagem ou o eco que ela produziu. Mas eu não possuo sua mensagem nem seu eco. Peço que me perdoem por começar uma história que eu não posso terminar. Acontece que o seu fim ainda não está nos meus lábios. Ainda é uma canção de amor ao sabor do vento. Fonte: KHALIL GIBRAN – autor do livro “Jesus – Filho do Homem” – Editora Sinodal

Arte: Roberto Soares

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uando Jesus falava, o mundo inteiro silenciava para ouvi-lo. Suas palavras não eram endereçadas somente a nós, mas também aos elementos dos quais Deus criou a Terra. Ele falava ao mar, nossa mãe imensurável, que nos deu à luz. Ele falava à montanha, nossa irmã mais velha, cujo cume é uma promessa. Transcendendo o mar e a montanha, ele falava aos anjos, a quem confiamos nossos sonhos antes até do barro de que fomos formados ter secado ao sol. Suas palavras ainda dormitam dentro do nosso peito como uma canção de amor meio esquecida; algumas vezes, voltam à memória como brasa. Sua mensagem era simples e divertida, e o som de sua voz era como água fresca caindo em terra ressecada. Certa vez, ele ergueu sua mão ao céu – seus dedos eram como os galhos de um sicômoro – e disse em alta voz: “Os velhos profetas falaram a vocês, e seus ouvidos estão cheios de suas palavras. Mas eu lhes digo: Limpem seus ouvidos de tudo o que já ouviram”. Estas palavras de Jesus “Mas eu lhes digo” não foram ditas por uma pessoa de nossa raça ou por alguém deste mundo, mas por uma legião de serafins cruzando o céu da Judeia. Citava repetidamente a lei e os profetas e, então, dizia: “Mas eu lhes digo”. Que palavras ardorosas! Que ondas poderosas de mares desconhecidos banhavam as praias de nossa mente – “Mas eu lhes digo”. Que estrelas brilhantes iluminando as trevas de nossos corações! Que almas insones aguardando a aurora!

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o reformador

Monge e doutor da Bíblia

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á é de nosso conhecimento que o monge Martim Lutero era bem estudioso e nutria um grande fascínio pelo conhecimento, principalmente pela Bíblia. Ele, porém, no tempo de convento, não tinha muito tempo para sua leitura predileta, pois, além dos trabalhos físicos, como limpar o pátio, ajudar na cozinha etc., precisava escrever, pregar e cantar na igreja. Esse seu grande interesse pela Bíblia, aliado à sua postura crítica frente às coisas que ele acreditava não estar de acordo com a fé cristã, não passaram despercebidos por seu mestre, o vigário-geral dos agostinianos: Johannes von Staupitz. Foi esse quem guiou nosso monge em parte de seu caminho em direção à Reforma. Basta olharmos para alguns acontecimentos na vida de Lutero para perceber a mão de seu mestre em ação. Por exemplo: seu aparentemente apressado chamado para ser professor de Filosofia em Wittenberg em 1508, o qual ele gostaria de ter trocado pela Teologia; logo após, em 1509, tornar-se-ia bacharel em Bíblia, ou seja, ele começaria a explicar a Bíblia a seus estudantes; dentro desse contexto ainda se pode falar da viagem à Roma. Em todos esses acontecimentos, Lutero foi seguindo ordens de seu mestre. Há uma passagem da vida

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de nosso reformador que está ligada a tudo isso que ele vinha vivendo: a cena de colher mel com Staupitz sob uma árvore no mosteiro de Erfurt. Ali, Staupitz diz a ele que deve tornar-se doutor em Bíblia, debruçar-se sobre a fonte e tornar-se professor de Teologia. Lutero simplesmente não acredita no que está ouvindo. Dessa cena sob a árvore Lutero se lembrará mais tarde, ao comentar a importância de seu mestre Staupitz e sua tentativa de persuadi-lo, pois como seria professor se não conseguia nem mesmo dar conta de sua crise de fé. E, como era de seu estilo “não teimar” com nada, Lutero colocou “apenas” 15 argumentos contrários à ideia de Staupitz de enviá-lo a Wittemberg. Ao que seu mestre revidou: “Queres ser mais sábio do que todo o convento que acha que tu deves ir?”. Não se dando por vencido, Lutero ainda tenta um último argumento, apelando, é claro: “Eu sei que eu não vou viver muito tempo... Logo, logo eu estarei do lado de nosso Pai na eternidade. Então por que toda essa perda de tempo comigo? Vou virar doutor e não vai servir para nada”. Ao que Staupitz respondeu: “É verdade. Mas tudo bem, pois nosso Deus tem muito trabalho hoje em dia e, se tu morreres, então podes ser um de seus conselheiros, pois ele deve estar precisando de doutores a seu lado”.

Imagens: Wikimedia Commons

por Leandro Hofstaetter

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Pátio do Convento dos Agostinianos em Erfurt JohannES von Staupitz (c.1469-1524), vigário-geral da Ordem dos Agostinianos na Alemanha e amigo de Martim Lutero, nasceu na Saxônia. Estudou nas universidades de Leipzig e Colônia. Em 1503 foi chamado por Frederico, o Sábio, para servir como reitor da Faculdade de Teologia da recém-fundada Universidade de Wittenberg. Lá, ele encorajou Lutero a obter um doutorado em Teologia e o nomeou como seu sucessor para professor de Bíblia. Durante as primeiras lutas de Lutero para compreender a graça de Deus, foi Staupitz quem o aconselhou a se concentrar em Cristo e não em si mesmo. Staupitz notabilizou-se por encorajar Lutero. Quando Lutero disse que seus pecados eram grandes demais, Staupitz respondeu: “Cristo é o perdão de todos os pecados. Ele é um salvador real. Deus enviou o seu próprio Filho e o entregou por todos nós”. Lutero disse mais tarde que, se não fosse Staupitz ao seu lado, ele teria se entregado ao desespero. O versículo lema de Staupitz era o Salmo “Sou teu, salva-me” (Sl 119.94), que recitava para Lutero quando o jovem monge estava aflito pela graça de Deus.

E Lutero finaliza desconsolado: “E assim ele refutou os meus argumentos ironicamente”. E nosso monge foi a Wittenberg e não morreu tão cedo... não antes de transformar o mundo de sua época a partir da palavra de Deus, deixando um legado que ainda permanece vivo hoje. N LEANDRO HOFSTAETTER é teólogo e doutor em Filosofia em Joinville (SC)

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ASSEMBLEIA DO CLAI

Responsabilidade comum

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rganizada sob o tema “Afirmando um Ecumenismo de Gestos Concretos”, a 6ª Assembleia do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) reuniu cerca de 140 delegados e mais de 400 participantes entre os dias 20 e 26 de maio em Havana, Cuba. A programação diversificada ajudou a construir o processo de reflexão acerca do lugar do CLAI no movimento ecumênico do continente. A assembleia foi precedida por uma consulta sobre “As Igrejas e os Direitos Sexuais e Reprodutivos”, promovida em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (FPNU). Uma das palestrantes principais da consulta, a diretora do FPNU, Dra. Kate Gilmore, da Austrália, afir-

mou que “a discussão com as igrejas sobre questões ligadas aos direitos reprodutivos e ao planejamento familiar é urgente, essencial e apaixonante”. Ela acredita que a aliança com igrejas é estrategicamente crucial. O CLAI e o FPNU desenvolveram em conjunto um guia de estudos sobre direitos sexuais e reprodutivos para igrejas e organismos ecumênicos. O principal objetivo do material é servir como ferramenta pastoral e teológica para a reflexão, discussão, empoderamento e organização em torno do tema dos direitos sexuais e reprodutivos nas igrejas. “Nossa parceria com o CLAI tem como objetivo a dignidade das pessoas. Vocês são agentes de mudança”, concluiu Gilmore, cujo pai foi presidente e membro do Comitê

HOMENAGEM: Na abertura, um dos patriarcas ecumênicos latino-americanos, o bispo metodista argentino Federico Pagura (90 anos), foi homenageado. Ele é um dos ícones da luta pelos direitos humanos na América Latina

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Fotos: Marcelo Schneider/CMI

por Marcelo Schneider/CMI

Um ato litúrgico ressaltou as cinco assembleias já ocorridas e a cam

Executivo do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) na década de 1970. O P. Dr. Walter Altmann, moderador do Comitê Central do CMI e que foi presidente do CLAI entre 1995 e 2001, destacou a relação entre o conselho regional e o CMI. “Apesar de sermos duas organizações autônomas, temos uma forte ligação espiritual, uma visão e compromissos comuns”, afirmou. A discussão sobre o contexto e o papel atual do CLAI tomou grande parte das discussões informais na assembleia. Jessica Mora Romero, coordenadora do programa de Juventude do CLAI, defende que o conselho tem de ser uma ferramenta de capacitação para os jovens. Suas opiniões foram ampliadas pelo pastor Juan Abelardo Schvindt, da Igreja Evangélica do Rio da Prata (IERP): “O CLAI tem que ser um sinal de esperança e de capacitação para os humildes e excluídos do continente e dar testemunho da fé cristã através da diversidade da região”. Outro tema importante de debate na assembleia foi a participação dos

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orridas e a caminhada do CLAI até a sexta assembleia em Havana/Cuba

jovens nos processos de tomada de decisão. Os jovens presentes chegaram a interromper uma das sessões plenárias para a leitura de um manifesto redigido por eles. O documento expressava seu descontentamento com a “quase nula participação jovem nas delegações que compõem a assembleia”. Uma das causas mais agudas desse quadro está na baixa indicação de delegados jovens por parte das igrejas. Devido ao adiamento da data da assembleia e demais dificuldades geradas pelo bloqueio norte-americano dos fundos do CLAI destinados à realização do evento, a participação jovem esteve seriamente ameaçada. “Estamos aqui graças a um esforço do CLAI, que facilitou o contato e a implementação da ajuda concreta vinda do Fundo de População das Nações Unidas (FPNU)”, diz o manifesto. Numa eleição apertada, decidida somente após cinco turnos, a 6ª Assembleia elegeu o pastor luterano Felipe Adolf como novo presidente do CLAI. Adolf atuou como secretário-geral do organismo entre

1984 e 1998. Atualmente, serve como pastor numa comunidade em Quito, Equador, onde também está localizada a sede do CLAI. Após a eleição, Adolf salientou a necessidade de uma melhor coordenação entre o trabalho do CLAI e de organismos globais como a Aliança ACT e o CMI. “Não podemos duplicar experiências que outras organizações já estão fazendo muito bem. Como organismo ecumênico e regional, devemos trabalhar para fortalecer essas relações”, afirmou. O novo presidente do CLAI acredita que o movimento ecumênico não se limita às instituições, mas essas desempenham um papel decisivo na dinâmica do movimento. “Temos membros em comum na América Latina e no Caribe. Por isso compartilhamos uma responsabilidade comum. As igrejas são nossas pontes para o movimento ecumênico global”, concluiu. N MARCELO SCHNEIDER é teólogo e trabalha para o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) em Porto Alegre (RS)

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REFLEXÃO

Coragem para falar não temas; pelo contrário, fala e não te cales; porquanto eu estou contigo. Atos 18.9-10

por Vera Lucia Engelhardt Prediger

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medo tem levado muita gente a se isolar, a construir grades, a não querer mais ajudar ninguém e tem feito as pessoas viverem na insegurança de ser roubadas, assaltadas, tornadas reféns. O medo tem levado as pessoas que são testemunhas de algum crime a não querer falar sobre o que viram e ouviram, temendo represálias. O medo paralisa as pessoas, tornando-as sem ação. O medo de falar com outras pessoas sobre determinados assuntos faz com que se fique quieto e calado. Para o anúncio do evangelho, é imprescindível falar “das coisas que vimos e ouvimos”, da boa-nova de salvação. Quando o Senhor diz “não tenha medo”, ele está dizendo: tenha coragem. Quando ele diz “fala e não se cale”, ele está animando para o testemunho. Antes de Jesus subir aos céus, ele já havia dado a ordem: “Quando o Espírito Santo descer, recebereis poder e sereis minhas testemunhas ... até os confins da terra” (Atos 1.8). Agora em Atos 18, o Senhor fala ao

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apóstolo Paulo para não se calar, não ter medo, mas ir mundo afora e pregar o evangelho. A única garantia que ele tinha era a presença do Senhor, assim como Jesus já havia prometido a seus discípulos: “Estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mateus 28.20). O apóstolo Paulo não falaria por si mesmo. Não inventaria alguma coisa para falar, mas transmitiria o evangelho que recebeu do Senhor Jesus Cristo. Ele assim fez e com seu trabalho missionário, do qual a fala era imprescindível, surgiram muitas comunidades em diferentes lugares.

Seus discursos e conversas aconteceram em diferentes lugares: à beira do rio, na praça da cidade, em casas de pessoas. Um dia desses, ouvi uma pessoa que assumiu seu medo de falar em público. Ela dizia não saber se expressar. Suas mãos enchiam-se de suor, as palavras fugiam de sua boca. Mas, amorosamente animada, conseguiu enfrentar a situação e começou a falar sobre o encontro do qual tinha participado, compartilhando conosco o conhecimento ali adquirido. Depois das primeiras frases, logo estava falando com alegria e entusiasmo, usando

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as palavras de maneira sábia. Sua voz, a princípio tensa, logo se tornou voz entusiasmada e convicta. Num mundo de palavras, onde se fala muito, onde se busca convencer as pessoas de que determinado produto ou estilo de vida é o melhor, nós somos chamados pelo Senhor a falar a sua palavra e convencer as outras pessoas a adorar a Deus (Atos 18.13). O que temos para falar é muito importante, é a boa notícia que traz alegria, vida, salvação, é o evangelho de Jesus Cristo. Essa é a melhor notícia, a melhor mensagem, e não podemos ficar quietos sobre ela. Logo após Jesus ter subido aos céus, os seus seguidores estavam sem ação, quietos e amedrontados. Receberam o Espírito Santo, que os encorajou, e começaram a falar de Cristo. E com a fala a respeito de Cristo começaram a existir comunidades de seguidores de Jesus. E ainda hoje vivemos em comunidades e precisamos continuar falando e anunciando o evangelho em palavras e ações. O apóstolo Paulo não ficou calado a respeito de Cristo. Ele enfrentou o medo e até mesmo foi preso por falar de Cristo. O evangelho nos levará a

falar também sobre injustiças cometidas contra as pessoas mais fracas. E falar isso faz-nos tremer e ficar com medo. Mas o amor a Deus e o amor ao próximo não nos deixarão ficar calados, pois o Senhor, do qual precisamos testemunhar, é Senhor que não tolera injustiças. Não precisamos ficar amedrontados e calados porque o Senhor está junto. A presença de Jesus nos fortalece. Ele diz: “Eu estou contigo”. Essa promessa nos dá coragem para falar. Lembro-me muito bem da primeira vez que fiz a pregação no culto da comunidade. Bateu o medo. Na ocasião, lembrei-me de um livro que tem por título “Vai e fala!”. Eu deveria falar ali. Eu preparara a mensagem a ser anunciada, mas ainda assim as pernas tremeram. Lembrei-me das dicas e conselhos dos professores. E, após ditas as primeiras palavras, o coração foi se acalmando, e tudo transcorreu bem. Fale, não se cale por medo! Deus está contigo! Anuncie o evangelho! Tenha coragem! N VERA LUCIA ENGELHARDT PREDIGER é teóloga e pastora sinodal do Sínodo da Amazônia em Cacoal (RO)

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ESPIRITUALIDADE

Aconchego no colo de Deus

Jesus mostra a intimidade que Deus quer ter com seus filhos e filhas. Aba! Está lá cada vez que oramos a oração que Jesus ensinou: o Pai-nosso. É assim que Deus quer que o conheçamos: como o paizinho querido. Esse é o Deus Pai que ama, conhece, aceita, perdoa. E Deus é ainda mais: ele nos revela também um cuidado maternal. Como alguém a quem sua mãe consola, assim eu vos consolarei, diz a palavra em Isaías 66.3. No livro “A Cabana”, de William P. Young, Deus quer encontrar-se com Mackenzie, pois esse seu filho estivera afastado devido a seu grande sofrimento. Interessante como o livro retrata esse encontro. Ao chegar à cabana para o encontro com “Papai”, o personagem é recebi-

Deus rompe com nossos conceitos e preconceitos sobre ele, constrói conosco uma relação que desfaz todos os nossos pressupostos.

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m dia Deus cansou. Após enviar seus mensageiros e profetas a seu povo para falar-lhe que o queria por perto, que voltasse seu coração a ele para viver em paz e segurança, Deus sentiu que pouco tinha adiantado. O povo continuava invocando seu nome para a vingança, para a vitória nas batalhas. Suas esperanças estavam voltadas para um retorno ao poderio militar e à subjugação dos inimigos. Então ele se cansou e disse: Chega! Eu vou até lá! A história nós conhecemos. Deus veio mesmo! Ele se abaixou e veio habitar entre nós para ser EmanuelDeus conosco, conforme uma antiga promessa sua. Deus veio mostrar o seu rosto e fez isso em seu filho Jesus Cristo. Muitos estranharam, talvez por causa da inversão que fizeram da criação: em vez de serem imagem e semelhança de Deus, conceberam Deus de acordo com sua própria imagem. E fizeram isso à distância de Deus, colocando ali todos os seus medos, inseguranças, rancores e vícios.

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Em Jesus Cristo recebemos a revelação de que Deus é amor. E essa é a marca de todo relacionamento baseado em Deus. Quer dizer que não precisamos temer um Deus severo que tudo vê para tudo punir, porque ele nos ama, compreende, conhece nossas fraquezas e demonstra sua compaixão. Isso significa também que cremos na bondade e no amor de Deus, igualmente revelado a nosso próximo. Então somos desarmados por Jesus, desistimos da vingança e buscamos entendimento, reconciliação, pois temos a Deus por pai e, portanto, somos todos irmãos e irmãs. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos de vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos (Mateus 5.44,45). Na revelação da dinamicidade do amor de Deus percebemos que ele é mais. Muito mais do que podemos imaginar e que não cabe nas concepções humanas viciadas. Foi isso que veio ensinar em Jesus. Na unidade com o Pai e com o Espírito Santo,

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por Sandra Kamien Tehzy e Wagner Tehzy

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deus revela um cuidado maternal. “Como alguém a quem sua mãe consola, assim eu vos consolarei”, diz a palavra em Isaías 66.3.

do por uma mulher negra enorme e sorridente que o abraça, chama pelo nome e diz o quanto sentiu sua falta. Nesse encontro, Mack não consegue controlar as lágrimas, que insistem em correr, mesmo ele reunindo todas as suas forças. Enquanto isso, Deus ficou ali com os braços estendidos, como se fossem os de sua mãe. E Mack sentiu a “presença do amor”. “Era quente, convidativo, derretia tudo.” O personagem fica desarmado diante desse Deus que se revela como mulher, mãe, que acolhe, abraça e compreende. Diferente do que Mack pensou, ele não estava preparado para esse encontro. Esperava um Deus todo-poderoso, sério, com quem ele discutiria sobre sua vida e sobre os

acontecimentos passados, e encontrou um colo onde se podia aconchegar em seu sofrimento. Assim como uma mãe acolhe e consola um filho no aconchego de seu colo, assim Deus faz. Para muitos, isso pode soar estranho, tamanha a intimidade e pessoalidade com que Deus se relaciona. Mas é isso mesmo: Deus rompe com nossos conceitos e preconceitos sobre ele, constrói conosco uma relação que desfaz todos os nossos pressupostos. Assim como o profeta Isaías anuncia ao povo de Israel: Vocês serão amamentados nos braços dela (da paz) e acalentados em seus joelhos. Assim como uma mãe consola seu filho, também eu os consolarei. Assim nesse encontro, nesse conforto, o nosso coração encontrará alegria e consolo. Como é bom encontrar um Deus tão carinhoso com seus filhos e filhas em meio a uma sociedade tão individualista, egocêntrica, onde só temos valor por causa daquilo que podemos produzir e oferecer. Ali, em seu colo de Pai/Mãe, encontramos aconchego, encorajamento e inspiração para também ser testemunhas N desse amor. SANDRA KAMIEN TEHZY e WAGNER TEHSY são teólogos e ministros da IECLB em Toledo (PR)

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penúltima palavra

Do altar ao gabinete por Sisi Blind

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o espaço do altar foram dezessete anos de atuação continuada na região de Curitibanos (SC). Quando falo de altar, quero fazer referência ao exercício do ministério pastoral. O altar no cotidiano pastoral é o lugar da palavra e da comunhão. Essas duas ações são a essência do ministério. No gabinete, a experiência é de cinco meses de atividade. A essência da atuação no gabinete nasce da posição de autoridade atribuída a partir do pleito eleitoral. Essa posição de autoridade e confiança é fruto da forma de governança estabelecida por nossa constituição. Assumir o gabinete como prefeita, após a atuação como pastora, traz, com certeza, os subsídios do estudo da teologia e da vivência cotidiana do ministério pastoral. A compreensão da fé e da cidadania aqui se entrelaça de

forma concreta. O desafio do gabinete é da ordem da prática cotidiana da fé no âmbito político. Participar do pleito eleitoral é um grande desafio para os religiosos. O embate da prática de vida no âmbito político é intenso e nem sempre obedece aos critérios da generosidade vivenciada na comunhão do altar. Mas é justamente nessa experiência que nasce o desafio de viver o modo religioso fora da esfera protegida da instituição religiosa e de sua tradição. Esse novo ministério, portanto, vem com um grande desafio: assumir a minha cidadania cristã enquanto gestora política. No meu entender, isso significa deixar a fé iluminar as convicções de que é possível construir um mundo melhor, mais humano, justo e fraterno. Na relação de minhas convicções, creio que é na participação que fazemos a diferença em nossa sociedade,

Arquivo Pessoal

PREFEITA SISI: Assumir a cidadania cristã enquanto gestora política

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comunidade. É na participação que colocamos em prática nossos sonhos e projetos. Como mulher, entendo que o desafio é ainda maior, pois é na participação efetiva que vamos conquistando novos espaços e afirmando nossas potencialidades nos processos sociais. Nessa nova etapa da minha vida, o maior desafio é o aprendizado. Encaro como uma excelente oportunidade de crescimento pessoal e, de modo especial, de crescimento coletivo juntamente com a equipe de gestão. Na prática do ministério pastoral, nossa principal função é de orientação; na prática da gestão política, a principal função é de comando. Esse novo paradigma de ação demanda muita sabedoria de ação. Comandar é a tarefa da prefeita. Dar ordem e fazer cumprir a ordem é a essência da governabilidade. O grande desafio, portanto, é comandar de forma integrada. Não se faz gestão pública sem a participação do púbico. Chamar as pessoas à comunhão de gestão é, com certeza, o maior e mais difícil projeto da gestão. Percebo que, no âmbito das gestões públicas, ainda não conseguimos construir efetivamente a participação das pessoas no que tange ao processo de planejamento e decisão de que cidade e sociedade queremos. Diante desse desafio, é imprescindível adotar algumas ferramentas gerenciais. O planejamento estratégico, apoiando a escolha de um modelo de gestão que permita a criação de espaços que estimulem a participação, a corresponsabilidade e o acompanhamento da gestão pela população, é fundamental para o alcance desse projeto. Comandar sim, mas de forma a atrair a população para a mesa da comunhão. Essa comunhão é de responsabilidades e de mudanças de paradigmas de gestão e de sociedade. É, com certeza, uma N questão ministerial. SISI BLIND é teóloga, pastora licenciada da IECLB e prefeita de São Cristóvão do Sul (SC).

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