O que é missão? - Revista Novolhar, Ano 10, Número 45, Maio e Junho, 2012

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Arte: Juan José Perdigones

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O que é missão?

PAMI qualifica a missão da IECLB Ser igreja na cidade Missão faz a igreja crescer Sonho no sertão Ação diaconal Resgate da fé simples Parceria na missão

ÍNDICE

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saúde pública Avanços na saúde da mulher

Ano 10 –> Número 45 –> Maio/Junhol de 2012

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Você está preparado para o fim do mundo?

Desejo de superação das mulheres

apocalipse

comunicação

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leitura

O e-book coloca a leitura de livros na tela digital

SEÇÕES

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JOVENS

Ser jovem mesmo não sendo

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história A Editora Sinodal chega aos 85 anos de existência

OLHAR COM HUMOR > 6 MOSAICO BÍBLICO > 6 ÚLTIMA HORA > 7 NOTAS ECUMÊNICAS > 8 DICA CULTURAL > 9 RETRATOS > 32 TESTEMUNHOS > 33 REFLEXÃO > 36 ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Mai/Jun 2012

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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Nestor Paulo Friedrich Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, Ingelore Starke Koch, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Nestor Paulo Friedrich, Olga Farina e Vera Regina Waskow. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte sobre fotos: Diego Oliveira Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Airton H. Palm, Carine Fernandes, Cleide O. Schneider, Davi Haese, Edson Edilio Streck, Elismar Vilvock, Geraldo Schach, Marcos A. Rodrigues, Mayke M. Kegel, Nelson Kilpp, Roberto Zwetsch, Rui Bender, Sherron K. George, Silvana Isabel Francisco, Suzel Tunes, Tania Ayma Calle, Tiago S. Jaske, Valmi I. Becker, Vanessa Kreutz e Werner Kiefer.

Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 30,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

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Missão

A

o unir suas vozes para o canto, a comunidade cristã testemunha sua fé e também anuncia o evangelho. Nem sempre as pessoas prestam atenção ao conteúdo dos cantos que embalam as celebrações comunitárias. A canção de João Dias de Araújo, no hinário Hinos do Povo de Deus (HPD), nos leva a pensar sobre missão: “Que estou fazendo se sou cristão? Se Cristo deu-me o seu perdão? Há muitos pobres sem lar, sem pão, há muitas vidas sem salvação. Meu Cristo veio pra nos remir: o homem todo, sem dividir, não só a alma do mal salvar, também o corpo ressuscitar.” Esta estrofe tem tudo a ver com a missão da igreja, a missão do cristão, a missão da comunidade. Cada geração quer saber: o que é missão? Como interpretar para os dias de hoje a grande comissão que o evangelista Mateus registra no fim do seu evangelho (Mateus 28.1920)? A presença da igreja precisa ser visível como agente de transformação. São inúmeras as situações onde pessoas provocam nos outros dor e sofrimento pela violência, ódio e egoísmo. O teólogo e escritor luterano Lindolfo Weingaertner expressa o compromisso missionário nas estrofes de outro hino do HPD: “Se não houver quem diga ao mundo que só em ti há salvação, por falsos deuses enganado, perecerá na escuridão. Cidade que, sem atalaia, a espada não verá chegar, acordará desprevenida, o seu destino a lamentar.” O desafio da missão é anunciar o evangelho da salvação em Jesus Cristo em palavras e ações diaconais em favor das pessoas que não experimentam a “vida abundante”, que Deus deseja para seus filhos e filhas. Por isso, ser atalaia na cidade significa que a igreja precisa refletir sobre sua missão para que seja ouvida pelas gentes urbanas. Em sintonia com esse tema, a Novolhar traz artigos e depoimentos para enriquecer a compreensão de missão nos dias atuais. Também é assunto dessa edição o trabalho das mulheres bolivianas que lutam pelo direito à comunicação e informação. O relato comovente de um pastor de ovelhas no sul do Líbano nos aproxima do Mestre Jesus. Um pequeno recorte sobre a vida e contribuição do biblista luterano Milton Schwantes, recentemente falecido, pode também ser apreciado. Novos olhares sobre diferentes assuntos tornam a leitura dessa edição um momento de prazer e informação. Equipe da Novolhar


INFORMAÇÃO

LIVROS DA SINODAL

Editora Sinodal na FLIC Entre os dias 2 a 6 de maio, no Centro de Eventos São Luís, em São Paulo/SP, acontece a primeira Feira Literária Internacional Cristã-FLIC. Promovida pela Associação de Editores Cristãos do Brasil-ASEC, o evento é exclusivo para o setor de literatura evangélica no país. A FLIC é uma feira voltada para o público formador de opinião no meio cristão. Todos os esforços estão sendo feitos para alcançar esse público seleto, que contribui para a difusão e o fortalecimento da literatura cristã de qualidade no Brasil. Quarenta empresas participarão da feira, expondo seus livros ao público. Consta da programação da feira a entrega do Prêmio Areté 2012, na noite do dia 3 de maio. O Prêmio Areté é uma iniciativa da ASEC/ANLE, com uma programação especial para os con­vidados. Também estão previstas rodadas de negócios com livreiros e palestras sobre Marketsquare Brazil 2012. A Editora Sinodal está presente com estande próprio, expondo seus livros publicados nas áreas da teologia, educação cristã e formação de liderança cristã nas comunidades. O Centro de Eventos São Luís fica na rua Luís Coelho nº 323, São Paulo. Mais informações: (11) 3105-9644, 9353-6955 ou 9353-0466.

Conte sua história A Novolhar lança um desafio às comunidades da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) para 2012: Envie a história da construção do templo de sua comunidade. O texto deve ter até 2.500 caracteres com espaço e fotos em alta resolução. O Conselho Editorial escolherá seis histórias para publicar em 2013. Conte a sua história para os nossos leitores. Com o passar do tempo, muitas vezes, ricas experiências na construção de templos são esquecidas. Por isso a Novolhar disponibiliza um espaço para passar à história esses momentos importantes. Prazo para envio das histórias é o dia 31 de agosto de 2012. Envie por e-mail: novolhar@editora­sino­dal .com.br ou para Editora Sinodal (Caixa postal 11 – 93000-970 São Leopoldo/RS).

Visite nosso site Os conteúdos de todas as edições da NOVOLHAR estão à sua disposição no site. Visite, consulte, faça uso: www.novolhar.com.br

Tema da próxima edição A edição nº 46, de Julho/Agosto de 2012, tem como tema de capa as CRISES CONJUGAIS. Como lidar com as crises na vida conjugal e asx implicações do divórcio na vida familiar são o foco dessa edição.

por Cláudio Kupka É possível conhecer as pessoas que marcaram a história de muitas maneiras. Teólogos em geral deixam suas obras acadêmicas, pastores suas prédicas e personalidades deixam suas biografias. Bonhoeffer deixou-nos tudo isso. Mesmo vivendo somente 39 anos, Bonhoeffer deixou-nos obras de alto valor teológico, prédicas, poesias, orações e uma biografia inigualável. Ter uma ideia dessa riqueza sem empreender um amplo e apro­ fundado estudo é um dos benefí­cios da leitura desse livro. Cristo, disci­ pu­lado, amor, igreja, mundo, política e futuro são alguns dos grandes temas sobre os quais Bonhoeffer se pronunciou. Harald Malschitzky, um apaixonado pesquisador de Bonhoeffer, apresenta-nos a riqueza desses temas em 40 conjuntos de citações originais e textos meditativos. As meditações de Harald também são preciosidades. Comentam e contextualizam os textos de Bonhoeffer para o nosso tempo, ajudando-nos a perceber o quanto seu pensamento continua vivo e relevante para o nosso tempo. Com certeza, essa é uma obra de grande ajuda para quem quer se aproximar de Bonhoeffer. N CLÁUDIO KUPKA é teólogo e ministro da IECLB na Paróquia Matriz de Porto Alegre (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Mai/Jun 2012

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olhar com humor

MOSAICO BÍBLICO

Calendário do agricultor Nos tempos bíblicos, a maioria das pessoas estava envolvida com algum aspecto da agricultura, uma vez que todas as famílias possuíam ao menos um pequeno pedaço de terra para plantar. Grãos – 0 trigo e a cevada eram as culturas principais. Após as chuvas de outono, os agricultores aravam o solo e semeavam manualmente. Caso houvesse chuvas durante o inverno, o agricultor poderia colher em abril ou maio. Colheita – O agricultor ceifava os grãos com uma foice, deixando os feixes de palha para secar no campo. Em seguida, debulhava os grãos na eira, onde os bois esmagavam as espigas com os pés para soltar os grãos. Depois, o agricultor joeirava os grãos, atirando-os ao ar a fim de separá-los dos resíduos mais leves, que eram levados pelo vento. Por fim, os grãos eram peneirados e armazenados em sacos ou vasos grandes. Vegetais – Os israelitas cultivavam frutas, como uvas, figos e azeitonas, além de melões, tâmaras, romãs e nozes. Também cultivavam com frequência legumes como favas e lentilhas, hortaliças como cebolas e pepinos, além de algumas ervas. Animais – Ovelhas e cabras eram criadas para fornecer leite e carne, além de lã e pelos, utilizados na fabricação de roupas. Os agricultores costumavam usar asnos para transportar cargas e bois para puxar o arado.

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Fonte: Bíblia Sagrada com Enciclopédia Bíblica Ilustrada – Sociedade Bíblica do Brasil – 2011


última hora

Dia da Igreja em Igrejinha

Livro de Salmos para lembrar seu autor

Divulgação Novolhar

A Faculdades EST e a Editora Oikos, de São Leopoldo (RS), lançaram na quinta-feira 26 de abril, o livro “Salmos da vida – a caminho da justiça”, último texto preparado pelo pas­tor e Dr. Milton Schwantes, falecido no dia 1º de março em São Paulo. Autor de 48 obras completas, Schwantes era pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e professor na Faculdade Metodista de Teologia (FaTeo), da Universidade Meto­ dista de São Paulo. Ele doutorouse em Bíblia na Ruprecht-KarlsUniversität de Heidel­berg, Alemanha, em 1974, onde defendeu a tese “O direito do pobre” no Antigo Testamento. Schwantes completaria 66 anos no dia do lançamento do livro. O lançamento contou com a presença da companheira do autor, Rosi Schwantes, e aconteceu no auditório Dr. Ernesto Schlieper, da Faculdades EST, em São Leopoldo.

Lutero em Igrejinha, que foi inaugurada no dia 11 de março, abrindo o calendário oficial do Dia da Igreja 2012. A praça lembra os 500 anos da divulgação, por Lutero, de suas 95 teses, ou seja, os 500 anos da Reforma, a serem comemorados mundialmente em 2017. O Jardim de Lutero em Igrejinha foi inspirado em um projeto semelhante criado na cidade de Wittenberg, na Alemanha, pela Federação Luterana Mundial. “Ficamos motivados e estamos concretizando a proposta junto com a Paróquia Evangélica de Confissão Luterana em Igrejinha, com o apoio da Prefeitura Municipal. É um projeto que nos dá muita alegria”, comemorou Labes. N Fonte: Susanne Buchweitz, Assessora de Comunicação – Dia da Igreja 2012

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Anderson Oliveira Lima

Foi com espírito de motivação e compromisso que a comissão central da organização do Dia da Igreja do Sínodo Nordeste Gaúcho, da IECLB, encontrou-se em 29 de fevereiro, em Estância Velha (RS), para discutir o detalhamento do evento que acontece no dia 3 de junho em Igrejinha (RS). “Estamos trabalhando muito para ter novamente uma grande festa”, afirmou o pastor sinodal Altemir Labes. “É preciso pensar em tudo. A proposta é que as pessoas venham para cá para ter um tempo agradável, para celebrar, repartir e festejar. E para isso é preciso ver e rever cada detalhe”, acrescentou Labes. A pauta de trabalho na quartafeira incluiu também a revisão dos últimos acertos da Praça Jardim de

“Salmos da vida – a caminho da justiça”, foi o último texto preparado por Milton Schwantes

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“Foi um privilégio enorme ser arcebispo de Canterbury, quando tive acesso à vida de igrejas em todo o mundo de uma forma muito original. O privilégio de ser levado para o centro da vida da igreja local por alguns dias me permitiu ver o que realmente importa para as pessoas nas paróquias, escolas, prisões e hospícios.”

Notas ecumênicas

Rowan Williams – arcebispo de Canterbury, da Igreja Britânica e da Comunhão Anglicana mundial, ao anunciar que entregará o cargo até o fim do ano

Controle de armas

Rio + 20

Divulgação Novolhar

O nosso papel vem do fato de fazermos parte de um projeto de um Brasil sem miséria, um projeto para 85 milhões de brasileiros que precisam de qualidade de vida e de serviços públicos e que não alcançam a solução progressiva para essa qualidade e para a distribuição efetiva de riqueza sem crescer menos do que 4% ao ano.

PAZ

O comércio de armas suscita preocupações que tocam pontos centrais da fé cristã, como a santidade da vida, o mandamento de não matar e o preceito bíblico de amar os próximos. Declaração do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) ao reivindicar a urgente adoção de um Tratado de Comércio de Armas (ATT), que será negociado em julho deste ano

Rafael Soares de Oliveira, psicólogo, coordenador de Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, uma das entidades-chaves na coordenação da Cúpula dos Povos na Rio+20

O movimento pentecostal pode ajudar a recuperar o conceito de shalom para entender melhor as práticas de paz de que precisamos.

Honoris Causa Rudi Zimmer, diretor executivo da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), foi agraciado, em maio, com o título de Doutor Honoris Causa pelo Concordia Seminary de Saint Louis (EUA), instituição em que fez seu doutorado acadêmico.

Daniel Chiquete Beltrán – teólogo mexicano

Água A primeira e a última página da Bíblia colocam a água como elemento dominante. É como se nos quisessem dizer que toda a história da Terra, desde o seu começo até o final, é regida pela água. 8

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Humberto Jiménez G., professor de Estudos Bíblicos na Universidade de Antioquia e da Escola de Ciências Eclesiásticas da Universidade Pontifícia Bolivariana


DICA CULTURAL

O Artista: a era do cinema mudo por Willy Schumann

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o dia 6 de outubro de 1927, a América parou para assistir ao filme “O Cantor de Jazz”. Era o pri­meiro filme a utilizar a linguagem sonora a partir do som sincronizado com a imagem. Nascia, então, o cinema sonoro. O público pôde ver e ouvir o famoso ator Al Jolson, com o rosto pintado de negro, falar e cantar durante a projeção do filme através de uma parceria tecnológica entre a Warner Bros. e a Vitaphone, um gigante do mercado fonográfico americano da época. No final dos anos 1920, Holly­ wood vivia seu grande momento a partir de sucessos do cinema mudo. Produtores e astros estavam apavorados ao se deparar com a novidade tecnológica. Artistas como Charles Chaplin, Rodolfo Valentino, Sarah Bernhardt e Buster Keaton haviam criado uma forma de interpretação sedimentada na expressão física e facial e, agora, com o advento do cinema falado, estariam arruinados. Em 2012, a América parou novamente para assistir a um filme em preto e branco, que deixou de lado todos os recursos tecnológicos e sonoros. Trata-se de “O Artista”. A trama gira em torno de um conhecido ator

O Cantor de Jazz inaugurou o cinema com trilha sonora no ano de 1927, acabando com o cinema mudo. O Artista conta uma história tão boa que nem se percebe que não há diálogos

hollywoodiano que revela uma jovem atriz, cuja carreira decola enquanto a dele entra em declínio em função do nascimento do cinema falado. A história do filme é tão bem contada, que o público esquece que está assistindo a um filme em preto e branco e sem diálogos. “O Artista” é uma prova factual de que um bom filme não precisa, necessariamente, ser colorido, falado ou utilizar recursos de efeitos especiais modernos. O que conta mesmo é uma boa história, com bons atores, além de uma trilha sonora primorosa. É claro que eu não poderia deixar de mencionar o cativante cachorrinho chamado Uggie, que, sem dúvida, rouba a cena e merecia uma nova modalidade de Oscar: o de melhor ator animal. A produção franco-belga foi laureada com cinco estatuetas, entre elas: melhor filme, melhor ator (Jean Dujardin) e melhor diretor (Michel Hazanavicius). N WILLY SCHUMANN é jornalista em Curitiba (PR)

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Ivan Aivazovsky - Ship in a Stormy Sea

CAPA

Perigos, como tempestades e risco de naufrágio, fizeram parte das viagens missionárias do apóstolo Paulo; tudo para levar o evangelho aos gentios

O que é missão? por Rui Bender

desde o início, segundo os épicos relatos de atos dos apóstolos, fazer missão é uma atividade de risco para os seguidores de jesus. esteve ligado a perigosas viagens, inclusive com naufrágios. prisões, perseguição e risco de martírio exigiam coragem dos missionários. nas páginas a seguir reflexões sobre o desafio de fazer discípulos em todas as nações. 10

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M

issão vem do latim missio. Essa palavra corresponde ao verbo grego apostéllein, do qual deriva a palavra apóstolo, em portu­guês. Esses dois termos têm algo em comum: significam “envio”. Em sua origem, missão quer dizer envio. Alguém é enviado por outra pessoa para realizar alguma ação ou entregar alguma mensagem. “Mas, originalmente, o termo não tinha caráter religioso. Ele procede do âmbito secular, mais propriamente militar. Mesmo hoje, designa ações de cunho diplomático, comercial, político e até esportivo. O uso do termo na história cristã


tem a ver com a própria expansão do evangelho no Império Romano”, explica o missiólogo Roberto Zwetsch, professor da Faculdades EST em São Leopoldo (RS), no livro “Teologia Prática no Contexto da América Latina”. O livro bíblico Atos dos Apóstolos narra em detalhes as primeiras viagens missionárias de Pedro e de Paulo para fora do meio judaico-cristão. Paulo, Silas, Barnabé, Priscila, Áquila, Lucas, Marcos, Andrônico, Júnia, Clemente, Apolo e tantos outros cristãos e cristãs anônimos começaram a espalhar o evangelho de Jesus pelo mundo grecoromano após o evento da ressurreição de Cristo. Constituíram comunidades a partir de sinagogas e casas particulares, muitas delas dirigidas por mulheres. “Isso mostra que havia

cruzadas na Idade Média. Entretanto, o grande século da missão cristã foi o século 19. Esse se caracteriza por um intenso movimento de renovação espiritual. Grupos, associações e sociedades missionárias da Europa e da América do Norte encarregaram-se de expandir a fé evangélica para diversas partes do mundo ainda não atingidas pelo cristianismo. Partiu-se para a África, a Ásia e a Oceania. Assim foi se consolidando uma nova configuração da missão cristã. “É o hemisfério Norte evan­g eli­z ando o hemisfério Sul”, constata Zwetsch.

Não há consenso fácil na teologia em torno do conceito de missão. Zwetsch aponta duas tendências na teologia da missão no livro “Missão como com-paixão”: 1 – Missão é a proclamação do evangelho a quem não conhece Jesus como Salvador. Ela não tem fronteiras nem se deixa prender por qualquer tipo de limitação ou discriminação. Procura desenvolver o seu anúncio a partir do conhecido texto de Mateus 28.18-20 (grande comissão). 2 – Missão é participar do envio de Deus. Discipulado de Jesus é um dos

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PAULO e OUTROS COMEÇARAM A ESPALHAR O EVANGELHO DE JESUS PELO MUNDO GRECO-ROMANO E FUNDARam COMUNIDADES.

RENOVAÇÃO – Entretanto, muita coisa mudou depois dos dois primeiros séculos. “De igreja perseguida, o cristianismo passou a ser uma igreja que perseguiu e utilizou a força para impor-se aos povos não cristãos”, lamenta o missió­l o­g o. Há muitos exemplos do uso de força, como as

Reprodução Novolhar

uma metodologia própria nesses primeiros tempos, que não privilegiava indivíduos, mas equipes, mesmo que Paulo fosse reconhecido como líder”, observa Zwetsch.

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conceitos centrais dessa perspectiva missionária. Missão é missio Dei. A igreja cristã é instrumento na missão que é de Deus. A missão aponta para além da própria igreja que ajuda a construir. BÚSSOLA – “A missão é a razão de ser da igreja. Não obstante, é quase impossível dizer o que ela é. Cada geração de cristãos precisa redefinir o que entende por missão”, enfatiza Zwetsch. “A Bíblia não é um conjunto de ‘leis de missão’ que nos daria um receituário seguro para a prática da missão. Ela é antes um mapa ou uma bússola de orientação”, esclarece o missiólogo. De qualquer forma, “a missão faz parte do próprio ser da igreja. É a fé que se evidencia no dia a dia da vida como testemunho e serviço em amor”, define o pastor emérito Huberto Kirch­heim, pastor presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) nos anos de 1994 a 2002. Kirchheim vale-se das palavras de outro ex-pastor presidente da IECLB, Gottfried Brakemeier, para justificar a importância da missão:

“Igreja sem missão não tem futuro. Igreja sem missão trai seu mandato. Igreja sem missão permanece em dívida com as pessoas”. O assessor teológico da presidência da IECLB, pastor Romeu Martini, afirma que “ser igreja missionária não é uma questão de opção, e missão não é um assunto para um departamento ou um setor”. Na sua opinião, “ser igreja missionária é um espírito que perpassa o todo da ação da igreja”. Ele ainda acrescenta: “Missão implica, de modo muito especial, ultrapassar fronteiras geográficas, culturais, sociais, étnicas etc. A missão de Deus não conhece fronteiras”. Entretanto, há o risco de desfigurar o rosto da igreja na ânsia de querer ser igreja missionária. Martini entende que é fácil observar igrejas que crescem numericamente e que sempre há quem busque copiar ou imitar essas mesmas. Não se pode negar que há o que aprender com outras igrejas. “Mas, no atual supermercado religioso brasileiro, é enorme o risco de desfigurar o rosto da IECLB quando se tenta copiar ou imitar”, alerta Martini. Não obstante, “ser igreja missionária implica aprender mutuamente, permutar conhecimento, trocar experiência”,

Arquivo Pessoal

Missão implica, de modo muito especial, ultrapassar fronteiras geográficas, culturais, sociais, étnicas etc. A missão de Deus não conhece fronteiras.

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ROMEU MARTINI

arremata o assessor teológico. Martini observa que “há comunidades históricas, ‘antigas’, com belos exemplos de presença e ação missionárias”. PROJETOS – O assessor teológico lembra alguns projetos missionários da IECLB. Há iniciativas que surgiram a partir da migração de pessoas de confissão luterana e que a igreja decidiu acompanhar (Apuí, Sínodo da Amazônia). Também há projetos missionários que surgiram “do zero”, como iniciativas da IECLB em contextos onde não residem pessoas luteranas (projetos da Missão Zero no sertão nordestino). Assim como há projetos com um viés diaconal, normalmente em áreas periféricas, onde pessoas são acompanhadas em sua luta por dignidade. Martini entende que “toda ação em nome do evangelho tem uma dimensão diaconal, considerando que diaconia é o serviço solidário que brota da ação de Deus”. Há na IECLB projetos missionários junto a grupos em periferias urbanas, onde pessoas vivem em extrema pobreza ou em meio à violência. “Obviamente, ali o projeto terá um viés diaconal mais expressivo”, observa o assessor teológico. Para ajudar a compreender e a executar essa missão na prática, existe um instrumento na IECLB: o Plano de Ação Missionária (PAMI). Nesse plano, as ênfases são a formação, a sustentabilidade e a comunicação, conforme o assessor teológico. E falando em prioridade, há mais de duas décadas a missão urbana tem sido identificada como prioridade. Mesmo fortemente marcada como igreja de área rural por um bom tempo, na última década ficou claro “o quanto o povo da IECLB está nos centros urbanos e o quanto as características do mundo urbano também alcançaram as comunidades rurais”, constata Martini.


Pai da missão e, por extensão, do Pami é o próprio Deus, que através do Espírito Santo incumbe as comunidades com a tarefa missionária. Arquivo Pessoal

HUBERTO KIRCHHEIM

ORIENTAÇÃO – O Pami é resultado de um verdadeiro mutirão, segundo Kirchheim. Ele teve o seu momento expressivo na realização do fórum sobre missão em 2000 em Rodeio 12 (SC). Nascia ali a concepção básica do plano sob o título “Recriar e criar comunidade juntos”. “Já que a missão é de Deus, que a confia à comunidade, ela precisa ser reformada e recriada constantemente com o objetivo de reconhecer e assumir a sua dignidade e responsabilidade em seu contexto social, cultural e eclesiástico”, afirma Kirchheim. Para o pastor emérito,

“as ideias e os critérios do Pami se expressam no slogan Nenhuma comunidade sem missão. Nenhuma missão sem comunidade”. Foi no concílio da IECLB em Chapada dos Guimarães (MT), em outubro de 2000, que o projeto do Pami foi aprovado como documento orientador da IECLB. Ele corres­pon­d ia aos anseios e às expectativas das lideranças comu-

RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)

A missão é a razão de ser da igreja. Não obstante, é quase impossível dizer o que ela é. Cada geração de cristãos precisa redefinir o que entende por missão. ROBERTO ZWETSCH

Arquivo Faculdades EST

Quanto ao Pami, atribui-se ao pastor Kirchheim ser o “pai do Pami”. Mas ele próprio não se considera. Entende isso como expressão de cunho popular, até carinhosa. “Pai da missão e, por extensão, do Pami é o próprio Deus, que através do Espírito Santo incumbe as comunidades com a tarefa missionária”, frisa o pastor emérito. Junto com muitas pessoas “pude ser, pela graça divina, instrumento, animador e motivador do Pami”, acrescenta.

nitárias, que “há muito sentiam falta de uma proposta missionária”, lembra Kirchheim. E se tinha muito clara “a necessidade de retomar o tema missão de uma forma intensa e programática nesses novos tempos”. Como primeiros frutos da concretização do Pami, Kirchheim cita com orgulho que em muitos sínodos já existe um grupo permanente de missão e em quase todos os sínodos, bem como em algumas paróquias, foi elaborado um plano missionário estratégico. Hoje, o pastor Kirchheim sente alegria e esperança com a retomada da missão através do Pami. Por outro lado, sente-se frustrado com a demora em retomar esse plano. “Perdeu-se tempo precioso”, entende. Ele finaliza: “Igreja de Jesus Cristo é missio­nária por excelência. Caso contrário, não é igreja cristã. Essa consciência, contudo, precisa receber novos impulsos em cada tempo e lugar. Missão, pois, precisa ser constantemente ensaiada, vivenciada, aprendida. Faz parte do ser igreja”. N

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CAPA

Carine Fernandes

PAMI qualifica missão na IECLB

MAURO SCHWALM: O PAMI é um passo a passo metodológico com um roteiro sobre como im­ple­men­tar o planejamento de missão

por Carine Fernandes

A

s transformações ocorridas nas últimas décadas têm exigido da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) reflexão sobre a sua atuação e adaptação a novas realidades. O trabalho, antes desenvolvido fortemente em comunidades de interior, foi se expandindo também para áreas urbanas. Migração e urbanização intensificaram a presença da IECLB nesse contexto, colocando-a diante de diferentes desafios. “Precisamos continuar nos exercitando no aprendizado de ser igreja nas cidades. O ritmo urbano é diferente. Mudam o estilo do trabalho bem como o do lazer. Além disso, o receio diante da violência urbana faz com que as pessoas se recolham. Então, como moti­ vá-las a sair ou deixar de lado outras atividades, ou mesmo seu descanso,

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para vivenciar a sua fé em comunidade? É preciso adaptar-se e exercitar a criatividade constantemente”, acredita o pastor Mauro Schwalm, secretário de Missão da IECLB. Para ele, a realização bem-sucedida desse trabalho depende de lideranças preparadas, pois reunir comunidade em metrópoles exige um exercício diferenciado de linguagem e metodologia. Para auxiliar as comunidades da IECLB a lidar com esses e outros desafios, a compreender melhor o cenário em que atuam e a perceber por onde devem caminhar, a igreja desenvolve o Plano de Ação Missionária (PAMI) desde o ano de 2000. “É um instrumento que ajuda as comunidades a se auto­ana­lisar. No momento em que aprendemos a nos conhecer, no horizonte de nossos contextos de inserção, damos qualidade a nossas ações”, considera o pastor. À frente da Secretaria de Missão, que foi reati­vada no ano passado, uma das atribuições

de Mauro consiste em acompanhar o processo de execução do PAMI. O secretário de missão faz questão de salientar que o PAMI não quer induzir a um planejamento unilateralmente centrado em resultados. “Ele tem também um olhar de es­pi­ri­ tua­li­da­de, baseado no olhar amoroso de Deus, de perceber o contexto, de estudar o caminho a ser percorrido para cumprir a tarefa de levar o evangelho às pessoas. Para agir com mais qualidade, é preciso planejar ações, executar e avaliar as mesmas para ver se o caminho percorrido é o correto”, acredita. O texto-base do Plano teve sua primeira versão no período de 2000 a 2007 e, atualmente, está na sua segunda versão, a qual se estende entre 2008 a 2012. Do primeiro documento para o segundo, o PAMI procurou adotar uma visão mais realista das possibilidades da igreja. Uma das metas da primeira edição,


CAPA

CARINE FERNANDES é jornalista em Porto Alegre (RS)

Ser igreja na cidade por Edson Edilio Streck

P

regar a palavra de Deus e torná-la concreta em ações é mandamento que vem de Deus em todos os tempos e lugares. Deus confia, portanto, essa missão também a cristãos neste início de século e que residem em contexto urbano.

Há muitos relatos na Bíblia que nos ajudam a compreender e realizar essa tarefa. Jonas, por exemplo, é enviado para a grande cidade de Nínive. Fez o que pôde para fugir desse desafio, mas Deus não desistiu de seu intento. Por mais que fujamos, assim como Jonas, Deus não desiste de nos

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METRÓPOLE: O templo em meio à cidade como um desafio missionário

Debora Ludwig

por exemplo, cen­tra­va-se muito no aumento numérico de membros e comunidades. Para o pastor Mauro, isso não ocorrerá por decreto ou força de um texto: “Essa possibilidade está vinculada à capacidade de comunidades traduzirem a mensagem missionária no seu contexto e olharem para além dos seus muros, abrir-se para o seu entorno, cativando pessoas. As pessoas deveriam poder perceber onde estão as comunidades da IECLB e que é bom ser membro da IECLB”. Outra mudança da nova versão do PAMI foi a inclusão de três eixos transversais: educação cristã, sus­ten­ ta­bi­li­dade e comunicação. Além disso, foi oferecido um programa de qualificação e orientação sobre como articular o PAMI na prática. “Trabalha-se com base num passo a passo metodológico com um roteiro sobre como im­ple­men­tar o planejamento. Um grupo de assessores foi criado, e os mesmos visitaram sínodos auxiliando na im­ple­men­tação do planejamento, oferecendo suporte e capacitando lideranças para executar o mesmo”, explica o secretário de Missão. A segunda versão também estimula a reflexão acerca das boas iniciativas: não se trata apenas de olhar para o que precisa ser mudado; trata-se também de fortificar o que de bom vem sendo feito nas comunidades. Na avaliação do pastor Mauro, o PAMI desencadeou uma dinâmica significativa na vida da igreja. “Mas esse é um trabalho contínuo, que não se encerra em 2012. Bem pelo contrário! Quando se planeja, é preciso avaliar para então planejar novamente. 2012 será um ano decisivo para o PAMI, já que o plano será tema central no Concílio da Igreja. Ajudará a olharmos onde chegamos e como continuar”, acredita. N

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enviar para as grandes cidades. Jesus chamou, capacitou e enviou discípulos para que, em casas, vilas e cidades, anunciassem que o reino de Deus chegou. O apóstolo Paulo foi mestre em termos de missão e deixou-nos lições impressionantes para o ser igreja em contexto urbano. Na história recente de nossa igreja, há vários momentos em que esse tema retorna. Missão urbana não é algo novo. Novas são determinadas abordagens. Novos são compromissos que comunidades e sínodos colocam como prioridade na definição de suas ações estratégicas. Esse é o caso do Sínodo Rio dos Sinos. A maior parte de suas comunidades está localizada em contexto urbano. Esse fato levou a Assem­bleia Sinodal, em agosto de 2011, a definir o tema “Missão Urbana” como a prioridade que deve perpassar toda a ação missionária das comunidades localizadas nesse sínodo nos próximos anos. Algumas questões motivaram essa decisão. Como vivem hoje as pessoas num contexto urbano? Como vivemos nós em um mundo globalizado, na era da pós-mo­der­ni­dade ou da hiper­mo­der­ni­dade? Como nós nos organizamos hoje em nossa vida pessoal, familiar, comunitária, em sociedade? Considerando essa realidade, entendemos que é necessário elaborar uma pastoral (ação da igreja) a partir de modelos existentes, enriquecida com novas propostas de ação. Para tal, precisamos considerar as características da pós-modernidade, época que se caracteriza por profundas mudanças e pela velocidade com que essas transformam a vida de pessoas e da sociedade. Por um lado, o ser humano nunca produziu tanto conhecimento. As informações estão disponíveis com incrível rapidez. Por

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O apóstolo Paulo foi mestre em termos de missão e deixou-nos lições impressionantes para o ser igreja em contexto urbano. EDSON STRECK

outro lado, segundo Leonardo Boff, a sociedade está criando, “contraditoriamente, cada vez mais in­co­mu­ni­ca­ ção e solidão entre as pessoas”. A crise que atualmente atinge várias instituições também chegou à igreja. Há alguns anos, ela tinha uma palavra decisiva em relação a temas candentes. Hoje, a igreja encontrase em um espaço periférico. Quem e quantos ainda se importam com a opinião da igreja? Reconhecer esse fato leva a igreja a buscar novas formas de trazer seu testemunho. Uma série de aspectos marca nossa forma de viver: a transitoriedade, a cultura do supérfluo e do descartável, o predomínio do presente em

detrimento do passado e do futuro. Esses aspectos determinam também as relações inter­pes­soais. O ser humano, por mais que se comunique, convive com a solidão, o medo e a ansiedade e sente falta de perspectivas para planos a médio e longo prazos. As pessoas anseiam por algo seguro. A espiri­tua­li­da­de está em alta. Como as instituições tradicionais estão em baixa, as pessoas buscam suprir essa necessidade em outros lugares. O mercado religioso apresenta múltiplas ofertas. Cada pessoa escolhe a oferta que mais se adapta à necessidade do momento. Descarta-se, também em termos de espiritualidade, o que não serve mais. Quando o atendimento não satisfaz, simplesmente muda-se de igreja. Veem-se exemplos de espiritualidade individualizada, que não promovem a vida comunitária. Percebemos que, nesse momento e contexto, a igreja deve repensar sua forma de ir ao encontro das pessoas e promover vida em comunidade. Visando preparar-se para esse desafio, o Sínodo Rio dos Sinos, em parceria com a Faculdades EST, ofereceu em 2012 um Curso de Extensão sobre “Missão Urbana”, destinado a todos os ministros, ministras e líderes de comunidades. Outra decisão tomada pelo Conselho Sinodal é a elaboração de um projeto de “Pastoral da Consolação”, que tem por objetivo colocar pessoas, em nome de Cristo, ao lado de enfermos e seus familiares, que buscam atendimento em hospitais localizados em nosso contexto urbano. Curar doentes é uma das ações prioritárias que Jesus estabelece a seus seguidores. Como essa não seria prioridade em nossa ação, no contexto e no momento em que Deus nos coloca? N

EDSON EDILIO STRECK é pastor sinodal do Sínodo Rio dos Sinos em São Leopoldo (RS)


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Missão faz a igreja crescer por Geraldo Schach

a igreja deve apostar no senso de responsabilidade dos membros, confiando a eles a tarefa de participar também no planejamento das metas, das atividades comunitárias, da elaboração e da execução de um orçamento que privilegia a tarefa missionária da igreja.

O

crescimento de uma comunidade não se mede pelo número de membros que a compõem. Aliás, nem é preciso medir. Basta ser comunidade que se espelha no Cristo que veio, não para ser servido mas para servir. Onde impera o amor de Deus, ali o amor ao próximo é conse­ quência. A felicidade das pessoas é fruto da gratidão pelas dádivas de Deus. Logo, o segredo da missão é a gratidão.

Muito além de orações piedosas e de belas palavras de efeito emocional, a gratidão manifesta-se nas mãos calejadas, no suor do rosto, nas lágrimas, na solidariedade e no brilho do olhar, na partilha e na comunhão. Onde Cristo é o Senhor, ali a graça de Deus transforma o nosso jeito de olhar o mundo e as pessoas. Repartir alegria e dor é próprio de quem descobriu que a verdadeira felicidade é dádiva do Deus que transforma vidas. A igreja luterana tem uma excelente teoria e visão missionárias, mas a prática comunitária nem sempre é coerente com o evangelho, o que fere a credibilidade e gera desmotivação. Repetindo o velho chavão “ninguém quer assumir cargos na igreja”, esta­ mos desestimulando o en­ga­ja­men­to de novas lideranças e, ao mesmo tempo, ajudamos “os mesmos de sempre a se perpetuar no poder” por meio de sucessivas reeleições. E reclamamos da ausência dos jovens na igreja.

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GERALDO SCHACH

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Coragem para praticar escolhas democráticas de lideranças ajudará a desobstruir os canais (regulamentos, costumes, tradições) que enges­sam a missão em nossa igreja. Confiar nos fará compartilhar e descentralizar. E descobriremos que, na verdade, os que nada querem sabem fazer até melhor do que nós. Crescer pela missão exige respeitar os espaços dos demais. Também a prática da contribuição obrigatória, com valores fixados para os membros, contradiz e dificulta a vivência evangélica do “levar as cargas uns dos outros” (Gála­tas 6.2). Respeitar e valorizar as pessoas em sua realidade existen­cial evitará sua debandada para outras denominações, em que se sentirão bem acolhidas. Por que não apostar no senso de responsabilidade dos membros, confiando a eles a tarefa de participar também no planejamento das metas, das atividades comunitárias, da elaboração e da execução de um orçamento que privilegia a tarefa missionária da igreja? A exemplo da contribuição voluntária, também as ofertas dos cultos, trazidas ao altar, tornam-se instrumento missionário na medida em que são consagradas em oração para a obra do reino de Deus. Ofertar com alegria é tudo o que as pessoas querem, mas é preciso criar um ambiente acolhedor, que respeite o espaço onde elas se sintam motivadas e à vontade para fazê-lo. Ao invés de esperar as pessoas na porta, a igreja vai ao encontro delas ali onde elas vivem e trabalham. O corpo a corpo é a mais eficiente forma de missão e de comunicação. Em Itapema (SC), os luteranos estão organizados em grupos de famílias conforme a localização geográfica e reúnem-se nas casas, juntamente com amigos e vizinhos, também os de outras confissões religiosas, muitos

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dos quais, espontaneamente, cedo ou tarde, acabam integrando a vida da comunidade luterana. Nesses encontros, com ou sem a participação do pastor, as pessoas compartilham alegrias e preocupações, debatem temas da atualidade, oram, cantam e estudam a Bíblia. O coordenador de cada grupo de famílias tem assento nas reuniões mensais do presbitério, favorecendo assim a comunicação, a integração e a dinâmica da vida comunitária. Em con­se­quên­cia, as pessoas engajam-se nos trabalhos de diaconia, liturgia, comunicação, visitação, organização de retiros, celebração de eventos etc. A participação nos cultos triplicou, e a resposta em forma de contribuições, ofertas e campanhas de solidariedade supera todas as expectativas. Comunidade que cresce pela missão aprende a unir forças no en­ ga­j a­m ento ecumênico com outras igrejas. Da mesma forma, investe e usa os diferentes meios de comunicação como rádio, TV, internet, telefone, boletins informativos, avisos, murais, cartazes, outdoors e outros. Comunidade satisfeita consigo mesma é comunidade desconectada, e comunidade desconectada não passa de uma mera agência de prestação de serviços religiosos. As comunidades no litoral do Sínodo Vale do Itajaí, em fidelidade ao Senhor da igreja, juntam forças e coragem para combater o legalismo, a soberba, a luta pelo poder e a projeção pessoal. Ao mesmo tempo, movidas por gratidão, testemunham a fé com alegria, ensaiando o acolhimento, a solidariedade e a comunhão. São comunidades aprendizes, sempre em missão. N GERALDO SCHACH é teólogo e ministro da IECLB aposentado em Meia Praia (SC)

Sonho no por Airton Härter Palm e Marcos A. Rodrigues

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sertão nordestino é uma das regiões mais pobres do Brasil. A falta de água, a má política dos go­ver­ nan­tes, a ineficiência na educação, saúde e emprego fazem dessa uma região muito carente. Espiritualmente, a perspectiva é a mesma, pois 95% das pessoas praticam o chamado “catolicismo popular”. As pessoas adoram e fazem procissões a Maria, em suas muitas “facetas”, ao Padre Cícero, ao Frei Damião e outros. É nesse contexto que, em 2001, a Missão Zero realizou o primeiro projeto missionário luterano no sertão nordestino. Pessoas de várias partes do Brasil ficaram alojadas em uma escola na cidade de Araripina (PE) durante cerca de 30 dias, faszendo visitas CRATO: o projeto Sítio Modelo ajuda famílias necessitadas

Arquivo Missão Zero/IECLB

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de casa em casa, apresentando-lhes o evangelho do Senhor Jesus Cristo e levando-as a um compromisso pessoal com ele (Romanos 10.9-10). Além disso, fez-se o convite para cultos diários em uma praça da cidade, em que havia música (louvor), teatro, coreografia, pregação da Palavra, chamado a um compromisso com Jesus e trabalho com crianças. Foi realizada uma programação especial para crianças e atendimento na área de saúde, direito etc. Ao final do período, com as pessoas que assumiram um compromisso e com outras que se interessaram, começou a nova comunidade luterana. Essa experiência repete-se ano após ano. Hoje existem onze comunidades em Ara­ri­pina (PE), Crato – bairros Seminário e Muriti (CE), Juazeiro do Norte (CE), Barbalha – Sítio Lagoa (CE), Te­re­si­na – bairros São João e da zona rural do sertão nordestino no plantio de hortaliças

Arquivo Missão Zero/IECLB

sertão

MISSÃO ZERO: Uma IECLB com feições nordestinas brota no sertão e nas capitais do Nordeste

Planalto Uruguai (PI), Ouricuri (PE), José de Freitas (PI), Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), além de cinco pontos de pregação. Ao todo, são em torno de 450 membros atuantes nas comunidades da Área Missionária Luterana no Sertão Nordestino.

Somos Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, uma igreja de nordestinos. Com a alegria, a espontaneidade, o sentimento “à flor da pele” e o acolhimento típico do povo dessa terra, procuramos celebrar e vi­ven­ciar a vida de fé de uma forma con­tex­tua­li­za­da, de modo que os irmãos da igreja luterana no sertão nordestino sintam a alegria de fazer parte da grande Igreja de Jesus Cristo. E essa alegria contagia outros para se juntar a essa família. A vontade de Jesus é que as pessoas experimentem “vida em abundância” (João 10.10b). Quando o evangelho do amor de Deus encontra as pessoas necessitadas, surge a diakonia (serviço). O envolvimento com as pessoas dessa região em suas lutas e dificuldades faz brotar o anseio por auxiliá-las na busca por melhores condições de vida. Projetos missionários e diaconais ajudam a pintar um novo quadro de vida para muitas crianças, jovens, mulheres e homens sertanejos. O projeto Vida Plena atende cerca de sessenta

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Arquivo Missão Zero/IECLB

DIACONIA: Música é instrumento de mudança de vida e de perspectivas para crianças e jovens

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crianças carentes da Vila Bringel em Araripina (PE), oferecendo reforço escolar, iniciação musical e ensino cristão. O projeto Sítio Modelo ajuda famílias da zona rural no plantio de hortaliças. Material para irrigação por gotejamento, sementes e o suporte técnico são oferecidos aos produtores para um plantio agroecológico. Já são mais de dez famílias beneficiadas, que dobraram sua renda mensal. O projeto Pão da Vida, padaria-escola, oferece ferramentas para que pessoas apren­dam a produzir e comercializar os produtos, melhorando a renda. A Região Missionária Luterana Nor­deste e Belém reúne os esforços missionários da IECLB num grande pedaço do Brasil. A metade norte do Pará, Bahia, Sergipe, Alagoas, Per­nambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão compõem essa vasta e bela região, de muita diversidade cultural, social, econômica e religiosa. Belém do Pará é uma comunidade urbana de periferia com feições indígenas, culturalmente identificada com as tradições amazônicas, e de diversidade ecumênica, ponto de encontro do movimento inter-religioso. Grupos folclóricos e culturais, a música, a arte e a dança enriquecem a vida litúrgica da comunidade.

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A comunidade em São Luís foi desejada há sete anos por ma­ra­nhen­ses que descobriram a IECLB através da internet. Hoje a comunidade tem 35 membros efetivos e dois projetos que atendem crianças e jovens. Música é instrumento de mudança de vida e de perspectivas para 45 crianças e jovens que se integram ao projeto. Além de aprenderem um instrumento e cantarem nos corais, são integradas à comunidade através de encontros bíblicos e de jovens. A cara da IECLB em São Luís é jovem, negra, índia e branca, a cara do Brasil. No Piauí, a Missão Zero iniciou comunidade em José de Freitas com um projeto de impacto. Agora a comunidade se empenha para construir seu templo. O trabalho da comunidade

AIRTON HÄRTER PALM é diretor executivo do Movimento Encontrão em Curitiba (PR) MARCOS A. RODRIGUES é teólogo e ministro da IECLB em Fortaleza (CE)

Pão da Vida: padaria-escola oferece ferramentas para produzir e comercializar os produtos

Arquivo Missão Zero/IECLB

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em Recife vive um processo de reestruturação, buscando aproveitar seu potencial de influência nas capitais do Nordeste para expandir a presença da IECLB. As comunidades em Gravatá (PE), na região serrana, e Caruaru, no agreste, têm intensa presença jovem e trabalho diacônico voltado a adolescentes e jovens. Em Fortaleza (CE), o Projeto Casa Aberta abre as portas e o coração da comunidade para crianças, adolescentes e jovens empobrecidos, oferecendo um espaço seguro para brincar, refletir e buscar a superação de suas realidades através da arte, dança, música e expressões culturais como a capoeira. O caminho escolhido foi a presença diacônica através do trabalho com crianças, adolescentes e jovens. Diversidades e diferenças são o pão nosso de cada dia, nosso trabalho e alegria. Elas enriquecem o sabor da vida na IECLB e abrem nosso paladar para experimentar novos costumes, possibilidades, enfim, crescer na diversidade desse Deus todo-amoroso que nos convida para viver apaixoN nadamente a sua missão.


Arquivo Diaconia

CAPA

VOLUNTARIADO: A Diaconia destaca o envolvimento voluntário na visitação hospitalar

Ação diaconal por Valmi Ione Becker, Davi Haese e Mayke Marliese Kegel

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Departamento de Dia­co­nia do Sínodo Norte Ca­ta­ri­nense tornou-se Campo de Atividade Ministerial (CAM) em 2009. Uma vez contratada e instalada, a ministra eclesiástica foi ouvir o voluntariado en­ga­ja­do no serviço cristão das comunidades. Centrou sua atenção nos quatro pilares de trabalhos diaconais que movem a missão do Departamento de Diaconia do Sínodo: pessoas com deficiência e seus familiares; visitação domiciliar

e hospitalar; cuidado dos cuidadores e cursos sobre acompanhamento a doentes terminais e familiares. O sucesso de qualquer trabalho depende da capacitação do volun­ta­ria­ do. Cabe lembrar a visitadora que foi ao encontro de uma família afastada da comunidade por causa de ofensa pública num culto. No primeiro encontro, a visitadora limitou-se a ouvir os porquês do afastamento, as mágoas e as saudades dos bons tempos de convívio comunitário. Na segunda

visita, a referida família já demonstrava interesse em voltar a participar da igreja. Ora, essa reação foi fruto da boa visita protagonizada. Há mais exemplos de missão como ação diaconal no Sínodo Norte Ca­ta­ ri­nen­se. Esse trabalho faz a diferença; desenvolve esperança, dignidade e vontade de servir ao próximo. A dia­ co­nia e a missão são os dois eixos do Plano de Ação Missionária da IECLB (PAMI), que caminham de mãos dadas tanto para dentro como para fora das comunidades. Davi Haese é diácono e atua na Comunidade de Riacho do Mel – CAIC em Gravatá (PE). Já passou por experiências difíceis nesse trabalho. Aqui e ali, sentiu-se tentado a desistir e a voltar à zona de conforto. Foi preciso resistir, prestar mais atenção a seu ministério para não sucumbir. Viveu situações extremas: assassinatos à queima-roupa; consumo e tráfico de drogas entre crianças e adolescentes; jovens baleados morrendo no colo da própria mãe; esposas esfaqueando o próprio companheiro; nascimento de bebês a caminho do hospital, enfim, situações que o fizeram mais forte na luta pela justiça. O compromisso da Ação Diaconal resultou na germinação de bom fruto. A comunidade luterana nordestina e a ONG “Pró Ludus O Caminho” (Associação Luterana Pró Desenvolvimento e Universalização dos Direitos Sociais) crescem e se fortalecem. Ambas as instituições desenvolvem atividades prioritárias no atendimento a crianças, adolescentes, jovens e suas famílias em situação de risco pessoal e social a partir da “brin­que­do­te­ca”. O resgate da cidadania das pessoas, da transformação da realidade ameaçada pela morte em espaço digno para viver, da autoestima e do compromisso para os diferentes serviços já se mostra. É a vida coletiva sendo

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CAPA

Resgate da fé simples

INTEGRAL: Espiritualidade e apoio de toda ordem estão entre as atribuições diacônicas

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sustentada pelo testemunho, pela audácia e pela coragem da fé em Deus e pela vontade incansável de anunciar o evangelho da vida e denunciar as injustiças no mundo. A Comunidade Evangélica de Joinville (CEJ) desenvolve ações diaconais direcionadas a todas as pessoas. Auxílios de materiais básicos em momentos de catástrofe foram e ainda são recolhidos para reenvio em mutirões. No passado, as mulheres da Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE) tiveram a preocupação de cuidar da saúde. Desse olhar surgiu o Hospital Dona Helena. Não se resumiu apenas a isso. Hoje também se olha para os pequeninos de Jesus. A CEJ, através do Departamento de Assistência Social – Diaconia, desenvolve ações que tentam exercitar o cuidado amoroso de Jesus por sua criação com atendimento às famílias que necessitam de

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coisas básicas (alimento, roupa, documentos, medicação, escola); que têm pessoas com deficiência e buscam entender-se como imagem e semelhança de Deus; que enfrentam o mundo da dependência química e das diversas compulsões (jogo, compras etc.); que não têm o que vestir nos seus bebês; que precisam deixar suas crianças des­pro­te­gi­das no contraturno da escola; cujos membros estejam vivendo a ter­mi­ na­li­da­de de sua vida. Trata-se de uma ação de amor movida pela fé em Jesus Cristo. Nosso Batismo leva-nos a fazer missão em ações diaconais internas e externas de nossa comunidade. Sim, a diaconia é fé em ação, missão de todos nós, filhas e filhos de Deus. N

VALMI IONE BECKER e DAVI HAESE são diáconos da IECLB em Joinville (SC) e Gravatá (PE), e MAYKE MARLIESE KEGEL é teóloga e ministra da IECLB em Joinville (SC)

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ais uma “Marcha para Jesus”. Ruas lotadas de gente cantando e dançando ao som da música gospel que sai do carro de som, tão estridente que quase encobre os “glórias” e “aleluias” que se multiplicam. Ao microfone, alguém “toma posse” da cidade e “profetiza” que, agora sim, ela é de Jesus... Está tudo dominado! Ou quase...

FIM DO SHOW: Eles querem levar o evangelho a todos, ma

Arquivo Pessoal

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Arquivo Diaconia

por Suzel Tunes


No meio da multidão, um pequeno grupo de pessoas surge empunhando uma faixa com os dizeres “Voltemos ao evangelho puro e simples. O show tem que parar”. A frase não deixa dúvidas: os manifestantes também são evangélicos. Eles também querem levar o evangelho a todas as cidades, “até os confins da Terra”, como apregoou Jesus. Só não acreditam que megaeventos como marchas e shows gospel sejam meios de evangelização. “Esses eventos são marcados por valores distantes das essências do cristianismo. Por exemplo, a ‘Marcha para Jesus’ tem boa música para dançar, gritos de guerra para extravasar, moços e moças para paquerar, porém a dinâmica do movimento é conduzida com uma perspectiva de entretenimento, de diversão. Há pouca maturidade, pouco crescimento. Essa multidão faz parte de um grande jogo de interesses, que vão do lucro ao voto e ao poder político”, dispara o pastor Paulo Siqueira.

Bacharel em Teologia pela Universidade Metodista, o pastor Paulo é pentecostal, membro da Igreja do Evangelho Quadrangular, mas considera que o chamado “neo­pen­te­cos­ta­lis­mo”, que tem prevalecido nos meios de comunicação e patrocinado manifestações de massa, está se distanciando da experiência de fé que deu origem ao movimento pen­te­cos­tal. “A igreja pentecostal nasceu com o único propósito de estender o evangelho a todo o mundo. Esse foi o propósito de muitas denominações, até aproximadamente a década de 1990, mas algo surpreendente aconteceu: quanto mais a igreja cresce em número de membros, de poder midiático e político, mais ela abandona sua missão, sua tradição e sua identidade”, critica o pastor. Ele avalia que hoje a igreja sofre as influências do “capitalismo moderno”. “Uma igreja grande é uma possibilidade de votos, de consumo, e isso no mundo corporativo tem gran-

as não acreditam que megaeventos como marchas e espetáculos de música gospel sejam meios de evangelização

de valor. As essências do verdadeiro evan­gelismo vão se perdendo, pois uma igreja cresce para que responda aos anseios de lucro pelos acionistas, no caso seus líderes”, afirma. Para resgatar as essências do “verdadeiro evangelismo”, Paulo Siqueira e a esposa Vera têm contado com a ajuda da internet. Os dois são autores de blogs nos quais discutem a religiosidade brasileira e estimulam ações de “responsabilidade social”, como a doa­ção de sangue. “Não posso chamar uma organização cristã de igreja se essa não atende aos anseios dos que sofrem e não promove a vida e a justiça”, diz o pastor. Para o teólogo Ricardo Gondim, pastor da Igreja Betesda e autor do livro “Missão Integral – em busca de uma identidade evangélica”, não se pode fazer distinção entre missão (que muitos entendem como “ação social”) e evangelização. “Missão e evan­ge­li­za­ção são uma coisa só. A evan­ge­li­za­ção tem que ser diaconal”, afirma Gondim. Ele explica que o mundo evangélico ainda pensa como os gregos, que enxergavam espírito, alma e corpo como entidades distintas. Por isso fala tanto em “salvar almas”. “Precisamos retomar a visão semítica, a visão de Jesus, que via o ser humano de forma completa, salvando a vida na sua integralidade, dentro de seu contexto social, histórico e econômico”, diz ele. Ter a visão de Jesus também implica olhar para o próximo com amor e humildade, lembra o teólogo. Hoje – diz ele –, a igreja evangélica olha para “um mundo que jaz no maligno”, sentindo-se superior. A “teologia da queda”, diz Gondim, faz com que o evangélico veja seu próximo como um ser caído, destituído da graça de Deus. Essa visão impede o diálogo e isola o evangélico num sentimento de superioridade.

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Para fazer missão, é preciso repensar esses pressupostos teológicos, alerta Gondim. Ver no próximo a imago Dei, imagem de Deus, é o primeiro passo. Foi o que o apóstolo Pedro aprendeu a fazer no episódio relatado no capítulo 10 do livro de Atos dos Apóstolos, lembra Gondim. Liberto de seus preconceitos, Pedro conseguiu enxergar o centurião Cornélio como um irmão e compartilhar com ele o “evangelho da paz”. E o Espírito Santo derramou-se sobre todos os que ouviam a palavra. N

Arquivo Pessoal

SUZEL TUNES é jornalista em São Paulo (SP)

Ver no próximo a imago Dei, imagem de Deus, é o primeiro passo para a missão. Foi o que o apóstolo Pedro aprendeu no seu encontro com cornélio. RICARDO GONDIM

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Parceria na missão por Sherron K. George

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uma visita à Comunidade Teológica Evangélica do Chile, na qualidade de consultora em educação teológica e representante na América do Sul da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUSA), o moderador da Iglesia Evangélica Presbiteriana en Chile disse: “A melhor maneira de vocês nos auxiliarem é facilitando a publicação de nossos livros”. Depois visitei a Faculdades EST e a Editora Sinodal, em São Leopoldo (RS), e fiquei maravilhada com a alta qualidade de seus projetos. Um sonho da PCUSA era a publicação da Série Parceria na Missão de Deus em português e espanhol para enriquecer a missiologia contemporânea latino-americana. Esse projeto conjunto foi proposto à Editora Sinodal, devido à sua excelência em publicações sérias e ao nosso desejo de expandir nossas parcerias com uma igreja luterana, e ao Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), nosso parceiro com experiência editorial. Numa reunião em Quito, Equador, em 2005, a Editora Sinodal e o CLAI aceitaram nossa proposta; juntos elaboramos o projeto e decidimos os primeiros títulos. Convidamos a Aliança de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina (AIPRAL) para nos assessorar.

Nos primeiros anos, todos os livros foram publicados em São Leopoldo. Agora, o CLAI está coordenando a publicação dos livros em espanhol. Todos os parceiros procuram novos originais ou livros a serem traduzidos de um idioma para outro e leem e avaliam as propostas recebidas. Já há sete títulos em português e sete em espanhol. Com as vendas e a boa administração, a semente-doação inicial tem se multiplicado. O projeto era para cinco anos, mas seu êxito leva-nos a estendê-lo por tempo indeterminado.


A área em que se publicam livros é a missiologia, na qual há carência de conceitos claros, de fundamentação bíblico-teológica e de perspectiva ecumênica. Entendemos que a missão é de Deus e que as diversas igrejas e outras agências participam juntas nela. A missão abrange três dimensões básicas: evangelização, acolhida e discipulado, visando ao crescimento e à maturidade de igrejas; diaconia compassiva, visando à dignidade do ser humano e ao atendimento de toda uma gama de necessidades humanas; ação social/profética, visando à paz, à justiça e ao cuidado com a criação na construção de sociedades que sinalizam o reino de Deus. Muitos títulos ficam dentro de uma dessas dimensões. Outros procuram uma visão integradora e focalizam a cooperação ecumênica. Os objetivos da Série Parceria na Missão de Deus são: Publicar livros latino-americanos na área de missão em português e espanhol rumo a uma missiologia latino-americana; Descobrir novos autores e autoras de diversas igrejas e países na América Latina e no Caribe; Contribuir para a formação mis­ sio­lógica de pastores, pastoras, líderes comunitários, professores, professoras e estudantes de teologia para que motivem e equipem suas igrejas para participar mais efetivamente da missão local, regional, nacional e global no Brasil, em toda a América Latina e no mundo; Modelar parceria entre Editora Sinodal, CLAI, AIPRAL, PCUSA e outras igrejas e coeditoras em todo o processo; divulgar e distribuir os livros em toda a América Latina e N Caribe e em outros países.

SHERRON K. GEORGE é teóloga, missionária, missióloga e escritora em Curitiba (PR)

RICARDO GONDIM

Outra espiritualidade possível Como a cigarra que só deixou uma casca, chegou a hora de algumas instituições religiosas se verem mero registro histórico de boas intenções. E deixem suas suntuosas catedrais como recordação da religião imponente, guerreira, voluntariosa, que um dia foram. Passou o tempo da religião especializada em doutrinar. Ficou para trás o sistema obcecado por pensamentos lineares; intransigente nas leituras literais; inflexível nos pressupostos. O projeto de incutir salvação como anuência acabou. Aprender o catecismo para ser considerado um discípulo mostrou-se incapaz de promover um bem social. A religião que privilegiou o individualismo se esvaziou. O bem coletivo nasce do diálogo, da abertura para o diferente, nunca de decorebas. Para ressurgir, o movimento, que se pretendia evangélico, deve abandonar sua casca dogmática e legalista – que teve pertinência, mas hoje exige a alma de muitos. No desmonte desse esqueleto religioso, é preciso denunciar também o eleicionismo teológico. Nada mais patético do que considerarse preferido entre bilhões. Saber-se eleito significa acreditar que, em alguma época passada, numa eternidade remotíssima, Deus distinguiu alguns e preteriu a maioria. Indica afirmar que os benefícios divinos foram seletivamente distribuídos – sem que se saiba por quais critérios. Essa convicção só pode gerar uma segurança ilusória – que não só enche de empáfia, como ajuda a distanciar o punhado sortudo do drama que os demais sofrem. Vaidade espiritual vem daí. Há de repensar-se a função do sacerdote. Não pode existir uma elite representante de Deus. Como aceitar que o acesso ao Divino seja complicado ao ponto de exigir burocratas? Peritos, especialistas em divindade, não passam de sicofantas – carreiristas, alpinistas amarrados ao sagrado. Espiritualidade não se reduz à técnica; ela prescinde de traquejos. Um “Deus que funciona” não passa de um autômato. As relações com ele não dependem de se aprender o jeito de fazê-lo responder a estímulos corretos. O clericalismo, detentor dos mistérios da divindade, abriu a porteira do estrelismo. E religião que reforça vedetismo, robustece o ego e desmerece a simplicidade não é digna de ser chamada “seguimento de Jesus”. Na mensagem do Nazareno, benignidade triunfa sobre teoria e a busca da justiça se concretiza em ações transformadoras. Longe da mentalidade gerencial, outra espiritualidade florescerá nas fissuras das estradas de terra. Ali, na poeira do dia a dia, virtude desprezará gestos ocasionais para grudar na pele de pessoas comuns. O percurso que separa o cristianismo da cristoformidade parece longo e difícil. Todavia, não vai demorar para os seguidores de Jesus aprenderem que “religião de verdade, que agrada a Deus, o Pai, é esta: cuidem dos necessitados e desamparados que sofrem e não entrem no esquema de corrupção do mundo” (Tiago 1.27). Soli Deo Gloria RICARDO GONDIM é teólogo. Fonte: www.ricardogondim.com.br

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apocalipse

Preparado para o fim?

J

á começou. Um clima de expectativa em torno de mais um anúncio de fim do mundo está mexendo com as pessoas. Eso­té­ ricos de plantão afirmam que, segundo previsão maia, um evento catastrófico planetário deve ocorrer no final do ano. O deadline do apocalipse é o dia 21 de dezembro de 2012. Esse tipo de previsão tem audiência garantida há milhares de anos e ainda hoje. O que, afinal, está por trás da previsão maia? O que ela tem a ver com o Apocalipse, um dos livros mais lidos da Bíblia e que tem dado origem a muitas interpretações e polêmicas? Qual é a mensagem do Apocalipse? Os maias deixaram uma impressionante civilização, surgida entre 2.000 e 1.500 anos antes de Cristo, que mais tarde foi “absorvida” pelos astecas, ainda antes da chegada dos espanhóis. Essa civilização deixou um legado na América Central que intriga os pesquisadores até hoje. Poucas civilizações deixaram registros tão significativos sobre astronomia, matemática e arquitetura. Seu calendário foi aperfeiçoado ao longo de 1.200 anos, com cálculos tão precisos e que eram capazes de relacionar os movimentos do Sol, de Vênus, da Lua e das constelações num mesmo calendário, ainda hoje usado nas comunidades de origem maia, provando que o fim dessa fascinante cultura indígena é um mito.

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Com uma percepção cíclica do tempo – não linear, como a nossa –, os maias entendiam que os fatos se repetem de tempos em tempos, permitindo prever o futuro. Assim como as fases da lua e as estações do ano, também a história se repete num círculo virtuoso, permitindo prever chuva e estiagem, fartura e carestia, vigor e declínio civilizatório e a chegada de novos governantes. O calendário maia é dividido em eras de 5.125 anos, subdivididas em 13 baktunes de aproximadamente 400 anos. Num registro encontrado no sítio arqueológico de Tortuguero-México consta a data “4 Ajaw 3 K’ank’in” (em nosso calendário, é o dia 21 de dezem­ bro de 2012). É o fim de uma era de 13 baktunes, ao término da qual o deus Bolon Yokte retornaria para começar uma nova era. Para quem tem percepção linear do tempo, isso é difícil de entender. O apocalipse encaixa-se bem em nossa visão porque o tempo corre em linha reta rumo a um final. Para os maias, o tempo anda em círculos. Quando uma era fecha a roda, começa outra. Não há espaço para o apocalipse. Por muito tempo, essas inscrições foram um mistério. Hoje se sabe que são previsões com recomendações gerais para o povo, desde o nome e o destino de cada pessoa até questões sobre colheitas ou o clima. A visão cíclica do tempo e a

Shareyourwallpapere.com

por Clovis Horst Lindner

observação cuidadosa dos acontecimentos permitiam antecipar-se à repetição no próximo ciclo, o que era parte fundamental do pensamento maia. Apocalipse – Nossas previsões de que o mundo vai acabar têm origem no medo do futuro e na perspectiva de um fim catastrófico, como castigo divino pelos desmandos da humanidade. Especialmente na época de Jesus, o apocalipsismo era muito popular. O livro do Apocalipse é apenas um dos muitos textos da época. Marcos 13, Mateus 24 e Lucas 21 são outros exemplos de textos apocalípticos no Novo Testamento. Isso é como lenha na fogueira das seitas e da criatividade dos estúdios de Hollywood. Mas não pode ser medida para a fé fundamentada em Jesus Cristo. Embora seja um dos livros mais pesquisados e que mais despertam a curiosidade de todas as gerações de cristãos, o Apocalipse não apresenta


previsões de que o mundo vai acabar têm origem no medo do futuro e na perspectiva de um fim catastrófico como castigo divino pelos desmandos da humanidade.

previsões que possam ser calculadas. Qual é, então, a mensagem do Apo­c a­l ipse? De certa maneira, há uma impressionante semelhança com a visão maia sobre o tempo. A data “4 Ajaw 3 K’ank’in” era a previsão da esperança imanente de que o deus Bolon Yokte

voltaria. O Apocalipse conta como a esperança vê encerrar-se o tempo em que vivemos e indica um novo tempo, sob o reinado de Cristo, e essa é uma esperança transcendente. Todo o resto, mesmo no Apo­ca­lip­ se de João, são especulação e efeitos especiais. É pirotecnia que ofusca a mensagem central de esperança cristã, de um tempo sem dor, sem morte, no aconchego re­vi­ta­li­za­dor de Deus, que tudo criou e tudo renova. Em Cristo, esperamos por um novo tempo que encerra um período de sofrimentos e catástrofes, muitos deles provocados pela arrogância humana. O Apocalipse não quer meter medo, mas nos desafia profeticamente. Colocar sinais da esperança que nos move é o motor que alimenta o nosso sonho mais remoto e mais bonito, abafando qualquer conversa ate­ mo­ri­zan­te sobre um fim catastrófico e destrutivo. A esperança na paru­sia – a nova vinda – de Cristo anima-nos a colocar pequenas e reveladoras parusias diárias ao nosso redor, que antecipam um novo tempo repleto de paz e salvação. N CLOVIS HORST LINDNER é teólogo e comunicador em Blumenau (SC)

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comunicação

Desejo de superação das mulheres por Tania Ayma Calle

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viços sociais como educação, saúde, habitação e emprego”. Segundo Maria Teresa Aveggio, da WACC, esse novo desafio pretende mostrar o quanto a população aymara conhece a respeito de seus direitos, principalmente os direitos à comunicação, informação, educação, saúde, habitação e emprego. Sem dúvida, a experiência vivida na Bolívia é única, já que não se conhecem experiências similares e muito menos ainda experiências que envolvam a população indígena aymara, conclui Maria Teresa. MEDO DE FALAR – Os sentimentos comuns que as mulheres manifestam são a permanente frustração por não conseguir fazer parte ativa nas decisões em comunidades rurais e bairros das cidades, como é o caso de El Alto. “Temos medo de falar”, diz a maioria delas, referindo-se ao desejo de expressar uma ideia e a impotência de conseguir realizá-la, somados à discriminação por serem indígenas, migrantes, analfabetas e pobres. “Nós mulheres queremos falar como grandes, já não somos pequenas”; “Quero ser como os homens que falam fácil nas reuniões”; “Nós mulheres não queremos estar sempre atrás,

CECOPI

E

u sempre te ouvi, agora tu deves me escutar é o lema que antecedeu e deu origem a uma proposta de comunicação inovadora que o Centro de Educação e Comunicação para Comunidades e Povos Indígenas (CECOPI, sigla em espanhol) executou na cidade de El Alto e em algumas províncias de La Paz, capital da Bolívia. A ideia nasceu em 2004 quando o CECOPI organizou seminários com mais de 300 mulheres aymaras no Distrito 8 da cidade de El Alto. Nesses espaços, debatia-se permanentemente a situação de marginalização e exclusão social em que se encontravam aquelas mulheres. Nesse contexto surgiu a campanha “Eu sempre te ouvi, agora tu deves me escutar”, que busca fazer com que as mulheres sejam ouvidas. Depois, em 2007, a campanha traduziu-se no projeto de comunicação que, num primeiro momento, recebeu apoio da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC, sigla em inglês) e assim se pôde entrar em outros municípios. A partir dessa trajetória, agora a Agência de Cooperação Canadense e a WACC apoiam a construção de um “Índice do Direito à Comunicação e Informação, associado ao acesso a ser-

por isso quero aprender a falar mais forte” – esses são alguns testemunhos dados nos seminários de capacitação, que mostram o desejo de superação das mulheres. A comunicação é um instrumento capaz de obter a mudança de atitudes e práticas e, ao mesmo tempo, ser o motor para o exercício real do direito à comunicação e informação. As mulheres necessitam romper o silêncio para expressar por meio de suas próprias


LEITURA

Livro na tela por Elismar Vilvock

O

s livros digitais chegaram para ficar. É um movimento que não pode ser revertido. O número de livros impressos diminui a cada ano em virtude do crescimento explosivo dos livros digitais. Em alguns anos, o livro impresso pode deixar seu trono para ser uma peça de arte, rara ou até desconhecida. Mas quando isso acontecerá? Não há como prever exatamente, apesar de haver várias estimativas na internet dizendo que, em 15 ou 20 anos, o livro digital será o formato dominante para leitura. No entanto, se olharmos para a realidade brasileira, onde há regiões que, ainda hoje, não possuem energia elétrica, tampouco computadores, esse prazo poderá estender-se para mais algumas décadas.

palavras suas denúncias, socializar seus sonhos, dialogar, compartilhar e comunicar-se com suas próprias palavras, em suas próprias linguagens, idiomas e dessa forma abandonar a prática de que “outros” falem e decidam por elas. N

TANIA AYMA CALLE é comunicadora social e diretora do Centro de Educação e Comunicação para Comunidades e Povos Indígenas em La Paz, Bolívia

Livro digital (ou e-book) é o termo utilizado para definir o formato digital de um livro, que pode ter sido publicado em livro impresso ou não. Incorpora, além do texto, recursos interativos de áudio e vídeo e pode ser lido em computadores de diversos tamanhos (desktops, tablets, smartphones, celulares etc.). Entre os livros digitais, um formato que está ganhando cada vez mais público é o ePub (Electronic Publication – publicação eletrônica). O ePub está se tornando o formatopadrão para livros digitais. O desenvolvimento dos devices – nome popular dado aos dispositivos utilizados para o consumo de conteúdos digitais – vem crescendo de tal forma que, hoje, já é possível en­con­trá-los em praticamente todas as lojas de produtos ele­tro­ele­trô­ni­cos. O tablet, que é o device com tela maior do que a do smartphone, é o mais amplamente utilizado para a leitura de livros digitais. Os mais utilizados, que dominam praticamente todo o mercado, estão divididos em dois grandes tipos: os que utilizam o sistema operacional iOS (da Apple) e os que utilizam o Android (do Google). Para os tablets com iOS, existe uma loja de aplicativos chamada App Store ((http:// store.apple.com/ br), onde é possível

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saúde pública baixar, de forma gratuita ou paga, aplicativos para leitura dos livros digitais e aplicativos com várias outras funcionalidades. O mesmo aplica-se aos tablets com sistema operacional Android. Nesse caso, a loja de aplicativos chama-se Google Play (http:// play.google.com/store). Outro grande concorrente dos tablets é o e-reader. A Amazon domina esse mercado com o e-reader mais popular do mundo: o Kindle. Mas o mercado de tablets está crescendo de tal forma que até a Amazon lançou seu próprio tablet: o Kindle Fire, com sistema Android. No mundo digital, a compra dos conteúdos é feita por meio de usuário e senha, assim como se faz para acessar e-mails. Além disso, é necessário também inserir informações de cartões de crédito, pois todas as transações são realizadas dessa forma. Após a compra, o conteúdo desejado é baixado para o device cadastrado. A Sociedade Bíblica do Brasil vem desenvolvendo conteúdos digitais desde 1997, quando lançou a Bíblia Online 1.0. Em 2012, a SBB conta com produtos digitais em diversos formatos, inclusive a Bíblia em formato ePub, que pode ser encontrada em grandes lojas digitais, como Submarino (http://goo.gl/y4FPh), Livraria Saraiva (http://goo.gl/Ilu3C) e Amazon (http://www.amazon.com/ author/SBB). O próximo passo é a criação de aplicativos para iOS e Android. Dentro do planejamento está prevista a criação da revista A Bíblia no Brasil, de Bíblias interativas e de aplicativos institucionais que visam engajar os cristãos na causa da Bíblia e no aprendizado da mensagem bíblica. N ELISMAR VILVOCK é editor assistente de Publicações Eletrônicas da Sociedade Bíblica do Brasil em Barueri (SP)

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Avanços na saúde da mulher

Divulgação Novolhar

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por Silvana Isabel Francisco

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atual Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher foi im­ple­men­ta­da em 2004 e pretende contribuir para a redução da morbi­ dade e mortalidade femininas no Brasil em todos os períodos de vida da mulher e nos diversos grupos populacionais pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Essa política busca a construção de um modelo mais ampliado, mais humano, em relação

à mulher. Para isso, estamos fazendo esforços no sentido de procurar as tecnologias mais apropriadas em nossas ações, que incluem também as chamadas populações vulneráveis, como as indígenas, as ribeirinhas, as negras, as do grupo LBGT, entre outras”, explica Esther Vilela, coordenadora da área de saúde da mulher no Ministério da Saúde. Os problemas são muitos, e o desafio é grande, mas a atual política já conta com alguns avanços, como o Plano Nacional de Fortalecimento das Ações de Prevenção, Diagnóstico


e Tratamento de Câncer de Colo de Útero e de Mama, que envolverá, até 2014, investimentos de R$ 4,5 bilhões. Em 2011, dados preliminares indicam a realização de 11.334.328 procedimentos de Papanicolau, mais do que no ano anterior, quando foram feitos 11.327.686 exames. O número de mulheres que fizeram mamografias também cresceu nos últimos anos. Em 2009, foram 3.037.630 exames de detecção de câncer de mama. No ano seguinte, foram 3.039.269. Em 2011, dados preliminares revelam que foram feitas 3.445.137 mamografias. Os cânceres de mama e de colo uterino são algumas das principais causas de morte entre as mulheres. Outro avanço é o direito à realização dos exames de pré-natal. Em 1986, o percentual de grávidas no Brasil que nunca consultaram um médico era de 26 por cento. Em 2006, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) identificou que esse percentual baixou para 1,3 por cento. Em 2009, foram realizadas 19,4 milhões de consultas pré-natal, o que representa um aumento de 125 por cento em relação a 2003. Em 2010, o número de consultas desse tipo chegou a 20 milhões. Entre janeiro

e outubro de 2011, dados parciais do Ministério da Saúde revelam que foram realizados 15,3 milhões de exames. A criação da Rede Cegonha em 2011, que oferece assistência às mulheres desde a confirmação da gravidez até os dois anos de vida do bebê, já conta com a adesão de 17 estados e 800 municípios, com previsão de atendimento a 600 mil gestantes no país. Bahia, Pará, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco foram os primeiros estados a receber recursos de custeio, em dezembro do ano passado, para ações das primeiras etapas dos Planos de Ação das Redes Assistenciais, com a finalidade de implantar a Rede Cegonha no País. Ao todo, foram R$ 213 milhões do SUS para custear as Casas da Gestante, do Bebê e da Puérpera, Centros de Parto Normal e Maternidades, qualificação de leitos de Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) e Unidades de Terapia Intensiva (UTI), entre outros. O Ministério da Saúde destinou R$ 4 milhões, em 2011, para 13 Casas da Gestante e do Bebê, que acolhem gestantes de risco. No tocante ao planejamento familiar, são oferecidos à população, gratuitamente, vários métodos an-

ticoncepcionais. O SUS oferece oito tipos de métodos contraceptivos, entre esses a pílula anticoncepcional e o dispositivo intrauterino (DIU). Há iniciativas que incluem mais acesso a vasectomias e laqueaduras, distribuição de preservativos e ampliação do acesso a métodos contraceptivos. Em 2010, o número de laqueaduras foi de 60 mil, com um custo de R$ 32,68 milhões. Os dados preliminares de 2011, consolidados até novembro, registram 56,8 mil laqueaduras a um custo de R$ 31 milhões. As brasileiras podem contar com diferentes canais de comunicação para dar sugestões de melhorias dessas ações ou também críticas e denúncias de prestação de serviço que deixam a desejar ou irregularidades. Um deles é o número de telefone 136, da ouvidoria do SUS. Alguns hospitais públicos pelo país dispõem de ouvidoria própria. Outro caminho é contar com o Ministério Público de sua cidade ou seu estado e também os conselhos municipais de saúde. N SILVANA ISABEL FRANCISCO é jornalista em Brasília (DF)

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RETRATOS

A diácona de Cencreia por Nelson Kilpp

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Arte: João Soares

A

história da igreja cristã é mar­ca­da pela atuação de mulheres nas mais diversas funções. Algumas dessas mulheres são conhecidas. A maioria, não. Muitas mulheres aparecem em textos marginais. Por exemplo, no final da Carta aos Romanos (16.3-16), Paulo envia saudações a diversas mulheres da comunidade de Roma, em sua maioria desconhecidas: alguém de nome Maria, uma apóstola chamada Júnia, além de Trifena, Trifosa, Pérside, Júlia e, por fim, a mãe de Rufo e a irmã de Nereu. Todas essas mulheres eram, sem dúvida, importantes na comunidade de Roma para que Paulo as mencionasse explicitamente em sua carta. Mas não sabemos o que faziam. A mulher incumbida de levar a carta de Paulo a Roma, contudo, é apresentada com alguns detalhes: “Recomendo-vos a nossa irmã Febe, diácona da igreja de Cencreia, para que a recebais no Senhor como convém aos santos e a ajudeis em tudo que de vós vier a precisar; porque tem sido a patrona de muitos e de mim inclusive” (Romanos 16.1s). Ao que parece, Febe era uma pessoa muito importante na comunidade de Cencreia, um dos portos de Corinto, na atual Grécia. Paulo a chama de “irmã”, como se costumavam chamar os membros de uma comunidade, considerada uma grande família. Além

disso, Febe era diácona, ou seja, tinha a responsabilidade pelos serviços da comunidade, não só as obras de caridade, mas também os serviços vinculados ao culto. Presume-se que os cultos eram realizados em sua casa; cabia a ela, portanto, a função de acolher os membros, preparar as reuniões, coordenar a ceia do Senhor e até pregar. Provavelmente, a casa de Febe era também o endereço de referência da comunidade, buscado por viajantes cristãos que passavam por Corinto. Por isso ela é chamada por Paulo de “patrona”, ou seja, alguém que dava proteção a pessoas necessitadas e auxílio jurídico junto às autoridades da cidade. Forasteiros que passavam por Corinto podiam ter problemas com as autoridades locais. Por isso era muito importante conhecer uma pessoa do lugar que pudesse prestar ajuda em caso de necessidade. Febe

dava esse tipo de assistência. Essa hospitalidade era uma das virtudes mais importantes da igreja antiga, que deveria ser valorizada também em nossas comunidades. Os títulos dados a Febe evidenciam que ela era uma autoridade na comunidade local. Paulo diz que ele próprio recebera dela auxílio e proteção em sua estada em Corinto. Por isso não hesita em recomendá-la aos membros da comunidade de Roma: esses devem recebê-la bem e ajudála no que for preciso, assim como a própria Febe costuma fazer com os cristãos que passam por Corinto. Chama a atenção a coragem de Febe. Pois empreender uma viagem marítima a Roma não era, na época, nada tranquilo. Para uma mulher era até perigoso. Certamente Febe não planejou essa viagem somente para levar uma carta de Paulo. Ela deve ter tido interesses ou negócios a tratar na capital do império. Talvez Febe tenha sido uma comerciante. Paulo aproveita, então, a viagem de Febe para enviar em mãos uma carta à comunidade de Roma. Para Febe, a carta é importante, pois ela abre as portas de casas onde será recebida e acolhida e onde, caso necessário, obterá ajuda para os seus propósitos na capital. Após ser recebida na comunidade de Roma, Febe teria a oportunidade de ler a carta de Paulo e dar mais informações sobre o apóstolo Paulo e o seu projeto de visitar a comunidade. Atrás de poucas linhas pode-se, portanto, vislumbrar como pessoas pouco conhecidas contribuíram para o crescimento das comunidades. Assim como Febe, muitas outras mulheres desconhecidas exerceram funções importantes para a sobrevivência da igreja. N NELSON KILPP é especialista em Antigo Testamento, ministro da IECLB, residindo em Kassel, na Alemanha


TESTEMUNHOS

Um pastor de ovelhas no sul do Líbano e meu coração estava apertado dentro do peito. Fui até ele e fiquei parado diante dele em silêncio, desejando ser consolado. Ele olhou para mim e disse: “Não vai tocar flauta hoje? E por que essa tristeza em seus olhos?”. Respondi-lhe: “Uma das minhas ovelhas se perdeu, Senhor. Procurei por toda parte e não a encontrei. Não sei o que fazer”. Ele ficou em silêncio por um momento. Depois, deu um sorriso e disse: “Espere aqui. Vou procurar a sua ovelha”. Foi embora e sumiu entre as montanhas. Depois de uma hora, ele voltou; a minha ovelha caminhava a seu lado. Quando ele estava diante de mim, vi que a minha ovelha olhava para seu rosto, assim como eu. E eu abracei a minha ovelha com muita alegria. Ele colocou a sua mão sobre o meu ombro e disse:

Fonte: KHALIL GIBRAN – autor do livro “Jesus – Filho do Homem”, Editora Sinodal

Arte: Roberto Soares

F

oi num final de verão que ele e mais três outros homens caminharam pela primeira vez por aquela estrada lá atrás. Era noite; e ele ficou parado no final da pastagem. Eu estava tocando flauta, e meu rebanho pastava ao meu redor. Quando ele parou, levantei e fui até ele. Ele me perguntou: “Onde fica o túmulo de Elias? Não é por aqui?”. Respondi-lhe: “É ali, Mestre, embaixo daquele monte de pedras. Até hoje, todas as pessoas que passaram por aqui trouxeram uma pedra e colocaram lá em cima”. Agradeceu-me pela informação e foi embora. Os seus amigos foram atrás dele. Três dias depois, Gamaliel, que também era pastor de ovelhas, disseme que o homem que passara por aqui era um profeta da Judeia; mas eu não acreditei nele, mesmo que eu tenha passado muitas luas pensando nessas pessoas. Veio a primavera, e Jesus passou novamente por aqui, mas dessa vez ele estava sozinho. Naquele dia, eu não estava tocando minha flauta; estava triste, pois havia perdido uma ovelha,

“De hoje em diante, você amará essa ovelha mais do que as outras, pois estava perdida e foi encontrada”. Novamente abracei minha ovelha com alegria. Ela aconchegou-se a mim. Eu estava feliz e sem palavras. Quando ergui minha cabeça para agradecer a Jesus, vi-o caminhando já bem longe, mas não tive a coragem de segui-lo. N

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história

Editora Sinodal 85 anos por Rui Bender

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m 2012, a Editora Sinodal está completando 85 anos. Sua história começou em 1927, quando a diretoria do Sínodo Riograndense resolveu criar uma Central para Editoração e Distribuição de Impressos do Sínodo. Mas seu alicerce fora lançado bem antes: em 1864, quando chegou a São Leopoldo o pastor Dr. Hermann Borchard, acompanhado de um colportor – atividade desconhecida hoje em dia. Tratava-se de um mascate de livros, pessoa que tinha a tarefa de oferecer literatura cristã de casa em casa.

o papel da Editora Sino­dal é estar a serviço das comunidades e da igreja.

Da atividade desse colportor surgiu o “depósito de livros”, chamado de “Synodal Bücher-Gesellschaft” (Sociedade Sinodal de Livros), na casa pastoral de São Leopoldo. Formalmente, a “Synodal Bücher-Gesell­schaft” foi dissolvida em agosto de 1877. No mesmo mês, alguns pastores e professores fundaram a “Evangelische Buch­ handlung” (Livraria Evangélica). Em fins da década de 1880, a Livraria Evangélica foi totalmente assumida pelo pastor Wilhelm Rotermund e seus familiares, passando a chamar-se Livraria de W. Rotermund. Por longo tempo, a Rotermund foi produtora e revendedora de materiais para o mundo evangélico-luterano. Quando a diretoria do Sínodo Riograndense criou, em 1927, a Central para Editoração e Distribuição, ocorreu uma mudança significativa. O nome passou a ser Centro de Impressos do Sínodo Riograndense. Em 1954, esse Centro foi registrado com o nome de Editora Sinodal. Em 1960, o pastor Johannes Hasenack (80) assumiu a coordenação da Editora. Ele foi o diretor que mais tempo permaneceu à testa da editora até hoje. Foram 28 anos, quase três décadas do século passado. Dizia-se, naquela época, que Hasenack era “a alma da Editora Sinodal”, por causa da espiritualidade que ele imprimiu à editora. Hoje, o pastor emérito, residente bem próximo à octogenária Editora Sinodal, lembra que aqueles foram “anos de sacrifício, realizações e frustrações”. Mas ele se orgulha de ter lançado vários autores em sua época. E acredita que o papel da Editora Sino­dal então era estar a serviço das comunidades e da igreja como um todo e não tanto ser um empreendimento comercial. N RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)

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jovens por Tiago Sacht Jaske

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er igreja jovem e viva – não é uma opção. É, antes de tudo, o cerne para o qual Cristo nos chamou. Igreja viva é a igreja em que Deus age; igreja jovem é aquela em que o ser humano responde à ação de Deus, agindo em

Ser jovem mesmo não sendo JOVEM PODE SER CONCEITUAL, MAS TAMBÉM TEM MUITO A CONTRIBUIR. direção ao próximo. Assim, comunidade jovem pode ser algo conceitual, como comunidade que se renova e age. Contudo, também podemos entendê-la concretamente, pois os jovens têm muito a contribuir na vida comunitária. Mais do que isso: a comunidade tem muito a contribuir para os jovens.

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Hoje muito se fala do jovem que esquece do mundo ao seu redor e vive num mundo virtual. É verdade, mas isso, muitas vezes, é desculpa para não tentar algo novo. O jovem não vive só “dentro do computador”. Ele convive e interage com as pessoas de sua família, de sua escola, mesmo que de uma forma diferente do que nós, “antigos jovens”. Podemos ter a certeza de que hoje Jesus diz: “Nem só de internet vive o ser humano”. Todos precisamos de espaço para desenvolver-nos, relacionar-nos, crescer, especialmente na fé. A questão é: para ser esse espaço, a igreja está disposta a abrir mão de seus velhos padrões de ação e comportamento? Está disposta a renovar a liturgia, a pregação, a programação? Porque, para o jovem de hoje, isso é uma necessidade básica. A comunidade precisa estar aberta ao novo, tornando-se o espaço onde o jovem pode crescer na fé em Jesus Cristo, expressar essa fé da forma que lhe é própria. Estou disposto a ser “judeu com os judeus e gentio com os gentios” (1 Coríntios 9), ou seja, tornar-me jovem com os jovens e adolescente com os adolescentes? Sou capaz de ser um deles sem deixar de ser testemunha de Cristo? Pois é isso que faz a diferença: conseguir unir a proximidade necessária da distância saudável para que minhas palavras e atitudes ainda contem como testemunho da salvação e do amor em Jesus Cristo. Obviamente, essa é uma mudança drástica. Tanto pessoal como comunitariamente, precisamos com urgência aprender a falar a língua dos jovens, pois a tradição não mais os “segura” na igreja. Basta olhar para nossos fichários de membros e ver que muitos nem sequer se inscrevem no Ensino Confirmatório, que é uma excelente oportunidade de evan­ge­li­za­ção. Pais que desejam “ser modernos” deixam

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a critério dos filhos decidirem se querem ou não fazer o curso. Será que são capazes de deixar a mesma escolha para a entrada na escola? Para a faculdade? Para o trabalho? Tão modernos... mas não sabem que os filhos precisam que algumas decisões sejam tomadas em seu lugar, para seu bem. De qualquer forma, o mundo mudou. Os jovens precisam ser cativados, buscados, convencidos pelo evangelho. Como IECLB, temos uma herança extraordinária de trabalho com jovens. A Juventude Evangélica tem passado por transformações, mas permanece. E nada pode substituir o encontro, a comunhão, o sentimento de “pertença” a um grupo e, por conseguinte, uma comunidade. E para que esse seja um grupo possível, viável nas comunidades, é necessário que lutemos contra a relativização da fé, da verdade, do caminho. Não precisamos ter medo e ficar contornando os jovens com mensagens cheias de vento. O jovem de hoje precisa de honestidade e de ouvir diretamente o que interessa. Ele está acostumado a textos curtos, conversas rápidas. A Palavra anunciada precisa ser franca e direta. O jovem deve tomar a decisão de aderir ao grupo pela fé no Senhor, percebendo que esse grupo é espaço para alegria, amizade, mas, antes de tudo, espaço para Deus trabalhar em seu viver. Ele certamente tem uma opinião a respeito desse Deus e está disposto a ampliar essa opinião para a verdade das Escrituras. Onde está o jovem? Alguns ainda estão na igreja. Outros virão, pois cada vez mais buscaremos ser “Comunidade Jovem – Igreja Viva”. N

TIAGO SACHT JASKE é teólogo e ministro da IECLB na Paróquia Litoral Norte em Capão da Canoa (RS)

Divulgação Novolhar

reflexão

Presente de Deus PELA GRAÇA DE DEUS, SOU O QUE SOU.

1 Coríntios 15.10

por Cleide Olsson Schneider

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uem de nós já não se perguntou se está no lugar certo e se está sendo uma pessoa correta, boa, justa e amável! O meio em que vivemos


hoje, seja na cidade grande ou pequena, parece estar sempre nos colocando à prova sobre quem somos e o que somos. O borbulhar de teologias nos questiona sobre nosso modo de viver, ser e crer. O que realmente precisamos para ser pessoas aceitáveis diante de Deus? A surpresa está no que o apóstolo Paulo escreveu: “Pela graça de Deus, sou o que sou” (1 Coríntios 15.10). Viver, ser e crer é graça de Deus para cada pessoa, assim como ela é. Há pessoas diferentes com dons diferentes. Cada pessoa é única e especial para Deus; Ele a conhece e sabe de suas capacidades e limitações. Mas, se é assim, então não precisamos mudar em nada. Não há nada que possamos fazer para ser melhores?

Sentimentos e valores os mais diversos fazem parte de nossa rotina diária. Alguns desses sentimentos, como desprezo, raiva, preconceitos, inveja, egoísmo, circundam-nos e nos influenciam algumas vezes. Esses nos afastam de Deus e nos impossibilitam viver de forma amorosa com as pessoas que encontramos em nosso dia a dia. Saber que Deus nos ama incondicionalmente é o que deve mover nossa vida em nosso cotidiano. Nossa vida é presente de Deus. Ele nos oferece a vida para que tenhamos vida em abundância: cheia de amor, de comunhão, de fé e de esperança. Foi por isso que fomos criados por Deus: para viver uma vida em abundância. É nossa tarefa buscá-la.

Graça de Deus significa amor, cuidado, consolo, amparo, perdão, aceitação incondicional. Deus nos oferece tudo isso, antes mesmo de nós pedirmos, antes mesmo de nós merecermos. Nossa salvação é garantida por Deus, revelado em Jesus Cristo, por intermédio de sua vida, morte e ressurreição. É pela graça que somos salvos; é o amor de Deus, através da ação do Espírito Santo, que nos anima, desafia, convida para ser testemunhas desse amor no mundo. A misericórdia de Deus para conosco não se esgota, e ela nos anima a orientar toda a nossa vida por ela e não permite que fiquemos apáticos ou indiferentes diante daquilo que ocorre ao nosso redor. Por isso hoje é graça de Deus existirmos a cada dia e estarmos prontos para amar e servir a Deus e ao próximo em palavras e ações. Somos pessoas capacitadas por Deus a viver de forma responsável em nossa profissão, com coragem para preservar e promover vida a exemplo de Cristo. Hoje, por graça de Deus, somos capazes de rejeitar o que pode prejudicar a nossa própria vida e de outras pessoas, de toda a criação. Hoje, porque experimentamos o amor incondicional de Deus, podemos olhar além de nossas necessidades e perceber onde são necessários consolo, cuidado, paciência e amparo. Além disso, Deus perdoa nosso egoísmo e individualismo, conduznos a uma mudança de postura em relação à vida. “Pela graça de Deus, sou o que sou”, diz o apóstolo como motivação para que possamos servir e amar, pois “antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci” (Jeremias 1.5). N

CLEIDE OLSSON SCHNEIDER é teóloga e ministra da IECLB na Comunidade Evangélica da Feitoria, São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Mai/Jun 2012

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vida de fé

Testemunho de fé e amor aos pobres Na América Latina, a Bíblia está sendo redescoberta ... Mulheres e homens empobrecidos se fazem sujeitos de leitura. Os empobrecidos são os novos agentes, os novos hermeneutas. A Escritura é memória dos pobres. Milton Schwantes (1946-2012)

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alar sobre uma pessoa querida é sempre um desafio difícil. Mas há que tentar, sobretudo quando se trata de um irmão maior. Milton Schwantes é uma dessas pessoas sobre quem há muito o que dizer e testemunhar. Ele foi pastor, professor de teologia, marido, pai, companheiro de lutas e sonhos. Foi um lutador incansável. Um renovador do estudo da Bíblia em toda a América Latina. Quem o conheceu nas comunidades por onde passou, quem com ele estudou ou participou dos inúmeros cursos de leitura bíblica em todo o Brasil ou por diversos países da América Latina, e mesmo nos encontros pela Europa, saberá avaliar a importância e a grandeza de sua contribuição à igreja de Jesus e ao povo pobre de Deus durante seu abençoado ministério. Milton foi um inspirador de caminhos de renovação bíblica, de uma leitura que tinha como ponto de

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partida a prática comunitária de fé e serviço, a luta dos pequenos por terra, pão e dignidade, a esperança de uma sociedade nova, em que mulheres e crianças sejam respeitadas e os pobres possam desenvolver toda a sua potencialidade humana. A citação acima aparece num texto escrito por ele em 1988 quando do primeiro número da RIBLA, revista que ele fundou com colegas da hermenêutica bíblica de libertação como José Comblin, Carlos Mesters, Ana Flora Anderson, Gilberto Gorgulho, do Brasil, mas também Elsa Tamez, Pablo Richard, Jorge Pixley, da América Central. Desde cedo em seus estudos teológicos, Milton desenvolveu uma aguçada sensibilidade ecu­mê­ nica, e suas andanças como biblista comprovam isso. Uma de suas principais virtudes como amigo, mestre e colega de trabalho foi saber trabalhar em equipe. Ele incentivava, inspirava, coordenava e levava em frente

Anderson Oliveira Lima

por Roberto Zwetsch

projetos que jamais se prenderam à sua pessoa, embora recebessem de sua extraordinária capacidade de trabalho aquele incentivo que tanta diferença faz nos meios acadêmicos ou em nossas igrejas. Milton nasceu de uma família de agricultores em Tapera, interior do Rio Grande do Sul, em 26/04/1946. Era o mais novo de quatro irmãos. Quando do falecimento de seu pai, ainda na infância, foi com sua mãe para São Leopoldo, onde dona Eugênia trabalhou por muitos anos como cozinheira no Instituto PréTeológico, escola de humanidades da IECLB que preparava para a Faculdade de Teologia.


o prof. milton schwantes em seu espaço preferido: a sala de aula.

Seus irmãos mais velhos, Nor­ berto e Édio, decidiram pelo pasto­ rado, caminho que o mais jovem também escolheu. Arlindo decidiu pelo magistério. Brilhante já desde os estudos secundaristas, seu desempenho no curso de Teologia, concluído em 1970, habilitou-o para o doutorado, que realizou entre 1971-1974 em Heidelberg, sob a orientação do Dr. Hans Walter Wolff. Sua tese “O direito dos pobres” já adiantava o foco de sua leitura bíblica e o caminho de interpretação que seguiria ao longo da vida. Milton foi coerente até o fim, procurando sempre encontrar por debaixo dos textos a pequena

brasa que ainda fumega para acender a fé do povo simples e, seguidamente, desprezado na sociedade, mas também nas igrejas. No prefácio da tese, ele escreveu que a obra decisiva de Gustavo Gutiérrez – Teología de la liberación – apontou para a importância das afirmações bíblicas sobre a pobreza para um testemunho cristão. Dessa perspectiva depende a autenticidade da pregação da mensagem evangélica. Essas palavras foram um mote de sua vida como cristão e teólogo. De sua experiência continuaremos a aprender por muito tempo. Seus livros agora poderão ser lidos e relidos à luz de seu testemunho

definitivo. Sobretudo o fato de que como igreja cristã, se não soubermos nos situar entre os des­f a­v o­r e­c i­d os e angustiados, pouco en­t en­ deremos da mensagem profética ou do evangelho de Jesus. Isso Milton procurou realizar como pastor em Cunha Porã (SC) ou em Guarulhos (SP), onde criou pequenos grupos comunitários que se reuniam nas garagens das casas de pessoas que desejavam partilhar a fé e uma leitura bíblica transformadora. Quando Milton já estava em coma no hospital, Lori e eu fomos visitá-lo. Junto com a esposa Rosi conversamos e oramos com ele. Ela disse que era importante falar com ele, pois – de alguma forma – ele sentia o que lhe transmitíamos. Nós esperávamos seu restabelecimento, seu espírito era forte, mas a fraqueza do corpo o venceu. Ao nos despedirmos, li para ele um poema de Dom Pedro Casaldáliga, que fala de Jesus como o libertador total de nossas vidas, contradição e paz, vivente em Deus e no pão repartido, incapaz de ser reduzido ao que fazemos dele ou da fé que recebemos. Foi um preito de gratidão pelo testemunho de uma vida de fé, esperança e amor. N ROBERTO ZWETSCH é teólogo e professor da Faculdades EST em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Mai/Jun 2012

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ESPIRITUALIDADE

O Batismo é um pilar da fé o pilar do Batismo expressa a verdade de que somos aceitos por Deus e justificados pela obra de Jesus Cristo realizada na cruz. Deus deixa marcas visíveis de redenção em seu povo.

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prédio que abriga apartamentos e escritórios no centro da cidade desabou. Infelizmente, notí­ cias como essa tornaram-se frequentes em nossos jornais. E, na verificação das causas do desabamento, ficou claro que não se consideraram os pilares de sustentação; as reformas feitas não respeitaram as orientações da engenharia civil. O caos se estabelece na medida em que ignoramos os pilares de sustentação por ocasião de reformas. A vida tem pilares em que se apoia. Ainda que se tenha relativizado valores, prezando a secularização, não há como ignorar a importância de bases sólidas nas quais gerações sucessivas se abrigaram por séculos. Pilares sustentam a obra. Nesse propósito, Deus deixou e ordenou que a vida fosse edificada sobre o fundamento por ele constituído, sinal visível que deixou a seu povo: o sacramento do Santo Batismo. Nesse fundamento, a fé, proveniente da Palavra, acolhe a promessa deixada por Jesus Cristo: eu estou

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com vocês todos os dias até o fim dos tempos (Mateus 28.19-20). Pela importância desse pilar do Batismo se expressa a verdade de que somos aceitos por Deus, justificados pela obra de Jesus Cristo, realizada na cruz. Deus deixa marcas visíveis de redenção junto a seu povo. Deus libertou, através das águas, o povo da escravidão no Egito, salvou a família de Noé da corrupção, afogando toda a maldade em sua criação. Deus continua sinalizando a sua presença em nossas vidas, chamando-nos pessoalmente pelo nome, unindo-nos numa só fé e numa só esperança (Efésios 4.3-6). No Batismo, somos já agora resgatados para ser novas criaturas, filhos e filhas de Deus. Somos batizados! Essa é a verdade presente em nossas vidas. Somos agora desafiados a dialogar sobre esse feito/fundamento para que algo tão importante não fique isolado de nossa vida. Padrinhos e madrinhas devem acompanhar a criança para uma educação cristã que esteja vinculada ao

Hildemar Kanitz

por Werner Kiefer


acontecimento do Batismo. Podem aguçar a curiosidade da criança e compartilhar de que em tal dia e em tal lugar aconteceu o seguinte: – Você foi apresentado(a) à comunidade, juntamente com o pai e a mãe... – Fomos perguntados(as) se desejávamos batizar você e respondemos que sim. – O ministro(a) perguntou se queríamos ensiná-lo a orar e contar as histórias sobre Jesus. Respondemos com um sim bem forte. – O ministro(a) apresentou você à comunidade e perguntou se ela ali reunida queria aceitar você. Todos responderam com um sim bem forte. – O ministro(a) dirigiu uma oração, lembrando que ali, na pia de Batismo, havia água, que protege e limpa.

Batizar pressupõe que dialoguemos sobre o que cremos, em que confiamos e no que se prende o nosso coração. O desafio é agregar a catequese.

– Depois, toda a comunidade foi convidada a confessar a sua fé em Deus. Então todos se uniram e juntos disseram, olhando para o altar, para os vizinhos ao lado: Creio em Deus Pai... (Credo Apostólico). – Depois, o ministro(a), por três vezes, derramou água em sua cabeça, batizando você... Ali ficou bem marcado para todos que Deus ama você e que Ele chamou pelo seu nome. (Nome da criança) – Você pertence a Deus, e Ele prometeu estar com você todos os dias da sua vida. A catequese acontece porque batizamos. A criança não pode ser órfã de seu Batismo. No Batismo, a criança torna-se membro inscrito da igreja. Estar inscrito na comunidade com a certidão em mãos ainda não garante um vínculo afetivo de pertença. Construa com a criança o significado dessa ação primeira de Deus no Batismo, uma identidade do significado dessa oferta. Padrinhos e madrinhas testemunham um acontecimento que expressa a salvação oferecida através de Jesus Cristo. Assim como Jesus diz aos apóstolos “... e sereis minhas testemunhas” (Atos 1.8) e “...não podemos deixar de falar daquilo que temos visto e ouvido” (Atos 4.19-20), esse pedido vale também hoje para os cristãos. Discípulos testemunham, falam aquilo que viram e ouviram da parte de Deus. Batizar pressupõe que dialoguemos sobre o que cremos, em que confiamos e no que se prende o nosso coração. O desafio é agregar a catequese no Batismo, o nosso testemunho de fé como parte desse sacramento. Compreensão essa que sempre fez parte das primeiras comunidades cristãs. N WERNER KIEFER é teólogo e ministro da IECLB na Paróquia Matriz da Comunidade Evangélica de Porto Alegre (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Mai/Jun 2012

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penúltima palavra

Uma família para a criança

por Vanessa Kreutz

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adoção tem sofrido um paulatino processo de evolução no Brasil. Aos poucos, adotar vem deixando de ser apenas uma alternativa para casais marcados pela infertilidade para tornar-se um ato que visa garantir a crianças e adolescentes em situação de abandono o direito fundamental à convivência familiar. A realidade das instituições de abrigo e a evolução da legislação e dos comportamentos sociais contribuíram para a mudança do perfil de pais e filhos adotivos. As adoções de crianças mais velhas e as reiteradas decisões judiciais a favor da adoção por casais homossexuais são exemplos de que a sociedade vem percebendo a importância social do ato de adotar.

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Novolhar Divulgação

a adoção não pode tornar-se uma perversa reprise do abandono, porque a criança abrigada é um sujeito de direitos e não um objeto de desejo dos adultos.

A evolução não é uniforme nem indolor. Embora antigos preconceitos tenham sido superados, os desafios ainda são muitos. Hoje, uma das questões mais graves envolvendo a adoção é o crescente número de casos de devolução de crianças adotadas. Segundo levantamento da revista IstoÉ (edição n° 2188), três de cada dez crianças e adolescentes que estão em abrigos de Santa Catarina foram devolvidos ao menos uma vez pelos pais adotivos. Um caso ocorrido recentemente em Gaspar (SC) é bastante revelador. Anos depois de terem adotado um casal de irmãos, os pais adotivos resolveram devolver o menino. Ficou evidenciado que a adoção do garoto deu-se somente para cumprir a exigência legal de manter os irmãos na

mesma família, pois o intento inicial era adotar apenas a menina. Comprovou-se que, além de receberem tratamento discriminatório em relação ao filho biológico do casal, os dois irmãos sofriam maus-tratos físicos e psicológicos. O caso levou o Ministério Público a ajuizar uma ação judicial contra os pais adotivos, que perderam o poder familiar sobre os dois irmãos e ainda foram condenados a indenizar as crianças por danos morais. A maioria das devoluções possui causas comuns: a motivação inadequada que leva as famílias a acolher crianças (por caridade ou para alentar a frustração de não poder ter seus próprios filhos); o preconceito que culpa a herança biológica do adotado pelos problemas de convivência; a visão que desmerece as crianças adotadas e duvida de sua capacidade de ser indivíduos de iguais direitos. Para evitar que a adoção se transforme numa perversa reprise do abandono, é preciso ficar claro que a criança abrigada é um sujeito de direitos e não um objeto de desejo dos adultos. A função da adoção é levar uma família à criança – e não o contrário. Nessa perspectiva, parece que o mais importante é conscientizar os pretendentes pais adotivos de que a espera de um filho adotado não se restringe à preparação do ambiente físico ou das necessidades materiais, por mais importantes que eles sejam. O êxito das relações adotivas está essencialmente ligado ao estabelecimento de vínculos afetivos. São as demonstrações de afeto e de amor que permitem que o adotado supere a história pregressa de abandono. Não basta dar um teto se não houver efetiva disposição para amar. N VANESSA KREUTZ é bacharel em Direito e trabalha no Ministério Público de Santa Catarina, em Florianópolis (SC)




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