130 Anos de Fundação do Sínodo Riograndense - 1886-2016

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Encarte comemorativo aos

20 de maio de 1886 Dia da fundação do Sínodo Riograndense

Cada geração é herdeira da atu ação de gerações que a antecede ram. Isso se aplica, por exemplo, ao conhecimento científico, à pes quisa. Vale também para a nossa vida de fé. Como membros de co munidades que integram a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), temos em nossa caminhada de fé e de organização como Igreja – nos últimos 130 anos – a marca do Sínodo Riograndense. Sua história se construiu, geração após geração, definindo valores, deixando marcas que herdamos e fazem parte de nossa “personalida de”, como Igreja em terra brasileira. No início de sua história em nos so país, as comunidades viviam de forma isolada. Há 130 anos, líderes destas comunidades tomaram a decisão de enfrentar, em conjunto, uma série de desafios que se im punham. E deram a esta iniciativa o nome “Sínodo”, que significa “ca minho conjunto”. Alguns destes de safios estavam relacionados à orga nização da vida das comunidades. Outros tinham em vista marcar pre sença na sociedade, demonstrando que a fé é ativa no amor. Ao longo de sua história, o Sínodo Riogran dense teve atuação determinante em muitas áreas. Outros sínodos

surgiram no país. Atualmente a IE CLB organiza sua atuação no Brasil através de 18 Sínodos. Nove destes sínodos estão localizados na área geográfica que era do Sínodo Rio grandense.

A Diretoria do Sínodo Rio dos Si nos tomou a decisão de lembrar esta data comemorativa e destacar momentos decisivos na história da IECLB, voltando seu olhar à história do Sínodo Riograndense. Para tal, criou uma comissão, inicialmente formada por: P. Rolf Droste, P. Dr. Martin Norberto Dreher, Pª Ms. Scheila dos Santos Dreher, P. Ms. Osmar Luiz Witt, Pª Cleide Olsson Schneider e P. Sinodal Ms. Edson Edilio Streck. Outras pessoas ainda serão convidadas a participar deste grupo de trabalho.

Após dois encontros desta comis são, algumas ideias já se tornaram concretas. Decidiu-se criar um en carte especial no jornal sinodal “Si nos da Comunhão”, por exemplo. Pretendemos divulgar – nas próxi mas edições mensais deste jornal –vários temas que foram importan tes no passado, que deixam fortes marcas no presente e trazem impul sos para o futuro. Se cada geração é herdeira da atuação de gerações que a antecederam, cada geração

também deixa algo como herança às gerações que a sucedem.

Desta forma, pretendemos, em cada edição, tirar lições a partir de um olhar para a história do Sínodo Riograndense, que teve atuação marcante nas áreas da educação, da saúde, da ação social, da im prensa, da formação teológica... Queremos buscar motivação tam bém ao olharmos para sua atua ção determinante junto a crianças, jovens, mulheres e homens, líderes comunitários... Queremos nos ins pirar em algumas biografias.

Além disso, queremos confeccio nar uma série de banners, que tra zem textos e imagens relacionados a estes temas, com a intenção de que sejam itinerantes e possam ser expostos em datas especiais dos sí nodos, de suas comunidades, esco las e instituições.

Em oração, agradecemos a Deus pela rica história que nos antecede. Reconhecemos o precioso momen to que vivemos. E pedimos por sua orientação e bênção para a cons trução da história que está à nossa frente.

Destaques

Projeto prevê exposição itinerante de banners

Culto de Pentecostes terá proposta deprédica para celebrar os 130 anos do Sínodo Riograndense

Edição especial de Pentecostes do Sonntagsblatt de 20 de maio de 1934 ilustra este encarte (p. 2)

“Descendentes de evangélicos luteranos chegados ao Rio Grande do Sul em 1824 se espalharam pelo território rio-grandense, fundando congregações, nas quais a diaconia, o serviço que brota da fé em Jesus, sempre foi marca distintiva” (Dreher) (p. 2)

Em 1887, os conciliares reunidos em Santa Cruz do Sul aprovaram uma primeira ordem do culto para todas as congregações (p.3)

Biografias e memórias ilustrarão este encarte, começando com Wilhelm Rotermund, idealizador do Sinodo Riograndense e da construção da Igreja de Cristo, em São Leopoldo (p. 4)

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - maio de 2016 1
130 anos de Fundação do Sínodo Riograndense Número 1 - São Leopoldo, maio de 2016
Parte da Comissão dos 130 anos do Sínodo Riograndense em tarde de trabalho na sede sinodal no dia 4 de maio de 2016. O grupo tem se reunido regularmente e planejado diversas atividades para o ano. Da esquer da para a direita: Cleide Olsson Schneider, P.Dr. Martin Dreher, P.Sinodal Edson E. Streck e P.em Rolf Droste
Silvana Soares
Edson Edilio Streck Pastor Sinodal Sínodo Rio dos Sinos

HISTÓRICO

Recordando

os

130 anos de fundação do Sínodo Riograndense

Em 1970, o Sínodo Riogranden se deu lugar às Regiões Eclesiás ticas III e IV e confiou a Paróquia de Capanema/PR à Região Ecle siástica II. No entanto, seu nome permaneceu na designação “si nodal” para escolas, fundações, editora e para os próprios síno dos, uma das unidades adminis trativas da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

Antes que surgisse, em maio de 1886, no nada pomposo templo da Comunidade Evangélica de São Leopoldo, o Sínodo Riogran dense já vinha carregado de mui ta história de fé e vida. Aqueles doze pastores, dois professores e nove representantes leigos ex pressaram o anseio dos descen dentes de evangélicos luteranos chegados ao Rio Grande do Sul em 1824 e que, pouco a pouco, haviam se espalhado pelo terri tório rio-grandense, fundando congregações, nas quais a diaco nia, o serviço que brota da fé em Jesus, sempre foi marca distinti va.

Nessas congregações, sempre houve auxílio mútuo, que se ex pressava na forma de ajuda entre vizinhos, na organização de cemi térios, de escolas, na construção de templos. Era diaconia entre pessoas que podiam ser súditas, mas que não eram cidadãs, pois só eram toleradas. Não tinham matrimônios reconhecidos, seus filhos eram filhos naturais, não

tinham direito a cemitérios, seus templos não se podiam asseme lhar a igrejas, seus cultos não po diam ser exercício público de lou vor a Deus. Nem mesmo a veste talar de seus pastores podia ser exibida em público. Só podiam participar da vida política a nível bem local. Mesmo assim, tiveram que ser “voluntários da pátria” nas Guerras Cisplatinas, na Revo lução Farroupilha, na Guerra do Paraguai.

Gente sem direitos só os con segue pela união. Depois de uma visita do embaixador da Prússia ao Rio Grande do Sul, fundou -se, em 1864, na cidade alemã de Barmen, onde também existia uma casa que formava missioná rios, um comitê para auxiliar os “Protestantes Alemães no Brasil Meridional”. Esse comitê passou a enviar pastores, professores e professoras para o Rio Grande do Sul. Destaque merecem os pastores Hermann Borchard, Wi lhelm Rotermund, Friedrich Pe chmann e o professor Friedrich Bieri.

Borchard tentou reunir as con gregações luteranas em 1868 em um primeiro sínodo, um cami nho comum para a defesa dos di reitos dos acatólicos, como eram oficialmente designados pelo Im pério. A experiência não foi dura doura. A experiência duradoura deve-se à liderança de Wilhelm Rotermund.

O Dr. Wilhelm Rotermund convenceu lideranças co munitárias, professores e pastores da necessidade de um órgão que os represen tasse. Assim, nos dias 19 e 20 de maio de 1886, acon teceu em São Leopoldo a fundação do Sínodo Rio grandense. No ano seguin te começava a circular nas comunidades o semanário Sonntagsblatt (acima).

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - maio de 2016 2
Arquivo Sínodo Rio dos Sinos
Arquivo Histórico da IECLB

HISTÓRICO

Uma característica dessa orga nização foi que a representação leiga sempre seria igual ou supe rior ao dobro dos pastores pre sentes. Igreja jamais poderia ser igreja de pastores. A represen tação feminina estava ausente. O direito do voto universal ain da não se estendera a elas, mas “elas” eram o fiel da balança nas congregações ou, como diria um pastor, “o pontinho da balança”. Havia muito por fazer. Em 1887, os conciliares reunidos em San ta Cruz do Sul aprovaram uma primeira ordem do culto para todas as congregações. No mes mo ano, os luteranos viram-se confrontados com exigência de um delegado de polícia que, em Santa Maria, exigia a demolição da torre recém-construída. Sob a liderança do Sínodo, conseguiu -se coletar assinaturas em todo o Império, exigindo igualdade de direitos para todos os cultos re ligiosos. Essa igualdade só viria com a República, mas a demons tração de unidade surtiu efeito. No ano seguinte, o Sínodo pas sava a ter um órgão de impren sa, denominado de “Folha Domi nical do Sínodo Riograndense”, fusionado em 1970 com jornais dos demais sínodos e ainda hoje existente sob o nome de “Jornal Evangélico Luterano”, talvez o mais antigo jornal da imprensa brasileira ainda em circulação. A partir da necessidade diacônica,

o Sínodo promoveu a pregação itinerante, que se materializou na fundação, em 1892, dos Asilos Pella e Betânia. Duas irmãs, Lina e Amália Engel, que haviam assu mido a escola de sua irmã Johan na, transferiram para o Sínodo, em 1895, a Fundação Evangélica, já então com 25 anos de existên cia.

Nos anos que seguiram, o Sí nodo assumiu a escola de Santa Cruz do Sul, fundou a Associação de Professores, deu início à Mis são entre Indígenas, fundou o Se minário para a Formação de Pro fessores, criou sua Obra Gustavo Adolfo, teve sua Caixa de Apo sentadoria, seu Instituto Pré-Teo lógico, também seu Almanaque, seu Centro de Impressos, seu Hi nário, a Folhinha para as Comu nidades Evangélicas na América do Sul, o Amigo das Crianças, sua Casa Sinodal, sua Casa Matriz de Diaconisas, o Colégio Sinodal, sua Casa de Estudante Universi tário, sua Escola de Teologia.

No âmbito do Sínodo, surgiram a Ordem Auxiliadora de Senho ras, a Juventude Evangélica, a Legião de Homens... Todos esses aspectos são motivos de louvor e gratidão e temas para nossas próximas edições...

Martin N. Dreher Bolsista do Sínodo Riograndense e pastor emérito da IECLB

MEMÓRIAS

Parte da memória dos 130 anos de fundação do Sínodo Riograndense estará presente nos en cartes comemorativos através de biografias. Neste primeiro exem plar, destacamos a pes soa do idealizador do Sínodo, Dr. Wilhelm Ro termund, na foto ao la do, com a esposa Marie (nasc. Brabandt).

Cortejo celebrativo pelas ruas de São Leopoldo. Ao fundo a atual Igreja de Cristo, construída sob a coordenação de Rotermund

fonte: Dreher, Martin N. (Org.). Igreja de Cristo: um templo centenário. São Leopoldo: Oikos, 2011. Primeiro templo luterano de São Leopoldo. À esquerda a escola, à direita a casa pastoral da comunidade

Edição
do Sinodo Riograndense” - maio de 2016 3
especial “130 anos
Fotos: Arquivo Renata Rotermund

BIOGRAFIA

Wilhelm Rotermund (1843 - 1925)

Wilhelm Rotermund, nascido em Stemmen (Alemanha) em 25 de novembro de 1843 e faleci do em São Leopoldo/RS em 5 de abril de 1925, foi pastor luterano, professor e jornalista teuto-bra sileiro.

Formado em Teologia, tendo estudado em Erlangen e Göttin gen, foi tutor dos três filhos do nobre alemão von Manteuffel, perto de Hafenpot, onde hoje é Aizpute, na Letônia, lá permane ceu de abril de1867 a setembro de 1869, aprendendo muito so bre a problemática de manter a cultura alemã e a igreja luterana no exterior.

Por motivo de saúde retorna a Alemanha, onde é nomeado pastor adjunto em Rotenburg e depois em Worpswede. Em 1872 é atacado de tuberculose, tendo se afastado do trabalho e perma necido em repouso até 1873. No outono conhece Friedrich Fabri, presidente do Comitê para os alemães protestantes no Brasil, que o inspira a partir para o Bra sil

Terminou, às pressas, seu dou torado em Filosofia na Univer sidade de Jena, tendo também casado com sua prima, Marie Brabandt, entre as atividades de preparação para a viagem, par tindo em 6 de novembro de 1874. Estabeleceu-se em São Leopoldo, onde foi pároco de 1875 a 1917.

Foi um defensor incansável da liberdade de religião e dos inte resses da população evangélica de origem alemã do Rio Grande do Sul perante as autoridades e a sociedade em geral. Introduziu em sua comunidade uma espé cie de ensino obrigatório em que só podia ser confirmado como membro da comunidade quem tinha freqüentado pelo menos 4

anos da escola comunitária evan gélica.

De 1875 a 1878 foi redator do jornal Der Bote de São Leopol do, tendo, em 1878, adquirido o parque gráfico do jornal (duas máquinas e material de compo sição). Depois foi fundador e edi tor do jornal Deutsche Post, que circulou de 1880 a 1928. Em 1880 também publicou o primeiro Ca lendário para Alemães no Brasil (ou Kalender für die Deutschen in Brasilien), impresso na Alemanha por falta de gráfica adequada no Rio Grande do Sul.

Também foi fundador da firma W. Rotermund em São Leopoldo, existente até hoje, para servir de gráfica para livros de conteúdo germânico. Na gráfica preocu pou-se com a produção de livros didáticos para os estudantes descendentes de imigrantes ale mães no Brasil, tendo em 1878 editado uma cartilha. Buscando melhorar a pronúncia do portu guês, nas escolas da imigração, publicou em 1879, A orthoepia da Língua Portugueza em exer cícios para as escolas alemãs no Brasil.

MEMÓRIAS

Iniciou em 1880 uma escola de 2° grau para os filhos e as filhas das famílias evangélicas.

Em 1886 foi um dos fundadores do Sínodo Riograndense, que reunia diversas comunidades luteranas do Rio Grande do Sul, tendo presidi do-o por vários anos, 1886-1894 e 1909-1919.

Em 1887 iniciou a publicação para as comunidades evangélicas do semanário Sonntagsblatt.

Foi autor de 16 livros didáticos para as escolas de imigração, cin co deles escritos em português. Além destes editou grande número de manuais escolares de outros autores, pelo menos 38 desses. Na década de 1930, a Editora Rotermund já havia editado e reeditado acima de 50 títulos de manuais escolares, vários com mais de 10 ree dições. Em 1931 a editora havia vendido 160.000 exemplares do ma nual de matemática Praktischen Rechenschule.

Wilhelm Rotermund faleceu em 5 de abril de 1925 (Domingo de Ra mos), em sua casa. Seus restos mortais estavam sepultados no Cemi tério Municipal de São Leopoldo/RS até janeiro de 2015, quando foram cremados. Suas cinzas, bem como de sua esposa Marie (nasc. Braban dt), foram colocadas na parede leste junto ao altar da Igreja de Cristo, em São Leopoldo, no dia 15 de novembro de 2015 como forma de ho menagear o idealizador daquele templo.

Fonte: Wikipedia (Dados confirmados pela família)

Sinos da Comunhão - Número 183 - maio de 2016 Encarte No 1 - Comemorativo aos 130 anos do Sínodo Riograndense Colaboradores nesta edição: Martin Dreher, Erny Mügge, Rolf Droste, Renata Rotermund, Edson Streck, Osmar Witt, Cleide Schneider e Heitor Meurer Arte e diagramação: Jornalista Heitor Meurer (MTE/RS 15656)

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - maio de 2016 4
Fotos: Arquivo Renata Rotermund
Os atos de velação e encomendação de Wilhelm Rotermund aconteceram na Igreja de Cristo, em São Leopoldo, construção a qual muito se dedicou
Desde o dia 15 de novembro de 2015, as cinzas de Wilhelm e Marie Rotermund estão depositadas na Igreja de Cristo
Primeiro registro do prédio da Gráfica Rotermund é de 1890

Encarte comemorativo aos 130 anos de Fundação do Sínodo Riograndense Número 2 - São Leopoldo, junho de 2016

Pregação itinerante

Desde o começo da imigração alemã, em 25 de julho de 1824, a colonização deu-se mediante a participação de on das de migração interna. Novos núcleos coloniais foram constituídos com a par ticipação de migrantes dos núcleos mais antigos. Pode-se distinguir três fases nes se processo: de 1824 a 1850, aconteceu a ocupação das terras nas redondezas da Colônia de São Leopoldo e os vales dos rios Sinos e Caí; de 1850 a 1890, a marcha para o oeste, em direção aos rios Taquari e Jacuí, estabelecendo-se um polo impor tante em Santa Cruz do Sul; de 1890 em diante, a migração rumo ao planalto e à região noroeste do estado, tendo como referências Ijuí e Santa Rosa. As colônias velhas davam seus filhos e filhas às colô nias novas.

Naturalmente, nas novas fronteiras agrícolas da época, a situação podia ser caracterizada pela necessidade de come çar do zero, também no que dizia respeito à igreja. Aliás, a fé professada em família e em comunidade foi um fator importante de resistência em meio às adversidades. Vejamos como essa realidade se expres sou em um texto publicado em 1899 nas páginas do então Sonntagsblatt:

“Existem muitas coisas para as quais a gente não dá a devida importância en quanto delas dispõe. Porém, quando as perdemos, então reconhecemos o seu valor. Comigo e com muitos outros isso sucedeu no Brasil com relação à igreja e escola. No meu povoado de origem, ambas estavam presentes. Embora, no passado, eu não desprezasse a Palavra de Deus, somente no Brasil foi que tomei

consciência do significado do culto regu lar e da ordem eclesiástica. Muitas vezes, pensava na terra natal e me entristecia. Mais triste, porém, eu ficava quando che gava o domingo. Nenhum sino repicava, nenhuma igreja abria suas portas. De manhã, a maioria trabalhava e, à tarde, caso não se trabalhasse também, ficava -se matando tempo. Eu estava no país há três meses. Então, num domingo à tarde, visitei um morador de nossa colônia para fazer-lhe algumas perguntas. Ele era um homem mais idoso e aparentava ser de índole séria. Nossa conversa também se desenvolveu a respeito do domingo. Eu disse: ‘É duro termos de viver aqui na selva como gentios e não podermos fre quentar nenhuma igreja’. Ele me olhou e reagiu: ‘É ruim que não tenhamos nenhu ma igreja e nenhum pastor – ao menos para o cristão íntegro –, mas nem por isso precisamos nos sentir como gentios. Nós mesmos poderíamos realizar entre nós algo como um culto. Como seria se nós nos encontrássemos cada domingo numa casa, cantássemos um hino do hi nário e lêssemos uma prédica? (...) Con verse ainda com outros e venha à minha casa no próximo domingo, e então inicia remos’. De todo o coração eu concordei com isso, e a minha esposa, a quem re latei a conversa, mais ainda. Durante a semana, conversei com algumas pessoas que encontrei, outras fui visitar. (...)No domingo seguinte, nos reunimos, cerca de dez pessoas. Nenhum sino chamou, nenhum órgão ressoou; mesmo assim, nosso ânimo era festivo. Nós cantamos um hino, então foi lida uma prédica e

uma oração do livro de orações de Stark. No final, outra vez um hino. Esse foi o pri meiro culto celebrado por nós, pobres e abandonadas pessoas na mata do Brasil. O querido Deus certamente se agradou dele, e nossa devoção não poderia ser maior, nem mesmo na mais bonita igre ja. Quando quisemos voltar para nossas casas, alguém disse: ‘Vamos manter esta prática todos os domingos’. Assim o fize mos. (…) Nós celebramos belos domingos e belas festas. O que eu tive dificuldades de aceitar, no início, é que na amada festa do Natal, aqui é verão e faz muito calor. Do autêntico Natal, assim a gente pensa, fazem parte o gelo e a neve.

Tínhamos a Palavra de Deus aos do mingos; ainda assim faltava muita coisa. A Santa Ceia não podia ser celebrada. Crianças nasciam – também nós tivemos uma – e elas ficavam sem o Batismo. Ape nas as que corriam risco de falecer rece biam o Batismo de emergência. No ensino escolar nem se pensava. Alguns poucos pais ensinavam suas próprias crianças a ler e a escrever, outros não tinham dispo sição ou não tinham jeito para fazê-lo.(...) Surgiu o primeiro caso de morte quando faleceu uma criança pequena. Um lugar no mato foi demarcado e transformado em cemitério. Somando tudo o que nos faltava, percebe-se que estávamos em má situação. O que seria de nossos filhos se as coisas continuassem assim? O auxí lio viria”.

Destaques

“Muitas vezes, pensava na terra natal e me entristecia. Mais triste, porém, eu ficava quando chegava o domingo. Nenhum sino repicava, nenhu ma igreja abria suas portas”. (p. 5)

O ministério itinerante: “...fundamental era a preocupação com as famílias que se dirigiam às novas colô nias e que não poderiam ficar desassistidas do acompanha mento de ‘sua’ igreja”. (p. 6)

“A migração das colônias velhas para as colônias novas, fez com que aumentasse no Sínodo a preocupação pelo acompanhamento pastoral a esses colonizadores”. (p. 6)

Biografia:

O P. Michael Haetinger foi o primeiro pregador itinerante, e de sua atuação também resultou a criação dos Asilos Pela-Betânia (p. 7-8)

Memória: Os que com lágrimas semeiam...

“Confiava, como o semea dor paciente da parábola de Mateus 13, que as sementes colocadas nos corações germi nariam e produziriam muito fruto”. (p. 8)

No mapa do Rio Grande do Sul vemos as áreas alcançadas pela prega ção itinerante

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - junho de 2016 5
Arquivo Histórico da IECLB
P. Ms. Osmar Luiz Witt Arquivo Histórico da IECLB Nesta edição, vamos acompanhar a migração de famílias evangélicas luteranas no Rio Grande do Sul e conhecer um projeto pastoral de acompanhamento dessas famílias pelo Sínodo Riograndense: a pregação itinerante

O SÍNODO RIO-GRANDENSE E A PREGAÇÃO ITINERANTE – IGREJA NA MIGRAÇÃO

O Senhor necessita de trabalhadores que venham sem um senão, que venham alegremente, quando Ele os chama e que vão quando e aonde Ele os envia e não peguntem: o que ganhamos com isso?

1. O início da pregação itinerante

O Sínodo Riograndense, em sua 5ª Assembleia Sinodal, reu nida em São Sebastião do Caí em 1891, criou a função de pregador itinerante. As razões que para tal contribuíram foram várias, mas fundamental era a preocupação com as famílias que se dirigiam às novas colônias e que não po deriam ficar desassistidas do acompanhamento de “sua” igre ja. A situação de abandono em que muitas famílias de migran tes e imigrantes se encontravam, sem ter a quem recorrer senão à solidariedade dos que se encon travam em idêntica situação, po dia ser vista em distintas regiões do estado. Os pastores que as visitavam de tempos em tempos acentuavam a necessidade de estender a mão e ajudar esses irmãos e irmãs. As comunidades evangélicas que se constituíram a partir desses grupos de mi grantes e imigrantes precisaram lidar com os desafios e as opor tunidades do novo contexto em que se encontravam. Além disso, do ponto de vista estritamente religioso, constituíam uma mi noria em situação de diáspora. A Constituição em vigor no Brasil Imperial assegurava a tolerân cia religiosa, mas preservava as prerrogativas de religião oficial ao Catolicismo Romano. Ser uma pessoa evangélica luterana na época da imigração significava ter disposição para enfrentar ad versidades adicionais na busca de uma cidadania plena em um novo país. Essa condição fez com que em muitos momentos as fa mílias evangélicas tivessem de clamar por apoio de quem lhes poderia prover algum reconhe cimento e consideração. E essa situação perdurou pelo menos até a proclamação da República

em 1889 e a posterior separa ção constitucional entre Estado e Igreja.

Nesse contexto mais amplo, a pregação itinerante representou uma tentativa do Sínodo de res ponder ao desafio de acompa nhar com Palavra e Sacramento aquelas famílias que, por neces sidade ou decisão, migraram para as regiões que lhes abriam perspectivas de trabalho e exis tência.

É preciso dar-se conta, por um lado, de que a igreja (represen tada pelo Sínodo Riograndense) procurou, dentro de suas for ças, acompanhar os imigrantes e os migrantes no rumo dos novos núcleos coloniais. Por ou tro lado, também as próprias famílias evangélicas luteranas carregaram consigo a “sua” igre ja para essas novas frentes. Ou seja, em muitas localidades, os pastores do Sínodo construíram sobre a base que já fora lança da pelos próprios migrantes. De interesse é que a proposta de igreja desses nem sempre coin cidiu com a proposta de igreja daqueles. Em relação ao mode lo de igreja evangélico-luterana que se formou entre os migran tes colonizadores das então no vas fronteiras agrícolas, pode-se afirmar que ele contava com a presença dos pastores do Síno do, mas de nenhuma forma era dependente deles. Pelo contrá rio, foram muitas as iniciativas dos próprios colonos e colonas para preservar sua identidade confessional. É ilustrativo o rela to das memórias de um colono alemão no Brasil, publicado no Sonntagsblatt (Folha Dominical do Sínodo Rio-Grandense) a par tir da edição de 19 de fevereiro de 1899.

Na atuação de Borchard refle te-se o trabalho da maioria dos ministros, pois, como nos lem brou o P. Heinrich Hunsche, tes temunha ocular daqueles tem pos, os poucos religiosos eram, outrora, também pregadores itinerantes. Muitos deles afasta vam-se periodicamente de suas comunidades ou paróquias para seguir as pegadas dos migran tes e oferecer-lhes uma palavra consoladora e de encorajamen to em meio às muitas adversi

dades. Exemplo disso encontra mos nos relatos de viagem do P. Friedrich Wilhelm Mühlinghaus, o qual exerceu o pastorado em Montenegro de 1886 a 1893. No ano de 1890, foi ter com os co lonos imigrantes que foram as sentados nos arredores da Vila Alfredo Chaves (Veranópolis). Os imigrantes pomeranos residiam a seis, sete horas a oeste da Vila Alfredo Chaves, em Santa Tereza e Picada 28 de Setembro, espa lhados entre colonos italianos.

3. A necessidade da pregação itinerante

O trabalho de acompanha mento aos imigrantes e migran tes evangélicos luteranos foi, em verdade, anterior à fundação do Sínodo Riograndense, que se deu em 1886. É suficiente que se lembre da atuação do P. Dr. Hermann Borchard, pároco da

Comunidade Evangélica de São Leopoldo, de 1864 a 1870. Sua atividade itinerante levou-o não só à maior parte das colônias alemãs do Rio Grande do Sul, mas também aos países do Pra ta, a fim de conhecer as condi ções das famílias evangélicas.

A imigração em massa, em especial de pomeranos e teu to-russos, por volta de 1890, acompanhada da migração das colônias velhas para as colônias novas, fez com que aumentasse no Sínodo a preocupação pelo acompanhamento pastoral a esses colonizadores. Sempre mais os pastores precisavam au sentar-se de suas comunidades para estar com esses grupos. E essa situação já não podia mais se manter. O Pastor Haetinger, por exemplo, que, antes de ser convocado pelo Sínodo para a função de pregador itinerante, já percorria muitas comunidades, defendia a instituição da prega ção itinerante como uma “gritan te necessidade”, pois, escreveu

ele, “na minha comunidade, há protesto contra tais viagens de atendimento aos dispersos”.

Por outro lado, as visitas tem porárias dos pastores não eram suficientes para atender às tare fas que se avolumavam e para as quais os imigrantes e migrantes reclamavam providências. As so licitações eram muitas e de toda parte: de Passo Fundo, de São Gabriel, de Morro Pelado, de So ledade e até de Nonoai, às mar gens do rio Uruguai. . Também de parte da Diretoria Sinodal já vinha de longa data o reconhe cimento da necessidade de um ou mais pregadores itinerantes para atender os evangélicos na diáspora e reuni-los em comuni dades.

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - junho de 2016 6
(P. Friedrich Pechmann em pregação sobre Lucas 10 na abertura da 5ª Assembleia Sinodal do Sínodo RioGrandense em 22/04/1891.)
2. Iniciativas pastorais para acompanhar os migrantes
Pastor Paul Sudhaus (1866-1947), acompanhado de seu irmão, Heinrich Sudhaus. O pregador itinerante pronto para a viagem Arquivo Histórico da IECLB

Entretanto, repetidas vezes, o maior obstáculo para tornar rea lidade esse plano foi a limitação financeira. Era impossível espe rar que os colonos dispersos pu dessem manter um pastor para atendê-los, e o próprio Sínodo dispunha de parcos recursos.

Apesar dessa dificuldade, na 5ª Assembleia Sinodal Ordinária, realizada em São Sebastião do Caí de 22 a 25 de abril de 1891, foi criado o cargo de pregador itinerante para acompanhar aquelas famílias que se dirigiam às diferentes áreas de coloniza ção no estado. Doravante, um pastor seria liberado de funções paroquiais para dedicar-se in teiramente à itinerância. O pri meiro a assumir a função foi o P. Michael Haetinger, de Vila Ger mania (Candelária). Os recursos financeiros seriam assegurados pelas comunidades do Sínodo, que seriam solicitadas a contri buir para esse trabalho; pelas coletas realizadas entre as famí lias que seriam alcançadas pelo pregador itinerante; e por enti dades parceiras na Alemanha.

Os pastores itinerantes opuse ram-se com veemência à atua ção dos pastores livres (também denominados pseudopastores), que atuavam nas comunidades, pois sua presença possibilitava às comunidades manterem o seu independentismo, isto é, sua resistência a uma igreja estrutu rada nos moldes da igreja que

tinham conhecido na Alemanha. Para poder prosperar, o Sínodo deveria vencer uma tal mentali dade, por isso a pregação itine rante visava ao menos evitar que surgissem novos pastores livres.

Por outro lado, também houve manifestações de apoio à insti tuição sinodal. Muitos evangé licos vislumbravam no Sínodo, e especialmente nos pastores a ele ligados, um baluarte em de fesa de sua fé evangélica. Faziam absoluta questão da presença em seu meio de um obreiro de vidamente formado e ordenado. Não são poucos os testemunhos de pregadores itinerantes que, em contato com os imigrantes e os migrantes, puderam sentir que em seu meio se abria um campo fértil para a atuação da igreja. A título de exemplo, trans crevemos uma solicitação dirigi da à Diretoria do Sínodo pelos evangélicos da colônia Ijuí:

Quase não temos mais sos sego por viver aqui há tanto tempo sem igreja, prédica e Santa Ceia, enquanto que, na velha pátria, tínhamos tudo em abundância. Nós temos um livro de prédicas de Harms, que é utilizado para leituras em três loca lidades, todos os domingos. (...) Oh, como gostaríamos de ouvir a notícia de que em breve receberemos um pas tor!

4. Áreas geográficas de atuação e os nomes dos pregadores itinerantes

Podemos destacar cinco áreas que foram atingidas pela prega ção itinerante no estado: o lito ral, o centro-oeste, o alto Jacuí, o noroeste e o sul. O P. M. Ha etinger visitou as famílias evan

gélicas de Santo Antônio da Pa trulha e arredores, como colônia Boccó, colônia Fraga, colônia Pe dra Branca, Barro Branco-colô nia Colombo, colônia Canta Galo e Rolante.

Na região centro-oeste do es tado, a pregação itinerante atin giu a colônia Jaguari, nos núcleos Jaguari, São Vicente, São Xavier e Sertão e as localidades de San tiago do Boqueirão e São Fran cisco de Assis, além da colônia Silveira Martins no município de Santa Maria. A terceira área compreende o espaço entre Vila Germânia (Candelária) e Passo Fundo, subindo até Erechim no norte do estado. Na região noro este do estado, a atividade itine rante chegou a várias colônias, destacando-se Ijuí, Panambi, Co lônia Municipal em Santo Ânge lo, São João, Guarani, Serra Ca deado (Augusto Pestana), Santa Rosa, Colônia Vitória, Cerro Azul (Cerro Largo), Pirapó, Cerro Pela do (Porto Xavier), Rincão Verme lho. Não deve ser esquecida a atenção dispensada pelo Sínodo à região sul do estado, onde o trabalho eclesiástico era dirigido por pastores livres, sem vínculo com a organização sinodal. Dos pastores Haetinger e Sudhaus sabemos por notícias e relatos que em suas andanças chega ram às colonizações de Cerro Negro, Pedras Brancas, Barão do Triunfo, S. Feliciano, vale do Ca maquã, Pelotas, Morro Redondo e Arroio do Padre.

O P. Michael Haetinger foi o primeiro pregador iti nerante, e de sua atuação também resultou a criação dos Asilos Pela-Betânia às margens do rio Taquari. Quando passou a dedicar-se integralmente à direção da instituição, voltada ao am paro de crianças e pessoas idosas, a função de itine rante precisou ser abraçada por outros ministros.

Mesmo enfrentando dificul dades financeiras para a sua manutenção – decisiva foi a solidariedade da Obra Gustavo Adolfo, na Alemanha –, outros pastores deram continuidade ao acompanhamento das famí lias migrantes. Alguns nomes foram: P. Rudolf A. von Bracken, P. Gerhard Dedeke, P. Gottfried Schlegtendal, P. Ludwig Hoppe, P. Paul W. L. Sudhaus, P. Max De dekind, P. Wilhelm Osterkamp, P. Bruno Stysinski, P. Wilhelm O. Arnold, P. Adolf Kolfhaus e P. Otto Hufnagel.

A pregação itinerante cum priu sua função, quando, por volta de 1914, várias paróquias puderam ser criadas em áreas que por ela tinham sido aten didas. Assim, quando o proces so de migração e colonização alcançava as fronteiras do Rio Grande do Sul, também estava sendo vencida a fase áurea da pregação itinerante no Síno do Riograndense. A finalidade do trabalho itinerante – tanto o que resultou da iniciativa de obreiros individualmente como o que seguiu a criação da fun ção de pregador itinerante pelo Sínodo Riograndense – foi dar assistência religiosa às famílias que viviam distantes de locais onde pudessem ter tal acom panhamento regular. Sobretu do se queria evitar que famílias evangélicas luteranas se vissem forçadas a abandonar “sua” igreja, e para isso era preciso acompanhar o povo que migra va, fortalecer-lhe a fé e o ânimo para fazer frente às dificuldades do contexto, como o abandono, o isolamento e o ser parte de um grupo minoritário em lín gua, cultura e religião.

Edição
do Sinodo Riograndense” - junho de 2016 7
especial “130 anos
Asilos Pella: “Antiga casa da Fazenda Barros denominada Pella 1. Nos fundos vê-se Betânia, foto de 1908.” P. Ms. Osmar Luiz Witt Arquivo Histórico da IECLB Arquivo Histórico da IECLB

BIOGRAFIA

Michael Haetinger (1850 - 1940)

Michael Haetinger nasceu no dia 7 de setembro de 1850 em Unterjettingen, Württem berg, na Alemanha, como filho de agricultor. Realizou seus estudos de Teologia no Seminário Missionário de Ba sileia (Suíça), donde trouxe uma sólida formação para a profissão que iria abraçar. Aos 24 anos, emigrou para o Brasil. Sua noiva, Maria Kirchert, seguiu-o um ano depois (1875). O pastor aten deu, então, as comunidades de Ferraz e sobretudo Can delária, naquele tempo Vila Germânia, onde permaneceu quatorze anos.

Sua neta conta que, apesar de ter família numerosa, trazia crian ças completamente abandonadas para sua casa, dizendo que “onde comem tantos, uma boca a mais não criaria problemas”.

(Fonte: HOPPEN, Arnildo Cem anos Pella-Bethania 1892-1992 edição comemorativa - Taquari, 1992, p. 26-28)

MEMÓRIA

Os que com lágrimas semeiam...

Conheci S. e B. no consultório pastoral. Sabiam-se cristãs lu teranas, o que pude constatar em nosso diálogo, mas estavam preocupadas com um fato: ja mais haviam comungado, pois não haviam sido confirmadas. Soube, então, que haviam resi dido com os pais em município no qual eram a única família luterana residente e nele não havia atendimento pastoral. Toda a instrução na fé lhes fora transmitida pelos pais.

Curioso, saí em busca das ra ízes de S. e B. No diálogo, sur giu o nome da Colônia Alfredo Chaves, fundada em 1884 no território de Lagoa Vermelha/ RS. Dela resultaram, entre ou tros, os municípios de Veranó polis e Nova Prata. Seus povo adores foram imigrantes da Itália, da Polônia, da Alemanha e da Rússia. Entre eles havia cristãos luteranos, que foram, inicialmente, visitados pelo pregador itinerante Haetinger.

forças. [...] Graças a Deus, por me ter dado saúde, por me pro teger dos perigos e me ter dado a felicidade de ver o resultado de meu trabalho. Isso me dá ânimo e satisfação em poder continuar trabalhando em sua igreja.

Por ocasião dos 120 anos do Pella-Bethania, a história de Haetin ger e sua dedicação aos menos favorecidos deu ensejo à matéria de Ricardo Chaves, publicada em 07.11.2012 (wp.clicrbs.com.br/alma naquegaucho). Parte do texto diz:

A história do Asilo Pella e Bethânia teve início no final do século 19, quan do Michael Haetinger, pastor luterano, testemunhou a miséria e o desampa ro de famílias gaúchas, cujos homens eram convocados a lutar nas revolu ções ou morriam em decorrência das más condições de saúde da época.

Para abrigar as crianças que fica vam sem família, com o apoio de oito pastores, Haetinger comprou a Fazen da Barros e fundou um orfanato. No dia 19 de novembro de 1892, o pas

tor e a família instalaram-se na antiga casa da propriedade.

Em 1897, inaugurou-se o Lar Pella II. Dois anos depois, adquiriram a anti ga Escola Superior Agrícola de Taqua ri, que, reformada, tornou-se o Asylo Bethânia. O pastor Michael Haetinger dedicou-se aos asilos até a morte em 1940, sendo sucedido pelo filho, o pas tor Immanuel.

Em 1895, Karl Platzeck foi de signado pastor desses lutera nos dispersos em vasto territó rio. Ali atuou até 21 de abril de 1916, quando faleceu vítima de infarto. Tinha 53 anos. Em rela tório acerca de suas atividades em 1906, colocou como mote as palavras do Salmo 118.18: O Senhor me envia provações, mas ele não me entrega à morte. Seus esforços para a formação de comunidades esbarraram em muitas dificuldades. Mem bros cansados da improdutivi dade das terras tornavam a mi grar; desde 1905 missionário enviado pela atual IELB, busca va formar comunidade a partir dos membros antes reunidos por Platzeck.

Esse corria atrás de seus membros, e localizamos seus vestígios em Veranópolis, Nova Prata, Guaporé, Anta Gorda, Sananduva e Lagoa Vermelha. Celebrava cultos, era professor, sua esposa reunia as pessoas para instrução cristã e canto. Além disso, era agricultor, pois mesmo com subvenções da Obra Gustavo Adolfo e contri buições dos membros não con seguia se manter. A razão de como sobrevivo ... é que cultivo bastante em plantação própria, não necessitando comprar mi lho, batata-inglesa, feijão-preto, banha, manteiga e leite – o que, no entanto, ultrapassa minhas

Onde não se conseguia fazer presente o tempo todo, levava materiais para que os pais en sinassem seus filhos. No rela tório de 1908, o mote escolhido foram palavras de Apocalipse 2.25: Conservai o que tendes, até que eu venha. Platzeck enten deu que não podia fazer mais do que manter cada pessoa na fé que herdara de seus pais e orientá-las para que vivessem de acordo com a palavra de Deus. Estaria resignando? Não! Compreendeu que as pessoas migravam para novas áreas com terras mais férteis. Iam para as regiões de Marcelino Ramos e em direção ao Vale do Rio do Peixe/SC, onde forma riam novas comunidades lute ranas. Confiava, como o seme ador paciente da parábola de Mateus 13, que as sementes colocadas nos corações ger minariam e produziriam muito fruto.

Em 1936, alguém escreveu a seu respeito, dizendo que ele atuara “em posto avançado sem esperança”. Ele não viu dessa maneira sua atuação. Compreendi-o quando conver sei com S. e B. Entendi-o melhor quando viajei para o interior de Nova Prata e deparei-me com templo construído em sua épo ca e hoje não mais utilizado em meio a capoeiras. Em seu fron tispício, por sobre a porta, não há cruz, mas o cálice do sangue derramado por nós. Em seu interior há carteiras escolares, nas quais crianças aprenderam a confessar: Devemos temer e amar a Deus e confiar nele sobre todas as coisas. Depois fui ao cemitério quase que totalmen te tomado pela floresta, que está recuperando seu espaço e, à sombra de velhas camé lias, encontrei as sepulturas de crianças e adultos, semeados na esperança da ressurreição para a vida eterna. Os que com lágrimas semeiam com júbilo ceifarão.

P. em. Martin N. Dreher em “Espelhos - Histórias de fé e vida”. São Leopoldo: Sinodal, 2010.

Sinos da Comunhão - Número 184 - junho de 2016 Encarte No 2 - Comemorativo aos 130 anos do Sínodo Riograndense Colaboradores nesta edição: Martin Dreher, Rolf Droste, Edson Streck, Osmar Witt, Cleide Schneider e Scheila dos Santos Dreher

Arte e diagramação: Jornalista Heitor Meurer (MTE/RS 15656)

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - junho de 2016 8
Fotos: Arquivo Pells-Bethania Comemoração do 50º aniversário de pastorado de Haetinger em 1924 Pastor Michael Haetinger, sua família e o primeiro grupo de órfãos em 1893 Fonte: Almanaque Gaúcho Ricardo Chaves/Lucas Vidal Bodas de Ouro do casal HAETINGER em 1925

Encarte comemorativo aos

130 anos de Fundação do Sínodo Riograndense Número 3 - São Leopoldo, julho de 2016

Formação teológica

A formação teológica visando ao preparo de pastores no contexto de nossas comunidades, que se formaram com e a partir da imigração, é um fenômeno tardio. Embora já existissem comunidades e organizações sinodais em outros estados, foi o Sínodo Riograndense que cha mou para si a tarefa que muito depressa beneficiaria também os demais sínodos. Uma soma de fatores contribuiu para que o estudo formal e institucional de teologia em nosso país acontecesse em torno de um século depois da chegada dos primeiros imigrantes evangélicos.

Como sabemos, os imigran tes evangélicos eram respeitados como bons colonos e artesãos, mas a sua confissão de fé evangélica empurrava-os para a ilegalidade. Não era permitido construir igrejas, os cemitérios eram ilegais, pois os legais eram católicos, os casamen tos também eram ilegais, valendo o mesmo para os batismos. Deve-se a uma admirável dose de teimosia de fé e esperança o fato de que esses evangélicos permaneceram fiéis à sua confissão, conquistando passo a passo seu direito legal de existir até a proclamação da República em 1889. Haviam passado 65 anos! Ilegais ou não, as comunidades existiram e sobreviveram: constru íram inúmeras escolas comunitá rias bem como suas casas de ora ção, essas despojadas – por lei – de qualquer vestígio externo de igreja; líderes comunitários ou professo res exerciam também as funções pastorais. Os primeiros pastores seriam enviados um pouco mais tarde por instituições missionárias da Alemanha. Como os demais evangélicos, seus pastores não fo ram reconhecidos como tais. A tudo

isso se acrescentam as distâncias entre os povoados e as condições precárias de caminhos, quando existiam! Construir uma vida digna para si e seus familiares e viver na ilegalidade da fé evangélica num país estranho, tendo deixado defi nitivamente seu país e sua gente, é para nós hoje algo inimaginável.

Os pastores foram importantes elos de ligação e relacionamento entre as comunidades dispersas, pois eles, no lombo de um cavalo, iam de comunidade em comuni dade, assistiam-nas com cultos, batismos, casamentos, enterros, aconselhamento. Isso ajudou a acalentar a ideia de comunidades unirem-se, a exemplo do que exis tia em sua terra natal. Pastores, que pouco a pouco realizavam seus encontros, ocupavam-se com a questão de não só juntar algu mas comunidades em uma espé cie de paróquia, mas de ir além e encontrar formas estruturais em âmbito maior. A preocupação es tava aí, tanto que em 1868 houve a tentativa de criar um sínodo, que significa, literalmente, caminhar em conjunto. Por razões que não cabe

refletir aqui, a experiência ficou na tentativa e somente em 1886 se criou o Sínodo Riograndense, que abrangia boa parte das comunida des existentes, mas que era aberto a novas filiações, postura essa que faria com que, no decorrer das dé cadas seguintes, novas comunida des fundadas a partir da migração interna para o oeste de Santa Cata rina e do Paraná levassem o Síno do Riograndense até Pato Branco e Capanema no sudoeste do Para ná. Quando, no início da década de 1950, agricultores gaúchos, e em menor número catarinenses, inicia ram a colonização ao norte do rio Iguaçu, o pastor de Erechim visitava as primeiras comunidades evangé licas que se formavam em longas e penosas viagens. Aliás, o pastor (...) Schiemann, de Erechim, não deixou de ser um “pastor itinerante”, mo delo criado pelo Sínodo Riogran dense oficialmente em 1891.

Ainda que nos primeiros tempos todos os membros das comunida des falassem alemão, com o cres cimento das comunidades veio também a preocupação de formar pastores brasileiros.

Destaques

“...esses evangélicos perma neceram fiéis à sua confissão, conquistando passo a passo seu direito legal de existir até a proclamação da República em 1889”. (p. 9)

A visão de Dohms: “...uma classe de pastores familiarizados com a situação do país e arraigados nela e que conferem à igreja sempre mais o caráter de uma instituição arraigada no povo”. (p. 10)

“o número de estudantes cresceu, bom número deles vindo dos outros sínodos. Esses eram mantidos com bolsa integral por seus sínodos de origem”. (p. 11)

Biografia:

Hermann G. Dohms foi pastor, líder eclesiástico luterano, teólogo, pedagogo e escritor, nascido em Sapiranga/RS em 3 de novembro de 1887 (p. 12)

Memória:

“Pela fé cremos no invisível, como se fosse visível, naquele que torna possível aquilo que é evidentemente impossível, no qual está reunido tudo o que parece separado”. (Dohms, 1946) (p. 12)

O sonho de formar pastores brasileiros se concretizaria no projeto de construção do prédio que abrigaria os alunos da Escola Superior de Teologia (hoje Faculdades EST)

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - julho de 2016 9
Arquivo Faculdades EST

Já em 1877, o pastor Wilhelm Rotermund manifestou assim:

Uma coisa é certa: A fim de que nossas comunidades fiquem mais vigorosas, é necessário que seus ministros [pastores] e mestres [professores] sejam formados em seu próprio meio. E por mais distante no futuro que esteja a realização plena desse objetivo, deve-se visá-lo já agora com clareza e trabalhar para atingi-lo (Fischer, p. 18).

O assunto retornaria volta e meia em reuniões sinodais. A falta de recursos, porém, protelaria sua concretização. Apesar disso, uma outra lacuna começaria a ser sanada: em 1909 começou a formação de professores primários, que continua até hoje no Instituto de Educação Ivoti, agora em nível superior e com pós-graduação.

Sob o impacto da Primeira Guerra Mundial

O início do século XX foi mar cado por uma guerra mundial (1914-1918). A nossa vincula ção ainda umbilical a igrejas alemãs trouxe reflexos finan ceiros e, especialmente, pesso ais para as nossas comunida des, pois a vinda de pastores foi tanto quanto interrompida. Não bastasse isso, a Alemanha foi derrotada. A continuidade e um atendimento pastoral condizente com as comunida des evangélicas, agora já or ganizadas em quatro sínodos, eram uma questão urgente, levantada também em outro sínodo. No entanto, coube ao Sínodo Riograndense tornar concreta a formação de pas tores. O Concílio do Sínodo, realizado em 1919 na Linha Brochier/Montenegro, incum biu a diretoria de, junto com a Obra Gustavo Adolfo, tomar as decisões necessárias à fun dação de uma Escola de Teo logia, naquele momento para formar obreiros para o Sínodo Riograndense. O pastor Her

mann Dohms, então atuando em Cachoeira do Sul, foi en carregado de pôr em prática a decisão. Ele tinha uma visão muito clara do que deveria ser a instituição; expressou-o em um artigo de 1920 de forma la pidar, dizendo que seria neces sária “uma classe de pastores familiarizados com a situação do país e arraigados nela e que conferem à igreja sempre mais o caráter de uma instituição arraigada no povo” (Fischer, p. 19). Mesmo sem recursos, sen do ajudado por sua comunida de, o pastor Dohms deu início a um curso humanista em ní vel de 2º grau na própria casa pastoral com um estudante em 1921! Está aqui o nascedouro do Instituto Pré-Teológico, que em 1927 veio a São Leopoldo e em 1931 ganhou sua casa própria no Morro do Espelho. O currículo, com ênfase em lín guas, especialmente o alemão, preparava os jovens para po der ingressar em uma universi dade alemã.

A germanidade cria impasses e tensões

Uma pergunta que se impunha quase silenciosamente era sim ples: ser igreja alemã no Brasil ou ser igreja com os dois pés em terras brasileiras, sem, por isso, negar suas raízes. Lembremos que as comunidades evangélicas eram constituídas por alemães e seus descendentes. Os pastores vinham da Alemanha, e igrejas territoriais alemãs davam tam bém apoio financeiro. Além disso, não esqueçamos que, somente a partir de 1889, os evangélicos tinham o direito legal de existir. Além disso, a própria Alemanha tinha muito interesse em ter e conservar alemães em outros pa íses. Quando o pastor Rotermund manifestou, no final do século XIX, a necessidade da formação de pastores brasileiros, o cônsul alemão em Porto Alegre escre veu: “Uma das aspirações predi letas de Rotermund é a criação de um Seminário de Pregadores em São Leopoldo. Em minha opinião, no entanto, esse fato significaria um duro revés para a germani dade dessas bandas. Os alemães aqui nascidos não têm mais pa triotismo alemão; pastores nasci

dos, educados e formados aqui, consequentemente, nada podem contribuir para a preservação da germanidade dessas bandas” (Dreher, p. 40). Aliás, a tensão entre a germanidade de nossas comunidades, sua fidelidade às tradições herdadas e sua missão de ser igreja no Brasil para todos, sem acepção de raça ou tradição, ainda iria longe, também depois de não mais sermos considera dos igreja-filha (Tochterkirche) e sermos transformados em igre ja coirmã, que deveria atuar em parceria ecumênica com a igreja alemã, mas, ao mesmo tempo, buscar os seus próprios cami nhos.

Como vemos, não faltaram problemas no caminho da for mação de pastores brasileiros no Brasil. Ao mesmo tempo, não faltou determinação ao pas tor Dohms para levar adiante a incumbência que recebera em 1919. Assim, até 1939, funcionou o esquema de os egressos do IPT estudarem Teologia na Ale manha, retornando com uma formação teológica de nível su perior.

A Segunda Guerra Mundial e as dissenções internas na igreja da Alemanha

Mais uma vez, porém, aconte cimentos alheios ao Sínodo mu daram o rumo da tão sonhada formação teológica de jovens brasileiros. A Segunda Guerra Mundial e dissensões teológico -políticas dentro da igreja alemã e suas igrejas territoriais corta ram o caminho para a Alema nha. Novos rumos deveriam ser traçados com urgência. O conse lho do Sínodo, já com apoio dos presidentes dos outros sínodos, delegou ao pastor Dohms (!) a tarefa de organizar um “curso teológico propedêutico” de três semestres, no qual os estudan tes seriam introduzidos nas ma térias básicas da Teologia. Em 1940 e 1941, foram abertos dois cursos. Eles, entretanto, teriam uma vida curta.

A retomada do curso de teologia

A participação do Brasil na guer ra contra a Alemanha levou a que pastores alemães em área de fronteira tivessem que sair de suas paróquias e que, sucessivamente, fosse proibido o uso da língua ale mã em público, depois em cele brações ainda que em recintos fe chados e, por fim, em publicações de qualquer natureza. Da noite para o dia, as comunidades fica ram órfãs e precisavam ser socor ridas. Não restava outra alternati va senão encerrar o curso e enviar os estudantes como substitutos às comunidades. A continuação de seu estudo deveria esperar. Vale mencionar que os “substitutos” que levavam a recomendação do pastor Dohms deram conta do re cado até 1945, quando terminou a guerra.

Em 1945, o curso de Teologia foi retomado; sua abertura oficial aconteceu em março de 1946. Quase como nos primórdios em Ca choeira do Sul, tudo era acanhado. Em seu todo eram quatro estu dantes e três ouvintes.

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - julho de 2016 10
O Instituto Pre-Teológico (IPT), que iniciou em Cachoeira do Sul, a partir de 1931 teve sua própria casa, no Morro do Espelho, em São Leopoldo Fotos: Arquivo Faculdades EST

No começo, as aulas acon teciam no porão da casa de Dohms, mas já em agosto de 1946 foi inaugurada uma simples casa de madeira no meio do pomar (Infelizmen te, os cupins deram cabo da casa. Hoje há uma placa co memorativa no lugar).

Como se sabe, um curso depende também de livros, de biblioteca e de professo res. Dohms colocou sua pró pria biblioteca à disposição e foram sendo agregados livros teológicos de pasto res da redondeza. Profes sores foram recrutados, to

dos em tempo parcial, entre pastores de comunidades e professores do Instituo Pré -Teológico. O exemplo mais bem acabado de professor em tempo parcial é o pró prio pastor Dohms: ele era presidente do Sínodo Rio grandense, diretor do Ins tituto Pré-Teológico, agora também diretor da jovem Escola de Teologia e seu professor. As aulas – bem como a biblioteca – eram em língua alemã, o que na queles tempos não oferecia nenhuma dificuldade aos estudantes.

No início da década de 1950, deu-se início à construção do primeiro edifício definitivo da Escola de Teologia. Ele foi inaugurado em 1956, com preendendo moradia de es tudantes e salas de aula. Em bora a essa altura houvesse estudantes de todos os síno dos, alguns vindos de muito longe, como o Espírito Santo, por exemplo, a Escola de Teo logia era legal e juridicamen te uma instituição do Sínodo Riograndense. Somente em 1958, no Concílio da Fede ração Sinodal realizado em Curitiba, ela passou a ser le gal e administrativamente da Federação Sinodal.

O pastor Hermann Dohms não participou desse passo importante. Ele falecera em dezembro de 1956. Faleceu assim como sempre viveu: dedicando-se de corpo e alma à sua igreja e à formação de seus obreiros.

Não se pode limitar a for mação teológica no Sínodo Riograndense à transferência da Escola de Teologia para a Federação Sinodal. Para fazer jus ao empenho do Sínodo Riograndense e seus líderes, é preciso ao menos respon der à pergunta sobre o resul tado da semente lançada em 1921. Ele nos lembra a pará

bola de Jesus do grão de mos tarda, tão minúsculo, que se transforma em planta fron dosa. Hoje, 70 anos depois de sua fundação, a Escola de Te ologia, depois Faculdade de Teologia, chama-se Faculda des EST, porque abriga mais de um curso, mas a Teologia é sua marca registrada.

Oferece-se pós-graduação em nível de mestrado e dou torado. Muitos estudantes e pós-graduandos são de ou tras igrejas e outros países –nossa instituição é ecumêni ca, reconhecida oficialmente pelo MEC. Sua excelência tem reconhecimento nacional e internacional. A biblioteca é uma das maiores bibliote cas teológicas não católicas na América Latina. A esma gadora maioria de ministras e ministros de nossa igreja formou-se em São Leopoldo. A exemplo dos primórdios, a questão econômica tem lá suas dificuldades. Graças principalmente às contribui ções de nossas comunidades, a planta semeada lá no pas sado continua trazendo seus frutos para a igreja e a socie dade.

Nos anos seguintes, o nú mero de estudantes cres ceu, bom número deles vin do dos outros sínodos. Esses eram mantidos com bolsa integral por seus sínodos de origem. Aqui um detalhe já não mais tão conhecido: o bolsista comprometia-se em retornar a seu sínodo depois de formado. Eu mes mo, uma década mais tarde,

ainda estudei nessas condi ções. Com o crescimento do número de estudantes im pôs-se também a necessida de de professores de tempo integral, o que foi possível passo a passo com recursos vindos das comunidades e, principalmente, da Igreja Evangélica na Alemanha. A maioria deles, porém, conti nuava em tempo parcial.

Fontes consultadas:

* Joachim Fischer : Breve história da Faculdade de Teologia.

* Martin Dreher : O papel de Hermann G. Dohms na criação e consolidação da Faculdade de Teologia.

Ambos os artigos estão publicados no livro Formação teológica em terra brasileira , editado por Lothar Hoch (Sinodal, 1986), às páginas 18 a 32 e 40 a 50, respectivamente.

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - julho de 2016 11
P.em. Harald Malschitzky ex-bolsista do Sínodo Evangélico de Santa Catarina e Paraná
Dentro da proposta de formação de pastores brasileiros em terras braslieiras, o primeiro grupo de estudantes de teologia teve suas aulas no chalé de madeira
Estudantes da Escola de Teologia (hoje Faculdades EST) quando esta iniciou suas atividades, em São Leopoldo/RS, no ano de 1946
O sonho de 1946 está completando 70 anos

BIOGRAFIA

Hermann Gottlieb Dohms (1887 - 1956)

Nascido em Sapiranga/RS em 3 de novem bro de 1887 e falecido em São Leopoldo/ RS em 4 de dezembro de 1956, Hermann G. Dohms foi pastor, líder eclesiástico luterano, teólogo, pedagogo e escritor. Filho de um casal de pastores luteranos, muito jovem foi enviado à Europa para poder fazer estudos preparatórios e cursar uma universidade. No Brasil, estudou na atual Escola Duque de Ca xias, pertencente à Rede Sinodal de Educação em sua cidade natal.

Durante seus estudos teológicos em Basel, Leipzig e Halle, tendo como seus professores Orelli, Metzger, Wernle, Hauck, Kähler, Katten busch e Loofs, Dohms descobriu a teologia de Schleiermacher, Kähler, Ritschl e Troeltsch, grandes expoentes da Teologia protestante.

Com eles aprendeu a questionar como Troeltsch e a responder como Kähler. Soube questionar incisivamente e responder pastoralmente.

Concluídos seus estudos, atuou em Berlim, entre meninos e meninas de rua, depois no Seminário de Pregadores em Soest, na Vestfália. Durante os estudos preparatórios para a universidade, tornou-se entusiasta dos coros de trombo ne. Mais tarde, já no Brasil, difundiu a prática dos metais na escola por ele fun dada e em congregações do Sínodo Riograndense.

Seus professores pretenderam encaminhá-lo para estudos de pós-gradu ação, mas o presidente do Sínodo Riograndense, Wilhelm Rotermund, rogou para que retornasse ao Brasil, pois a falta de pastores era muito grande. Re tornou, casado com Maria Steinsieck, grande companheira que o acompanhou também sob privações. Desde 1914 atuou, então, como pastor em Cachoeira do Sul/RS e como professor na escola comunitária. Liderando uma nova gera ção de jovens teólogos, passou a divulgar um programa que pretendia fazer do Sínodo Riograndense uma igreja que se orientasse no Brasil, mas com abertura para a ecumene. Desse programa faziam parte também autonomia financeira, formação de professores e pastores nacionais.

Em Cachoeira do Sul, também passou a editar, desde 1919, as Deutsche Eva gelische Blätter für Brasilien (Folhas Evangélicas Alemãs para o Brasil), a mais importante revista em língua alemã no Brasil. Na mesma localidade, fundou, em 1921, o Instituto Pré-Teológico, instituição mais tarde transferida para São Leopoldo, com a qual deu início à formação de pastores nascidos no Brasil. É verdade que, após estudos iniciais, seus alunos continuavam os estudos na Ale manha, mas estava lançada a pedra fundamental do que posteriormente seria a Escola de Teologia, depois Faculdade de Teologia e hoje Escola Superior de Teologia.

Entre seus primeiros alunos encontravam-se os depois pastores Karl Berns müller, Rudolfo Sänger, Ernesto Th. Schlieper e os historiadores Carlos Henri que Hunsche e Carlos Henrique Oberacker Jr. Desde 1935, passou também a ser presidente do Sínodo Riograndense, a igreja dos evangélico-luteranos no Rio Grande do Sul. Logo incentivou a criação de uma Casa Matriz de Diaconisas, buscando autonomia para a atividade diaconal de sua igreja, e a formação de lideranças leigas através da instalação do Colégio Sinodal. À sua iniciativa deve -se a criação de um Centro de Impressos, hoje Editora Sinodal. Em 1946, fundou a Escola de Teologia (hoje: Escola Superior de Teologia), igualmente em São Le opoldo, instituição na qual também atuou como professor de Teologia Sistemática.

Liderando os presidentes de outros sínodos luteranos no Brasil, fundou, em 1949, a Federação Sinodal, que, desde 1952, passou a designar-se de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Profundamente influenciado por Johann Gottfried Herder, Dohms ocupou-se também com a questão relativa à correta relação entre igreja e etnicidade. Criticado em seus dias, hoje seus pro nunciamentos voltam a ter valor, quando está redescoberta a temática de igreja e cultura.

Suas muitas publicações estão dedicadas à influência da Teologia protestante alemã no Brasil, ao positivismo de Auguste Comte, aos partidos políticos brasi leiros, à questão dos direitos de minorais étnicas na América e, particularmente, no Brasil, sempre perguntando por questões relativas à cidadania de imigrantes luteranos e seus descendentes no Brasil, mas também pelo direito à preserva ção do legado cultural dos antepassados. O impacto da política de nacionaliza ção de Getúlio Vargas sobre as comunidades de imigrantes, a Segunda Guerra Mundial, mas também as discussões do Kirchenkampf alemão, com a transfe rência dos enfrentamentos entre Deutsche Christen e Bekennende Kirche para o Brasil, evidenciaram sua capacidade de liderança e de governo. Assim teve a coragem de enviar os alunos do último ano do Pré-Teológico como “substitu tos” para as congregações, cujos pastores haviam sido levados para campos de concentração. Com maleta na mão, apresentou-se ao Chefe de Polícia do Rio Grande do Sul, pedindo para também ser preso e assim solidarizar-se com seus pastores. Finda a Guerra, incentivou luteranos a candidatar-se ao parlamento gaúcho. Quando de sua morte, a IECLB estava a caminho da consolidação.

Pesquisa: P.Dr. Martin N. Dreher

MEMÓRIA

Alocução proferida por Hermann Dohms por ocasião da abertura do curso oficial de Teologia em 1946

Reiniciamos hoje o trabalho que fora começado no ano próximo findo num curso teológico do Instituto Pré -Teológico com quatro estudantes e três ouvintes e o qual teve, já em 1941, como precursor um curso de moldes ainda mais limitados.

Inauguramos esse curso sob o nome de uma Escola da Teologia, à qual pertencemos, como professores e estudantes, sem aspirações de maior publicidade. Nosso nome, nosso es paço, nossos meios e nossos recursos científicos são modestos, mas a tarefa que nos foi imposta por Deus mesmo em suas dádivas é grande e santa, e a nossa dedicação dará, queira Deus, que a obra, a qual em seu nome inicia mos, adquira forma interna e externa e exerça influência sobre a igreja e o mundo em que trabalhamos.

É o nosso destino vermos preen chidos os nossos dias por cousas de pequena monta, cousas essas que devemos fazer e superar. Não nos ilu damos, pensando que seria algo dife rente dedicarmo-nos não ao mundo, mas à igreja ou à teologia. Também aqui tudo o que é grande, único, eter no, decompõe-se, para nós homens, em pequenos deveres diários. Com esses temos que lutar em nosso tra balho científico, na formação de nossa vida comum, como irmãos, bem como em nossa pessoal perante Deus. Nem é de se esperar outra cousa. Pois essa grande e indizível dádiva de Deus, Cristo e seu Reino, remissão e bem -aventurança, nunca são tão nossas que pudéssemos abranger, possuir e conservá-las em sua totalidade. O que temos, temos pela fé, i. e.: pelo atre vimento de, no meio das pequenas cousas deste mundo, na privação e no pecado, nos confiarmos Àquele que é total, integral e perfeito na sua santi dade e no seu amor, perfeito também na sua manifestação criadora da fé. Pela fé cremos no invisível, como se fosse visível, naquele que torna pos sível aquilo que é evidentemente im possível, no qual está reunido tudo o que parece separado. Tal é a fé que torna forte os fracos, que nos faz ver as cousas insignificantes com os olhos do amor e da fidelidade e realizar cou sas maiores.

O que não promana da fé é pecado, diz o apóstolo. E o que nasce dessa fé livre de ilusões é a vitória que vence o mundo.

Destarte o estudo de Teologia sem pre abrangerá os dois polos: será per cepção de Deus e percepção do mun do ao mesmo tempo. Onde o mundo nos aparece na sua realidade, onde não o enchemos mais, ingenuamente, com nossos próprios ideiais, deuses feitos por nós, que em verdade são ídolos, ali ela, no seu abandono, clama

pela realidade de Deus. Torna-se en tão evidente a revelação. Surge então a fé que não confia em nada senão em Deus.

Se é que aqui deverá crescer uma Escola de Teologia, então uma cousa é certa: Somente poderá crescer em um tal estudo de teologia que tem por base e fim a fé que de nenhum modo se fia em qualquer outra coisa deste mundo, mas que se baseia ex clusivamente em Deus. Isso porém quer dizer: estudar Teologia para nós deve significar aprender a ver Deus e o mundo com os olhos insubornáveis da verdade que soberanamente reina na Bíblia.

O humano da Bíblia nos causará preocupações em um tal estudo, bem como o humano da história eclesiásti ca e de toda a igreja-organização. Que isso não nos seja motivo de surpre sa. Em toda a parte encontraremos o mundo. E deve estar ali. Deus só se pode conceber simultaneamente com o mundo e os homens. O milagre é que o espírito de Deus sopra por es tas páginas e que pode iluminar-nos a ver sua glória e sua verdade acima do mundo.

Estes dias recebi, de Genebra, a carta de um amigo, lente de Teologia na Igreja-Mãe. Dessa carta quero ler -vos algumas sentenças: “Tudo o que ainda havia de solidariedade humana, como sem dúvida em 1918 ainda exis tia, parece ter sido destruído”. O mundo em verdade tornou-se mundo, e esse fato não poderá mais ser dissimulado, nem por apelos à morte. Por outro lado, é assim que a igreja em todo o mundo tinha de refletir sobre si mes ma, o que ela é e o quanto está afasta da do mundo. Forçosamente tornar -se-á cada vez mais uma “ek-klesia” (que é chamada para fora).

Vós, meus amigos, viveis e estudais em uma época que, no decorrer do tempo de uma geração, revelou dis tintamente as grandes decisões em questão e a quais hoje em verdade não podemos mais nos esquivar. Tra ta-se de Deus ou mundo, obra basea da na fé em Deus ou ação baseada na fé no mundo. Trata-se de uma igreja no mundo, que supera a fé no mundo e com isso vence o mundo pela fé em Cristo.

Assim rogamos a Deus, o Senhor, que Ele faça crescer aqui um centro e uma comunhão em que se formem homens cheios de fé para o serviço da igreja no mundo, homens que sejam capazes de discernir claramente, que sejam decididos e que levem a deci sões.

Extraído de Sementeira e Ceifa 10/1959, Editora Rotermund, São Leopoldo. p. 7-8.

Sinos da Comunhão - Número 185 - julho de 2016 Encarte No 3 - Comemorativo aos 130 anos do Sínodo Riograndense Colaboradores nesta edição: Harald Malschitzky, Martin Dreher, Rolf Droste, Edson Streck, Osmar Witt, Cleide Schneider e Scheila dos Santos Dreher Arte e diagramação: Jornalista Heitor Meurer (MTE/RS 15656)

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Arquivo Sínodo Rio dos Sinos

Encarte comemorativo aos 130 anos de Fundação do Sínodo Riograndense Número 4 - São Leopoldo, agosto de 2016

Tempos de guerra

Em 1942, foi publicado, em Porto Alegre, um livro de autoria de Aurélio da Silva Py: “A 5ª Coluna no Brasil. A Conspiração Nazi no Rio Grande do Sul”. Na obra, o autor, à época Tenente-Coronel e Chefe de Polícia do Rio Grande do Sul, qualificou o Sínodo Riograndense de “trampolim nazista”. No ano seguinte, o mesmo Py foi destituído do cargo acusado de atos criminosos que eram executados pela polícia que estava sob seu comando.

Passada a ditadura de Getúlio Vargas e encerrada a Segunda Guerra Mundial, o Procurador-Geral do Estado do Rio Gran de do Sul, Dr. João Bonuma, instaurou um inquérito no qual ficou comprovado que Py e mais 51 policiais haviam praticado torturas, extorsões, roubos e outros cri mes contra cidadãos alemães e italianos, bem como a descendentes seus, incluídos aí membros do Sínodo Riograndense. Bo numa encaminhou o material ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que, no ano de 1947, lavou as mãos, não apreciou o mérito da ação, arquivando o processo

sob a alegação de que os fatos haviam ocorrido em tempos de guerra. Em tem pos de guerra, essa é a leitura que fica, tudo é lícito. Se assim fosse, estariam jus tificados todos os crimes cometidos pelos nazistas na Europa e não teria aconteci do o Tribunal de Nürnberg. Felizmente, o registro histórico da atitude de Bonuma e do Tribunal de Justiça podem ser lidos na imprensa gaúcha da época, pois em 1949 o prédio do Tribunal de Justiça e o Palácio da Polícia foram criminosamente incendiados. Queimados estavam os do cumentos e o trabalho de Bonuma.

Destaques

Não raro, os evangélico-lutera nos são caracterizados como apo líticos, pois seus antepassados te riam deixado a política nas mãos dos príncipes na Alemanha. Mas sempre houve vozes de contes tação. Alguns dos contestadores foram despachados para o Brasil ou para cá migraram esperando encontrar liberdade. É verdade que os luteranos só puderam par ticipar da política partidária após a década de 1880. Antes disso, porém, já foram envolvidos por questões do Brasil e do Rio Gran de do Sul em particular.

Parte significativa dos luteranos entrou no Brasil para ser solda do imperial. Foi esse o interesse do governo em trazê-los para cá. Em São Leopoldo, logo em seus primórdios, foram recrutados 37 “voluntários” para lutar na Guerra Cisplatina e nela estiveram envol vidos até 17 de abril de 1827.

Oito anos mais tarde, teve início a longa guerra civil que conhecemos sob o nome de Guerra dos Farrapos (1835-1845). O Livro de Registros da Comunidade Evangélica de São Leopoldo registra as mortes dos que lutaram de um e de outro lado.

Imprensa gaúcha denuncía incêndio criminoso que destrói documentos importantes em 1949 (p. 13)

“Parte significativa dos luteranos entrou no Brasil para ser soldado imperial”. (p. 13)

“Vargas logo começou com a política de ‘nacionalização’, que num crescendo atingiu as escolas do Sínodo”. (p. 14)

Biografia:

Karl Friedrich Stellbrink “O instrumento de suplício foi a guilhotina, e a data de execução 10 de novembro de 1943, quando se comemoravam os 460 anos do nascimento de Lutero”. (p. 16)

Memória: Em 1942 a presidência do Sínodo emite um “regulamento de emergência” adequando a vida comuni tária às leis impostas durante a guerra (p. 16)

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http://www.clickescolar.com.br/guerra-da-cisplatina
Guerra Cisplatina: Esse embate aconteceu entre 1825 e 1828, na região do rio da Prata – espaço de conflitos de interesses político-econômicos na formação da nação – envolvendo o Brasil, a Argentina e o Uruguai.
www.traca.com.br
Dr. João Bonuma (1947)
Quem hoje lê a “obra” de Py tem que saber disso; do contrário, criminosos viram heróis e injustiçados viram criminosos.
Os luteranos e a política partidária
Os luteranos e a Guerra Cisplatina
Os luteranos e a Guerra dos Farrapos

Finda a guerra, viúvas de agri cultores luteranos recrutados contra a sua vontade reclamam sua pensão. Em 1851, o Dire tor da Colônia de São Leopol do “qualificou” luteranos para

Os luteranos e a Guerra do Paraguai

Em 1865, novamente mui tos seriam recrutados para a Guerra do Paraguai. É as sustador o número dos que tombaram. Dos 40 jovens recrutados em Dois Irmãos, apenas três retornaram. Ao todo, morreram 36.000 brasileiros nessa guerra e 23.000 voltaram incapazes. Houve ilegalidades: meninos de 16 anos foram recruta

a Guarda Nacional e organizou três esquadrões. Houve resis tência, principalmente em Dois Irmãos, mas 950 pessoas foram incorporadas e, logo, lutaram contra a Argentina.

Os luteranos e a Primeira Guerra Mundial

dos. Em abril de 1870, os so breviventes retornaram ao Rio Grande do Sul. Durante a Revolução Federalista, vinte e três anos mais tarde, lute ranos e luteranas foram nela envolvidos. Os que nos lega ram memórias escrevem que experimentaram “pilhagem, roubo e assassinato”. Pais de família foram degolados ao tentar proteger suas famílias.

Quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, em algumas congregações houve fortes declarações em prol da Ale manha e seus aliados. De ou tra parte, majoritariamente a população do país colocou-se ao lado da França e da Ingla terra. Luteranos e luteranas formavam um grupo minoritá rio, que logo teve que sentir as consequências. Em Porto Ale gre, alguns tiveram suas casas comerciais destruídas. Até na

isolada localidade de Arroio do Padre, o pastor teve que abandonar sua casa e foi leva do preso a Pelotas. Em 1918, a Guerra chegou a seu fim. Fora dado um aviso, mas ele não foi suficiente. Alguns pou cos, porém, sabiam que o que acontecera na época da Guer ra poderia vir a se repetir e co meçaram a pensar em passos que deveriam ser dados para assegurar sobrevivência e au tonomia.

A sobrevivência das comunidades

As congregações recebiam seus pastores da Alemanha. Em 1918 havia somente quatro pastores nascidos no Rio Gran de do Sul. Qualquer trabalho supracomunitário era finan ciado por igrejas territoriais alemãs ou pela Obra Gustavo Adolfo. Algumas comunidades rio-grandenses resolveram doar 10% de sua arrecadação para o trabalho sinodal. Na co munidade de Cachoeira do Sul,

o pastor local deu início, em 1921, à formação de pastores nacionais ao fundar o Institu to Pré-Teológico, mais tarde transferido para São Leopoldo, dando início às instituições do Morro do Espelho. O mesmo pastor também criou uma re vista, na qual se discutiam os passos que deveriam ser da dos rumo a uma igreja autô noma no Brasil, mas ligada à ecúmena.

Os enganosos “tempos de paz”

Há tempos de paz enga nosa. Foi o que experimen taram luteranos e luteranas reunidos no Sínodo Riogran dense após a Proclamação da República. Majoritariamente, como podiam participar da política provincial desde a década de 1880, apoiaram o Partido Liberal de Gaspar Silveira Martins, que se co locara a seu lado na luta pe los direitos civis. Quando da Proclamação da República, o outro partido, o Conserva dor, bandeou-se para o Par

A preservação da germanidade

Por outro lado, o Segundo Reino Alemão em expansão buscava mercados e esta va convicto de que o sul do Brasil podia fornecer-lhe ma térias-primas e ser mercado consumidor. Por isso desen volveu toda uma política de preservação da germanida de. Logo surgiu o discurso

tido Republicano. Com isso, luteranos e luteranas viram -se na oposição e foram condenados ao ostracismo político. Não foram persegui dos na República Velha, mas se refugiarame naquilo que os republicanos positivistas lhes ofereciam: tinham liber dade de culto, podiam ficar com sua cultura, seus clubes, suas escolas, menos ativida de política partidária. Eram tempos de ditadura positivis ta. No fundo, eram marginais na sociedade riograndense.

Apesar desses preparativos e mesmo notando alguns que desde 1930 começavam a so prar novos ventos no Brasil, pois em 3 de outubro de 1930 um grupo liderado por Getúlio D. Vargas promovera um Golpe de Estado, nem todos estavam alerta para o que viria. Sempre é difícil divisarmos as coisas com clareza quando estamos em meio ao furacão. Vargas logo começou com a política de “nacionalização”, que num crescendo atingiu as escolas do Sínodo e chegou a seu auge quando, em 1942, o Brasil rom

peu relações diplomáticas com a Alemanha nazista, na qual desde 1933 governava Adolf Hitler. É verdade que, nos anos de 1933 até meados de 1934, diversos jovens pastores ha viam manifestado sua simpatia e entusiasmo em relação ao di tador alemão. Verdade é tam bém que outros tantos dele se distanciavam por causa da perseguição que o Estado ale mão promovia a dissidentes e proclamavam que “Jesus Cristo é Rei e senhor”, o hino da re sistência eclesiástica na Alema nha.

A proibição da língua alemã e a perseguição aos luteranos

de parte dos concorrentes econômicos do reino alemão de que no Rio Grande do Sul se desenvolvia um “perigo alemão”, havendo inclusive o discurso de que as províncias meridionais do Brasil se se parariam do restante do país para formar um país com ca racterísticas germânicas.

Mas isso de nada adiantou durante a ditadura de Vargas. Lideranças comunitárias e mui tos pastores foram presos e le vados a campos de concentra ção em Porto Alegre, em Santa Rosa e em outras localidades do país. Foi nesse contexto que atuou Aurélio da Silva Py e a polícia sob seu comando. Em Santa Maria e Pelotas, templos luteranos foram incendiados. Com a proibição da utilização de outro idioma que não fos se o português, em muitas congregações pessoas só en

tendiam “amém” e “Jesus”. Em meio a muito sofrimento, teve continuidade a formação teo lógica e surgiu a clareza de que quem não atua politicamente sofre politicamente. E não foi por acaso que, na legislatura de 1946, mais de 10% dos de putados estaduais gaúchos eram membros do Sínodo Rio grandense. Hoje, a IECLB prima por ausência quase total na vida político-partidária e deve ria repensar sua atitude.

- agosto de 2016 14
Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense”
As consequências da “política de nacionalização” de Vargas
pt.wikipedia.org
Batalha de Avaí, quadro de Pedro Américo no Museu Nacional de Belas Artes

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - agosto de 2016

A necessidade de adequação às leis impostas às comunidades religiosas

A primeira metade do século XX foi, profundamente, marcada por nacionalismos. No Brasil, o nacionalismo vai se manifestar com maior nitidez a partir de 1930, sob a liderança de Getúlio Vargas e, de forma mais extremada sob a liderança de Plínio Salgado e Miguel Reale, buscando o “Estado total”. Como não tínhamos história comum, mas his tórias regionais e éramos país de maiorias imigrantes, a característica de nosso nacionalismo foi o acento na unida de linguística, o que levou à proibição de toda a criança brasileira aprender língua estrangeira antes dos 14 anos de idade. Essa proibição também atingiu em cheio o Sínodo Rio-grandense, formado, majoritariamente, por imigrantes e por seus descendentes. O documento abaixo é exemplo do que acontecia e impossibilitou a vida de culto.

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BIOGRAFIA

Karl Friedrich Stellbrink (1894 - 1943)

Todos os anos, em 10 de novembro, acontece um culto ecumênico na cidade alemã de Lübeck, reunindo católicos e lu teranos. Nele são recordados os quatro mártires da cidade: Karl Friedrich Stell brink, Eduard Müller, Johannes Prassek e Hermann Lange. O primeiro foi pastor, os demais capelães. Karl foi pastor em duas paróquias da IECLB: Arroio do Padre e Monte Alverne/RS. Quem o conheceu descreveu-o como “nacionalista”. Nascido em 28 de outubro de 1894 em Münster, na Vestfália.

Em 1913, Stellbrink ingressou no Seminário Teológico de Soest, que formava pastores para comunidades luteranas no Brasil. No ano seguinte, veio a Primeira Guerra Mundial e ele foi con vocado para o exército. A guerra deixou nele marcas físicas, mas também o repúdio a atos de injustiça. Finda a guerra, os estudos fo ram retomados, podendo partir para o Brasil com a esposa Hildegard em 1921. Tiveram quatro crianças; uma delas, Gisela, está sepultada em Arroio do Padre. Na Alemanha, adotaram outras crianças. A mais nova lhes foi tomada pelo Estado nazista após o encarceramento de Karl: não eram politicamente confiáveis!

Quando os nazistas começaram a se fazer ouvir, a família Stellbrink julgou que era chegada a hora de retornar ao país de origem, convicta de que participaria de um novo despertar da Alemanha. Karl filiou -se de imediato ao Partido Nacional-Socialista, o NSDAP. Aos poucos, porém, foi percebendo o que acontecia, manifestou-se, foi expulso do partido, preso, condenado e executado.

Na casa dos Stellbrink, no Brasil ou na Alemanha, havia uma pieda de exemplar, muita leitura e muita música. A palavra “liberdade” tinha grande significado. Foi essa liberdade que lhe possibilitou um contato indiscriminado com pessoas e profunda amizade com um judeu, o que traria dificuldades, pois o regime nazista combateu e exterminou, sistematicamente, judeus.

Inicialmente, Karl foi citado perante tribunal do partido, depois chocou-se com seu bispo, figura importante na hierarquia do mes mo partido. Retirou seus filhos das organizações juvenis do partido, pois as reuniões dos jovens aconteciam no mesmo horário dos cultos da comunidade luterana. Logo começou também a fazer críticas ao regime, não deixando de fazê-lo após ter sido três vezes advertido pela Polícia Secreta do Estado, a GESTAPO. Em conversas, manifestou que seria oportuno um fim rápido do regime do que uma vitória na guerra.

Irrequieto, não sabia ser cuidadoso. Aconselhava-se também com seus colegas católicos da Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Lü beck. Com os colegas católicos aconselhava e confortava pessoas que se opunham ao regime.

No Domingo de Ramos de 1942, Karl pregou no culto de Confirma ção. Na noite anterior, Lübeck enfrentara bombardeio dos aliados. O pastor interpretou-o como castigo de Deus e juízo sobre o regime instalado. Na Sexta-Feira Santa, a Gestapo foi até sua casa. Só não o levou consigo por estar acamado com forte febre. Depois, apresen tou-se e foi encarcerado. No interrogatório, a ninguém denunciou. Na mesma época, seus colegas católicos e membros das duas con gregações foram presos. Aos luteranos ofereceu-se liberdade, caso testemunhassem contra o pastor. Ninguém o fez. Stellbrink e os três colegas católicos foram julgados entre 23 e 25 de junho de 1943 e condenados à morte. O instrumento de suplício foi a guilhotina, e a data de execução 10 de novembro de 1943, quando se comemoravam os 460 anos do nascimento de Lutero.

Em uma de suas últimas cartas à família escreveu: Nada de ficar en simesmado – crer!... Para quem o tempo é como eternidade e eternidade como o tempo, este está liberto de todo o sofrimento... Ó bela eternidade, faze com que meu coração se acostume a ti, minha morada não se en contra aqui. Na verdade, ninguém pode determinar os limites de sua vida. Louvado, porém, seja Deus, por nossa vida poder estar em suas mãos... Em tuas mãos está meu tempo, permite que encontre misericórdia ante teu trono. Como deve ser bonito quando os portões da eternidade se abrem... Deus me auxiliou até aqui, porque as orações de vocês me supor taram. Que comunidade não haveríamos de ser caso voltássemos a nos reunir! Tenham, porém, a certeza: isso vai acontecer, com toda a certeza, na eternidade. E isso é o que verdadeiramente importa! Por isso: alegrem -se e não se preocupem!

Pesquisa: P.Dr. Martin N. Dreher

MEMÓRIA

Com a finalidade de orientar os pastores e as comunidades a se adap tarem às novas regras estabelecidas pelas leis brasileiras às celebrações religiosas durante o período da Segunda Guerra Mundial, o Presidente do Sínodo Riograndense, emitiu um “regulamento de emergência” em 1942.

Regulamento de emergência.

1º Não sendo lícito o uso do ritual e dos cânticos de praxe, a comunidade, no entanto, não poderá deixar de reunir-se regularmente aos domingos, destinados ao culto, afim -de, congregando-se e orando em seus corações, se edificarem uns aos outros.

O pastor, nestas horas de devoção, terá o evangelho ou a epístola, prescritos para o res-pectivo domingo e ao alcance de todos em suas bíblias, com a meditação traduzida do “Livro Eclesiastico para as Comunidades“, seguindo-se a celebração do batismo ou da Santa Ceia, uma oração final e a coleta.

Desta maneira, serão as horas de devoção celebrações dos sacramentos.

* O órgão, além dos prelúdios etc., sempre tocará os cânticos sacros da época, que, porém, não podem ser cantados.

N. B. - As mencionadas meditações serão remetidas aos senhores pastores pelo Sínodo Riograndense.

- Para preservar a unidade da Igreja e para evitar inconvenientes, desaconselha a leitura de meditações de autoria própria; estas regalias sempre dependem de licença especial e, para as comunidades situadas nos distritos urbanos, a autorização será dada individualmente.

- Na leitura do evangelho e da meditação, como em geral, deve ser guardada cuidadosamente a dignidade da Igreja.

- Sendo os templos considerados lugares públicos, a conversação, porventura feita na igreja, após a hora da devoção, não poderá ser feita em línguas proibi das pela polícia.

- As orações, o quanto possível, devem ser conhecidas por todos os assistentes, como, por exemplo a oração do Senhor.

2º O batismo, a confirmação, a solenização do casamento, a Santa Ceia, o entêrro se rão celebrados segunda a agenda traduzida.

3º A confirmação, a realizar-se na época da páscoa dêste ano, deverá ser celebrada o quanto antes.

Sôbre a preparação dos confirmandos para a confirmação, a realizar-se na época do advento, as instruções serão baixadas depois da páscoa.

4º Não haverá cultos juvenís. A juventude assistirá às horas de devoção, destinadas a tôda a comunidade.

Solicito, insistentemente, a continuação do trabalho de assistência das senhoras evangélicas das comunidades, desaconselhando, porém, as reuniões de costume.

5º Deve ser prestada especial atenção à cura espiritual.

São Leopoldo, 2 de fevereiro de 1942.

H. Dohms, Presidente do Sínodo Riograndense

Sinos da Comunhão - Número 186 - AGOSTO de 2016 Encarte No 4 - Comemorativo aos 130 anos do Sínodo Riograndense Colaboradores nesta edição: Harald Malschitzky, Martin Dreher, Rolf Droste, Edson Streck, Osmar Witt, Cleide Schneider e Scheila dos Santos Dreher Arte e diagramação: Jornalista Heitor Meurer (MTE/RS 15656)

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heiligenlexikon.de/Biographien

Encarte comemorativo aos 130 anos de Fundação do Sínodo Riograndense Número 5 - São Leopoldo, setembro de 2016 Imprensa

Do Sonntagsblatt ao Jornal Evangélico

1880: início da imprensa evangélica

Por sua vez, o início da imprensa evangélica no Brasil ocorreu com o sur gimento do jornal Deutsche Post em 18 de dezembro de 1880 em São Leopoldo (RS), e não somente em 1888, a partir da publicação do Sonntagsblatt (Folha Dominical), que surgiu como encarte do Deutsche Post. Essa é a posição de Guilherme Rotermund, neto do pas tor Dr. Wilhelm Rotermund, fundador do Deutsche Post, consequentemente também do Sonntagsblatt.

Destaques

Deutsche Post e Sonntagsblatt marcam o início da imprensa evangélica. (p. 17)

“O Sonntagsblatt, tornou-se o periódico com a maior divulgação entre os publicados em língua alemã no Brasil”. (p. 17)

Renúncia de Rotermund na presidência do Sínodo Riograndense traz mudanças ao serviço de impressos. (p. 18)

Fusão dos jornais regionais dá ensejo ao surgimento do Jornal Evangélico. (p. 14)

Segundo o Dr. Gui lherme, o Deutsche Post comprova que seu avô fundou esse jornal jus tamente para defender os interesses dos evan gélicos alemães. Esses vinham sendo atacados pelo Deutsches Volks blatt (Folha Popular Ale mã), da Igreja Católica, e pelo Deutsche Zei tung (Jornal Alemão), de Carlos von Koseritz.

10 de junho de 1888: nascimento do Sonntagsblatt

Segundo Erich Fausel em seu livro sobre o pas tor Dr. Wilhelm Rotermund (1843-1925), o jornal do Sínodo Riograndense inicialmente foi publi cado como caderno dominical do jornal Deuts che Post (Correio Alemão), que Rotermund edi tou em São Leopoldo. Durante muitos anos, seu nome era Sonntagsblatt für die evangelischen Gemeinden in Brasilien (Folha Dominical para as Comunidades Evangélicas no Brasil).

Em pouco tempo, o Sonntagsblatt, mais tarde edita do em separado, tornou-se o periódico com a maior divulgação entre os publicados em língua alemã no Brasil. No Arquivo Histórico da IECLB, não existe mais o primeiro número. A edição mais antiga que se tem é a de n° 4, que leva a data de 1° de julho de 1888. Como se tratava de um semanário, o primeiro número deve ter saído em 10 de junho daquele ano. Esse, pois, é o verdadeiro dia do nascimento do Sonntagsblatt.

Biografia: Ulrich Löw “A vida e as ações desenvolvidas por Löw extrapolaram em muito as fronteiras do jornalismo”. (p. 20)

Memória: Deutsche Post “O jornal sempre manteve seu caráter independente e, jamais se deixou degradar no sentido de tornar-se um órgão de partido”. (p. 20)

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - setembro de 2016 17
Em 18 de dezembro de 1880 em São Leopoldo (RS) nasce a imprensa evangélica brasileira com o surgiment do Deutsche Post

As primeiras mudanças

A primeira pequena mu dança no Sonntagsblatt aconteceu em 1890. Aparen temente, a redação quis ini ciar a contagem de um novo ano do periódico sempre no início de julho. O n° 1 do ano 3 ainda foi editado normal mente, ou seja, em 8 de ju nho de 1890. Mas a publica ção do n° 2 foi atrasada por cinco semanas. Só saiu em 20 de julho. Desde então, um ano do Sonntagsblatt esten deu-se até junho do ano civil seguinte, como mostra a lei tura atenta dos cabeçalhos. Outra mudança ocorreu em

1893. Tudo indica que estava relacionada com a renúncia do pastor Dr. Rotermund ao cargo de presidente do Sí nodo Riograndense (abril de 1893). Até então, ele tinha sido redator do Sonntags blatt, que editou e imprimiu em sua Livraria Evangélica em São Leopoldo. Após a renúncia, o periódico con tinuou sendo impresso na gráfica de Rotermund. Mas o redator passou a ser o pastor Paul Dohms (1859-1900), de Sapiranga, e a editora, a Cai xa de Auxílio a Viúvas e Ór fãos de Pastores.

Os membros de nossas comunidades, praticamente todos eles descendentes de imigrantes alemães, foram pressiona dos e hostilizados. Houve inclusive restrições ao uso da língua alemã, o meio de comunicação em seu dia a dia. Em novem bro de 1917, foi decretado o estado de sítio. Não houve mais condições de continuar a publicação do Sonntagsblatt.

Os responsáveis não pouparam esforços, porém, para sal var o jornal até naquelas circunstâncias adversas. Em 1918, editaram três números (13 de outubro, 3 de novembro, 15 de dezembro) em língua portuguesa sob o titulo Jornal Dominical do Sínodo Riograndense.

De esforço em esforço

Em 1919, houve nova parada. Só em 2 de novembro saiu o primeiro número daquele ano com a seguinte comunica ção da redação: “Após a interrupção de exatamente dois anos de duração, causada pelo estado de guerra entre o Brasil e a Alemanha, o Sonntagsblatt saúda seus queridos leitores e amigos, quer estejam por perto ou longe, e espera poder sair novamente com regularidade, de agora em diante, para resta belecer o contato entre os membros do nosso Sínodo”.

O título passou a ser novamente aquele que fora introduzi do antes da interrupção. As edições eram semanais e a língua usada, a alemã.

1917: nova roupagem, título e edição na

capital

A partir de 1917, o Sonntags blatt mudou de título e rece beu roupagem nova. Passou a chamar-se Rio Grandenser Sonntagsblatt. Nebs amtlichen Mitteilungen der Rio Granden ser Synode (Folha Dominical Riograndense. Juntamente com o Boletim Informativo do Síno do Riograndense). Diminuiu seu formato para mais ou menos a metade do anterior. Poucos me ses depois, porém, estava diante de uma situação incomparavel

mente mais difícil.

Uma parada e a mudança de língua. A última edição de 1917 foi a de 28 de outubro (n° 42). Depois o jornal parou. Era a épo ca da Primeira Guerra Mundial. Navios de guerra alemães ha viam afundado navios da Mari nha Mercante do Brasil. Em 27 de outubro de 1917, o governo brasileiro reconheceu e procla mou o estado de guerra, inicia do pelo Império Alemão contra o Brasil.

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Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense”
Arquivo Renata Rotermund A “ROTERMUND”, no centro de São Leopoldo, em 1890

Mais uma paradae a Folha Dominical

A época da Segunda Guer ra Mundial (1939-1945) era mais difícil ainda do que a da primeira. Já em 1940, desde o n° 13 (de 31 de março), o Sonntagsblatt colocou seu nome em língua portuguesa na primeira página de cada edição, na parte superior di reita: Folha Dominical. Órgão do Sínodo Riograndense. Em 1941, o jornal parou de novo, dessa vez por vários anos. A publicação do jornal reco meçou em 6 de julho de 1947 (n° 1). O título passou a ser

definitivamente Folha Domi nical, com o subtítulo Sonn tagsblatt der Riograndenser Synode (Folha Dominical do Sínodo Riograndense). A pri meira página de cada edição, às vezes também outras pá ginas trouxeram as matérias em língua portuguesa, mas nos espaços restantes usou -se o alemão. Nessa forma da Folha Dominical, o jornal prestou seus serviços impor tantes e valiosos às comuni dades até sua transformação no Jornal Evangélico.

1968: A fusão dos jornais regionais

Os jornais regionais existentes por ocasião do desaparecimen to jurídico dos sínodos em 1968, que eram a Folha Dominical, do então Sínodo Riograndense, e a Voz do Evangelho, do Sínodo Santa Catarina e Paraná, foram fusionados em novembro de 1971 para dar lugar a um só jor

nal: o Jornal Evangélico, de cir culação nacional. O Jornal Evan gélico saiu com seu primeiro número em 15 de novembro de 1971 e teve como seu primeiro diretor o pastor presidente da IECLB de então, Karl Gottschald, enquanto o pastor Jost Ohler as sumia o cargo de redator-chefe.

A primeira edição do Jornal Evangélico saiu em 1971

Segundo Gottschald, com o desaparecimento jurídico dos Sínodos em 1968, era necessário ter um órgão próprio que orientasse a igreja toda de maneira uniforme e que, ao mes mo tempo, servisse como elo de ligação entre as diversas regiões para promover a troca de experiências entre elas.

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - setembro de 2016 19
Redigido por Rui Bender Com base em texto de Joachim Fischer

BIOGRAFIA

Ulrich Löw (1906 - 1998)

Ulrich Löw nasceu em 5 de junho de 1906 em Canoas, filho de Dr. Roberto Löw e Julia Herok Löw, fundadores do “Die Serra Post” em 1911 (criado em Cruz Alta e transferido a Ijuí no ano seguinte), cuja rica trajetória teve grande influ ência no desenvolvimento da colônia, atingindo grande parte do noroeste gaúcho e Santa Cata rina. Ambos vieram de Praga em 1900, na épo ca capital da Boêmia, atual República Tcheca, e depois de alguns anos radicaram-se em Ijuí, que começava a despontar na região principalmente a partir da introdução da via férrea em 1912.

Ulrich era o terceiro filho do casal e, desde os seus vinte e dois anos, trabalha va ao lado dos pais na condução do jornal que, no decorrer da Grande Guerra e para evitar seu fechamento, passou em 1917 a ser editado em língua portugue sa sob o nome Correio Serrano. Essa repentina decisão foi tomada por sua mãe, Dona Júlia, que, diante de determinações legais da proibição do uso da língua alemã, havia sido instada a interromper sua publicação. No final do conflito, o jornal em língua alemã voltou a ser publicado como encarte do jornal em língua portuguesa.

Segundo registros, desde sua tenra infância, Ulrich interagia nas dependên cias em que o semanário era impresso, preferindo os tipos de chumbo a quais quer outros brinquedos.

Sua educação teve início na Escola Ijuhiense, hoje Colégio Evangélico Augusto Pestana, ao mesmo tempo em que se ocupava da entrega dos jornais. Quando adolescente, seu pai argumentou: “Agora, filho, você vai aprender português” e, aos 16 anos, Ulrich começou o ginásio no Colégio Batista do Rio de Janeiro. De volta a Ijuí, começou a atuar, junto a seus irmãos, na empresa da família, tendo aos 28 anos assumido a direção dos jornais editados pela empresa. Em 1936, com trinta anos de idade, abriu firma individual, transformada em 1967 em Em presa Jornalística Ulrich Löw.

Desde que assumiu a responsabilidade pela direção do Correio Serrano, de monstrou permanente preocupação com o aprimoramento de sua empresa. Ao longo do tempo sempre procurou acompanhar os avanços tecnológicos que ocorriam nesse ramo. Nesse processo, o jornal passou da composição manual do jornal para os linotipos; da impressão plana e manual para uma moderna impressora da época, rotoplana marca Gross, dotada de dobradeira automá tica de jornais, que imprimia quatro mil exemplares de dezesseis páginas si multâneamente em uma hora; dos antigos clichês feitos de chumbo para uma avançada clicheria eletrônica, a Klischograph, que produzia os clichês em cha pas plásticas com rapidez. Também foi o pioneiro na região no uso da máquina fotográfica Polaroyd, que permitia a revelação instantânea de fotos.

Vale lembrar ainda a grande expansão alcançada pelo jornal, atingindo toda a região de Ijuí e do Alto Uruguai, chegando à maioria dos municípios gaúchos e considerável parcela dos estados de Santa Catarina, Paraná e outros estados da federação, além de apreciável número de assinantes no exterior, como Ale manha, Estados Unidos, Uruguai e Paraguai.

Através de depoimentos de seus antigos funcionários ouve-se muito a res peito da personalidade e do caráter da pessoa de Ulrich Löw, como por exem plo um que ressaltamos e que fecha com tantos outros registros que existem: “Sempre encontramos nele não um chefe autoritário ou alheio aos eventuais problemas dos seus subordinados, mas, invariavelmente, um amigo pronto mais para ouvir do que para falar, muito mais para buscar compreender do que para admoestar, muito mais para servir do que para ser servido”. Importante também destacar que ele iniciou sua atividade jornalística numa época em que não havia formação específica no jornalismo. Seu exercício dependia, antes de tudo, da vocação.

A vida e as ações desenvolvidas por Ulrich Löw extrapolaram em muito as fronteiras do jornalismo. Além de escrever nas páginas do jornal, divulgar e co mentar os fatos do dia a dia, sempre colocou o Correio Serrano à disposição dos mais diversos setores. Por mais de meio século fez de seu jornal um instrumen to a favor de causas comunitárias.

Pessoalmente, teve participação marcante e de inconteste liderança na fun dação do Hospital de Caridade de Ijuí, na Associação Comercial, inclusive na sua presidência de 1938 a 1942, na Sociedade Ginástica Ijuí, no Grêmio Ijuiense de Letras, no CTG Clube Farroupilha, no Rotary Club Ijuí, no Colégio Evangélico Au gusto Pestana, na Comunidade Evangélica Ijuí, na Apae etc. Não negava apoio e colaboração a movimentos culturais, assistenciais, religiosos e esportivos. Foi um dos fundadores do Museu Antropológico Diretor Pestana, ao qual, ainda em vida, fez a doação de toda a coleção de seus jornais, fotos, documentos e objetos pertencentes à sua família e empresa. O Museu do Colégio Evangélico Augusto Pestana também foi contemplado com parte do seu acervo, contando com farto e precioso material.

O Correio Serrano circulou pela última vez em 31 de dezembro de 1988, ten do completado 76 anos a serviço da coletividade.

Ulrich Löw faleceu no dia 5 de agosto de 1998 aos 92 anos. Foi casado com Brunhilde Sellins Löw.

Mônica Brandt, professora aposentada Pós-graduada em História pela UNIJUÍ

MEMÓRIA

Jornal foi forçado a tomar posição política

De início, o Dr. Rotermund pensara no “Deutsche Post” como um jornal apo lítico. Contudo, logo foi obrigado a reconhecer que isso não era possível. “Aqui neste país” – disse ele – “todo o mundo é envolvido na política”. Mas, como a po lítica no Brasil é um assunto que concerne aos partidos e seus líderes, também o “Deutsche Post” foi forçado a se posicionar em relação aos partidos.

Ao fazê-lo, porém, sempre manteve seu caráter independente e, contra todas as afirmações em contrário, jamais se deixou degradar no sentido de tornar-se um órgão de partido. O jornal defendia seu programa e apoiava os partidos ou homens com cuja ajuda parecia que esse programa poderia ser realizado da melhor maneira.

Com pesar e ira, Rotermund via sempre de novo como a imprensa em língua alemã abria mão de sua independência, mas com isso também do direito a uma crítica livre e construtiva. Seu jornal não recebia dinheiro do governo nem verbas da Alemanha. Ele podia rechaçar qualquer acusação de “estrangeirismo” e sublinhar o caráter de um jornal surgido no próprio país.

Já em 12 de agosto de 1914, o jornal foi transformado em diário - desde 1899 havia sido publicado três vezes por semana -, sem que seu preço de compra de 1 mil-réis fosse aumentado.

Em novembro de 1915, o “Deutsche Post” foi publicado como primeiro matu tino alemão do Estado, infelizmente, porém, teve que suprimir os suplementos devido à escassez de papel.

FONTE IMPRESCINDÍVEL

Estes suplementos tinham crescido no decorrer dos anos e, em parte, até tinham continuado a desenvolver-se de maneira autônoma. O “Sonntagsblatt für die evangelischen Gemeinden in Brasilien” (Folha Dominical para as comu nidades evangélicas no Brasil) saiu desde 1888 como suplemento do “Deutsche Post”, alcançando em breve, contra toda expectativa, a mais ampla difusão en tre todas as folhas alemãs no Brasil.

Em junho de 1893, o “Sonntagsblatt”, que tinha se implantado tão bem, foi assumido pela caixa das viúvas e órfãos de pastores.

Esses artigos próprios de todas as épocas, as muitas reportagens dos cor respondentes da colônia, os ensaios mais extensos de outros colaboradores e também as contínuas cartas da Alemanha dos correspondentes de além-mar faziam do “Deutsche Post” um importante documento cultural e uma fonte im prescindível da história teuto-brasileira.

Até mesmo os peculiares anúncios de falecimento, com seus longos currícu los e notícias familiares, são extremamente valiosos em termos de genealogia; eles também fornecem o melhor retrato da força de vida física e da significativa multiplicação própria dos teuto-brasileiros do século passado.

O artigo acima, nesta coluna “memória”, foi originalmente pu blicado na página 6 da Edição Especial do “Jornal Evangélico”, por ocasião da cele bração de um século de sua existência, em agosto de 1988 (capa ao lado)

Sinos da Comunhão - Número 187 - SETEMBRO de 2016 Encarte No 5 - Comemorativo aos 130 anos do Sínodo Riograndense Colaboradores nesta edição: Rui Bender, Mônica Brandt, Martin Dreher, Rolf Droste, Edson Streck, Osmar Witt, Cleide Schneider e Scheila dos Santos Dreher Arte e diagramação: Jornalista Heitor Meurer (MTE/RS 15656)

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - setembro de 2016 20
Arquivo Escola Augusto Pestana

Encarte

comemorativo aos

130 anos de Fundação do Sínodo Riograndense Número 6 - São Leopoldo, outubro de 2016

Mulheres

Em memória delas: a atuação de mulheres teuto-brasileiras evangélicas no sul do Brasil

Temor do desconhecido, submissão à decisão de emigrar, resignação, expectativa, curiosidade, determi nação, disposição para servir: um misto de sentimen tos envolvia mulheres alemãs evangélicas no processo de emigração ao Brasil. Elas vieram para a nova pátria acompanhando pais, maridos ou irmãos em situações e épocas distintas, desde 1824 até a segunda metade do século XX, período que caracteriza o fim da imigra ção sistemática alemã. Trouxeram consigo experiên cias diversas relacionadas às influências de seu tempo, à formação, à espiritualidade e à posição socioeconô mica que ocupavam. Em sua maioria, eram alfabetiza das. Algumas contavam com uma educação diferencia da, como as esposas de pastores, as professoras e as diaconisas. A maioria partilhava da necessidade de bus car a sobrevivência. Em correspondência ao que se al mejava no Brasil, elas tornaram-se colonas, cultivando

a terra no modelo da agricultura familiar nas picadas abertas em meio à mata, especialmente no sul do país, salvo exceções. Hermann B. Otto Blumenau, coloniza dor destacado na fundação de Blumenau/SC, faz cons tar, em seus relatórios (cf. Maria Luiza Renaux), que “a colonização individual na nova terra não é aconselhável para um homem sozinho. [...] O imigrante que trabalha na terra necessita do auxílio de uma mulher e boa dona de casa [...]; uma esposa aqui é tão necessária como o pão de cada dia”. Pela importância econômica do traba lho que desenvolviam, ainda que julgado “um auxílio” ao trabalho do homem/marido, sua opinião era consi derada “o pontinho da balança” – expressão emprega da pelo P. Karl H. Oberacker no início do século XX em relação a uma mulher que acompanhava seu marido em visita à casa pastoral na comunidade evangélica em Arroio do Padre/RS –, isto é, fazia a diferença.

Entre as muitas bagagens culturais trazidas por mulheres alemãs evangélicas, como a culinária, a preservação das festividades religiosas, o hábito de cultivar horta e jardim e a decoração da casa, estava a confessionalidade luterana a indicar possibilidades e limitações.

A influência dos discursos médico e religioso no final da Idade Média, que exerceram forte controle sobre o cor po e a vida das mulheres, fez-se sentir por muitos sécu los também entre mulheres evangélicas de confissão lu terana, limitando-as aos papéis de mãe, esposa e dona de casa. Ainda que em seu escrito de 1522, intitulado “Da Vida Matrimonial”, Martim Lutero tenha argumentado a respeito da criação do homem e da mulher como algo de sejado e agradável a Deus, constituindo-se o matrimônio um espaço cristão de atuação para além dos conventos, em 1523, em um texto sobre o sétimo capítulo da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, o reformador desenvolveu uma argumentação hierárquica entre os sexos. Lutero apresentou homem e mulher participando da criação de filhos e de filhas, inclusive partilhando tarefas domésticas, mas somente com referência à esposa ele mencionou o verbo obedecer em relação a seu marido. No livro de me ditações, orações e canções, da autoria de Johann Friedri ch Stark, oriundo da literatura de edificação no âmbito do Movimento Pietista dos séculos XVII e XVIII, que constava entre o material utilizado na espiritualidade de famílias teu to-brasileiras evangélicas, há um apêndice especialmente escrito para mulheres gestantes e parturientes. O autor reforça a existência das dores de parto como imposição de Deus ao sexo feminino depois do pecado original e as dificuldades durante a gravidez como um treinamento no cristianismo. Se uma esposa morrer durante a gestação ou o parto, segundo o autor, “morrerá bem-aventurada porque morre em meio à sua vocação, [...] numa situação agradável a Deus”. A insistência em que a esposa grávida “evite a raiva e a teimosia” reforça o papel de submissão da mulher no casamento e o conceito predominante que acompanhou a igreja evangélico-luterana por séculos de que sua realização se dava na maternidade.

A partir do último quartel do século XIX (1875), espe cialmente, a imprensa, as comunidades evangélicas e as escolas comunitárias étnico-confessionais passaram a atuar na formação de uma nova identidade – nem alemã tampouco brasileira, mas teuto-brasileira. Às mulheres cabia, então, o papel de “mães da nação” (um conceito empregado por Dagmar E. E. Meyer), em sentido bioló gico e cultural, o que se dava na vivência da fé evangé lica e no cultivo da cultura alemã, especialmente com a utilização da língua alemã no cotidiano.

A historiografia alusiva à imigração alemã no Brasil privilegiou em seus registros os acontecimentos em es paço público, com protagonismo masculino, a partir de um centro de interesses, em correspondência à cultura que se sobrepunha, na qual o devir histórico se dava a partir do bom desempenho do homem/marido/chefe de família. Com isso relegou ao segundo plano a parti cipação das mulheres. Buscar a memória dos aconteci mentos e os processos de construção das identidades, da cultura, da espiritualidade, das iniciativas que resul taram em mudanças de paradigmas e na criação de ins tituições, entre outros, proporciona o reconhecimento do poder exercido pelas mulheres, ainda que limitado pela cultura patriarcal na qual estavam inseridas, bem como maior maturidade e autonomia na reflexão e nas ações a que nos propomos na atualidade. A memória dos saberes, das experiências e das iniciativas de mu lheres teuto-brasileiras evangélicas, no tocante à histó ria dos 130 anos do Sínodo Riograndense, nesse sentido é imprescindível por constituírem a metade do grupo étnico-confessional em questão e pelo significativo le gado que nos deixaram, ainda que não se cogitasse ne nhuma representação de mulheres por ocasião da sua fundação.

Destaques

Fundação Evangélica

O P. Braunschweig, em visita à escola no ano de 1907, define-a como “um pensionato para moças das melhores famílias”. (p. 22)

OASE

A primeira “Sociedade de Senhoras Evangélicas” no Brasil, como foi chamada à época do seu surgimento, foi fundada no ano de 1899, na cidade de Rio Claro/SP (p. 22)

DIACONIA

Diversas comunidades evangélicas no Brasil contaram com o trabalho dedicado de diaconisasmulheres com ordenação ao ministério diaconal (p. 23)

Biografia:

Erika Strothmann A primeira mulher que presidiu durante um longo período a Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE) no antigo Sínodo Riograndense (p. 24)

Memória:

Em 1886 as irmãs Engel criam, em Hamburgo Velho, uma escola pioneira na educação feminina (p. 24)

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Iniciativas em mosaico

Fundação Evangélica

O Töchterpensionat (pensionato para filhas) em Novo Hamburgo/ RS foi fundado em 1886 (no mesmo ano em que o Sínodo Riogran dense foi fundado) a partir do trabalho de duas professoras alemãs: as irmãs Amalie e Lina Engel. Em 1895, o pensionato foi transferido para o Sínodo Riograndense e recebeu o nome de Evangelisches Stift (Fundação Evangélica). O P. Braunschweig, em visita à escola no ano de 1907, define-a como “um pensionato para moças das melhores famílias”. A instituição visava promover a preservação de valores e comportamentos esperados de moças teuto-brasileiras evangélicas das classes média e alta da sociedade no sul do Brasil.

As aulas eram ministradas por professoras alemãs evangélicas; também diaconisas constavam entre elas. A ênfase estava na pre paração das moças para o casamento e para a educação de seus próprios filhos e filhas em consonância aos valores morais e religio sos idealizados nas famílias evangélicas mais abastadas. Adjetivos como prendada, habilidosa, dócil e obediente eram esperados das alunas. Em geral, as meninas teuto-brasileiras evangélicas frequen tavam escolas comunitárias étnico-confessionais nas áreas rurais, e seu ensino era complementado pela mãe e, eventualmente, por professoras particulares, com formação na Alemanha.

OASE Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas

Os grupos de OASE – Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas, pos sibilitaram reunir mulheres teuto-brasileiras evangélicas e ampliar o poder diaconal e de decisão que elas já exerciam entre suas famílias e nas comunidades evangélicas antes, ainda, da sua existência. Nesse sentido, entre suas muitas atividades, constam: a organização do espa ço do culto, o cuidado com familiares, vizinhos e vizinhas doentes, os cuidados no parto e no período pós-parto, a participação nas reuniões da comunidade, ainda que com restrições quanto ao seu poder de de cisão, a preservação dos festejos de datas cristãs como Natal, Páscoa e Pentecostes na família e na comunidade e a manutenção dos valores morais e cristãos.

Esta foto é uma raridade. Tomada em 1895 mostra as irmãs Amalie e Lina Engel com as suas alunas identifi cadas em 1946 como sendo, da esquerda para a direi ta, em pé: Otilia Goehler Peixoto, Augusta Diefenthäler Müller, Sra. Ludwig Schmidt, Sra. Ludwig Blauth, Sra. Ludwig Hartz. Sentadas, na mesma ordem: Ida Engel Behrends, Amalie Schmidt Niemeier, Profa Lina Engel, Profa Amalie Engel, Luise Kast Schmidt, Lucia Diefenthä ler Michaelsen.

À sua época, a Fundação foi a única instituição evangélica no sul do país designada para a instrução de moças em nível superior com aulas em língua alemã; a outra opção era a Escola Comple mentar em Porto Alegre, para a qual se exigia a fluência da língua portuguesa. Ainda que a escola fosse acessível somente para uma elite alemã evangélica e representasse, claramente, uma distinção social, ela colaborou para a formação de mulheres em papéis de liderança, como consta em uma correspondência da Fundação Evangélica, no ano de 1927, para o Conselho Superior da Igreja Evangélica na Alemanha: “[...] porque tendo mães evangélicas en tão também criará raízes a compreensão para as tarefas globais do Sínodo e do Reino de Deus com mais profundidade aqui” (cf. Mar lise R. Meyrer). Algumas famílias evangélicas, entre elas famílias pastorais, esforçavam-se muito para enviar e manter suas filhas na Fundação, pelo valor que atribuíam à formação ali oferecida. Diversas mulheres que na atualidade integram grupos da Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas – a OASE, são ex-alunas da Fundação.

A primeira “Sociedade de Senhoras Evangélicas” no Brasil, como foi chamada à época do seu surgimento, foi fundada no ano de 1899, na cidade de Rio Claro/SP, pelo P. Theodor Kölle e sua esposa Julie, à seme lhança do Frauenhilfe (Auxílio de Mulheres) na Alemanha. A nomencla tura OASE foi utilizada, pela primeira vez, no ano de 1941 numa pres tação de contas do Sínodo Riograndense e assumida pelas mulheres, oficialmente, somente no ano de 1949, tornando-se cada vez mais usu al a partir de então. Décadas depois do seu surgimento, a OASE cons tava nos relatórios como um setor de trabalho da IECLB. A OASE foi o primeiro espaço reconhecido de atuação das mulheres no seio das co munidades evangélicas no Brasil. Reduzir o alto índice de mortalidade de mulheres parturientes e de crianças recém-nascidas foi importante motivação para o surgimento de diversos grupos de OASE.

Congresso da OASE, 1948, em Hamburgo Velho

Para atender esta necessidade específica, vários grupos contrata ram diaconisas e parteiras, bem como se empenharam na fundação de hospitais e maternidades. A construção e a melhoria dos espa ços comunitários também esteve entre os objetivos de fundação de diversos grupos. Na produção e na comercialização de trabalhos manuais (o que incluía o bordado, a costura, o crochê, o tricô, a tece lagem e a pintura, entre outros), uma bagagem cultural trazida por mulheres alemãs evangélicas, mulheres dos grupos de OASE encon traram uma forma de gerar recursos para a realização dos seus pro jetos. Entre as muitas lideranças locais e, posteriormente, sinodais, do trabalho desenvolvido pela OASE nas primeiras décadas estavam diversas esposas de pastores, com formação diferenciada, várias enviadas pela Sociedade Evangélica de Barmen.

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Arquivo Histórico IECLB Internato da Fundação Evangélica concluído em 1896

A trajetória das mulheres nos grupos de OASE e das diaconisas atu antes em espaços públicos foi de superação ao papel restritivo que delas se esperava. A Sociedade Auxiliadora Evangélico-Eclesiástica, fundada pelo Imperador Guilherme II na Alemanha de 1888, sob o protetorado da sua esposa, Imperatriz Augusta Vitória, da qual deri va o Auxílio de Mulheres (Frauenhilfe), que por sua vez impulsionou o surgimento da OASE no Brasil, orientava claramente as mulheres a permanecerem na “profissão” que lhes era própria - de dona de casa, esposa e mãe. A teologia que se propagava, nesse sentido, tan to na Alemanha quanto no Brasil, no início do século XX, influenciou a atuação das mulheres, que ora se resignavam, ora exerciam um poder de resistência. Cito como exemplo parte de uma palestra do P. Wilhelm Zöllner, diretor da Casa de Diaconisas de Kaiserswerth de 1896 a 1905, superintendente da Igreja Evangélica da Westfália e da Ordem Auxiliadora de Senhoras para o Exterior, na Alemanha, no início século XX, que impulsionou a criação de diversos grupos de OASE, inclusive o de São Leopoldo, quando esteve em visita ao Brasil no ano de 1910.

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - outubro de 2016

Diaconia

* voluntária: entre mulheres teuto-brasileiras evangélicas

A sobrevivência nas primeiras décadas na nova pátria só foi possível gra ças aos laços de solidariedade que se criaram entre famílias teuto-brasi leiras. Sempre que necessário, homens e mulheres organizavam mutirões: para o plantio e para a colheita, para a construção das casas ou do “prédio” que abrigaria a escola e/ou a igreja, para o preparo dos festejos nas comu nidades evangélicas. Uma imigrante da região do Rio dos Sinos apresenta, em seu diário (cf. Sibyla Baeske), um relato que demonstra a diaconia exer cida por mulheres teuto-brasileiras como parte integrante do cotidiano: “Já temos uma picada aberta e uma casa muito modesta, mas estamos traba lhando numa terra rica e abençoada. À noite as mulheres se reúnem, ora mos, cantamos, costuramos e fazemos tricô. Somos médicos, enfermeiras e parteiras. Há doenças devido à mudança de clima. Damos conforto aos entristecidos e sobrecarregados.”

Diaconia

* profissional: Casa Matriz de Diaconisas e Hospital Moinhos de Vento

A Casa Matriz de Diaconisas no Brasil tem suas raízes no trabalho ideali zado e desenvolvido por Theodor Fliedner, sua esposa, Friederike Fliedner, e outras mulheres com liderança, à luz de algumas iniciativas existentes na época, no contexto do Movimento de Reavivamento e do Pietismo ale mão, que ganhou forma na Missão Interna, valorizando o trabalho cristão possível e desejável a toda pessoa crente (sacerdócio geral). A formação e o ingresso na Casa Matriz de Diaconisas em Kaiserswerth, na Alemanha, fundada no ano de 1836, que teve na pessoa de Friederike sua primeira superiora, significava, para mulheres alemãs solteiras, da classe baixa ou de famílias burguesas em decadência, uma possibilidade de atuação reconhe cida e remunerada fora do matrimônio.

Congresso do Sinodo Riograndense em Ijuí, em 1949. Nele foi adotado o nome Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas e escolhido o hino “Jesus Cristo é Rei e Senhor.

Ele entendia que às mulheres (diaconisas) cabia o trabalho auxiliar junto a profissionais masculinos: “[...] não assim que elas mesmas peguem o bisturi, mas que sejam apenas auxiliares mais indepen dentes dos médicos!”. “Ela depende da proteção e condução do homem. Sua qualidade por excelência é a de servir com dedicação e em silêncio” (cf. Ruthild Brakemeier). Já o P. Friedrich Pechmann, cuja filha Lydia Pechmann estudou na Casa Matriz em Wittenberg, Alemanha, fez curso de enfermagem e dedicou-se ao Hospital Moi nhos de Vento, em Porto Alegre/RS, como enfermeira e diaconisa, em correspondência enviada ao Sínodo Riograndense no ano de 1912, cogita “se não seria uma bênção para nossas comunidades abrir certos cargos na diretoria para as mulheres.” Ele recomenda que as diretorias reflitam a respeito desta questão, “se não estamos perdendo algo quando constantemente mantemos as mulheres afastadas da direção das nossas comunidades” (cf. Sybila Baeske)

A proibição do uso da língua alemã, durante a segunda Guerra Mundial, no período da nacionalização promovida por Getúlio Var gas, trouxe forte impacto sobre os grupos de OASE e resultou na sua quase total paralisação. Também colocou em xeque a atuação das mulheres teuto-brasileiras evangélicas como “mães da nação”. Após este período, os grupos cresceram numericamente e se fortalece ram, ainda mais, ampliando suas iniciativas. É notável a criação de jardins de infância, de centros para abrigar mães solteiras, de ancio natos e de grupos para a terceira idade, de hospitais e de materni dades. No ano do seu cinquentenário, a OASE contava com mais de trinta e oito mil filiadas.

Entre as muitas ações da OASE no Sínodo Riograndense, destaca -se o apoio financeiro à construção da igreja na Colônia Hospital Ita puã, um leprosário construído na década de 1940 pelo Estado Novo, nas proximidades de Porto Alegre, que chegou a abrigar em torno de 1500 pessoas. A arquitetura da igreja evangélica naquele local foi a última obra do arquiteto alemão de grande renome, Theodor Wiederspahn.

Desde o início do século XX, diversas comunidades evangélicas no Brasil contaram com o trabalho dedicado de diaconisas - mulheres com ordena ção ao ministério diaconal - provenientes da Alemanha, conhecidas como “Schwester” - Irmãs. Em 1937, conforme informa em relatório o P. Johannes Raspe, designado como pastor das diaconisas no Brasil, já atuavam em ter ra brasileira 81 diaconisas. A Casa Matriz de Wittenberg, da Ordem Auxilia dora de Senhoras para o Exterior, à qual a maioria estava vinculada, espera va delas que, para além do exercício do diaconato, incentivassem mulheres teuto-brasileiras evangélicas à prática do amor ao próximo. A Casa Matriz de Diaconisas no Brasil foi fundada no ano de 1939, em São Leopoldo/RS, com o apoio fundamental da OASE, da Casa Matriz de Wittenberg e da Or dem Auxiliadora de Senhoras para o Exterior, na Alemanha. Antes disso, porém, a história das diaconisas no Brasil e das mulheres que integravam grupos de OASE já estava profundamente interligada, como mencionado anteriormente. No ano de 1952, a Casa Matriz de Diaconisas em São Leo poldo foi registrada como uma entidade jurídica sob o nome de “Associação Irmã Sophie Zink.”

Sophie Pauline Zink, nascida em Rio Claro/SP, no ano de 1881, filha do P. Johann Jakob Zink e de Sophie (Höflinger) Zink, foi a primeira diaconisa brasileira, formada em enfermagem, ordenada na Casa Matriz da Ordem Auxiliadora de Senhoras para o Exterior, em Wittenberg, cujo ingresso nesta Casa se deu em 1909, dois anos antes da diaconisa já mencionada, Lydia Pechmann. Sophie foi, também, a primeira diretora do “Hospital Alemão e Casa de Diaconisas da Ordem Auxiliadora de Senhoras“ – assim constava o nome oficial do empreendimento -, em Porto Alegre/RS, inaugurado em 1927, cujo nome foi alterado no ano de 1942 para Hospital Moinhos de Ven to, em função da política de nacionalização implantada por Getúlio Vargas. As histórias de Sophie e de Lydia, duas lideranças diaconais, permanecem interligadas de tal forma que, em 1942, quando foi necessária a mudança de nome das contas bancárias do Hospital Moinhos de Vento, ambas rece beram uma procuração especial para movimentá-las.

Pª Mª Scheila dos Santos Dreher Com. Evang. de Confissão Luterana São Lucas em Porto Alegre

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Frauenhilfe

BIOGRAFIA

Erika Strothmann (1904 - 1998)

A primeira mulher que presidiu durante um longo período a Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE) no antigo Sínodo Riogranden se foi Erika Strothmann, casada com o pastor Leopold Strothmann. Ela foi presidente de 1937 a 1952, depois de Eva Borgards e Emma Wolf, as pionei ras. O mandato de Erika coincidiu com os anos difíceis da Segunda Guerra e com a criação e ampliação da Casa Matriz de Diaconisas, para a qual as senhoras fizeram várias campanhas. Quando foi eleita, escreveu uma sau dação conclamando as Frauenhilfen a “cerrar fileiras” e a “trabalhar fiel e silenciosamente” na igreja para ajudar os necessitados. Lembrou o salmo 124: “Nosso auxílio está no nome do Senhor, que fez o céu e a terra”.

A partir de 1928, o casal, vindo da Alemanha, esteve por curtos períodos em Ibirubá, Coronel Barros, Santo Ângelo e mais longamente em Panambi (19331942). Nesta última localidade, encontrou emoldurada na casa pastoral uma mensagem da imperatriz alemã, Augusta Vitória, provavelmente enviada às so ciedades auxiliadoras que se formaram a partir de 1910 no Brasil. Depois de atuar brevemente em Campo Bom e São Leopoldo (onde seu ma rido lecionou na Casa Matriz durante a Guerra), o casal assumiu a comunidade de São Sebastião do Caí (1946-1952). Erika teve quatro filhos e, mesmo assim, viajou bastante pelas comunidades do Rio Grande do Sul em épocas de loco moção difícil. Numa viagem que fez de Panambi a São Leopoldo em 1939, foi de ônibus até Belisário e tomou o trem para Santa Maria. Lá embarcou no trem noturno para Porto Alegre, prosseguindo depois para São Leopoldo. Erika levou seu filho de colo e contou com a ajuda da filha mais velha, de nove anos. Nos anos 1940, quando participava de retiros em distritos mais afastados, que dis punham de comunicação aérea, viajava ocasionalmente de avião.

Além de visitar os grupos, organizar retiros e congressos, Erika publicava notí cias e reflexões nas páginas de Der Bote für die Evangelische Frauenwelt in Bra silien (O Mensageiro para o mundo da mulher evangélica no Brasil) e no jornal Riograndenser Sonntagsblatt (Folha Dominical do Sínodo Riograndense). Não está claro se ela se familiarizou com o idioma português. Nas comunidades em que esteve com a família liderava corais e grupos de crianças e jovens.

Em 1952, a família viajou em férias para a Alemanha, onde se realizava em Hannover a Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial. Erika represen tou as mulheres da OASE do Sínodo Riograndense nesse evento. O pastor Stro thmann não pôde mais voltar ao Brasil por motivo de saúde, e assim toda a família ficou na Alemanha. Ele faleceu em 1969, e Erika em 1998, aos 94 anos.

Texto extraído de Retalhos no Tempo: 100 anos da OASE. BAESKE, Sibyla (org). São Leopoldo: Editora Sinodal, 1999. p. 32.

MEMÓRIA

Fundação Evangélica – o começo

1886 – As irmãs Engel criam, em Hamburgo Velho, uma escola pioneira na edu cação feminina

Em março de 1886, as irmãs e professoras Amalie e Lina Engel criam no “Ham burger Berg”, em Hamburgo Velho, na Freguesia da Nossa Senhora da Pieda de, uma pequena escola. É uma escola para meninas, com lugar para nove in ternas. Começa com apenas uma aluna. A casa, alugada...

Já no primeiro ano, a casa torna-se pequena. As irmãs Engel procuram um novo prédio mais adequado para a escola-internato. Encontram-no...  Como o investimento é grande, as duas irmãs resolvem consultar seu irmão, Friedrich Arnold Engel, um próspero comerciante... Com a ajuda desse adquirem a casa e, em julho de 1886, instalam ali sua nova escola, que dá origem à Funda ção Evangélica.

As irmãs Amalie e Lina Engel são naturais de Birkenfeld na Alemanha. Chegam ao Brasil como professoras formadas e influenciadas pelos pedagogos da época. Sua proposta pedagógica é nitidamente evangélica e muito abrangente. O estudo é científico e humanístico, orientado para a vida. Há também aulas práticas de tra balhos manuais femininos. Seu objetivo principal é definido assim: “Fortalecer as alunas na fé evangélica, para que cada aluna assuma essa sua fé com amor e ale gria e conheçam Jesus Cristo, o amigo das crianças e único Salvador”.

Na escola-internato, as duas irmãs Engel são as únicas professoras. Seu renome como educadoras faz o número de alunas passar imediatamente para 12 e 15 alu nas. O espaço já começa a ficar exíguo...

O dia a dia da escola tem uma rotina bem definida. Às seis horas, todas as alu nas se levantam e se preparam para o estudo, depois de deixar bem arrumadas as suas camas. A mesa também é posta pelas alunas. A hora do café é acompanhada de uma meditação. A aula tem início todos os dias, inclusive aos sábados, às oito horas e vai até o meio-dia. À tarde, a partir das quatorze horas, há aulas práticas de corte e costura, trabalhos manuais e caseiros, pintura e outras atividades que fazem parte do preparo para a vida.

As alunas não usam uniforme, mas, já depois de três meses, passam a usar os vestidos costurados por elas próprias...

A programação de fim de semana consiste em ir à igreja, localizada logo do ou tro lado da rua. Todas vão em conjunto, sempre acompanhadas pelas professo ras, ansiosas por dar o exemplo. O domingo de tarde é livre para o recebimento de visitas, leitura, música, canto, brincadeiras de grupo e passeios organizados. Há duas tardes livres por semana: quartas e sábados. As férias estendem-se de 20 de dezembro a fins de janeiro, com mais uma semana de folga em Páscoa e Pente costes...

Todas as informações reunidas dão conta de que a escola das irmãs Engel no “Hambuger Berg” não é uma escola de economia doméstica propriamente dita. O objetivo é a educação escolar e a educação religiosa, acrescida de aulas práticas de coisas necessárias e úteis para a vida da futura mulher e dona de casa. Mas a escola não prepara futuras donas de casa...

Os custos da escola são cobertos com o pagamento dos pais ou respon sáveis. A receita nem sempre cobre as despesas, e quase nunca permite melho ras de maior monta. Mesmo assim, as irmãs Engel mantêm alunas com bolsas de estudo. São alunas que não têm condições financeiras para frequentar a escola. Como retribuição, as alunas bolsistas ajudam em especial as irmãs Engel na lida e limpeza da casa...

As irmãs Engel querem uma escola que preste serviços de boa educação e de bom nível de ensino.

Texto extraído e selecionado do livro “Fundação Evangélica – Um Século a Serviço da Educação – 1886 a 1986”, escrito por Hilmar Kannenberg (p. 19-21)

Em 1985, o 10º Concílio do Sínodo Riograndense acolhe com entusiasmo a proposta feita pelas irmãs Engel, já em idade avançada, apresentada pelo pastor Pechmann: a Fundação Evangélica passa, como doação, ao Sínodo Riograndense (cf. p. 27-43).

Nova construção no alto do morro, de 1932

Sinos da

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - outubro de 2016 24
Arquivo Histórico da IECLB Comunhão - Número 188 - OUTUBRO de 2016 Encarte No 6 - Comemorativo aos 130 anos do Sínodo Riograndense Colaboradores nesta edição: Martin Dreher, Rolf Droste, Edson Streck, Osmar Witt, Cleide Schneider, Scheila dos Santos Dreher e Sibyla Baeske Arte e diagramação: Jornalista Heitor Meurer (MTE/RS 15656) Primeiro prédio da escola adquirido em 1886

Encarte comemorativo aos

130 anos

de Fundação do Sínodo Riograndense Número 7 - São Leopoldo, novembro de 2016 Diaconia

O que vem a ser diaconia?

A palavra “diaconia” já é bastante conhecida nas co munidades da IECLB hoje. Há várias maneiras de inter pretá-la. Entre as definições mais esclarecedoras tal vez esteja aquela que se encontra no caderno editado por Kjell Nordstokke pela Federação Luterana Mundial (FLM): “Diaconia em Contexto”, na página 29:

A diaconia é uma resposta a situações concretas de sofrimento, de necessidade e de injustiça; é o cum primento do mandamento do amor e, em tudo isso, é uma expressão do que a igreja crê e confessa: a graça de Deus para a cura do mundo.

Olhando para a história da IECLB, podemos constatar que essa resposta a situações concretas sempre este ve presente com maior ou menor intensidade e tam bém em lugares e momentos diferentes. Quando os imigrantes alemães começaram a chegar ao Brasil no século XIX, as necessidades eram muito grandes. Uma característica geral era a pobreza dessas pessoas. As sentadas longe dos núcleos habitacionais maiores, no meio da selva, um morador precisava do outro para so breviver. Isso levou-as a desenvolver a solidariedade e a ajuda mútua.

Praticava-se uma diaconia espontânea de vizinhan ça, tanto entre os homens como entre as mulheres. Os homens ajudavam-se na construção de casas, pontes, estradas e nas plantações. As mulheres eram bem-vindas como parteiras, mas também como cui dadoras em casos de doenças e na troca de utensí lios domésticos.

Com o tempo, porém, via-se que essa diaconia es pontânea não era suficiente. Precisava-se de profis sionais. Os pastores sabiam que na Alemanha havia essas profissionais, as diaconisas. Eram mulheres que, a partir de sua fé em Jesus Cristo, decidiam de dicar sua vida ao ministério da diaconia. Elas prepa ravam-se profissionalmente como enfermeiras, par teiras, professoras. Da mesma forma, havia diáconos formados na Alemanha. Infelizmente, esses foram contratados pelas comunidades como pastores.

As diaconisas precisavam ser contratadas. Precisa vam de sustento, de uma moradia e de um meio de locomoção. No interior, usavam o cavalo; na cidade, a bicicleta. Foram os grupos de OASE que se encar regaram de cuidar dessas necessidades. Dessa for ma, a diaconia espontânea e a diaconia profissional deram-se as mãos.

Destaques

DIACONISAS

O trabalho voluntário tem seus limites e na diaconia, não foi diferente. Daí surgiu a necessidade da profissionalização. (p. 25)

DOAÇÃO

As cidades gaúchas de Santa Cruz e Sinimbu experimentaram o calor de um forte espírito doador. (p. 26)

ORDENAÇÕES

Jubileu de 60 anos do Sínodo Riograndense é marcado pelas ordenações de três ministros e duas ministras da IECLB. Isso em 1946. (p. 26)

MEMÓRIA

Nas cidades portuárias, fixavam-se muitas famílias de imigrantes. Por isso a primeira comunidade contempla da com uma diaconisa enviada de uma Casa Matriz de Diaconisas da Alemanha foi Rio Grande em 1913. Essa contratação foi muito importante para as famílias de imigrantes, porque era o lugar onde primeiramente aportavam ao chegar no Rio Grande do Sul. Sabe-se que a Irmã Toni Pohl teve tanto trabalho, que, após pouco tempo, já se pensava em contratar uma segunda dia conisa. Isso não aconteceu, porque já em 1914 iniciou a I Guerra Mundial, interrompendo a vinda de Irmãs da Alemanha.

Qual era o trabalho da Irmã Toni? Os imigrantes, quando adoeciam, não tinham recursos para pagar um hospital. Também havia escassez nessa área. Por isso a principal tarefa da Irmã era visitar os doentes em suas casas e ajudar a cuidar deles. De vez em quando, também ajudava num parto. Mas ela também teve que dedicar-se muito aos pobres. Muitas famílias tentavam sobreviver trabalhando numa fábrica. Irmã Toni escre veu numa das cartas à sua Casa Matriz:

A industrialização aqui é terrível; as irmãs mais velhas cuidam dos bebês, porque pai e mãe trabalham na fá brica. A vida é muito cara. Todos os membros da família têm que ajudar no sustento. Há crianças com 10 anos já trabalhando para seu sustento.

Porto Alegre - Era outra cidade que concentrava muitas fa mílias de imigrantes que empobreciam. Irmã Lydia Pechmann,

que trabalhou durante 14 anos na comunidade de Na vegantes, contou a história de uma família que, em suas caminhadas, ela encontrou em completa miséria. O pai, um alfaiate, já havia passado por três cirurgias, e uma quarta estava prevista. Irmã Lydia escreve:

Caso também supere esta e puder voltar para casa, será para sempre um aleijado, uma pessoa doente e incapacitada para trabalhar. A esposa trabalhava na fábrica, mas também ficou doente, e por isso a família está sem renda há semanas. Quatro crianças estão chorando por pão, uma quinta está sendo es perada. Não há camas, só um travesseiro e um co bertor sobre o qual deita a mãe. As crianças deitam sobre trapos e também se cobrem com eles. A Socie dade Auxiliadora vai pagar-lhes agora o aluguel da casa e também vai passar-lhes alimentos duas vezes por semana. Graças à bondosa sra. N., pude levarlhes dois cobertores, alguma roupa de cama, roupa infantil, vestidos e coisas semelhantes.

Sinimbu - Um grande exemplo de diaconia no interior do estado. Os plantadores de fumo no interior de Santa Cruz do Sul haviam feito o grande esforço de constru ir um hospital com 13 leitos para ajudar a população doente. Ele foi inaugurado em 1922. Por falta de pro fissionais competentes, ele não se encontrava em bom estado quando as primeiras duas diaconisas foram tra balhar ali sete anos depois.

O trabalho do Pastor Johannes Raspe no apoio ao serviço diacônico e o seu “Sermão para a sagração ao diaconato”. (p. 27 e 28)

BIOGRAFIA

Ordenada na Igreja do Castelo em Wittenberg, a paulista Sophie Pauline Zink veio atuar como Irmã (diaconisa) em terras brasileiras. (p. 27)

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - novembro de 2016 25
Exemplos de diaconia entre as primeiras gerações de imigrantes

As dificuldades do dia a dia

Por causa das 8 horas que tinham viajado de trem de Porto Ale gre a Santa Cruz, com mais uma hora e meia de carro até Sinim bu, Irmã Martha chamou o hospital de “hospital da mata virgem” (Urwaldkrankenhaus). Numa carta, ela escreve um pouco sobre as condições em que as duas Irmãs o encontraram:

O fogão da cozinha só tinha uma boca. Sobre ele era preciso cozi nhar para 29 pessoas e a comida para os porcos. Além disso, era pre ciso ferver a água que se precisava para as muitas atividades, como esterilizar as seringas e lavar os pacientes.

O médico trabalhava em Santa Cruz e Sinimbu. Quando ele vi nha cO relatório de 1938 fala de uma reforma interna na casa; nos anos 70, tornara-se urgente promover uma reforma maior em todo o prédio. A diretoria resolveu iniciar a construção sem saber se teria recursos para executar todo o plano. Porém, dois anos de pois, foi possível inaugurar a primeira ala da construção. Foi então que a Obra Gustavo Adolfo da Alemanha (GAW) veio socorrer os sinimbuenses. Foi precisamente o “Trabalho de Mulheres” dessa organização que destinou sua doação especial “oferta de amor das mulheres” (Frauenliebesgabe) do ano de 1973 para o hospital em Sinimbu. A doação foi de 109.000,00 marcos alemães.

Um problema também foi a lavagem da roupa. Faziam um fogo aberto no pátio, sobre o qual colocavam uma lata de querosene. Após a fervura, estendiam a roupa no gramado para branquear. Às vezes, lavavam a roupa no rio, quando a água não estava barrenta.

Movidos pelo “espírito doador”

O médico trabalhava em Santa Cruz e Sinimbu. Quando ele vinha com seu carro, acontecia frequentemente que moradores o espe ravam na beira da estrada para fazer consultas, marcar cirurgias ou prescrever remédios.

Com o tempo, os serviços foram melhorando com a ajuda da po pulação. Médicos foram se fixando em Sinimbu. Um deles merece menção: Dr. Xavier Waldraff. O pastor da Casa Matriz de Diaconi sas em São Leopoldo escreveu num relatório:

“O que constatei em Sinimbu é que aqui ainda se pratica dia conia. Os pacientes são atendidos, também quando não podem pagar. Esses tempos, um colono só pôde pagar a metade da con sulta, e isso apesar do grande investimento do médico que pri meiramente viajou 20 km de carro e depois levou meia hora para subir um morro montado num burro. Ele tinha sido chamado para ajudar uma mulher em trabalho de parto. A casa só tinha chão batido, e o parto com fórceps teve que ser realizado sobre a mesa da cozinha. Médicos assim também não se encontram em todo lugar no Brasil”.

Ordenações no dia do jubileu dos 60 anos do Sínodo Riograndense

No dia em que o Sínodo Riograndense celebrou 60 anos de exis tência em 1946, foram ordenados ao ministério três ministros e duas ministras na Igreja de Cristo em São Leopoldo. Os ministros fo ram: Bertoldo Weber, natural de Linha Marcondes; Karl Gottschald Jr., de Porto Alegre; e Arno Dreher, de Taquara.

As ministras foram Hilde Sturm e Ilse Müller, ambas de Não-Me -Toque, Carazinho. O ato foi realizado em dois momentos distintos. Enquanto os pastores foram ‘ordenados’ ao ministério pastoral, as diaconisas foram ‘sagradas’ ao ministério diaconal.

A liturgia da sagração foi dirigida pelo então pastor das diaconi sas Johannes Raspe. Em sua alocução sobre a parábola do grão de mostarda (Mc 4.30-34), ele disse: O homem que apenas lançou um grão de mostarda no seu campo parece não ter realizado nada. No entanto, esse pequeno grão se desenvolve para uma grande planta. Jesus guia o nosso olhar do pequeno início para o grande fim e pro tege-nos contra a dúvida de que seu caminho silencioso não parece o meio indicado para alcançarmos o reino de Deus.

Mais adiante, dirigindo-se às Irmãs, Raspe disse: Vocês são a dádi va, o presente de aniversário de nossas Ordens Auxiliadoras de Se nhoras para a nossa Igreja Evangélica. Isto ele disse, porque sem os grupos de OASE, a Casa Matriz de Diaconisas não teria sido fundada. Foram eles que também a mantiveram durante anos.

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - novembro de 2016 26
Arquivo Casa Matriz de Diaconisas No jubileu dos 60 anos do Sínodo Riograndense, Bertoldo Weber, Karl Gottschald, Arno Dreher, Hilde Sturm e Ilse Müller foram ordenados ao ministério na IECLB.

Registrando a história

Um pequeno documentário do 60º aniversário do Sínodo contém as alocuções desse culto que durou duas horas. Mas o evento tam bém foi celebrado com um Culto Litúrgico à noite na Igreja de Cristo, no qual um coral com orquestra, sob a regência do professor Hans Naumann, apresentou obras clássicas de Bach, Telemann, Schütz e Buxtehude. No órgão estava o professor Max Maschler.

Memória

Pastor Johannes R

No documentário ainda lemos:

“À tarde do mesmo dia, Irmãs e representantes de nossas Ordens Auxiliadoras de Senhoras e outros convidados reuniram-se na linda e carinhosamente adornada Casa Matriz de Diaconisas para uma pequena festividade interna com as duas Irmãs recém-sagradas e seus parentes. E, numa atmosfera de íntima alegria, todos os presentes apreciavam o excelente café oferecido hospitaleiramente pela Casa jubilante”.

Lutero e a diaconia

Procurar referências sobre diaconia nos escritos de Lutero é como procurar um alfinete no palheiro, diz Gottfried Hammann no seu livro História da Diaconia Cristã. Seria isto um sinal de que a diaconia não foi importante para Lutero? Isto não pode ser, uma vez que escreveu: “Não conheço maior culto a Deus do que o amor cristão que ajuda e serve aos carentes”.

É verdade que Lutero não escreveu nenhuma dissertação so bre o diaconato e as suas referências sobre o amor ao próximo, na forma do serviço aos necessitados, são raras. Os motivos se riam estes:

- A principal preocupação de Lutero foi a pregação da reta dou trina do Evangelho. Esta era a grande necessidade na época. Ele acreditava que, pela eficiência da palavra de Deus, e somente por meio dela, a Igreja poderia ser reformada, por isso deu espe cial destaque à pregação e ao Ministério da Palavra.

- O grande receio de Lutero era que, em função do incentivo às boas obras, as pessoas pudessem entender que ele também estaria sugerindo adquirir a salvação por meio delas, pois o povo havia sido ensinado que, mediante esmolas e ações de caridade, se adquire indulgências, isto é, perdão por castigos divinos.

Lutero tentou argumentar que fé e amor formavam uma uni dade inseparável. Pela fé e pelo amor cada pessoa batizada de veria tornar-se “um Cristo para o outro”

Pesquisa: Irmã Ruthild Brakemeier Casa Matriz de Diaconisas - São Leopoldo/RS

O P. Johannes Raspe nasceu em 24/06/1902 em Neu-Brandenburg, Alemanha. Formou-se na Universidade de Rostock, Tübingen, Münster e Leipzig. Foi ordenado em 04/11/1928 em Neu-Brandenburg, Alema nha. Casou-se com Elisabeth Reinke em 28/11/1928. Sua esposa nasceu em 21/09/1906 em Woldegk, Mecklenburg, Alemanha e faleceu em Novo Hamburgo/RS em 13/08/1988 aos 81 anos de idade. O casal teve 3 filhas. Atuou em Porto Alegre, onde foi pastor junto às diaconisas do Hospital Moinhos de Vento (1932). Aposentou-se em 01/04/1966. De 1935 a 1937 foi pastor junto às diaconisas em Wittenberg, Alemanha. Pastor Raspe faleceu em Porto Alegre no dia 11/07/1973 aos 71 anos de idade.

Outra cousa, bem outra do que a vida diária tomou conta de vós, até que vos entregastes a Jesus sem condições; porque “seduziste -me, Senhor, e deixei-me seduzir; mais forte és Tu do que eu, preva leceste”. E tomastes o hábito, que é um símbolo de seu amor. Vos sa vestimenta tornou-se testemunho de vossa profissão, isto é, do amor servente por causa de Jesus. Só assim Ele pôde crescer em vós, enquanto vós diminuíeis até este momento. E assim continuará por toda a vossa vida.

Mas desde agora vós mesmas sereis um símbolo do poder de seu reino em vós. Vós ambas, minhas irmãs, sois o início duma obra começada com temor e timidez. Vós sois a dádiva, o presente de aniversário de nossas Ordens Auxiliadoras de Senhoras para nos sa Igreja Evangélica.

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Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense”
Arquivo Hospital Moinhos de Vento

BIOGRAFIA

Irmã Sophie Pauline Zink (1881 - 1955)

Sexta das sete crianças de Johann Jakob Zink e Sophie Höflinger, casal de missio nários chegado a São Paulo em 1869 para atuar entre cristãos luteranos que trabalha vam como meeiros nas fazendas de café, Sophie Pauline nasceu em 10 de agosto de 1881 em Rio Claro/SP. Ali, Sophie viveu por felizes nove anos.

Em 1891, os Zink transferiram-se para Campinas, onde o pai atuaria na escola e na comunidade, passando a ter, desde 1893, escola própria. Três anos mais tarde, toda a família seria acometida de febre amarela, e Sophie, então com quinze anos, viu um dos professores morrer vítima da doença. Em 1898, já com 19 anos, atuou em Rio Claro na escola, substituindo o cunhado doente. No terceiro ano de atividade, contraiu tifo. Durante a doença, prometeu a Deus colo car-se completamente a seu serviço.

Em 1908, o pastor Wilhelm Zoellner fundou na Alemanha a Ordem Auxiliadora de Senhoras para o Exterior. Conclamou mulheres ale mãs a colocar-se a serviço de mulheres luteranas no Brasil e dirigiu-se a jovens mulheres brasileiras para que se colocassem a serviço da diaconia feminina, ingressando em uma irmandade. Nesse ano, fun dou-se em Münster, na Alemanha, uma Casa Matriz, na qual jovens do sexo feminino receberiam formação para aturar como diaconisas no mundo inteiro. Sophie Zink fez parte do primeiro grupo de jovens brasileiras que atenderam a esse chamado. Seus dons logo foram reconhecidos e, em 1912, recebia a incumbência de ser mestre de no viças. Ela tinha a rara habilidade de despertar nas jovens candidatas o amor pela diaconia.

Nesse mesmo ano, a Casa Matriz transferiu sua sede de Münster para Wittenberg. Na Igreja do Castelo de Wittenberg, onde Martim Lutero afixara as 95 teses em 31 de outubro de 1517, foram ordena das as treze primeiras irmãs dessa irmandade. Sophie estava entre elas. À ordenação seguiu-se, até 1914, um período de formação na área da enfermagem. Foi quando irrompeu a Primeira Guerra Mun dial. Sophie só poderia retornar ao Brasil em 1920. Foi enviada a Por to Alegre/RS e atuou entre operários e pessoas carentes no bairro Navegantes, então o maior bairro operário de Porto Alegre. Depois recebeu a incumbência de dirigir um hospital em Blumenau/SC, onde atuavam outras diaconisas, muitas delas fazendo o acompanhamen to de parturientes, locomovendo-se em canoas pelo rio Itajaí. Era um trabalho silencioso, que não rende monumentos, mas produz olha res gratos.

Depois veio a maior tarefa, novamente em Porto Alegre, onde ha viam sido lançados, antes da guerra, os fundamentos do “Hospital Alemão”. Em 1926, a obra foi reiniciada e concluída em pouco tempo, já com a ativa participação de irmã Sophie. Ali ela pôde atuar até seu septuagésimo aniversário. Seus contemporâneos descreveram-na como pessoa altruísta, realmente capaz do serviço desinteressado e por isso silencioso. Seu quarto era lugar de oração, onde orava pela obra que as irmãs realizavam Brasil afora. Ali encontrava forças para enfrentar o serviço, muito grande para o pequeno número de irmãs.

As jovens irmãs experimentaram sua presença em muita noite. Cansadas, adormeciam; quando acordavam, irmã Sophie já havia atendido seus pacientes e ainda lhes dizia: “não estás sozinha!”. Po dia ser serva e mãe. Uma irmã conta que, durante a Segunda Guerra Mundial, foi convocada pela polícia de Aurélio da Silva Py para interro gatório: era suspeita de ser espiã nazista. Irmã Sophie aconselhou-a. Quando após três horas retornou, Sophie ainda estava em seu quar to, com as mãos postas, orando: “Estive orando por ti”.

Quando se aposentou aos setenta anos, não havia lar que abrigasse as irmãs idosas. Teve que retirar-se para Kaiserswerth, na Alemanha. Antes de sua partida, pessoas ligadas a seus antigos campos de ativi dade fizeram uma coleta de gratidão, que rendeu a imponente quan tia de um milhão de cruzeiros, base da formação da Fundação Irmã Sophie Zink, que acolheria as irmãs idosas, mas também seguiria formando diaconisas e sendo lar diaconal. Sophie descansou, após muita dor e sofrimento, em 9 de maio de 1955. Seu corpo repousa em terra estranha. Hoje, muitas de suas irmãs descansam no Morro do Espelho após anos de serviço abnegado. Poder servir a Deus no próximo permite que pessoas mirem o amor de Deus no semelhante.

Texto do P. em. Dr. Martin Norberto Dreher São Leopoldo/RS

Memória (continuação da página 27)

Mas desde agora vós mesmas sereis um símbolo do poder de seu reino em vós. Vós ambas, minhas irmãs, sois o início duma obra começada com temor e timidez. Vós sois a dádiva, o presente de aniversário de nossas Ordens Auxiliadoras de Senhoras para nos sa Igreja Evangélica. Para vós, ó irmãs mais antigas de nossa jovem Casa Matriz em São Leopoldo, olham todas as outras irmãs jovens e coirmãs mais idosas. As primeiras, para reconhecer em vós a felici dade de servir a Ele; as outras, para reconhecer se seu trabalho de mais de trinta anos neste país foi abençoado e continuará abenço ado.

Desde hoje, sois responsáveis pelo encargo de servir de nossa Igre ja Evangélica; sois, pois, a experiência dessa nossa Igreja no Brasil.

Quem encontrar o vosso hábito de honra ao leito de doentes ou na educação infantil ou na comunidade ou junto aos pobres e velhos sabe que encontra em vós o amor servente de nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Igreja. “Vós sois a nossa carta, escrita em nossos co rações, conhecida e lida por todos os homens. Porque já é manifesto que vós sois a carta de Cristo, ministrada por nós e escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração.”

E vós o sois realmente? Sim; quando em vós viver aquele outro quadro de Jesus sobre o grão de mostarda, aquela palavra: “Se tiver des fé como um grão de mostarda, direis a este monte: passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível”. Então mora reis seguras, e outros que conhecerão vossa fé e vossa caridade no vamente acharão em vós o símbolo e o reflexo da imensa dádiva de Jesus e darão glória ao vosso Pai no céu. A seus discípulos o Senhor explicava a parábola em particular. Também a vós Ele a explicará particularmente durante toda a vossa vida de diaconisa, mostrando -vos a bênção e a glória de vossa profissão. Amém.

(Texto extraído do livro do 60º aniversário do Sínodo Riograndense – 1886-1946 - p.17-19)

Sinos da Comunhão - Número 189 - NOVEMBRO de 2016 Encarte No 7 - Comemorativo aos 130 anos do Sínodo Riograndense Colaboradores nesta edição: Martin Dreher, Rolf Droste,

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - novembro de 2016 28
http://www.familiazink.com/
Edson Streck, Osmar Witt, Cleide Schneider, Scheila dos Santos Dreher e Ruthild Brakemeier Arte e diagramação: Jornalista Heitor Meurer (MTE/RS 15656) O acervo fotográfico do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, registra vários momentos onde o apoio e a dedicção do Pastor Johannes Raspe foram significativos e deixaram frutos, como nessas duas ocasiões. Arquivo Hospital Moinhos de Vento

Encarte comemorativo aos

130 anos de Fundação do Sínodo Riograndense Número 8 - São Leopoldo, dezembro de 2016

Igreja e política

1– Política, religião e atividade pastoral

As ações empreendidas pelos três primeiros pastores chegados à província do Rio Grande do Sul (RS) a par tir de 1824 comprovam que política e religião são temas que se aproximam. Em relação à política, podemos tra tá-la como política partidária e/ou como posicionamento político. No primeiro caso, estamos abordando os parti dos políticos, suas ideologias, seus líderes; no segundo, cabem todas as realizações que buscam a resolução de problemas que integravam o cotidiano de indivíduos e famílias. Sobre João Jorge Ehlers, Carlos Leopoldo Vo ges e Frederico Cristiano Klingelhoeffer, pastores que atenderam os imigrantes evangélico-luteranos (protes tantes) da Colônia alemã de São Leopoldo, formada em 25 de julho de 1824, pode-se afirmar que a atuação dos religiosos extrapolou o espaço do púlpito e adentrou as duas esferas da política: envolveram-se com partidos e ideologias e empreenderam esforços no sentido de re solver as incertezas decorrentes da inserção na socieda de receptora (brasileira).

De acordo com Carlos Henrique Hunsche, os pas tores Ehlers, Voges e Klingelhoeffer chegaram à Colônia nos três primeiros anos da colonização alemã na pro víncia do Rio Grande do Sul. Segundo Hunsche, Ehlers chegou em 6 de novembro de 1824, viúvo, acompanha do dos filhos Maria Regina Georgina, Augusta Francisca e Alexandre Constantino; Voges, em 11 de fevereiro de 1825, solteiro; e Klingelhoeffer, em 17 de abril de 1826, casado, acompanhado da esposa Luisa Stapp e dos fi lhos Carolina, Joana Sofia, Jorge Carlos Herrmann, Au gusta Carolina Elisa, Ernestina Guilhermina Hedwig e Emília. Tão logo chegaram ao Brasil, os religiosos trans formaram suas Bíblias em espadas e passaram a dispu tar o cargo de primeiro pastor para a Colônia alemã de São Leopoldo.

A oferta de apenas uma vaga bateu de frente com os interesses dos três religiosos contratados pelo agencia dor e major Von Schäffer, segundo os quais o império, através de seu representante, havia assegurado a cada um a contratação para o cargo de pastor titular nas colô nias a serem formadas no Brasil. A alternativa encontra da, longe de contentar os interessados, foi a implemen tação do posto de segundo pastor, o qual ficaria como auxiliar e com uma remuneração menor, razão pela qual os futuros dirigentes espirituais da colônia redigiram diversos requerimentos solicitando a sua nomeação e/ ou permanência no pastorado, bem como que fossem equiparados à situação do titular. De pronto, João Jorge Ehlers foi instituído oficialmente como pastor principal com o dever de orientar espiritual e culturalmente os alemães estabelecidos na colônia recém-formada (Re vista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, n.15-16, set/dez 1924, p. 25).

A nomeação de Ehlers como pastor titular fez com que Voges reagisse imediatamente, o qual se sentiu diminuído com a condição de segundo pastor e também recebia salá rio menor.

Somente em 21 de novem bro de 1825 o governo con cedeu oficialmente a Carlos Leopoldo Voges o título de “Coadjutor ao Pastor Ehlers” (Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, n.1516, set/dez 1924, p. 169).

Do mesmo modo que os outros dois, Klingelhoeffer articulou-se no sentido de garantir o exercício de sua profissão. Em 8 de maio de 1829, 254 colonos do lado ocidental da Colônia de São Leopoldo solicitaram a con firmação de Klingelhoeffer como pastor e que lhe fosse dado “o mesmo ordenado que se dá ao Pastor João Ge org Ehlers”. Agilidade, perspicácia e domínio dos códigos culturais da sociedade receptora encontram-se presen tes nas solicitações dos religiosos. O levantamento total dos conflitos vivenciados por eles demonstrou que, além do clima de animosidade causado pela disputa do cargo de pastor titular, Ehlers, Voges e Klingelhoeffer também estabeleceram contendas com suas respectivas comuni dades de fiéis e com as autoridades que representavam os poderes provincial e imperial.

Destaques

PASTORES

O trabalho de Ehlers, Voges e Klingelhoeffer (p. 29)

AÇÃO

Documento com 400 asinaturas de imigrantes é entregue ao presidente da Província (p. 29)

POLÍTICA PARTIDÁRIA

História do envolvimento da Igreja e alguns pastores mostra dificuldades, briga por poder e cargos (p. 30 e 31)

BIOGRAFIA

Egídio Michaelsen foi “a voz do Sínodo Riograndense” no mundo político e atuou como ministro de João Goulart (P. 32

MEMÓRIA

Cópia de ofício original entregue ao presidente da Província, de 1832, assinada por 400 imigrantes, 16 dos quais moradores de Hamburgo Velho” (Fonte: Luiz Fernando de Paula Gusmão, tetraneto do Pastor Klingelhoeffer)

Momentos importantes na história do luteranismo e do Sínodo Rio Grandense e seu envolvimento na política (p. 32)

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2 – Guerra, ideologia e partidos políticos

Sobre Ehlers, Voges e Klingelhoeffer – as suas trajetórias diferen ciam-se no que tange à longevidade de suas vidas. Klingelhoeffer e Ehlers foram brindados com poucos anos de vida no Brasil; Voges, por sua vez, viveu até o ano de 1893 e alcançou a excepcional idade de 92 anos. A morte prematura de Klingelhoeffer, morto em comba te durante a Revolução Farroupilha (1835-1845) nas proximidades de Triunfo, província do Rio Grande do Sul, no dia 6 de novembro de 1838, aponta para participação política, ideológica e militar efetiva. Sua trajetória de vida no Brasil foi marcada, portanto, por trajetórias diversas, que extrapolaram o universo religioso. No caso de Ehlers, sua atividade eclesiástica na Colônia de São Leopoldo durou até o ano de 1843, quando foi substituído pelo pastor Klenze. Os docu mentos indicam que Ehlers faleceu no Rio de Janeiro em 1850, onde exerceu a função de professor.

3 – Comunidade, conflitos e política

Wilh elm Rotermund, cuja atividade pastoral ficou cen trada em São Leopoldo, por diversas vezes viu-se no meio turbulento de conflitos e interesses outros que fugiam à esfera espiritual ou ritualística da igreja. O que teria acon tecido de 1875, quando a diretoria da comunidade evangé lico-luterana de São Leopoldo solicitou o registro do pastor Rotermund junto ao órgão provincial competente, a 1877, quando 92 membros assinaram petição solicitando a de missão do mesmo pastor? Os documentos não revelam os motivos, mas trazem à luz a intensidade dos conflitos:

tendo-se [o pastor Rotermund] excedido nas fun ções de seu cargo, tendo por isso desmerecido da confiança da comunidade... e como dito Dr. Rotermund tem posto em ação todos os meios possíveis para levar avante sua pertinácia em querer a todo transe continuar a ser o pastor da comunidade, criando com isso desgostos e inimi zades entre as pacíficas famílias da referida co munidade, é dever dos abaixo-assinados virem ante V. Exça. replicar o seu pedido, na crença de que agentes audaciosos que têm o referido Dr. Rotermund nessa cidade fossem muito hábeis de iludir a boa-fé dos honrados empregados da se cretaria, subtraindo dito documento com a aludi da petição (AHRS – Requerimentos – maço 195).

A citação refere-se ao posicionamento de sete membros da comunidade, os quais não só denunciaram o procedimento do pastor, como também alertaram para a possibilidade de fraude no encaminhamento de outra petição. Segundo eles, o pastor estaria articulado com funcionários da burocracia lo cal a fim de fazer sumir os papéis que depunham contra ele. Os descontentes anexaram também a carta de exoneração de Rotermund e a nomeação do novo pastor – ChristophSchaefer –, para a qual solicitaram registro.

Os conflitos envolvendo Rotermund, diferentemente dos que desestabilizaram a relação de Ehlers, Klingelhoeffer e Voges com suas comunidades, encaixam-se em outro con texto: desde 1864, os pastores “ordenados” empenhavam-se em restaurar a igreja (futura IECLB), livrando-a dos hábitos e costumes adquiridos desde 1824, quando, segundo eles, a prática religiosa dos colonos alemães, guiados pelos “não ordenados”, deu origem a um tipo de fé que diferia dos ensi namentos recebidos na Alemanha. Possivelmente procedam desse novo contexto os desentendimentos do pastor com seus fiéis, tendo, por um lado, a figura de Rotermund, crítico em relação à igreja que havia se formado no Brasil e líder na tentativa de institucionalização da entidade religiosa, e, por outro, os membros, temporalmente muito próximos do mo delo de igreja vivido quando os “ordenados” ainda não haviam chegado. Mediante isso, talvez os integrantes da comunidade evangélica de São Leopoldo estranhassem a liderança forte do novo pastor, um dos símbolos da restauração religiosa no Brasil.

As trajetórias dos três religiosos apontam para semelhanças e di ferenças. Uma das dessemelhanças está na longevidade de Voges; outra, na morte prematura de Klingelhoeffer, religioso que se trans formou em soldado; e outra em um certo encantamento que tomou conta de Ehlers quando passou a defender a causa farroupilha. As suas trajetórias indicam também que foram sensíveis aos aconte cimentos de sua época. O fervor ideológico da Revolução Farroupi lha parece ter tocado profundamente a vida de pelos menos dois pastores. Em relação à família de Voges, já estabelecida na Colônia Alemã de Três Forquilhas, um de seus filhos aderiu à bandeira do Partido Liberal. Com a proximidade da República, um neto do pastor rendeu-se ao apelo republicano e filiou-se ao Partido Republicano Rio-grandense.

Os exemplos demonstrados no presente artigo evidenciam que os três primeiros pastores evangélico-luteranos chegados à província do Rio Grande do Sul participaram ativamente da política. Desde o momento em que se estabeleceram no Brasil, souberam disputar espaço político-social; da mesma forma, foram seduzidos pelas ideologias revolu cionárias dos farrapos e filiaram-se a partidos políticos dos oitocentos. Po rém não foram os únicos a aproximar política e religião em suas trajetórias.

Ao que parece, as querelas de 1877 produziram duas fac ções em São Leopoldo: pró e contra Rotermund. Esse dado apareceu numa longa carta datada de 30 de dezembro de 1884, encaminhada ao presidente da província, quando a par te dissidente expôs suas dificuldades em usar o templo do qual também eram proprietários e mantenedores. O estopim desse novo conflito foi a impossibilidade de realizar o culto de Natal, motivo que os levou a escrever e denunciar o pastor à autoridade máxima da província.

Desse documento é possível constatar que a comunidade evangélico-luterana de São Leopoldo encontrava-se dividida em duas diretorias, sinal de que o pastor “ordenado” não con seguira harmonizar seu rebanho. Os dissidentes acusavam Rotermund de estar em conluio com as autoridades locais, razão pela qual o grupo que o apoiava levou vantagem em re lação aos que lhe eram contrários. Embora o documento não informe como a questão foi resolvida, ficou registrado que os solicitantes apresentaram a proposta de estabelecer um acor do para o uso do templo, a fim de que nenhuma das partes se visse excluída do ensinamento espiritual trazido por seus pastores.

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - dezembro de 2016 30

República e participação política

Durante praticamente todo o período imperial (1822 1889), os imigrantes e seus descendentes não católicos vivenciaram uma cidada nia parcial. Como a religião evangélico-luterana era apenas tolerada, isso gerava inclusive alguns efeitos le gais. Por exemplo, por mui to tempo, os casamentos dos acatólicos foram con siderados inválidos. Essa situação começou a mudar no final do Império, com a promulgação da Lei Saraiva em 1881. A partir dessa lei, os imigrantes acatólicos vi ram-se equiparados aos que professavam a religião ofi cial do Brasil imperial. Com a Proclamação da República em 1889, os imigrantes pu deram eleger seus represen tantes para a Assembleia Le gislativa e receberam maior atenção por parte do gover no republicano. No entanto, a eclosão da I Guerra Mun dial (1914-1918) renovou as desconfianças em relação à comunidade considerada estrangeira, mesmo que já estivesse no Brasil desde o início do século XIX. Se a década de 1920 parecia re equilibrar os contatos inte rétnicos, a década seguinte foi marcada por extrema desconfiança em relação aos imigrantes e seus des cendentes. A ascensão de

Hitler na Alemanha, o proje to de nacionalização de Ge túlio Vargas (1937-1945) no Brasil e a II Guerra Mundial (1939-1945) colocaram a comunidade imigrante sob suspeita. A ideia do “perigo alemão” ganhou força e pro moveu não somente o rom pimento de relações, mas também atos de violência contra pessoas, instituições e casas/fábricas/escritórios daqueles que passaram a ser vistos como não brasilei ros.

Em defesa dos colonos

Nesse cenário do século XX, os defensores da nacio nalização no Brasil entende ram que os pastores, como intelectuais e formadores de opinião, deveriam ser vigia dos e presos caso houvesse necessidade. Isso, no entan to, não impediu que muitos deles atuassem politicamen te, defendendo colonos que falavam dialetos e por isso ganharam voz de prisão. O Jornal Evangélico, em edi ção especial de 1986, traz reportagem sobre a atuação do pastor Augusto Kunert quando atuou em Palmitos, Santa Catarina. Diante da perseguição a seus fieis, Ku nert declarou-se “advogado dessa gente”.

Em 1943, o pastor experimentou a prisão por algumas horas sob a acusação de falar em alemão. Em Palmitos, pôde atuar politicamen te sem exercer, de forma oficial, um cargo político. Como líder de uma comunidade, suas atribuições romperam a questão da religio sidade e adentraram o universo do social e do étnico ao defender famílias agricultoras dos abusos de algumas autoridades vincula das ao projeto de nacionalização de Vargas.

Uma política humanitária

Com o fim da II Guerra Mundial, o pastor Augusto Kunert foi transferido para a antiga Colônia alemã de Três Forquilhas no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, onde atuou de março de 1948 a ju lho de 1956. A carência de in fraestrutura, como estradas, pontes, escolas, e a inexistên cia dos títulos da terra provo caram e estimularam o pas tor a concorrer formalmente por um cargo político. Kunert concorreu e ganhou as elei ções pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), defendendo o distrito de Itati como vere

ador. Uma de suas principais batalhas foi a entrega dos tí tulos de propriedade aos co lonos. Segundo Kunert, “eles ganharam as terras do impe rador em 1826, mas até 1950 nenhum deles tinha a titula ção. Só em Itati viviam 500 famílias de agricultores, fora os católicos, que somavam outras 800 famílias, e nin guém deles tinha o título da terra”. Segundo o articulista da edição especial do Jornal Evangélico, Kunert terminou o mandato, “abandonou a política partidária, mas ja mais a ação política”.

Além das funções pastorais

No campo da ação política, Augus to Kunert desenvolveu inúmeros projetos junto aos colonos de Itati. Parte de suas memórias está publi cada no livro Torres: marcas do tem po, organizado por Nilza Huyer Ely. No texto de sua autoria, o pastor relembra alguns de seus projetos: “projeto tomate”, “projeto batata in glesa”, “projeto jeep”, “projeto frutas e verduras”, “projeto gado leiteiro”, “projeto hospital”. Conforme o au tor, “nem todos os projetos alcan çaram o objetivo traçado. Todos, porém, participaram da intenção orientadora de buscar o progresso e de melhorar as condições de vida e o bem-estar da população” (ELY, 2003, p. 70).

As atividades pastorais de Ehlers, Voges, Klingelhoeffer, Rotermund e de Kunert transcendem as experiências cita das e trabalhadas no presente texto. Ao selecionar parte de suas trajetórias, objetivou-se demonstrar que política e religião estão sujeitas a aproximações e, muitas vezes, compõem o mesmo universo onde descendentes de imi grantes e pastores tiveram que conviver. Suas reivindica ções ganharam vida e força através da atuação política, quer seja na organização social ou na ocupação de cargos político-partidários. Os conflitos estabelecidos pela comu nidade imigrante e descendente ao buscar seus direitos comprovam que a tese do isolamento e do abstencionismo político não se sustenta e não encontra respaldo quando confrontada com as múltiplas experiências políticas viven ciadas pelos colonos ao longo dos séculos XIX e XX.

Referências

HUNSCHE, Carlos Henrique. O biênio 1824/1825 da imigração e colonização alemã no Rio Grande do Sul (Província de São Pedro). Porto Alegre: A Nação, 1975.

HUNSCHE, Carlos Henrique. O ano 1826 da imigração e colonização alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Metrópole, 1977.

Jornal Evangélico. Edição especial. São Leopoldo, ano XCVIII, outubro de 1986.

KUNERT, Augusto. As comunidades teuto-brasileiras do Litoral Norte do Rio Grande do Sul após a Segunda Guerra Mundial: sua reestruturação. In: ELY, Nilza Huyer (Org.). Torres: marcas do tempo. Porto Alegre: EST, 2003. p. 5371.

Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, n.15-16, set/dez 1924.

WITT, Marcos Antônio. Em busca de um lugar ao sol: estratégias políticas (Imigração alemã – Rio Grande do Sul - século XIX). 2. ed. São Leopoldo: Oikos, 2015.

Fotos:

Imagem do Pastor Augusto Kunert

In: http://igrejadolitoral.blogspot.com.br/2013/04/pastor-augusto-ernesto -kunert_8.html, em 6/10/2016, 16h49min

Imagem do mapa “Mega-espaço SL-LNRS”

In: WITT, Marcos Antônio. Em busca de um lugar ao sol: estratégias políticas (Rio Grande do Sul – Imigração alemã – século XIX). 2.ed. São Leopoldo: Oikos, 2015.

Imagem do Pastor Carlos Leopoldo Voges

In: ELY, Nilza Huyer. Vale do Três Forquilhas: vidas, veredas e costumes. Porto Alegre: EST, 1999.

Pesquisa: Marcos Antônio Witt é professor no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, coordenador do Núcleo de Estudos Teuto-Brasileiros e associado ao Instituto Histórico de São Leopoldo

Edição
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BIOGRAFIA

Egídio Michaelsen (1908 - 1972)

Porta-voz do Sínodo Riograndense no mundo político

Entre os políticos ligados ao Sínodo Riograndense o nome de Egídio Micha elsen merece destaque. Nascido em São Sebastião do Caí/RS em 27 de fevereiro de 1908, era filho de Frederico Jacob Michaelsen e Lúcia Michaelsen e descen dente de Brummer, aqueles mercenários alemães contratados pelo Império do Brasil para a guerra contra Rosas.

Egídio estudou Direito e formou-se, em 1930, pela Faculda de de Direito de Porto Alegre. Logo teve banca de advocacia em São Sebastião do Caí e exerceu sua profissão até o ano de 1935. Naquele ano, foi eleito prefeito de seu município natal, função que exerceu até 1943. Estrategicamente, transferiu re sidência para Porto Alegre, onde voltou a atuar como advoga do.

Em outubro de 1945, terminava o Estado Novo e estava dada a possibilidade da criação de partidos políticos, pois es ses haviam sido eliminados por Getúlio Vargas. Juntamente com Alberto Pasqualini, Michaelsen fundou a União Social Brasileira (USB). No ano seguinte, foi eleito para ser diretor do Banco Agrícola Mercantil. Em 1947, filiou-se ao Partido Traba lhista Brasileiro (PTB), sendo eleito deputado e membro da Assembleia Constituinte do Rio Grande do Sul, da qual tam bém passou a ser presidente. A nova Carta estadual foi pro mulgada em 8 de julho de 1947, mas Michaelsen permane ceu no mandato, pois teve início a legislatura ordinária. Nas eleições ocorridas em outubro de 1950, alcançou expressiva votação, sendo eleito primeiro suplente de deputado federal, novamente pelo PTB. Já em abril de 1951, assumiu mandato de deputado federal e permaneceu nessa função até março de 1952, quando o governador Ernesto Dornelles o nomeou secretário do Interior e Justiça em substituição a João Goulart.

Sua presença no PTB era tão expressiva, que, nas eleições de outubro de 1962, foi lançado à sucessão do governador Le onel Brizola, mas foi derrotado por Ildo Meneghetti. No mês de junho de 1963, o presidente João Goulart fê-lo ministro da Indústria e do Comércio, permanecendo no cargo até abril de 1964, quando o golpe político-militar pôs fim ao governo de Goulart, iniciando-se longos anos de ditadura.

Além da atividade político-partidária, Michaelsen atuou no Grupo Sul América de Seguros, foi presidente do Sindicato dos Bancos do Rio Grande do Sul, vice-presidente da Federa ção das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul, presi dente da Câmara de Comércio Teuto-Brasileira (foto abaixo) e representante da Federação das Associações Comerciais no Conselho Estadual de Estradas de Rodagem.

Memória

Luteranismo e participação política

As paróquias e comunidades do antigo Sínodo Riograndense tive ram intensa participação política ou sofreram por causa de silên cios. Servem de espelho para nos sa situação atual de silêncio. Quan do atuaram, puderam espelhar-se em Lutero, que foi tudo, menos apolítico. Ele sabia que o Dia do Senhor pode irromper a qualquer momento em um mundo que está muito mal. Afirma que satanás quer governar o mundo, destruir a boa criação de Deus. Pessoas de fé, contudo, não entregam o mun do ao diabo, pois sabem que onde o evangelho é pregado há a possi bilidade de se sobreviver aos ata ques de satanás. Onde a doutrina cristã arranca a autoridade civil das mãos do anticristo, o mundo pode ser melhorado. Por isso es creveu em 1520 o livro “À nobreza cristã de nação alemã a respeito do melhoramento do estamento cristão”.

Vida cristã preocupa-se com “melhoramento”. Cristãos lutam por boas obras para melhora mento da igreja e do mundo: boas obras são melhores do que in dulgências (31.10.1517). O mundo deve permanecer boa criação de Deus. “Um cristão é senhor livre de todas as coisas e não está su jeito a ninguém.” Por isso “é ser vidor de todas as coisas e sujeito a todos”.

Até a hora derradeira, a pes soa cristã tem a incumbência de cuidar do mundo de Deus, pois abandonar casa, lar, família, políti ca é permitir que o diabo faça fes ta. Política é para Lutero algo que vai dos sapatos ao imperador. Ter ou não ter sapatos, ter ou não ter imperador é questão política. Daí não deve estranhar que Lutero se pronuncie sobre autoridade, eco nomia, escolas, monopólios, situ ação agrária “e coisas semelhan tes”. Não poupou palavras duras em relação aos governantes.

ditadura positivista, e infelizmente o povo luterano refugiou-se nos valores de uma fé interiorizada e nos valores de sua etnia.

Foi então vítima das ideologias fascistas da década de 1930 e das medidas nacionalizadoras de Vargas. Foi um período de muito sofrimento já descrito anterior mente, mas também de salutar choque. Salutar, pois fez surgir a consciência de que, permanecen do na situação de marginalidade, estaria condenado a uma exis tência sectária. Por isso, nos anos posteriores a 1945, lideranças lei gas luteranas convenceram o pre sidente do Sínodo Riograndense da necessidade da participação luterana ativa a níveis estadual e federal. As congregações lutera nas foram visitadas, e o resultado dessa nova vontade expressou-se em votos.

Na Assembleia Legislativa de 1947, sete dos 55 deputados es taduais eram luteranos: Hilde brand, Jost, Michaelsen, Roesch, F. G. Schmidt, Born, Closs. Quatro pertenciam ao PSD, um ao PTB, um à UDN e um ao PRP. Um lu terano, Germano Dockhorn, foi eleito deputado federal. Nos anos posteriores a 1945, parecia que o indiferentismo político estava rompido. A nível local, a Câmara de Vereadores de São Leopoldo tinha maioria luterana.

Em suas múltiplas atividades, Michaelsen também foi porta -voz do Sínodo Riograndense no mundo político do Rio Gran de do Sul e do Brasil. Casado com Elita Pereira Michaelsen, teve com a esposa três filhos. Veio a falecer no Rio de Janeiro em 8 de setembro de 1972.

P. em. Dr. Martin Norberto Dreher São Leopoldo/RS

Os luteranos que vieram ao Bra sil no século 19 vinham de estados europeus nos quais o Absolutismo praticamente proibia seus súditos de expressar-se politicamente e de manifestar suas opções. No Brasil, foram usados politicamen te como soldados, agricultores, mas souberam lutar por direitos (matrimônios, escolas, cemitérios, aplicação de impostos). Depois apoiaram os Liberais de Gaspar Silveira Martins. Em 1881, elege ram seus primeiros deputados provinciais. Quando, porém, veio a República, com ela também veio a

Mesmo os acontecimentos de 1964 não impediram posiciona mentos. O deputado Siegfried Häuser foi cassado pelo regime militar para não ser eleito gover nador. A partir de 1970, houve po sicionamentos relativos a direitos humanos, questão indígena, anis tia, confisco da soja, barragens ao longo do rio Uruguai, Itaipu, apli cação do Estatuto da Terra, Refor ma Agrária, Lei de Estrangeiros, Lei de Segurança Nacional. Todos esses posicionamentos encontra ram expressão maior na temática “Terra de Deus – Terra para To dos”. Não se podia mais falar de postura apolítica dos luteranos no Brasil. Aspectos importantes da Reforma Luterana pareciam ter sido recuperados.

As discussões da atualidade bra sileira estão presentes em nossas congregações de forma bastante acalorada. Devemos cuidar, con tudo, para que elas estejam a ser viço da preservação da boa cria ção de Deus.

P.em. Dr. Martin Norberto Dreher São Leopoldo - RS

Sinos da Comunhão - Número 190 - DEZEMBRO de 2016 Encarte No 8 - Comemorativo aos 130 anos do Sínodo Riograndense Colaboradores nesta edição: Martin Dreher, Rolf Droste, Edson Streck, Osmar Witt, Cleide Schneider, Scheila dos Santos Dreher e Marcos Antonio Witt Arte e diagramação: Jornalista Heitor Meurer (MTE/RS 15656)

Edição especial “130 anos do Sinodo Riograndense” - dezembro de 2016 32
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