Revista Convivência n. 3/2013

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Kierkegaard); Jorge Miranda de Almeida, Márcio Gimenes de Paula, entre outros, são do crítico Alceu Amoroso Lima (1893-1983), então membro da Academia Brasileira de Letras, os primeiros escritos sobre Kierkegaard no Brasil. Seu livro “O existencialismo e outros mitos do nosso tempo” (1951), pelo que me lembro das conversas com Ernani Reichmann, havia um grande respeito pelo mestre católico, mas a diferença entre ambos devia-se a um agnosticismo militante do filósofo curitibano, fruto de seu, digamos, viés contestatória diante da vida em sociedade. “letras e/& artes” Amigo cotidiano de Ernani Reichmann naquelas quadras, à época, jornalista iniciante, almejando ser escritor e cineasta, tive a alegria e a recompensa poética de conviver com ele e seus estimulantes ensaios de fundo e forma kierkegaardianos, muitos deles publicados no suplemento literário “letras e/& artes”, dirigido por mim, e recém replicado em edição fac-similar coincidindo com os cinquenta anos de sua edição (2011). Os que o frequentavam, éramos todos jovens, belos e irreverentes. Irreverentes, sim, mas nem tanto, visto de hoje, há que reconhecer, uma rebeldia, digamos, às avessas, já que nos alinhávamos a Jean-Paul Sartre, neomilitante do comunismo, tentando conciliar o irreconciliável, liberdade e socialismo real. Coube a Ernani Reichmann, literalmente, nosso “professor” de Kierkegaard e existencialismo francês, também, apaixonado por Albert Camus (do qual, aliás, com sua morte em 1960, o suplemento publicou o discurso de posse ao receber o Prêmio Nobel de Literatura em 1957), colocar-se como um pertinente contraponto à nossa heroica radicalidade, que não enxergava o pretume assassino à raiz de toda utopia. Eu, pessoalmente, era ainda o mais inconteste na defesa de Sartre, cujos romances me conflagraram durante anos (através deles, inclusive, aperfeiçoei meu francês...), pois, como filho de pai judeu húngaro, sua diatribe contra a criminosa invasão de Budapeste pelos soviéticos em 1956 me comoveu durante anos. Até quando Sartre, nos anos 1970, distribuindo jornais maoistas pelas ruas de Paris, foi pejorativamente alcunhado de cochon maoïste... Mesmo assim, com o tempo demolindo certezas pétreas, meu amor por este herdeiro ateu de Kierkegaard jamais arrefeceu! O Outro O poeta e crítico paranaense, Sérgio Rubens Sossélla (1942-2003), ele próprio um “reichmanniano” de carteirinha, como eu, mais pela amizade e respeito pela originalidade de Ernani Reichmann do que propriamente pelo alinhamento à sua ciclópica e perturbadora estante, escreve que o autor “... envolve o leitor na mesma sedução de buscar o Outro de si mesmo”. Era um autor, arremata Sossélla, lastreado em Fernando Pessoa, que não finge a si mesmo. Na verdade, bem no diapasão metafísico de Soeren Kierkegaard é quando Reichmann tenta “incorporar” feito médium, eu diria, material e espiritualmente, a

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