Pedro Corrêa

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PEDRO CORRÊA | QUASE UM SÉCULO DE HISTÓRIA

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Autor: Pedro Corrêa 1ª edição: setembro de 2018 Co-Autora: Izolde de Fátima Coutinho Corrêa Coordenação Editorial: www.escrevaumlivro.com.br Projeto Gráfico e Diagramação: www.prestudio.com.br Capa: Maicom França Revisão Ortográfica: Gabriella Farina Ramos

C817p Corrêa, Pedro, 1923Pedro Corrêa: quase um século de história / Pedro Corrêa, Izolde de Fátima Coutinho Corrêa. – 1. ed. – Santo Antônio do Sudoeste (PR): O Autor, 2018. 348 p. ; 23 cm 1. Biografia. 2. Memórias. 3. Imigrante - Polônia. I.Título. II. Corrêa, Pedro – Biografia. III. Corrêa, Izolde de Fátima Coutinho. CDU: 929 Ficha catalográfica elaborada por Marli Machado – CRB 14/785

É proibida a reprodução total ou parcial da presente obra, sem autorização prévia ou escrita do autor. Este livro está de acordo com as mudanças propostas pelo novo Acordo Ortográfico que passou a valer em janeiro de 2009.


SUMÁRIO Apresentação

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Pedro Corrêa - Infância e Juventude

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Pedro Corrêa - Cidadão e Alteta

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Pedro Corrêa - Esposo e Pai

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Pedro Corrêa - O Homem Público

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Pedro Corrêa - O Homem Sonhador

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Pedro Corrêa - Depois da Viuvez

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Considerações Finais

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Pedro Corrêa Quase Um Século de História



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Apresentação Este livro tem como proposta contar a história de vida de Pedro Corrêa, transcrevendo suas memórias, utilizando o seu acervo de documentos guardados com todo o carinho por muitos anos, acrescentando aos fatos por ele narrados, a história do mundo, do Brasil, do Estado do Paraná e do município de Santo Antônio do Sudoeste, valendo-me da contemporaneidade em que eles ocorreram. É uma narrativa tão antiga quanto atual, pois poderemos perceber o quanto o mundo mudou em apenas um século e a sua enorme capacidade de adaptação às novas tecnologias, sem perder os valores, herança dos pais e que sempre nortearam o seu proceder. Dividindo em períodos de vida, para facilitar a narrativa, faço aqui, um resumo da obra. Inicio pela Infância e Juventude com um breve relato dos antepassados mais recentes, haja vista a dificuldade em pesquisar dados históricos de imigrantes poloneses (lado materno) e origem de índios e tropeiros (lado paterno). Sua infância, como de qualquer outra criança da época, compõe-se de trabalho árduo para ajudar os pais, visto que, os filhos mais velhos tornavam-se responsáveis pelos irmãos mais novos; pelas diversas mudanças de cidade devido ao trabalho do pai e pela sua frustração em não poder frequentar regular-

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mente uma escola. Na juventude, o cidadão e o atleta que nunca deixaram de existir dentro dele, pois o espírito esportivo fez com que enfrentasse tanto as agruras das derrotas, quanto a doçura das vitórias, com galhardia, sem abater-se pelo desânimo, nem se ensoberbar. Quando, no auge de seus 21 anos, durante a 2ª Guerra Mundial, surgiu oportunidade de demonstrar sua coragem e o seu amor à Pátria, colocou-se à disposição para lutar e morrer, se necessário fosse apresentando-se como voluntário, junto à Força Expedicionária Brasileira, para enfrentar inimigos em solo italiano com seus companheiros de farda, muitos dos quais, como heróis anônimos tombaram nas batalhas. Quis Deus, que seu gesto de valentia, o livrasse dos perigos da guerra. Em Pedro Corrêa: esposo, pai, avô e bisavô, a descrição do homem que sempre assumiu as suas responsabilidades, tanto no sustento quanto no cuidado com a família que constituiu, buscando sempre novos horizontes para garantir-lhes um futuro menos íngreme que o seu. O homem que, através do exemplo, ensinou filhos, netos e bisnetos a seguirem o caminho do bem, os direitos e deveres da cidadania, os valores cristãos e de honestidade, orientando seus descendentes a sentir orgulho em levar adiante o honrado nome da família. Já em Pedro Corrêa: o homem público, claramente torna-se essencial para as novas gerações conhecer o seu proceder, principalmente, nesta época em que vemos e ouvimos, diariamente, através da mídia, notícias de centenas de políticos envolvidos em escândalos de corrupção, revelados pela “Operação Lava-Jato”, políticos estes, interessados por tudo, menos pelo povo que os elegeu. Os mesmos políticos que durante os mandatos escondem-se em seus gabinetes, carros blindados e mansões, para saírem de sua hibernação por alguns meses, somente enquanto durar a campanha eleitoral, que os ajudam a perpetuar-se no poder, esquecendo-se que, ao receber nas urnas, uma procuração para falar e agir em nome da população deveriam ter, como nobre e sagrada missão, o bem deste povo. A simplicidade e a sinceridade levaram este homem público a juntar-se em mutirão ao seu povo para trabalhar em prol do município e fazê-lo desenvolver-se, contando com as amizades e o valioso auxílio de políticos capazes como Arnaldo Busatto e Cândido Manoel Martins de Oliveira, nomes estes que jamais poderão ser esquecidos pela população do sudoeste do Paraná. Na série de fotos que compõe Pedro Corrêa: rodeado de amigos, comprova-se que uma imagem vale mais que mil palavras, pois é quase uma lição para nós, que hoje vivemos num mundo onde as pessoas tornaram-se descartáveis e

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os amigos, virtuais. Onde as pessoas preferem teclar numa tela de computador ou de celular a conversar com quem está ao seu lado. Mostra-se aí, a alegria compartilhada com amigos reais numa partida de jogo de canastra ou pontinho, onde o sorriso aberto, a conversa franca e animada, acompanhada do velho e bom chimarrão; as noites frias de inverno ao redor do fogão, relembrando fatos e saboreando pinhão assado na chapa era um bom programa; e as festas e churrascos onde se celebrava a vida e a amizade, eram reuniões agradáveis, onde não se via o tempo passar; ou simplesmente trabalhando, lado a lado, para demonstrar que o trabalho em equipe é mais produtivo, prazeroso e eficaz. Entre centenas de fotos, talvez milhares, tive de optar por algumas que acreditei demonstrar parte dos amigos conquistados durante toda uma vida. Pedro Corrêa: o homem sonhador, aquele que nunca desistiu de seus sonhos, que foi à luta, que não se abateu com o passar dos anos. Este livro tem uma narrativa cheia de aventuras, coragem, determinação e força. É a história de vida de um homem que enfrentou muitas dificuldades durante toda a sua existência. Um homem que lutou, mas jamais esteve sozinho, pois pode contar com o apoio de seus familiares, da sua inesquecível esposa Lígia e de muitos amigos fiéis. Ele manteve durante toda a sua vida características arraigadas da cultura indígena tais como: espírito de comunidade, crença em cura através das plantas e remédios homeopáticos, conhecendo uma infinidade de ervas e sua aplicação medicinal; e também algumas superstições acreditando no poder de benzedeiras, curandeiros e forças do mal que poderiam ser ativadas através de feitiçarias e bruxarias, apesar de toda a religiosidade católica herdada do lado materno, ou seja, polonês. Com o passar dos anos não perdeu o espírito vivaz, sua perspicácia e humor refinado e, nesta hora, lembro-me de uma de suas frases quando jogava canastra: “Se agarrem no pincel que eu vou puxar a escada”. Ele riu, fez rir e chorou quando a dor se tornou insuportável, mas nunca perdeu a esperança e o bom humor, uma de suas características mais marcantes. Enfrentou derrotas de cabeça erguida e vitórias com humildade, enfim é a história de um grande homem, de um espírito guerreiro e de um vencedor, e sinto-me honrada em fazê-lo conhecido e perpetuar a sua memória junto àqueles que o amaram. A co-autora.

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Pedro Corrêa Infância e Juventude Na terceira década do século XX, enquanto o mundo ainda vivia o trauma do pós 1ª Guerra Mundial, meus pais, Guilherme e Angélica seguiam normalmente suas vidas trabalhando e constituindo família. Ele, Guilherme Correia, filho de Guilherme Correia e Anna Correia, descendente de índios e tropeiros portugueses, nascido aos 14 dias do mês de maio de 1.891, no município de Campo Largo, Estado do Paraná, era funcionário público, trabalhando em vários setores do Estado. Até 1932 ele foi soldado da Polícia Militar e participou da Revolta do Contestado, um dos conflitos internos mais sangrentos do século XX, gerado por fatores sociais, políticos, econômicos e messiânicos. Esse conflito armado que ocorreu na região Sul do Brasil, entre outubro de 1912 e agosto de 1916, envolvendo cerca de 20 mil camponeses que enfrentaram forças militares dos poderes federal e estadual, ganhou este nome porque ocorreram numa área de disputa territorial. Na época da chegada dos primeiros colonizadores, as terras pertenciam ao município de Palmas, Estado do Paraná, uma extensa área à margem direita do Rio do Peixe, pretendida pelos Estados do Paraná e Santa Catarina, e também pelo país vizinho Argentina. Sendo que, com a Argentina, esta disputa ficou

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conhecida como o “Tratado de Missiones” e entre os Estados brasileiros recebeu o nome de “a questão de Palmas”. A primeira batalha aconteceu nos campos de Irani, no dia 22 de outubro de 1912, a qual ceifou a vida de muitos sertanejos, caboclos e militares, espalhando pânico em grande parte da região, por isso, ficou conhecido como o Berço do Contestado. O topônimo Irani originou-se do rio que banha o município, nome originário da língua tupi-guarani, que significa “Mel Envelhecido”, pois na referida língua “ira” significa mel e “nhi” envelhecido, portanto, o nome Irani está relacionado à beleza da fauna e da flora. Aqui cabe também um pouco de História do Brasil. A estrada de ferro entre São Paulo e Rio Grande do Sul estava sendo construída pela empresa norte-americana Brazil Railway Company, do empresário Percival Farquhar, com o apoio dos coronéis (grandes proprietários rurais com força política) da região e do governo. Para a construção da estrada, milhares de famílias de camponeses perderam suas terras e este fato gerou muito desemprego, pois os agricultores ficaram sem terras para trabalhar. Outro motivo da revolta, foi a compra de uma grande área da região por um grupo de pessoas ligadas à empresa construtora da estrada de ferro, sendo a propriedade adquirida para o estabelecimento de uma grande empresa madeireira, voltada para a exportação. Com isso, mais famílias foram expulsas de suas terras. O clima que já era tenso, acabou piorando quando a referida ferrovia ficou pronta, pois os trabalhadores que atuaram em sua construção, trazidos de diversas partes do país, ficaram desempregados ao final da obra, e não tendo para onde ir, permaneceram na região sem qualquer apoio por parte da empresa norte-americana ou do governo. Nesta época, as regiões mais pobres do Brasil eram terreno fértil para o aparecimento de lideranças religiosas de caráter messiânico, e na área do Contestado não foi diferente, pois, diante da crise e insatisfação popular, ganhou força a figura do beato José Maria. Este pregava a criação de um mundo novo, regido pelas leis de Deus, onde todos viveriam em paz, com prosperidade, justiça e terras para trabalhar e foi desta forma que José Maria conseguiu reunir milhares de seguidores, principalmente entre os camponeses sem terras. Como o movimento crescia dia-a-dia, os coronéis da região e os governos (federal e estadual) começaram a ficar preocupados com tal liderança e capacidade de atrair pessoas para a causa. O governo passou a acusar o beato de ser um inimigo da República, que tinha como objetivo desestruturar o governo e

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a ordem na região. Visando desarticular o movimento e impedir uma Intervenção Federal, o Estado do Paraná enviou o Regimento de Segurança (atual Polícia Militar do Paraná), com efetivo de mil homens para resolver o problema. Os soldados e policiais começaram a perseguir o beato e seus seguidores. Armados de espingardas de caça, facões e enxadas, os camponeses resistiram e enfrentaram as forças oficiais que estavam bem armadas. Nestes conflitos armados, entre 5 mil e 8 mil rebeldes, na maioria camponeses, morreram. As baixas do lado das tropas oficiais foram bem menores.

Na região do atual município de Irani aconteceu a Guerra do Contestado entre 1912 e 1916.

Papai contava que ele foi um dos homens que participou da batalha do Irani, ocorrida em outubro de 1912, em um lugar chamado “Banhado Grande”, lugar este, onde morreram onze pessoas, entre elas, o próprio monge e o comandante do Regimento de Segurança do Paraná, o Coronel João Gualberto Gomes de Sá. Papai ajudou a socorrer um tenente, conduzindo-o baleado, no lombo de um cavalo, através dos campos de Palmas, parando em uma fazenda no meio do caminho, onde foi atendido por uma moça, filha do fazendeiro, a qual mandou atrelar três animais a uma carroça para conduzi-lo até a cidade de Palmas. A guerra terminou somente em 1916, quando as tropas oficiais conseguiram prender Adeodato - um dos chefes do último reduto de rebeldes da revolta. Ele foi condenado a trinta anos de prisão. É quase inacreditável que passado mais de um século, a Guerra do Contestado continue tão atual no nosso país, pois mostra a forma com que os políti-

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cos e os governos tratam as questões sociais no Brasil: os interesses financeiros de grandes empresas e proprietários rurais ficam sempre acima das necessidades da população mais pobre. Não há espaço para a tentativa de solucionar os conflitos com negociação, nem solução definitiva. Também podemos perceber que os oportunistas continuam manipulando a pobreza e a ignorância dessa massa de manobra. Minha mãe, Angélica Piontek, descendente de imigrantes poloneses era dona de casa, filha de Theodoro Piontek e Catarina Piontek, nascida aos 2 dias do mês de agosto de 1.892, no Bairro de Abranches na cidade de Curitiba. Meus avós maternos chegaram ao Brasil, na segunda metade do século XIX, fugindo das revoltas internas, já que, a Polônia, à época, deixou de existir como Estado, invadida pela Áustria, pela Rússia e pela Prússia (alemães). Para entendermos o que levou à diáspora polonesa é preciso reviver um pouco de História Geral e também História do Brasil. No ano 1845, os ingleses aprovaram a Lei Bill Aberdeem. Tal lei autorizava as embarcações britânicas a confiscarem todo e qualquer navio que transportasse escravos, de tal modo, o comércio de escravos no Brasil ficava prejudicado. Essa medida era mais uma das ações pelas quais os ingleses pressionavam o Brasil para que a escravidão chegasse ao fim no país. Bem mais que uma questão de ordem humanitária, o objetivo era ampliar o mercado consumidor brasileiro ao converter, progressivamente, a grande maioria dos trabalhadores escravos em futuros consumidores das mercadorias britânicas. O governo brasileiro, sentindo-se pressionado, começou a buscar os povos europeus para trabalhar no lugar dos negros, pois o mercado de escravos estava inflacionado e, também, porque já antevia o final da escravatura de negros africanos, a qual já estava em processo, de forma gradual, haja vista a assinatura da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, a qual determinava o fim do tráfico de escravos, proibindo a chegada de embarcações negreiras no país. Isso criou o problema de manter o trabalho compulsório sem o constante fluxo de mão-de-obra proveniente da África, devido à alta taxa de mortalidade entre os cativos causada pelas longas jornadas de trabalho, epidemias, castigos corporais e péssimas condições de alimentação, habitação e higiene. Em 1871, a Lei do Ventre Livre, declarava que os filhos de escravos nascidos a partir de 28 de setembro do mesmo ano, eram livres. A intenção era acabar com a escravatura de forma gradual, mas não deu certo, porque quando um filho de escravo nascia, existiam dois destinos para ele: continuar na casa do senhor (dono dos escravos) ou enviar a criança para o Governo.

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Como muitas famílias queriam permanecer juntas e como o senhor já não tinha mais responsabilidade sobre a criança, eles eram aceitos sob a condição de, após atingir a maioridade com 21 anos, ter de pagar a dívida por ter crescido, se alimentado e vivido na fazenda – eles pagavam essa dívida com o próprio trabalho. Ainda assim, a Lei do Ventre Livre foi um passo importante para a abolição da escravatura no Brasil, pois começou a fomentar debates e a sociedade começou a pressionar as autoridades para o fim dessa prática. Os integrantes das classes médias urbanas então, passaram a se organizar em favor do fim definitivo da escravidão e a procurar outro tipo de mão-de-obra. Enquanto o Brasil caminhava rumo à libertação dos escravos, com a promulgação da Lei dos Sexagenários, em 1885, que declarava livres os escravos com idade superior a 60 anos e, finalmente a Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, decretando o fim da escravidão; na Europa, a Polônia vivia um dos períodos mais trágicos de sua história iniciado pela catástrofe das partilhas do seu território entre as potências vizinhas – Áustria, Prússia e Rússia – desde a última década do século XVIII até o final da Primeira Guerra Mundial. Em consequência dessas partilhas, a Polônia foi dividida entre as potências acima nas seguintes proporções: a Rússia ocupou 62% do território e 45% da população; a Prússia – 20% do território e 23% da população e a Áustria – 18% do território e 32% da população. Após mais de oito séculos de história, a Polônia havia desaparecido, tendo sido o país riscado do mapa da Europa por um período superior a um século, e o povo polonês, desde 1795 enfrentava lutas, insurreições, invasões e confisco de bens. Independentemente das causas que possam ser apontadas para essa catástrofe, na época nada poderia ter salvado a Polônia de inimigos (especialmente a Prússia e a Rússia) que estavam determinados a acabar com ela e que tinham à sua disposição forças três a quatro vezes superiores às polonesas, graças ao seu poderio militar e financeiro, e não pouparam esforços para a “russificação” e a germanização das suas populações. É oportuno salientar que nesse período das partilhas, a Polônia deixou de existir como Estado, mas não como Nação, ocorrendo a mais intensa campanha para privá-los de dois dos seus mais preciosos valores: da língua e da cultura. Dois levantes principais ocorreram: um em 1830 e outro em 1863, sendo este último a maior das insurreições polonesas do século XIX, se levarmos em conta o tempo de duração e o número de participantes. Seu lema era a liberdade; o seu conteúdo social – a eliminação dos resquícios do sistema feudal. A derrota na luta pela independência não deixou de trazer resultados positivos na

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área das reformas sociais. O balanço da derrota envolveu dezenas de milhares de mortos e fuzilados, dezenas de milhares de exilados para a Sibéria e milionárias perdas materiais. O movimento emigratório desencadeou-se primeiramente na zona de ocupação prussiana. A partir de meados do século, especialmente a partir dos anos 70 do século XIX, a população se deslocava principalmente aos Estados Unidos. Da zona de ocupação prussiana veio também ao Brasil, em 1867, Edmundo Sebastião Woś Saporski − o “Pai da emigração polonesa no Brasil”, que em 1869 providenciou a vinda dos primeiros grupos de imigrantes poloneses, o que nos anos seguintes, abriu as portas a outros milhares de imigrantes da Polônia. Na zona de ocupação russa, a primeira onda emigratória dirigiu-se à América do Sul. Em 1890 o governo do Brasil garantia aos emigrantes passagem gratuita e outras vantagens, tendo mobilizado também agenciadores. Estes tinham o papel de recrutar candidatos a emigrantes, aos quais, ao mesmo tempo vendiam as passagens marítimas. Esse tipo de atividade, muitas vezes, dava margem a transgressões e sérios abusos diante dos emigrantes, principalmente porque estes, em geral, eram pessoas de pouca ou nenhuma instrução. No Reino da Polônia eclodiu a chamada “febre brasileira”, e no decorrer de dois anos (1890-1892) viajaram para além do oceano 63 mil minis fundiários e camponeses sem terra, apesar dos obstáculos que lhes impunham as autoridades tzaristas. Toda esta situação polonesa gerou uma comoção a nível mundial e o Governo Brasileiro, viu neste povo sofrido, uma das soluções para os nossos problemas. Prometendo aos imigrantes que aqui eles teriam muitas regalias, entre elas, um bom pedaço de terra, casa para morar, utensílios agrícolas e alimentação, tudo com as benesses do Estado, conseguiu convencer muitos agricultores que não anteviam futuro no próprio país, e entre estes encontrava-se o meu avô materno, que decidiu enfrentar o desconhecido atravessando o oceano, viajando por mais de trinta dias, vindo numa das levas de imigrantes poloneses. Segundo arquivos do Governo do Paraná, o sistema de colonização nos arredores de Curitiba só começou a dar resultado depois que se organizou uma nova política de imigração, com base na Lei de Terras (1850) e no Decreto nº. 3.784 de 19 de janeiro de 1867, que estabelecia medidas de apoio e benefícios concedidos ao imigrante, conforme Relatório do Governo do Paraná (1877, p.80).

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Depois de medidos e demarcados os lotes de terras de cultura nos arredores da cidade, traçavam as estradas e entregavam um lote a cada família, com uma casa provisória, regularmente construída. Ao colono maior de dez anos dava-se como auxílio de estabelecimento 20$000 (vinte mil réis) e cada família recebia mais 20$000 para compra de utensílios e sementes. Em cada núcleo fundava-se uma escola e edificava-se uma capela. Os imigrantes europeus eram recebidos no porto de Paranaguá pela Comissão da Imigração e pelo guia Edmund Wóz Saporski, mediador entre os imigrantes e o Governo do Paraná. Após esta recepção, eram imediatamente transportados para Antonina nos vapores da Companhia Progressista. Em Antonina passavam a noite no melhor hotel da cidade e no dia seguinte partiam para a Capital. A viagem era feita de carroça recebendo cada chefe de família a quantia suficiente para a viagem (RELATÓRIO DO GOVERNO DO PARANÁ, 1877, p.92). Deslocavam-se para a região de Curitiba, permaneciam em alojamentos na hospedaria do imigrante, situada na localidade do Barigui, mantinham-se lá por tempo necessário, até se inserirem no núcleo colonial. Aos imigrantes era fornecida hospedagem, alimentação, vestuário e acompanhamento médico na hospedaria (RELATÓRIO DO GOVERNO DO PARANÁ, 1877). Ainda segundo este documento: Nesta cidade eram alojados em hospedarias e no fim de cinco dias de descanso, os homens seguiam para o núcleo que lhes era destinado, sendo logo empregado na abertura de estradas e remunerado este serviço, cessando para eles a alimentação por conta do governo, contudo continuava para a sua família enquanto permanecessem na hospedaria (RELATÓRIO DO GOVERNO DO PARANÁ, 1877, p.92). Os membros da família Piontek foram assentados nas colônias Abranches e Lamenha Pequena, nas proximidades de Curitiba. Não sei se meus avós conheceram-se durante a viagem, mas sei que logo que ele conheceu a minha avó, que tinha a mesma história de imigração, pediu-a em casamento e assim constituíram uma grande família, ali mesmo na Colônia Abranches, onde permaneceu até sua morte aos 84 anos de idade. Meus pais casaram-se em 1920.

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Paróquia Sant’Ana construída em 1870 Bairro Abranches - Curitiba-PR Casamento de Angélica e Guilherme

Em 1921 nasceu a minha primeira irmã, Ana. Eu, o segundo filho do casal, nasci no dia 09 de Outubro de 1923, na cidade de Lapa, Paraná.

Centro histórico da cidade da Lapa-PR.

Na infância, devido ao trabalho exercido pelo meu pai, moramos em vários municípios na divisa dos Estados do Paraná e Santa Catarina, enquanto a família crescia até constituir-se de 11 membros, sendo: papai, mamãe, eu, quatro irmãos e quatro irmãs. Os filhos homens: Guilherme Correia Filho, também conhecido por Téco; Antonio, Arlindo, e o caçula Ary Theodoro, sendo que o segundo nome do bebê foi escolhido por mim, pois desejava desta forma homenagear o meu avô materno.

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Lembro-me que Ary foi batizado na Catedral Metropolitana de Curitiba, tendo como padrinhos o Sr. Olavo Natel e sua esposa, e que foi crismado tendo por padrinho o Sr. Augustinho Macedo. Outras três irmãs nasceram: Maria do Carmo, carinhosamente chamada de Mita, Terezinha e Laura, chamada de Laurita pelo padrinho José Macedo Sobrinho, diretor do Tesouro do Estado do Paraná. Logo após o meu nascimento, meus pais mudaram para o município de Curitiba, e fomos morar numa chácara de propriedade de um militar do Exército, Coronel João Antonio, cujo sobrenome foge-me à memória. A chácara ficava perto de uma granja de gado leiteiro da família Schaffer, a qual possuía um grande rebanho de gado holandês. Hoje, neste lugar, está localizada a cidade Industrial de Curitiba. Meu pai era continuo do Tesouro; ganhava pouco e como era um homem muito criativo resolveu ele mesmo fazer uma pequena casa nesse lugar, para evitar aluguel. Na época o Tesouro do Estado importava o selo adesivo, utilizado na autenticação de documentos, e este selo vinha em grandes caixas medindo dois metros de largura por dois metros de altura; e foi com algumas dessas caixas que papai fez nossa primeira casa. Neste local, ficamos morando por uns bons tempos. Ali perto tinha uma sanga, e rio abaixo, uma plantação de marmelo, de onde minha mãe tirava as frutas para fazer doces, que guardava em pequenos caixotes de madeira e o servia, em pedaços, como sobremesa. Era dali também que ela tirava as varas que usava para executar os filhos desobedientes, as famosas “varas de marmelo” que vergavam, mas dificilmente quebravam. Mamãe, para ajudar nas despesas da casa, trabalhava como lavadeira para a família Macedo. Eu e minhas irmãs, Ana e Maria do Carmo, buscávamos as roupas, em enormes trouxas, quase maiores que nós, carregando-as por aproximadamente quatro quilômetros. E assim foi passando o tempo, com todos os membros da família trabalhando. Meu pai trabalhava na Secretaria da Fazenda, no Tesouro do Estado, subordinado ao diretor Sr. José Macedo Sobrinho. Este possuía uma grande chácara, num lugar chamado Pilarzinho, hoje zona metropolitana de Curitiba. Nesta propriedade, seu José tinha vários animais e aves. Também era proprietário de outra grande área de terras, no lugar denominado Pedra Branca, o mesmo nome da fazenda.

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De lá seu José trazia vacas de leite, galinhas e porcos que eram abatidos pelos meus pais, que também confeccionavam as linguiças, salames, morcelas, banha, torresmo, queijos, manteiga e outros derivados, desta forma garantindo parte do sustento da família, pois em troca do trabalho recebiam uma parcela do que faziam. Depois, papai foi transferido para o Departamento de Águas e Esgoto, mas na sua Carteira de Identidade, datada de 07 de janeiro de 1929, consta a profissão de cocheiro. Lá ele permaneceu por muito tempo, porém continuou trabalhando para o ex-diretor nas horas de folga.

Antiga Carteira de Identidade que servia também como Título de Eleitor.

A título de curiosidade, em 1930, a capital do Estado tinha uma população de aproximadamente 100.000 habitantes, com 5.361 edificações ligadas à rede de água, cuja extensão era de 92 km, e a rede de esgoto aproximadamente 85 km, sendo que este era escoado para o Rio Belém juntamente com as águas fluviais, e o lixo coletado diariamente (volume de 70 m³) era transportado por auto-caminhões apropriados e depositado “em locais afastados da zona povoada”, no arrabalde de Santa Quitéria. A limpeza da cidade era iniciada diariamente às 22:30h e no centro, mantinha-se uma “turma de conservação de limpeza com carrinhos “Lutocar”.

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Quando eu tinha a idade de seis para sete anos, mudamo-nos para a capital e fomos morar ao lado do Cemitério Municipal, lado direito de quem vem do centro. A casa era bem grande com terreno bastante espaçoso e minha mãe plantou uma horta, onde cultivava, além das verduras e legumes, flores de várias espécies que eram vendidas, principalmente aos domingos e no dia de finados e as verduras eram entregues nas casas de seus fregueses, em sua maioria, moradores do centro da cidade. Na minha memória de criança, está a minha querida e amada vovó Catarina, chegando da colônia, em sua carroça puxada por dois cavalos: um branco e o outro zaino, ou seja, de cor avermelhada. As rodas possuíam uma chapa de aço e os raios eram de madeira. Os fueiros seguravam as paredes, pintadas com cores vivas. (Tradição Polonesa: A carroça é contribuição polonesa para o Brasil – Iarochinski). Este modelo de carroça é conhecida pelos historiadores nos dias de hoje, na cidade de Curitiba como “carroça de polaca”. A carroça podia ser usada para transportar pessoas quando eram colocados assentos de mola, ou para transportar cargas de até meia tonelada. Em dias de festa ou nos casamentos, eram colocados os guizos nos arreios dos cavalos e penachos na cabeça dos animais, sendo as carroças enfeitadas com flores. Ela também servia para os funerais, ocasião em que eram cobertas com tecido preto.

Foto da carroça de polaca no Largo da Ordem em Curitiba-PR.

Minha tia Anastácia, tia Zia como era chamada pela família, vinha até a cidade de carroça carregando os produtos cultivados pela família. Vovó Catarina também vinha carregada com os produtos por eles cultiva-

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dos: batata-doce, abóbora, repolho, pepino, milho verde, feijão, cebola, alho, beterraba, queijo, manteiga, requeijão e algumas galinhas, trafegando pela Estrada do Assungui até o ponto de venda nos fundos da igrejinha da Ordem, bem próximo da Catedral Metropolitana, onde a estrada teve início.

Foto da carroça de polaca no Largo da Ordem em Curitiba-PR.

Neste local eles amarravam os animais, alimentando-os com um bom feixe de feno e dando-lhes água, proveniente de um bebedouro público ali existente.

Largo da Ordem - bebedouro intacto até os dias de hoje

Estrada do Assungui – Curitiba-PR.

Após as vendas, meus avôs faziam suas compras, jamais esquecendo o cacho de bananas que fazia a diversão dos netos. Vovó, com o seu forte sotaque polonês, chamava minha mãe de “Aniéla”, e papai mantinha esta forma carinhosa de tratamento quando estavam a sós ou quando estávamos no seio de nossa família. A chegada de nossos avós era sempre uma festa para todos nós e não raras vezes queríamos voltar junto com eles para a colônia. Quando nossos pais concor-

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davam, reuníamos rapidamente as poucas roupas que tínhamos e embarcávamos felizes. Na propriedade deles havia uma criação de animais, entre eles: vacas para a produção de leite, touros, porcos para carne e banha, galos e galinhas para a produção de ovos, criação de coelhos e os cavalos usados para puxar a carroça. Além destes, marrecos e gansos, cujas penas eram utilizadas para confeccionar edredons, mais conhecidos por “coberta de penas”, e na língua polonesa “pierzyna”. Ao chegarmos, a diversão estava garantida: corríamos para pegar os patos e os marrecos, subir na cumeeira de um grande galpão, coberto com telhas de barro, jogar as aves lá de cima, para vê-los voar, mas tal fato não acontecia, haja vista que patos e marrecos não voam, além de que como eram aves bem tratadas, eram bastante pesadas e acabavam se esborrachando no chão, causando-lhes ferimentos e algumas vezes, a morte. Quando não estávamos brincando com as aves, estávamos correndo pelo enorme pátio, subindo nas muitas árvores frutíferas, brincando na água do córrego ou escondendo-nos na campina, no paiol ou no galpão. Continua viva a imagem do pátio grande e plano onde corríamos brincando de pega-pega e que ajudávamos a varrer com as vassouras feitas por meu avô, de galhos de guaxuma. Neste galpão cheio de ferramentas para o cultivo da lavoura encontrava-se a carroça, arado, aradinho de três lâminas, grade retangular, grade triangular, carrinho sem rodas puxado por cavalo, foicinha, moedor de milho, entre outros utensílios. No paiol havia um sótão onde eles guardavam as sementes para a safra seguinte e feno para o inverno, além das espigas de milho para tratar os animais. Ao lado deste mesmo pátio, existia uma queda no terreno, conduzindo para um olho-d’água. Meu avô colocou ali uma polia com uma corda, e na ponta desta, um balde com um peso na alça. Quando o balde enchia, era só rodar a manivela e o balde cheio, num instante estava lá em cima, com água fresquinha. Meu avô também tinha um dispositivo que colocava nos ombros, ao qual deu o nome de “canga”. Na extremidade desta canga tinha uma cordinha com ganchos nas pontas, onde eram suspensos os baldes. Assim ele mantinha a água nas vasilhas de casa e minha avó, mulher muito caprichosa e ordeira, as cobria com um pano branquíssimo para evitar a queda de impurezas ou insetos. Vovó Catarina era uma excelente cozinheira e ainda me lembro do sabor do pierogi que ela fazia com massa cozida recheada com batata e requeijão, acompanhado com molho de linguiça. Também inesquecíveis eram os sabores das broas de milho ou centeio, da sopa de beterraba e do charuto de repolho.

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Como todas as famílias do início do século eram numerosas, a família de meu avô não fugiu à regra e também era grande, com todos os filhos homens morando muito próximos à casa dos pais. Ali, no lugar denominado Pilarzinho, moravam também meus tios João, José, Francisco, a quem chamávamos de tio Chico, Bernardo e Pedro. Além destes, os primos de minha mãe, cujo chefe da família também era Pedro, mas o sobrenome era Polack. De vez em quando, no leilão da festa da igreja, vovô arrematava um cachaço para melhorar a raça da criação de suínos ou arrematava uma abóbora para melhoramento genético. Da Colônia Lamenha Pequena, guardo na lembrança o mês de agosto, quando a família comemorava o aniversário da minha inesquecível mãe que nasceu aos dois dias do referido mês e como toda boa festa polonesa, havia baile e todos dançavam xote, mazurca e rancheira; o mesmo ocorrendo quando os vizinhos juntavam-se em mutirão (pisieron) para descascar e debulhar o milho no paiol, trabalho este que sempre acabava em baile. No Natal, seguindo a tradição polonesa, colocavam um pinheirinho no centro da sala, todo arrumado com diversos tipos de enfeites confeccionados com papéis coloridos ou palha, inclusive bolachas caseiras, feitas com centeio e açúcar mascavo e pintadas à mão. Fazia parte da tradição da família o fato de aguardar o aparecimento da primeira estrela no céu antes de todos sentarem-se à mesa, no dia 24 de dezembro. Esta tradição celebrava a Estrela de Belém que, de acordo com o Novo Testamento, guiou os Reis Magos ao local do nascimento de Jesus. E lembrando-se do nascimento do Menino Jesus, nunca faltava um enfeite com palhas sobre a mesa, recordando desta forma que Ele foi colocado em uma manjedoura para descansar e tendo como significado a pobreza e desprendimento com que o Menino-Deus chegou à Terra. Na mesa arrumada para a ceia sempre havia um lugar vazio para o caso de alguém em dificuldades aparecer e pedir por abrigo, pois, nesta noite especial, segundo tradição polonesa, ninguém pode ficar sozinho. À meia-noite começava o baile. Cada um dava uma volta dançante ao redor da árvore natalina e deixava uma moeda de quatrocentos réis, um mil ou dois mil réis, que depois o dono da casa levava como oferta para a igreja em agradecimento à Virgem Maria pela disponibilidade que ela teve em fazer a vontade do Senhor. Dos vizinhos da cidade, lembro-me perfeitamente do rosto e do nome de Ondina, que às vezes ajudava a minha mãe, talvez por ser uma moça muito bonita e gentil, conseguindo, desta forma, a minha afeição e de todas as crianças da redondeza.

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Também gravada na memória está uma grande casa comercial, localizada na esquina do cemitério, cujo proprietário, Sr. Raimundo tinha entre os seus fregueses meus pais e meus avós. Era um armazém de secos e molhados, funcionando também neste local uma padaria e desta tenho, registrada na memória, como se fosse ontem, a voz grave do meu pai dizendo: - Pedro, vá até o armazém do seu Raimundo comprar dez tans de pão (dez tans equivalia a um tostão). Ordem dada, ordem cumprida e lá ia eu, correndo para voltar rapidamente, porque quando demorava, a “vara de marmelo comia solta”. Numa certa vez em que desobedeci à ordem dada pelo meu pai, saí correndo para não levar uma surra, e tentando fugir pelo portão da frente, na pressa, esqueci-me de que o mesmo ficava preso por uma argola de arame liso, que não consegui remover a tempo. Fui alcançado e enquanto meu pai me batia, a minha mãe tentava livrar-me, puxando-o pelo braço, implorando para que ele parasse. Os dias foram passando e chegou o tempo da alfabetização. Fui matriculado, aos nove anos de idade, no Grupo Escolar Tiradentes, localizado à Rua Barão do Rio Branco, próximo à Praça Zacarias, e algumas vezes, eu ia de bonde que apanhava próximo de minha casa. Quando a minha irmã Maria também chegou à idade escolar, nós íamos juntos quase todos os dias.

Colégio Tiradentes em meados de 1930

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O célebre “bonde velho” tinha estribos abertos e o pessoal que não conseguia embarcar no ponto, agarrava-se nos ditos estribos, correndo o risco de cair e machucar-se, fato este que acontecia com certa frequência e eu, como todo menino levado, muitas vezes, me arriscava pendurando-me nos estribos do velho bonde, de onde caí inúmeras vezes, ficando com escoriações que tentava esconder de meus pais, para que elas não piorassem.

Colégio Tiradentes em meados de 1930

Na volta da escola passávamos na frente de uma fábrica de móveis localizada nas imediações da Praça Zacarias e de lá trazíamos pequenos pedaços de madeira, que seriam jogados no lixo, e também cepilho ou maravalha, para usar no fogão e economizar lenha. Tempos depois, esta fábrica foi adquirida pelos irmãos Bettega, onde trabalhei no torno fazendo cabos de vassouras. Em 1932, meu pai, que era contínuo de Tesouro do Estado, hoje Secretaria da Fazenda, foi nomeado Fiscal de Rendas do Estado do Paraná e transferido para o Posto Fiscal de Várzea Grande, no interior. A poucos quilômetros da estação ferroviária existia uma caixa d’água, de propriedade da estrada de ferro, que servia para abastecer as caldeiras das máquinas que puxavam os vagões dos trens de cargas e de passageiros. Vizinhos a esta caixa d’água, mas do outro lado dos trilhos, os quais delimitavam os Estados do Paraná e Santa Catarina, morava um casal de curandeiros, Sr. João, que trabalhava como bombeiro, abastecendo as caldeiras das máquinas que por ali passavam, e sua esposa, chamava-se Emília.

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Uma vez fiquei muito doente e meu pai levou-me até eles, pois o médico mais próximo distava um dia de viagem de trem até União da Vitória. Como eu estava com muita febre, meu pai tomou-me nos braços, caminhando sobre os dormentes, por aproximadamente quatro quilômetros, com muito cuidado, pois se pisasse em falso poderia machucar-se e como o único caminho era a estreita via férrea, ainda precisava prestar atenção à possível passagem de trem, que caso ocorresse, teríamos de nos colocar às estreitas margens da referida via até que o comboio passasse. Para piorar a situação, era uma noite fria de inverno e precisava equilibrar o guarda-chuva, uma vez que chovia torrencialmente. Já era de madrugada quando lá chegamos. Papai gritou o tradicional: “O de casa!” Ninguém aparecia à porta. Então gritou novamente e mais forte e uma frestinha da janela se abriu. Um par de olhos curiosos apareceu, mas ao reconhecer-nos e ainda com a voz sonolenta, perguntou o que desejávamos àquela hora da noite. Papai respondeu: - Trouxe o meu filho Pedrinho que está muito doente. A janela fechou novamente, mas desta vez para abrir-se a porta, dando-nos acesso ao interior da humilde residência. - Isto não é nada! Já vou providenciar um remédio. – disse com toda segurança de quem sabe o que faz, enquanto, com a palma da mão direita, media a minha temperatura. Nesse instante, a esposa dele, dona Emília saltou de sua cama e veio ver o estado do doente, e também colocando a mão sobre a minha cabeça confirmou a febre altíssima. Imediatamente pôs um caldeirão de ferro sobre o fogão, encheu de água acrescentando um punhado de ervas que sempre tinha à mão, para ferver. Quando notou que estava no ponto, derramou a mistura numa gamela grande feita de cedro e em seguida, mandou-me ficar de pé no centro dela e me lavou da cabeça aos pés. Sem enxugar-me, enrolaram-me com um grande cobertor, fazendo-me suar abundantemente. Tiraram o cobertor e enrolaram-me em uma capa de boiadeiro levando-me até a caixa d’água, colocaram-me embaixo da mangueira de lona com aproximadamente quinze centímetros de espessura e aí soltaram a água fria. Aquele jato de água gélido sobre mim, numa noite fria de inverno, assustou-me e comecei a chorar.

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Novamente enrolaram-me na capa e me levaram para a cama, cobrindo-me com vários cobertores, inclusive alguns feitos com pena de ganso, muito usado na época. Não tenho ideia de quanto tempo ali permaneci, mas ao acordar, estava suado e a febre tinha desaparecido. Já com o dia clareando, meu pai tomou-me nos braços, agradecendo pela ajuda dos vizinhos, colocou-me em seus ombros fortes e fomos para casa, rindo e conversando sobre o tratamento recebido e sobre o susto que levei. Fui matriculado numa escola que distava uns oito quilômetros de casa, no local denominado Lajeado das Mortes, e ali morava um amigo de meu pai, Sr. Jorge Wantroba, dono de uma grande madeireira, onde eu trabalhava esporadicamente, quando não dava tempo de voltar para casa com a luz do dia. Neste percurso, existia um pequeno matagal de nome Capão do Tigre, que assustava todos os transeuntes e isso incomodava muito meus pais, que apreensivos, ficavam aguardando o meu retorno. Eu saía de casa às dez horas da manhã para chegar à escola no horário, pois as aulas começavam às 13 horas. Na mochilinha de pano de brim listrado, confeccionado por minha mãe, levava a minha merenda: virado de feijão e ovo frito, dentro de uma latinha de aveia Quaker, muito usada antigamente; e um vidro de café com leite, que tomava sem esquentar. Numa distância de uns três quilômetros existia um riacho denominado “Arroio do Veado” com água corrente muito gostosa e ao chegar, eu já ia livrando-me das roupas e mergulhando em seguida para me refrescar da caminhada. Bem perto daquele local, morava um coleguinha chamado Paulino, e a partir daquele ponto, eu já tinha companhia na ida, mas também, era a partir dali que eu voltava sozinho. Mais uma caminhada de aproximadamente três quilômetros e encontrávamos outros três colegas, só recordo o nome de um deles: Valdomiro. A distância muito grande para uma criança ir a pé, e tendo eu de passar por matagais, lugares desabitados e mal-assombrados, como acreditavam os antigos, eu ia com muito medo. Foi então, que papai comprou um cavalo de pêlo tordilho, mas todos os dias era um sufoco: eu ia até o potreiro atrás do animal, corria como um louco para pegar o danado, mas ele era extremamente arisco e, na maioria das vezes, o recurso era ir a pé para não chegar atrasado. Nos dias de inverno, quando a aula terminava, já estava próximo de escurecer e muitas vezes cheguei em casa depois do anoitecer. Uma noite em que eu caminhava tranquilamente, voltando da escola, canta-

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rolando para espantar o medo, vi uma imagem bem na minha frente, que parecia um lençol branco. Sem tempo para raciocinar e movido por uma coragem momentânea, atirei-me em sua direção e o susto foi ainda maior ao cair numa lagoa, pois a imagem era da lua cheia refletida na água. No dia seguinte chegando à escola, fui logo contando para todos os colegas sobre a minha façanha, conseguindo assim, admiração de duas irmãs: Iolanda e Elvira. Numa ocasião, o nosso professor, um homem idoso, mas com muita iniciativa, resolveu fazer uma festa junina na escola, em benefício da mesma e convidou todos os alunos para ajudarem na organização, a fim de que as despesas não superassem as receitas. A festa seria no domingo. Consegui a autorização do meu pai, mas na hora de sair de casa ouvi a seguinte recomendação: - Ajude no que for possível, mas volte cedo para casa. Não vai ficar até anoitecer. A festa foi maravilhosa e nem vimos o tempo passar. A noite se aproximava e meus colegas queriam ir embora. Cansados, mas felizes, procuramos o professor para nos despedir e ele nos segurou para continuarmos ajudando até altas horas. Quando a festa terminou, este agradeceu-nos efusivamente, elogiando um por um. A comunidade agradecida também elogiava a iniciativa do professor e o trabalho em equipe dos alunos. Juntei-me aos meus colegas que moravam no mesmo rumo e fui convidado a dormir na casa de um deles, tendo em vista o mau tempo que se formava. Concordei, mas arrependi-me quando percebi que teria de dormir num galpão tendo por colchão milho em espigas, porém isto se tornou uma diversão e fizemos a maior bagunça guerreando com os sabugos. No dia seguinte, antes do dia clarear, já estava rumando para minha casa, onde meu pai esperava com um “reio” na mão e não me poupou de uma “tunda”. Enquanto batia, ele exaltado repetia: - Pedro, eu não te disse que viesse cedo?

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Assim eram os antigos!... Nesta escola fiquei pouco tempo pois, devido à distância, meus pais acharam por bem que eu abandonasse os estudos, fato que muito me entristeceu. Na verdade, o que mais aprendi neste período foi trabalhar na roça para ajudar na subsistência da minha família. Meu pai era um homem simpático, trabalhador e tinha uma enorme facilidade para fazer amigos e, desta forma, conseguiu um pedaço de terra para plantar, com um vizinho que tinha um pequeno comércio, chamado João Gabardo. Como papai não podia sair do Posto Fiscal, quem ia para a lavoura era eu, minha irmã Maria e minha mãe, que havia crescido cultivando a terra e tinha conhecimento de técnicas agrícolas e tempo de plantio das mais diversas culturas, e com ela aprendemos muito. Desta localidade tenho na memória a imagem de uma bica d’água construída por meu pai para trazer água até proximidades de nossa casa. A bica era comprida e bastante estreita, medindo uns 200 metros e desaguava à beira da estrada, onde todos os transeuntes paravam para saciar a sede, refrescar-se do calor e saciar os animais pois, naquela época, o transporte era feito por carroças de tração animal, com dois, três, quatro e até oito cavalos. Quando estava tudo encaminhado, meu pai foi transferido novamente para prestar serviços no Posto Fiscal da Estação da Estrada de Ferro Paraná/Santa Catarina, na cidade de Rio Negro, e como era de praxe, meu pai conquistou vários amigos entre os comerciantes locais. Entre as amizades duradouras, os senhores Orestes, Alfredo, Joãozinho e um primo destes, Sr. Sadi Pigatto, que era guarda-livros, tornou-se meu compadre e mais tarde apadrinhou o casamento do meu inesquecível filho Ubiracy Guilherme. Em 1934, meu pai foi transferido para o Posto Fiscal de Rio da Areia, no mesmo distrito na divisa do Paraná com Santa Catarina, próximo a União da Vitória, onde geralmente fazíamos nossas compras. Lá estudei mais uns meses num colégio do centro da cidade a uns quatro quilômetros de distância. Outra transferência do meu pai foi para o Posto Fiscal de Chapéu do Sol, também dividindo os estados sulinos, pelo Rio Iguaçu, e em seguida foi para Lençol, também na divisa; e neste período não frequentei a escola. Já com 11 anos minha labuta começou com trabalho braçal, propriamente dito, já que não havia outra maneira de sobreviver e eu precisava ajudar a sustentar os irmãos mais novos. No lado catarinense, no povoado chamado Felipe Schmidt havia uma esta-

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ção da estrada de ferro e um grande depósito de madeiras para exportação, as quais eram carregadas em grandes vagões para vários pontos do país. Ali sempre conseguia algum tipo de trabalho operacional, com os irmãos Lauro e Dorival Ribeiro, que contratavam diaristas para o carregamento da referida madeira. Sempre em duplas de trabalhadores, levávamos aproximadamente dez horas para a conclusão do serviço e nos sobravam alguns trocados ao final do trabalho: de dois a quatro mil réis por vagão. Levantava ainda de madrugada percorrendo aproximadamente oito quilômetros, atravessava o rio remando um pequeno bote, para chegar cedo ao trabalho, que era pesado para um garoto da minha idade, e depois de um dia inteiro carregando toras, ainda tinha de fazer todo o trajeto de volta, sempre a pé. Quando retornava eu só queria um banho relaxante, saborear a comida simples mais deliciosa da minha mãe e cair na cama para dormir quase imediatamente. Morávamos na divisa com o Paraná, bem na barranca do rio, junto ao porto das balsas, e no tempo das enchentes ficávamos isolados, a mercê de alagamentos, que acabavam com o trânsito normal, e além de tudo, descia muita madeira que a correnteza arrancava das barrancas, e também alguns animais mortos pela ação da natureza, ameaçando os transeuntes ribeirinhos. Com muita cautela e paciência, conseguia-se fazer a travessia de canoa, somente em caso de necessidade extrema, pois o risco era grande. Nos fundos do Posto Fiscal estava a nossa casa, num local de baixada que ficava coberto pelas enchentes, e foram várias as vezes que tivemos de fazer mudanças para um lugar mais seguro, sob a pena de perder tudo, que já era pouco. Numa dessas enchentes a casa foi ameaçada por um desmoronamento e teve que ser amarrada em algumas árvores. Em 1936 papai foi transferido para o Posto Fiscal de Rio Preto, também na divisa entre os dois estados, e eu, com apenas treze anos de idade, continuava trabalhando em serviços braçais. Minha família, bem como a de todos os imigrantes poloneses, era muito religiosa e não faltávamos às missas aos domingos, e quando eu estava com aproximadamente quatorze anos de idade, em companhia das minhas irmãs Maria e Laura, fizemos a nossa primeira comunhão, na Igreja Nossa Senhora da Piedade, pertencente à Arquidiocese de Curitiba.

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Foto da 1ª Comunhão: Maria, eu e Laura.

Um dia eu fiquei doente com muita febre e com muita dor de cabeça, e mais uma vez os recursos médicos eram distantes, pois estávamos longe de tudo. Meu pai lembrou-se que a alguns quilômetros dali havia um casal de “bugres”. Ele chamado por todos de Machadinho, era um homem de baixa estatura, deficiente e tinha um enorme “cupim” sobre a sua coluna. Ela, uma negra também doente, sofria de um mal na visão, e enxergava quase nada. Foram buscar o tal Machadinho, e tão logo chegou, foi preparando o remédio, com vários tipos de ervas: catinga de mulata, carqueja, cabelo de milho, erva mate, sal grosso e para completar, a minha própria urina. Deram-me para tomar aquela beberagem e, em alguns dias, eu estava curado. Deste Posto Fiscal, meu pai voltou para a Lapa onde trabalhei como empregado de serrarias e fábricas e também na Cia. De Estradas Lizímoco Franco Pereira da Costa, na época em que estava em construção a estrada ligando a Lapa a São Mateus do Sul, onde fui encarregado do armazém e do escritório.

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Pedro Corrêa Cidadão e Atleta Em 1939, quando o mundo estava na iminência da 2ª Guerra Mundial, eu era um adolescente de 16 anos, trabalhando interinamente, como despachante oficial do Estado, aprendendo o Código Morse para tentar um emprego de telegrafista junto à Rede Ferroviária da Lapa. Nesta época, morávamos na Rua Barão do Rio Branco, nº. 992.

Minha primeira aula de Código Morse

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Em seguida, fui trabalhar em uma grande serraria de propriedade de um amigo de meu pai, Sr. Otávio Kuss, mais conhecido por Tavico, onde eu sofri um pequeno acidente. Depois, fui trabalhar em outra indústria madeireira de propriedade dos Irmãos Bettega de Curitiba, estabelecida num lugar chamado Pontilhão, no município de São Mateus do Sul, e lá morei na casa de um casal de compadres de papai: Antônio e Antônia Zanona e seu filho Moacir. Aí sofri outro acidente: derrubei sobre o meu pé direito uma prancha de madeira de pinho, extremamente pesada, pois tinha espessura de três centímetros por seis metros de comprimento. Tive de voltar para a casa dos meus pais para fazer o tratamento. Já em 1941, o Brasil, sob o comando do presidente Getúlio Vargas, mantinha posição de neutralidade no conflito que se desenvolvia no mundo, e eu, com 17 anos, alistei-me voluntariamente no Exército Brasileiro, filiando-me ao 13° Batalhão de Infantaria na minha cidade, no mês de janeiro. Em fevereiro do mesmo ano, incorporei.

Quartel da Lapa-PR em 1941.

Por ter sido criado no interior e o meu pai ser descendente de índios, eu aprendi a fazer cestos de cipó, coisa que muito me ajudou na corporação, pois o comandante indicou-me para fazer os cestos, que seriam utilizados na instrução de combate em campo aberto.

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Tive ordem superior para escolher os meus ajudantes e assim procedi, e também fui autorizado a fazer uso de um carro-cozinha, onde eu fazia o nosso rango.

Alojamento das 7ª e 8ª Companhias.

Parti com a minha turma para um capão de mato existente a uns cinco quilômetros da cidade e chegando ao local, montamos acampamento para abrigar dez soldados. Depois nos embrenhamos na mata em busca dos cipós e só depois de termos material suficiente é que começamos a confecção dos ditos cestos, cujas medidas determinadas eram: cinquenta centímetros de diâmetro, sem fundo e cinco metros de comprimento, em forma de cilindro. Trabalho concluído, nós levantamos acampamento e voltamos para o quartel. Agora era só mandar uma condução para carregá-los. Os cilindros foram colocados no campo de instrução para que os soldados passassem por dentro. Aqueles que não colocavam de forma correta os equipamentos dentro das mochilas que carregariam nas costas, ficavam entalados e era isto motivo de muitos risos e diversão. O comandante fez questão de agradecer publicamente o nosso desempenho, elogiando-nos e ainda nos dando dez dias de folga.

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Cestos de cipó para instrução de combate.

Nos nossos dias de folga e também aos sábados, quando não estávamos escalados como sentinela, era de praxe reunir três ou quatro companheiros e sair para caçar periquitinhos do mar, ou seja, aqueles de cabecinha vermelha e também rolinhas. Passávamos horas caçando e quando voltávamos para o quartel, limpávamos os passarinhos, que o cozinheiro preparava com molho e uma boa polenta. Como todos moravam na caserna, para nós, aquilo era um banquete.

Time de futebol em 1943.

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Fui esportista e cheguei a participar do Campeonato Olímpico na 5ª Região Militar do Paraná e Santa Catarina, quando conquistei a medalha de prata em arremesso de peso, disco e dardo. Joguei basquete e vôlei e minha equipe conquistou também o segundo lugar na competição, no 13° Regimento de Infantaria Blindada, com sede em Ponta Grossa, Estado do Paraná, e depois em Curitiba no 15° Batalhão de Infantaria. Devido a essas classificações, fomos convidados para participar do Campeonato Olímpico Nacional no Rio de Janeiro no ano seguinte – 1945, mas este evento esportivo foi cancelado devido à adesão do Brasil ao conflito mundial, fato que ocorreu em 1942 depois dos ataques a navios brasileiros. Na Era Vargas conhecida como Estado Novo, que se estendeu de 1937 a 1945, a política do Presidente Getúlio Vargas identificava-se muito mais com a Itália fascista e a Alemanha nazista, países com os quais o Estado Novo manteve relações estreitas até 1941, quando os Estados Unidos entraram oficialmente na guerra após a base naval de Pearl Harbor ter sido atacada por aviões japoneses. Como o Brasil possuía regiões estratégicas que não poderiam ficar vulneráveis, como era o caso do litoral do estado do Rio Grande do Norte, onde está localizado o Forte dos Reis Magos, os americanos sabiam que precisavam de Vargas como aliado e começaram a pressioná-lo para afastar-se dos países do Eixo: Itália, Alemanha e Japão. Os nazistas, sabendo da aproximação do Brasil com os Estados Unidos, começaram a promover retaliações contra o país, atacando navios – inicialmente navios distantes do litoral brasileiro; depois, navios mercantes muito próximos da costa nordestina. Entre os dias 5 e 17 de agosto de 1942, seis navios brasileiros foram afundados por submarinos alemães, o que resultou na morte de mais de 600 pessoas. O fato comoveu a nação, que passou a pressionar Vargas a declarar guerra à Alemanha e ainda no mês de agosto, o Brasil declarou oficialmente guerra contra as potências do Eixo. Em 13 de novembro de 1943 foi criada a FEB - Força Expedicionária Brasileira com o objetivo especial de ir para o front de batalha na Europa ao lado das potências aliadas: EUA, Inglaterra e União Soviética. Nas horas de folga, eu e meus companheiros conversávamos sobre a guerra e pensávamos no dia em que seriamos convocados. Certo dia, fomos avisados de que viria à Lapa um oficial superior de Curitiba, com a missão de escalar certo número de soldados para compor um pelotão, ou seja, o primeiro escalão do batalhão local, a fim de integrar a Força Expedicionária Brasileira.

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Time de basquete em 1944.

Eu, Cabo Corrêa, e mais onze companheiros, combinamos que na hora em que o oficial chamasse voluntários para fazer parte dos escolhidos, nós nos apresentaríamos. Tínhamos a absoluta certeza de que não escaparíamos da convocação, porque éramos todos fortes, sadios e muito jovens, mas não estávamos preparados para ir à guerra e matar, muito menos, para ficarmos mutilados ou morrer.

Cabo Corrêa.

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Time de vôlei em 1944.

Sabíamos que éramos bons de mira, mas uma coisa é caçar passarinhos; outra é enfrentar soldados armados dispostos a matar e jamais a morrer, mas não tínhamos saída. Quando o oficial fez a chamada, procedemos conforme havíamos combinado. Na verdade, o que fizemos foi um ato de antecipação e inteligência. Com o batalhão todo em forma, o oficial, após ter proferido uma palestra importante, comoveu todos os presentes, falando da pátria-mãe e da mãe bandeira, que jamais poderiam ser ultrajadas, mas sempre defendidas, mesmo que para tanto, fosse preciso derramar o próprio sangue dos seus filhos. Depois cantamos o hino nacional e em seguida o comandante procedeu à chamada dos voluntários, para se posicionarem em frente ao efetivo. Após outra palestra do oficial, o comandante da unidade ordenou a um sargento que anotasse os números dos voluntários e, em seguida, desfez o grupo, deixando-nos a vontade. Aí começamos a conversar entre nós, lembrando do sofrimento que causaríamos aos nossos entes queridos: pais e mães, irmãos e namoradas, e já antevíamos o que nos esperava nos campos de batalha na Itália. Principalmente

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falamos sobre a atitude que tomamos e ficamos por ali, enquanto o batalhão continuava em forma. Isso tudo aconteceu numa quarta-feira pela manhã, e o outro dia foi muito atribulado, com muita tensão nervosa no quartel. Para espairecer, como os soldados não possuíam muito dinheiro para as suas diversões, passamos o tempo caçando passarinhos de bodoque, num capão de mato próximo dali. Lá, haviam muitas frutas e a caça era abundante. O grupo de voluntários passou a ser chamado de “valentões”, conquistando a admiração de todos e isto nos envaidecia. Aparentemente demonstrávamos muita alegria e contentamento por ter praticado um ato de coragem e patriotismo, mas sabíamos o que nos esperava quando enfrentássemos a realidade dos campos de batalha. O sargento Pessoa, que era o encarregado da leitura diária do boletim do Corpo de Guarda, às 4 horas da tarde; naquela sexta-feira, diferentemente das demais, solicitou que eu o acompanhasse até a repartição, e como bons amigos que éramos, fomos naturalmente conversando sobre os últimos fatos ocorridos e que se tornara o assunto preferido em todo o quartel. Lá no escritório, apanhou o boletim, descemos a escadaria e foi aí que ele disse: - Vocês vão embora. Aqui está a resolução. - Isto nós já estamos esperando. Quando embarcamos? - Não é o que você está pensando. - Como assim? O que houve? - Não é para a Itália que vocês vão, e sim, dar baixa do Exército. - Não acredito! Fiquei confuso, imaginando que o sargento estava brincando com algo tão sério, mas em poucos minutos, ele leu o boletim para todo o alojamento. Eu, Cabo Corrêa, e os meus companheiros, nos perguntávamos como é que havíamos conseguido as baixas do Exército, depois de termos nos apresentado como voluntários para a guerra. Os convocados para lutar na Itália foram escolhidos entre os outros soldados que temiam deixar suas famílias. Os soldados solteiros choravam muito, lembrando-se das namoradas e os casados pensavam nas esposas e filhos. O pior é que depois da escalação, o comando não permitiu mais a saída dos

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soldados convocados além do pátio e eles não puderam despedir-se dos seus familiares, decisão tomada talvez para não correr o risco de que alguns desertassem. No sábado pela manhã, o comando reuniu todo o batalhão em frente ao corpo da guarda, onde foi hasteado o pavilhão nacional, enquanto cantávamos o hino, e aí começou uma linda cerimônia. Nós voluntários, recebemos nossos documentos de quitação do serviço militar, e eu, além disso, fui promovido ao posto de terceiro sargento da Reserva, por merecimento. Em meio ao choro de quem saía e quem ficava, despedi-me de meus colegas, já sentindo saudades, haja vista termos convivido por quatro anos, e a tristeza era ainda maior porque sabíamos que alguns jamais veríamos, pois tombariam nos campos de batalha. No Exército, passei por algumas dificuldades e uma delas foi estudar para passar no concurso para cabo. O nosso comandante era um homem bastante rígido e severo com a tropa e eu precisava de sua autorização para estudar à noite no Grupo Escolar General Carneiro, mas o problema maior era conseguir a dispensa da revista, que ocorria pontualmente às vinte e uma horas. Então, marquei uma audiência e fiz a solicitação, mas como ele não me respondeu imediatamente, falei com o meu pai que, usando da influência de amizade que mantinha com os chefões da cidade, consegui uma resposta positiva. Fiz a matrícula e começei a frequentar as aulas que foram ministradas pela diretora do referido colégio, a professora Abigail Braga Cortes, prima do ex-governador Ney Braga. Fui aprovado e em seguida designado cabo condutor, provisionador e instrutor. Como cabo condutor, era incumbido dos transportes; como provisionador, eu tinha a responsabilidade de fazer as compras de gêneros alimentícios para o efetivo da unidade; e como instrutor, orientava os novos soldados, ou seja, os recrutas. Enquanto soldado, ganhava vinte e um mil réis por mês, e dava apenas para pagar a lavagem das roupas, mas como cabo, o meu saldo melhorou e passei a ganhar duzentos e dezoito mil réis, e o que sobrava, eu dividia com os meus pais para ajudar a pagar as despesas da casa.

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Quitação do Serviço Militar e promoção para terceiro sargento da Reserva.

Já desacostumado com a vida civil, rumei para o centro da cidade, sem saber ao certo que rumo daria à minha vida dali em diante. Pensando que iria para à guerra, doei todas as minhas roupas de civil e só me restaram uma calça de estilo culote usada para montaria, uma camiseta de educação física e um coturno. Saí, mas gostaria de ter ficado e seguido carreira militar. O dinheiro que havia sobrado era pouco e com ele comprei a passagem de trem, fazendo umas oito horas de viagem, rumo à casa de meus pais, onde fui

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recebido com uma grande festa pelos pais e irmãos. Foi uma grande surpresa, pois ninguém mais me esperava, imaginando que por eu ser jovem, forte e atlético, não escaparia à convocação. A minha querida mãezinha não parava de me abraçar, chorando de contentamento ao receber a notícia de que o filho não corria risco iminente de morte, agradecendo a Deus em meio às lagrimas. Fazendo planos, descansei alguns dias, sempre conversando sem parar com meus familiares. Consultei meu pai sobre a possibilidade de trabalhar num pedaço de terra que distava uns trinta quilômetros da casa onde morávamos, adquirida dos irmãos Cezarino, quatro criminosos muito conhecidos pela população local. Com a sua aprovação, fomos até o local e lá construímos um bom rancho de pau a pique com assoalho de chão batido e um fogão de acampamento feito com barro e pedaços de pedra. Retornamos à cidade e fui ao comércio para fazer compras de mantimentos e também alguns remédios: Específico Pessoa, Maravilha Curativa contra picadas de insetos, e também Cobrina, contra picada de cobras. Havia pouca vegetação e foi fácil para eu trabalhar a terra: rocei o capim e no lugar plantei uma pequena roça, com uma série de variedades agrícolas. Antes de terminar o trabalho, as minhas as mãos estavam em péssimo estado devido às calosidades e ferimentos. Quando eu pegava no cabo das ferramentas, as bolhas estouravam e a dor era intensa, então, tive de parar com o trabalho. Não tinha levado remédio para calos, e lembrei-me de usar como medicamento algo muito natural e eficaz: a minha própria urina. Enrolava bem uns panos que fiz com uma velha camiseta de educação física que trouxe do Exército, ensopava com o líquido e ficava esperando o resultado. Quando secava o curativo, era só molhar novamente. E esperar. Passaram-se mais de quarenta dias e nada do meu pessoal aparecer. Para ir até a casa de meus pais, demorava aproximadamente quatro a cinco horas de caminhada, os meus víveres já estavam no fim, e foi aí que apareceu, de carroça, meu cunhado Jeremias. Aproveitando a carona, fui até a casa de meus pais, recebi um bom tratamento, e melhorei dos calos que me afligiam. Com novo ânimo, retomei a intenção de terminar os meus trabalhos e desta vez, para evitar o problema novamente, amarrei um pano velho, que servia para proteção das mãos, como se fossem luvas, para trabalhar a terra.

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Eu, meu cunhado Jeremias (de paletó branco), minha irmã Ana e meus sobrinhos.

Numa noite quando estava descansando apareceu meu cunhado Antonio Góes, e resolvemos fazer uma caçada de tatu.

Minha irmã Laura e o cunhado Antonio Góes.

Lá fomos os dois de espingarda calibre dezesseis, facão e cachorro bom. Quando encontramos o primeiro bicho, foi uma algazarra, no mato cerrado e de difícil acesso, na corrida, eu sem lanterna, bati a canela numa árvore que estava caída. Pensei: - Foi só uma pequena esfolada. Parei um pouco, esfreguei as canelas doloridas e segui em frente. Enquanto isso o meu cunhado que tinha mais experiência na vida do mato, continuou a caçada, que só terminou ao clarear do dia.

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Voltando para o meu rancho comecei a sentir um calor no local do ferimento e quando olhei estava avermelhado. Com a canela machucada e mancando devido à dor, eu resolvi fazer uns remédios caseiros que havia aprendido com minha mãe, mas nada adiantou. Passados dois dias do ocorrido, um amigo meu que morava ali perto foi me visitar e tão logo me viu perguntou o porquê de eu estar mancando e com a canela enrolada em panos. Contei toda a história da caçada. - Você tem creolina em casa? - Tenho sim. - Então vou preparar um remédio que é tiro e queda. Pegou uma bacia, colocou água fria e em seguida a metade do vidro de creolina, mexendo bem e depois lavou o meu ferimento. - Fique tranquilo que já vai melhorar. Em poucos minutos, a febre diminuiu, mas o remédio ensinado trouxe outros problemas: queimaduras na pele, bolhas e queda de pêlos. Depois de vários dias tentando este tratamento em casa, procurei um médico que era um amigo do meu pai na cidade de Rio Negro, mas o tratamento recomendado por este não surtiu efeito. Fui para Curitiba visitar o meu cunhado Leopoldo Andrade, casado com Maria, chamada carinhosamente de Mita e aproveitei para consultar com outro médico, que também não resolveu o meu problema. Como estava passando uns dias na cidade resolvi visitar o velho amigo de meu pai: José Macedo Sobrinho, Diretor do Tesouro do Estado. Ele ao ver-me mancando disse: - O que houve Pedro? - Bati a canela durante uma caçada numa árvore. - Desamarra estes panos que vou dar uma olhada. - Amarrei bem para não machucar ainda mais. Quando removi os panos e ele viu a tal ferida assustou-se e falou: - Eu vou te ensinar um remédio que vai resolver em poucos dias o teu problema. Só tem um porém: ele é muito forte e difícil de conseguir, porque as farmácias não vendem sem receita.

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Fundição Tupy na metade do séc. XX.

Carregamento de conexões na década de 40.

Comprei a passagem de trem rumo àquela cidade e lá chegando, consegui o emprego, pesado e perigoso. Tão logo cheguei também consegui moradia, pois fui convidado para morar na casa dos pais de Max. Era uma família maravilhosa e lá fui tão bem tratado, que tinha até a regalia das minhas roupas lavadas e passadas pela sua mãe.

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A Fundição Tupy, na época, fabricava manualmente vários tipos de peças: blocos para motores, encanamentos e outros. Esta empresa comprava muito material para fundir, porque, além de ferro velho, ainda importava da África o minério de ferro, que precisa ser vertido diretamente em alto-forno para formar lingotes, e era utilizado para produzir ferro fundido e aço.

Fundição Tupy - Joinville-SC.

Este mineral chegava a Joinville em enormes navios, depois carregados em caçambas para ser levado à fundição, e lá chegando, eu e os outros colegas tínhamos a incumbência de descarregar e colocar em enormes “chiqueiros” com altura de dez a quinze metros, e isto era feito geralmente de madrugada. Preparávamos o forno elétrico revestindo-o com barro, pois é a única coisa que o ferro não consegue destruir. Na hora de começar a fundir, ligávamos o forno e aguardávamos até que a temperatura atingisse o ponto de fusão do referido metal. Quando o termômetro marcava a temperatura correta, soava a sirene e começava o trabalho de fundição. De 15 em 15 minutos a dita sirene soava para o revezamento. O ferro, quando estava pronto para ser trabalhado ficava líquido, tal qual uma groselha, e neste ponto, o grau de calor do referido líquido era tanto que uma simples gota ao cair no solo úmido, explodia transformando-se em partículas quase invisíveis, mas que, se atingissem alguém, penetraria até um centí-

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metro na carne causando uma infecção imediata. Na hora da retirada, nós levávamos uma panela de ferro revestida com barro para apanhar o líquido. Então, todos nos posicionávamos em frente ao forno, sempre em dupla e carregávamos a panela contendo o líquido até as formas para serem moldados. O calor do ferro derretido era insuportável e quase todos trabalhavam sem camisa por dois motivos: o primeiro era a grande transpiração do corpo e o segundo, era o risco de cair uma fagulha na roupa e esta incendiar-se imediatamente. Quando soava a sirene para o revezamento do intervalo, o pessoal todo corria para tomar uma ducha fria, devido ao calor que vinha das fornalhas, ou tomar um chazinho de erva-mate sem açúcar. Para manter o chá aquecido deixavam-no dentro de uma lata de querosene, encostada na areia quente perto da caldeira. Certo dia, eu estava fundindo à distância de 80 a 100 metros do forno quando caiu uma gota de ferro no chão molhado, explodindo imediatamente, subdividindo-se em centenas de partículas, sendo que, uma delas atingiu-me naquela distância, caindo na nuca, deixou um carreiro na coluna, de alto a baixo, por onde deslizou, perfurando a camiseta na altura da cintura, de onde saiu, e graças a Deus sem incendiar. No intervalo do serviço, quando fomos para a ducha fria, um colega perguntou-me o que tinha acontecido no “fio do lombo”, respondi: - Foi uma gota de ferro. Em outra ocasião eu estava longe do alto-forno, mas fui atingido novamente e desta vez entre os dedos do pé esquerdo. A gota penetrou na carne. Fui até a enfermaria da Fundição onde a enfermeira examinou e não encontrou nada. Tempos depois, quando eu já não era mais empregado, encontrei a dita partícula: estava embaixo do meu mindinho. De outra feita, uma partícula maior de ferro incandescente me atingiu e desta vez, caiu no meu pé direito. Precisei ser hospitalizado por uma semana, pois penetrou fundo carne adentro. Enquanto me recuperava, numa conversa com o feitor Khurt, falando sobre os lugares ribeirinhos aonde eu havia morado e as travessias de canoa, ele me convidou a participar do Clube Náutico Cachoeira, porque naquele tempo, o rio Cachoeira era navegável e livre de poluição, e Joinville contava com equipes náuticas, como mostra a foto de um grupo em frente à sede. O espaço ficava onde hoje está o monumento A Barca, próximo à Prefeitura.

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Rio Cachoeira com 14 km de extensão é um curso d´água inteiramente localizado em Joinville (SC), corta o centro da cidade.

Alguns amigos do Clube do Remo.

Éramos um grupo seleto, benquistos na sociedade local e éramos convidados a participar de saraus e bailes no salão do Harmonia Lira, um clube de primeira classe. Em Joinville, angariei boas amizades com os outros remadores e os frequentadores do clube, principalmente com a juventude, que fazia as festas num galpão muito grande, próximo do braço do mar, onde eram guardados os barcos. Ali era o ponto de comemorações após os eventos, regados a chope e vinho, às vezes quentão, mesmo com o clima quente. Na referida cidade, terra boa, habitada na maioria por descendentes de alemães, povo que adora uma festa e sabe se divertir, eu vivi um dos melhores períodos da minha vida, morando em uma pensão denominada Mattes, localizada na Rua XV.

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Como sempre gostei de festas e principalmente de dançar, no clube Harmonia Lira participei de muitos bailes e também dancei muito com as loirinhas que não perdiam um baile ou matinê. Lá havia um camarote exclusivo para os remadores, que além de parecer parte da elite, ainda tinham o privilégio de não pagar a bebida, pois os abastados empresários alemães, admiradores do esporte, custeavam “os comes e bebes” das noitadas.

Fachada do Clube Harmonia Lyra de Joinville-SC.

Harmonia Lyra em Joinville-SC - interior do clube.

Por ser esportista e, principalmente por ser remador, tive algumas regalias na indústria, pois o meu patrão me dispensava todas as quintas-feiras para treinamento, e até fui convidado para o casamento do chefe. No dia da festa de casamento, após a cerimônia, deram aos noivos, de surpresa, uma caixa de papelão de aproximadamente um metro quadrado, insistindo que a noiva deveria abri-la.

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Ela, bastante acanhada, acabou abrindo o pacote de presente, tarefa que não foi nada fácil, pois estava bem embrulhada, colada a amarrada com uma corda e cheia de papéis picados e jornais velhos, que ela foi tirando até chegar ao fundo, onde encontrou um pinico bem grande, um vidro de mostarda, um pacote de salsicha, um salame rosa e um pepino. Um dos padrinhos pegou o pinico e passou a mostarda nas bordas, colocou todo o resto dos ingredientes dentro e preencheram o recipiente com chope. Aí o noivo entrou na brincadeira e perguntou em voz alta a todos os presentes: - Quem vai tomar o primeiro gole? - A noiva! Responderam num brado só. - E o segundo gole? - O noivo! E assim foi passando de mão em mão, com chope à vontade, dança e muita comida até clarear o dia. Passado pouco mais de um ano, devido à insalubridade daquele trabalho, resolvi pedir demissão e voltar mais uma vez para a casa dos meus pais, que não me esperavam por ali tão cedo. Nessa época, os meus familiares ainda moravam na localidade chamada Rio Preto, e meu pai era estimado e bem-conceituado junto aos chefes em Curitiba. Fomos juntos para a capital do Estado, onde encontramos com senhor Arnaldo Bittencourt, seu conterrâneo e amigo, o qual nos atendeu de imediato. Meu pai foi logo ao assunto dizendo que eu era jovem e trabalhador e que precisava de um emprego. Olhando-me atentamente, de cima a baixo, disse: - Este caboclo é dos bons, pois tem a testa levantada. Isto é um bom sinal... Não compreendi muito bem esta avaliação, mas fiquei contente quando ele olhou para o meu pai e falou: - Pode ficar tranquilo, Guilherme. Aguarde que dentro de poucos dias vou nomear o teu filho. Após dez dias saiu a minha nomeação. Não consigo precisar o dia, mas lem-

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bro-me que foi no início do mês de novembro de 1946. Assumi na carreira inicial como Guarda Referência 7 e no mês seguinte fui designado para prestar serviço no Posto Fiscal de Melo Peixoto, na jurisdição de Jacarezinho, divisa do Paraná com São Paulo, divisa esta, feita pelo rio Paranapanema e próximo à cidade de Ourinhos. Meu chefe era o Hermes Ceni, um sujeito muito camarada e pai de uma grande família, com quem eu fazia as minhas refeições, pois, naquele lugar, além do Posto Fiscal só existia a estação ferroviária e a casa do guarda-chaves. Apesar de ser um lugar deserto, o Posto tinha grande movimento devido à safra de café. O calor na região é intenso e para refrescar-me, nas minhas horas de folga, eu ia para a beira do rio, distante mais ou menos uma hora de caminhada a pé, e lá chegando descia até a água, aproveitando a sombra da ponte e nadava por aproximadamente uma hora. Na região norte paranaense, sentia muita falta do chimarrão, meu único vício, pois eu já estava acostumado em Santa Catarina, mas como era hábito daquele povo tomar café, tive que aprender e gostava quando algumas vezes vinha acompanhado de uns pedacinhos de queijo colonial muito saboroso. Apesar do calor, sentia-me muito bem naquele lugar porque o coleguismo reinava ali, porém, em menos de quinze dias após minha chegada, comecei a passar mal, tendo contraído malária, muito comum na região, e segundo diziam, nem os macacos escapavam. Dirigi-me à sede do distrito em Jacarezinho hospedando-me no hotel de mesmo nome. Enquanto lá estava, a febre intermitente voltou e graças a Deus, o proprietário daquele estabelecimento, Sr. Pedro, tinha uma filha que era um encanto, muito atenciosa e foi ela quem cuidou de mim por vários dias. Foi um bom remédio! A febre não cedia e eu não encontrava os medicamentos receitados nas farmácias da região para continuar o tratamento, e consegui apenas um paliativo: uns comprimidos de quinino, que tomava de 4 a 5 vezes ao dia e algumas ampolas de azul de metileno, uma injeção azul, que deixou o meu traseiro todo azul arroxeado por alguns dias. Como eu não melhorava, o médico concedeu-me mais trinta dias de licença para continuar o tratamento na casa dos meus pais. Tentei uma transferência para ficar mais perto de casa, mas não consegui. Quando retornei, trabalhei mais sessenta dias, e novamente fui hospitalizado, pois a febre amarela havia retornado. Depois de mais um período de tratamento, melhorei e acabei conseguindo

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uma transferência para a coletoria de Bandeirantes, tendo como chefe o Sr. Agenor Santos. Dali eu fui transferido para a coletoria de Andirá, onde tive como colegas os senhores Samuel e Adelino dos Santos. Instalei-me no único hotel da cidade, cujo proprietário, Sr. Francisco Diário era cidadão ponderado e muito atencioso, fazendo com que me sentisse em casa, tamanho era o cuidado que a mim dispensava. Ainda sob a jurisdição da Coletoria de Andirá fui designado para o Posto Fiscal de Barro Preto, distante da sede aproximadamente setenta quilômetros, no meio da mata e à beira da estrada que ligava os Estados do Paraná e São Paulo. Meu colega e chefe do posto Osvaldo Ribas, prontificou-se para levar-me em seu Ford 29, os chamados Ford Bigode, uma vez que não havia meio de transporte para chegar lá. Ao chegar, encontramos a repartição completamente abandonada, uma verdadeira tapera. Desembarquei com a minha mala, onde levava algumas mudas de roupas e um cobertor; a cuia e a bomba para o chimarrão, um quilo de erva-mate, e como arma, apenas um canivete. O primeiro obstáculo era um barranco muito alto para se chegar à casa onde estava instalada a Repartição Pública. Entrei e fui abrindo portas e janelas, e enquanto fazia isso, meu colega já havia desaparecido, indo embora sem um único adeus, deixando-me sem alimentos e sem nenhum recurso, pois ali só encontrei uma escrivaninha velha. Desci a escada dos fundos, se é que podia chamar aquilo de escada, e quase caí de tão podre que a madeira estava. Entrei em um carreiro no matagal que existia ali atrás, e encontrei uma vertente, que na época era mais conhecido por olho d’água. Pensei logo em tomar o meu chimarrão, mas não tinha vasilha para aquecer a água. Saí para ver se encontrava uma lata ou qualquer outro recipiente e olhando embaixo da casa, vi bem lá no fundo uma chocolateira. Engatinhando fui até onde ela estava e percebi que apesar de muito suja estava em perfeito estado. Fui até o olho d’água, lavei bem e assim providenciei um gostoso chimarrão. Saí caminhando pela estrada para conhecer a região e encontrei um pé de mamão com as frutas já maduras, e pensei: - De fome já não morro mais. Antes de anoitecer cortei um feixe de capim com o canivete e também umas

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varas verdes. Com elas armei uma tarimba, para não dormir no assoalho, cobrindo-me apenas com um cobertor que eu chamava de “pula cerca” de tão pequeno que era. Depois de debater-me tentando me acomodar, adormeci vencido pelo cansaço e, ao amanhecer, levantei com dores no corpo todo e ainda mais cansado que no dia anterior. Este Posto Fiscal ficava no topo de um morro, no meio da mata, distante do rio Cinza, na divisa dos estados do Paraná e São Paulo. Meu único vizinho era o balseiro que morava no lado paulista, há aproximadamente uns três quilômetros. No terceiro dia que eu estava instalado, encontrei um machado velho, cravado num toco, e com ele cortei umas palmeiras. Agora além de mamão eu tinha palmito, abundante naquele lugar. Cortava-os em pedacinhos, descascava-os e esquentava na velha chocolateira, consumindo-os sem sal. Até o quinto dia eu não tinha ideia do que estava fazendo ali, pois não havia movimento algum para ser fiscalizado mas, de repente, eis que surge um velho caminhão Chevrolet 1937, que vinha de São Paulo com destino a Andirá. Aproveitei a carona, fui com ele até a sede da fiscalização, contei tudo o que estava passando para o meu chefe e ele, homem muito humano, agradeceu-me ter ficado lá, pedindo-me que não abandonasse o posto. Concordei e o chefe Adelino dos Santos, resolveu dar uma carona de volta, fazendo antes um bom abastecimento numa casa de comércio local, onde comprou panelas, roupas de cama e ferramentas. No dia seguinte, animado pela aquisição dos utensílios agrícolas, resolvi fazer uma pequena roça, decidindo que iria criar alguns porcos e galinhas, pois o local proporcionava condições para tanto. Desta forma, preencheria o tempo ocioso e ainda garantiria carne e ovos. Já começava a gostar daquele lugar, pois era agradável apesar de ser agreste, proporcionando-me algo que eu adorava fazer: caçar. Na noite seguinte à minha volta comecei a sentir um mal-estar, com cólicas intestinais e previ os primeiros sinais de uma disenteria: era a malária que voltava a atacar. Lá pelas dez horas da noite, sentindo falta de ar, encostei-me no peitoril da janela e dei um grito muito forte, caindo para trás desmaiado e batendo o rosto no chão.

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Ali permaneci desacordado até aproximadamente umas quatro horas da manhã. Quando acordei, vi ao meu lado um homenzinho moreno, e meio assustado, perguntei-lhe o que havia acontecido, pois não me lembrava de nada. O homem confessou ser um foragido da polícia que estava acampado próximo dali, à beira do rio e ao ouvir o grito que eu dera resolveu ver o que estava acontecendo, pois sabia que ali não morava ninguém. Ao chegar, deparou-se comigo caído no chão. Não encontrando nenhum medicamento, voltou ao seu acampamento e improvisou um remédio com cachaça, pimenta e sal, fazendo-me engolir a mistura. Agradeci pela ajuda e tão logo dei sinais de uma leve melhora, ele foi embora. Eu não podia permanecer ali sozinho e bastante debilitado, resolvi sair e procurar ajuda com o meu chefe, mas estava muito fraco e senti que não teria condições para uma caminhada tão longa. Logo apareceu um transeunte, dei as coordenadas a ele, que ia para Palmital em São Paulo, pedindo que passasse um telegrama para meu ex-chefe, o Senhor João Ferraz, em Jacarezinho. Isso demoraria mais ou menos três dias até chegar ao destino. Por uma feliz coincidência ou por providência divina, naquele mesmo dia, quando eu menos esperava, chegou o Sr. Ferraz no Posto Fiscal. Ao notar o estado das instalações e a do seu funcionário, resolveu levar-me, ordenando-me que pegasse apenas os objetos pessoais e abandonasse o resto que havia comprado. Acabei pedindo mais trinta dias de licença e mais uma vez voltei para a casa dos meus pais na Lapa. Ao chegar à estação férrea de Engenheiro Bley, que ficava no entroncamento, eu estava tão debilitado que necessitei da ajuda do chefe da estação.

Estação Ferroviária de Engenheiro Bley em meados do séc. XX.

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Eu só queria deitar em um dos bancos para descansar um pouco, pois o trem passaria por ali de madrugada. Disse-me que não era permitido dormir no local. Febril, resolvi seguir a pé para casa, carregando a minha mala e andando um bom trecho por cima dos dormentes da ferrovia, passei por uma ponte de ferro, lugar este muito perigoso de atravessar, pois caso o trem viesse, não teria um espaço onde ficar. Cheguei à casa dos meus pais com o dia clareando, causando uma grande surpresa para todos. O meu estado de saúde era tão crítico que meus pais choraram muito ao depararem comigo. Com o tratamento, o amor e o carinho dos meus familiares recuperei-me e tão logo terminaram os meus dias de licença, fui prestar serviços no Posto Fiscal de Putinga, subordinado ao distrito fiscal de São Mateus do Sul, próximo ao povoado de Paula Pereira em Santa Catarina, onde também havia estação férrea. Ali fiquei hospedado na pensão da dona Ema Radke. Em 1948 fui transferido para o Posto Fiscal de Santa Leocádia, município de Fluviópolis, onde havia uma Coletoria Estadual, na localidade chamada de Barra Feia. Apesar de neste posto fiscal não haver arrecadação, porque as antigas serrarias ali existentes tinham fechado as portas ao acabar com os pinheiros nativos abundantes na região; eu precisava ir até Canoinhas todos os finais de mês para fazer prestação de contas.

Estrutura da antiga ponte de Engenheiro Bley e ponte nova.

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Como não havia nada para fazer e eu que não sabia ficar parado, ajudava o balseiro quando havia movimento de travessia e para preencher o restante do tempo, arrumei um pedaço de terra, pertencente a um fazendeiro de nome Ismael Garret, e lá iniciei uma pequena plantação. O Posto Fiscal era tão abandonado que a balsa ali existente, fora doada para um senhor idoso, com aproximadamente oitenta anos, chamado Francisco de Barros, conhecido por “Nhô Bairro”, e com ela atravessávamos o Rio Iguaçu. A balsa não possuía mais o cabo de segurança e nem motor, permanecendo inativa a maior parte do ano, funcionando durante a safra de trigo plantado no estado catarinense, mas moído no lado paranaense. Nhô Bairro ia até o posto para marcar o dia da passagem dos produtos e eu dava uma ajudinha no transporte das carroças dos colonos, a maioria destes, descendentes de poloneses. A balsa carregava de dez a doze carroças, com oito a dez sacas de trigo cada uma. Após três dias, voltavam carregadas com a farinha, sendo o custo da passagem 400 réis a unidade.

Balsa na localidade de Santa Leocádia (Canoinhas-SC) – foto atualizada.

Eu morava sozinho no Posto Fiscal ao lado do rio e era carinhosamente chamado, pelos meus amigos, de Pedro, o Guarda. Nos finais de semana a diversão consistia em ir até Santa Leocádia, no estado catarinense para as tradicionais carreirinhas, jogos de futebol e festas numa igrejinha construída bem no alto de um morro. Ali fiz muitos amigos, mas lembro-me de alguns de modo especial: um deles era o Sr. João Rodrigues, já bastante idoso. Ele morava às margens da estrada por

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onde eu costumava passar e dava acesso à sua moradia uma porteira velha, feita de madeira bruta, fechada apenas por uma argola de arame liso, facilitando a passagem e eu nem precisava apear do cavalo. O outro amigo era Pedro de Paula Bueno, comerciante no povoado e dono do cavalo que eu costumava usar. Havia também o “Nego Antônio”, excelente domador de cavalos, que foi criado pelo Perciliano. Salustiano Coelho, dono de uma pensão e pai de um casal de filhos, muito gentis e educados. No dia de São João, alguns amigos catarinenses vieram me visitar. Fizeram uma grande fogueira com cinco metros de altura, em forma de gaiola, que eles chamavam de “caieira”, nas proximidades do Posto Fiscal. O dono da mata que forneceu a lenha para a fogueira era o Sr. João Barbosa, pai do Eraclides, cunhado da Lígia. Aquela noite de 23 de junho de 1950 ficou para sempre gravada na minha memória, pois após montarem a fogueira, atravessaram o rio para buscar suas famílias e outros amigos, os quais chegaram muito animados, gritando felizes na margem oposta. Entre as pessoas convidadas estava Nhô Bairro que veio acompanhado de outras pessoas idosas, mas também, trouxe moças e rapazes, e com eles uma mocinha simpática, meiga, bonita e agradável, professora da comunidade e que imediatamente chamou a minha atenção: Lígia.

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Atearam fogo, colocaram pinhões, batata-doce e até uma costela de porco para assar e a festa começou com muito foguetório e danças ao redor da fogueira, animadas com música de sanfona, violão, cavaquinho e até tampa de panela. A noite foi passando e a festa estava linda, mas esqueceram de trazer as bebidas e o vinho para o quentão. Com toda aquela animação, lá pelas tantas, deu fome e eu ofereci aos visitantes o que tinha em casa: uma lata de banha onde conservava a carne de porco frita; um caldeirão de feijão preto cozido, farinha de beiju e pão. Aceitaram prontamente e adentrando à minha casa, comeram todo o meu estoque. Lá pelas quatro horas da madrugada, naquela noite fria, os pais dos jovens que estavam na festa, vendo que a fogueira já estava só nas brasas, começaram a gritar da outra margem, chamando-os para ir embora. Obedientes, descemos para a beira do rio e embarcamos na balsa, mas demoramos a chegar, pois no escuro e em meio à serração, perdemos o rumo e a balsa desceu uns quatro quilômetros e depois de uma hora bateu na barranca. Falei para a turma: - Se todos agarrarem nos galhos das árvores, nós conseguiremos puxar a balsa rio acima. Chegamos ao porto com o sol alto, perto do meio-dia, onde os pais aflitos aguardavam com a cara feia e bigode arrepiado. Depois de darmos explicações sobre o ocorrido, eu e Nhô Bairro voltamos para os nossos ranchos. Como fiquei interessado na professorinha, procurei saber mais sobre ela, perguntando aos amigos e conhecidos. Descobri que a jovem Lígia dava aulas em Santa Catarina, mas morava no Paraná, na casa de sua irmã Íria, casada com Eraclides Barbosa, que eram pais de um casal de filhos menores: Celso e Carmem. Em frente a esta propriedade existia um porto com uma canoa que servia para a professora atravessar o rio, pois ali havia um atalho que diminuía a caminhada até a escola. Junto com ela iam seus sobrinhos, mas quem remava era professora. A embarcação era pequena, conduzindo no máximo quatro pessoas. No inverno: o temporal, a ventania e as enchentes aumentavam naquela região formando ondas no rio e, havia o risco da pequena canoa virar, então, o recurso era passar pelo porto do Posto Fiscal, onde eu tinha uma canoa bem maior. Como ela era subordinada à secretaria de Educação de Canoinhas e todos

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os finais de mês ia visitar os seus pais e receber seus proventos, naquele mesmo mês, programei um encontro, pois eu também precisava prestar contas do posto mensalmente. Esperei ansiosamente que ela aparecesse na estação. Quando embarcamos enchi-me de coragem e aproximei-me dela, pedindo licença para sentar-me ao seu lado, mostrando-me “surpreso com a coincidência” de viajarmos no mesmo dia e logo a conversa fluiu. Nem vi o tempo passar e ao aproximar-nos da estação ferroviária de Canoinhas, eu não podia perder a oportunidade de revê-la e marquei encontro numa das praças da cidade. Ansioso, aguardei que ela chegasse, temendo que ela não viesse, mas logo que a vi chegando, o coração disparou e senti-me feliz como um menino. E assim comecei a namorar a jovem, meiga e simpática Lígia. Eu já conhecia seus pais e alguns de seus parentes. Um dos nossos primeiros encontros de namoro foi num jogo de futebol, num campo existente em frente à casa de meu futuro cunhado Perciliano Leandro de Souza. Ele era de família de fazendeiros e pioneiros na localidade chamada Rio do Pinho, dono de um soque de erva-mate, de várias propriedades e gozava de ótimo conceito junto àquela comunidade. Era casado com Liliosa, outra irmã de Lígia e, o casal diferentemente de todos os outros casais daquela época, fugindo à regra de ter família numerosa, possuía somente uma filha chamada Leny.

Estação Ferroviária de Três Barras-PR.

Pouco tempo depois de iniciar o namoro fui transferido para o Posto Fiscal de Pedras, pertencente ao município de São Mateus do Sul, cidade que confrontava

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como General Osório, no lado catarinense e onde existia uma grande madeireira de propriedade dos Irmãos Pigatto; sociedade composta por Orestes, Alfredo e João, todos eles meus amigos. Deixei com ela uma foto com dedicatória, que é preciso ler contra a luz pois as letras quase não aparecem.

A 1ª foto que dei para Lígia em 12.07.50 (logo após nos conhecermos) com a seguinte dedicatória: A você Lígia, como prova de grande simpatia, seu admirador Pedro Corrêa.

Cidade de Canoinhas-SC nos anos 50.

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Estação Ferroviária de Canoinhas-SC.

Não esquecendo que havia deixado uma parte do meu coração em Santa Leocádia, apavorado pelo medo de perdê-la, pois sabia que ela e Eraldo tinham um flerte e acreditando que era verdadeiro o ditado: “Longe dos olhos, longe do coração”, não me contentava na comunicação por cartas apaixonadas e já estava decidido a pedi-la em casamento. Na folga de Natal, ansioso por reencontrá-la, eu viajei de trem para Canoinhas e marcamos encontro na praça principal da cidade. O pai da Lígia, Sr. Demétrio, o meu futuro sogro, que era um homem muito severo e zeloso, protetor do bom nome da família e com um cuidado maior com a reputação das filhas, quando descobriu que estávamos namorando, mandou me chamar para conversar em casa.

Barranca do Rio Negro.

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Quando cheguei à casa dos meus futuros sogros encontrei a família reunida à minha espera, inclusive os irmãos dela: Nilson, João Pedro, mais conhecido pelo apelido de Tuca e o cunhado Evaldo. Sabendo que havia chegado a hora de dar explicações, o meu futuro sogro foi direto ao assunto, querendo saber quais eram as minhas intenções para com a filha. Afirmei que gostava muito dela, que a intenção era de namoro sério e casamento, no que fui aceito prontamente, pois já me conheciam. O Sr. Demétrio determinou que o casamento deveria acontecer, no prazo máximo, em cinco meses, pois não gostava de embromação e noivados longos, ao que respondi que era muito tempo e que só precisaria de dois ou três meses. Passados os momentos de tensão nervosa, começaram os abraços entre os familiares e as felicitações, não faltando lágrimas e apertos de mãos, acompanhados de muitas advertências. Acabamos marcando a data do casamento para o dia 31 de março de 1951, justamente dali três meses, pois o fato relatado aconteceu no dia 26 de Dezembro, dia de São Benedito, padroeiro da cidade da Lapa. A partir deste dia, passei a frequentar a casa mais assiduamente e só depois do noivado, fomos autorizados a ir ao cinema, acompanhado de um dos seus sobrinhos, ou seja, sempre com uma “velinha”, mas era o costume da época: moças de família não saíam sozinhas com o namorado.

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Pedro Corrêa Esposo e Pai

Na data marcada aconteceu o casamento, simples, na casa do sogro, com poucos convidados, entre eles, alguns amigos e a família do noivo. Os padrinhos foram Sadi Pigatto e a sua esposa Ordália; o cunhado Perciliano Leandro de Souza e sua esposa Liliosa. Após a festa, saímos em viagem de núpcias para União da Vitoria.

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Sentados da esquerda para a direita: Demétrio, Lígia, Pedro e Angélica. Em pé: Leny, Liliosa, Perciliano, Sadi Pigatto e esposa, meus irmãos: Ary, Guilherme (Téco) e meu pai Guilherme Corrêa.

A jovem noiva Lígia com suas irmãs e amigas.

Convidados da nossa festa de casamento.

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Naquele mesmo dia, a sobrinha da Lígia, Leny, que diferia em pouco da idade da tia e era apaixonada por Eraldo, escreveu uma carta para contar que havíamos casado e em poucos meses estes iniciaram um namoro. Tempos depois, ela casou-se com Eraldo de Carvalho, ex-tabelião, rapaz de boa família, íntegro e muito responsável, além de excelente amigo. No retorno da viagem de lua-de-mel, minha jovem esposa não estava sentindo-se bem e decidimos ir até Curitiba para uma consulta. Quando chegamos naquela cidade, quem precisou de médico fui eu, pois a febre que há algum tempo tinha desaparecido, retornou e acabei sendo internado no Hospital São Vicente de Paula, mas desta vez, não era a recidiva da malária e, sim apendicite aguda. Fui operado às pressas. Assim, passamos o nosso primeiro carnaval juntos em um hospital. Lígia, minha esposa, sempre foi a companheira de todas as horas, corajosa e destemida, e apesar da aparência física mostrar uma mulher frágil, ela era a minha fortaleza. O mal-estar sentido nos primeiros dias de casada, causando-nos preocupação, em pouco tempo transformou-se em uma grande alegria ao descobrirmos que ela estava grávida do nosso primeiro filho. Durante toda a gestação, íamos felizes nadar no Rio Negro, que atravessa a cidade de mesmo nome, e que ficava muito próximo da casa onde morávamos. Estávamos em lua-de-mel e como ela gozava de perfeita saúde, o exercício de natação era uma necessidade e um prazer. Mantínhamos a rotina de irmos a Canoinhas no final de cada mês para visitarmos os familiares dela e fazer algumas compras. No nosso primeiro natal depois de casados passamos em casa, pois a gestação estava próxima do fim e a viagem seria muito cansativa. Na noite do dia 29 de dezembro, por volta das duas horas da madrugada, acordou sentindo as primeiras contrações e enquanto ela arrumava as malas, eu atravessei o rio com a canoa e fui até o povoado distante uns três quilômetros. Apavorado, corri até a casa do meu grande amigo Orestes Pigatto, que morava no povoado de General Osório, em Santa Catarina, o qual sonolento e meio assustado veio nos atender à porta. - O que houve, Pedro? Respondi: - Preciso de ajuda. A Lígia está com bastante dor. Eu acho que chegou a hora do nascimento do primeiro herdeiro. Preciso levá-la para a maternidade.

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Enquanto Orestes trocava de roupa, eu só pensava se daria tempo de chegar a Canoinhas, distante uns setenta quilômetros dali. Imediatamente meu amigo lançou mão do seu Ford 28 e fomos para a beira do rio, onde ficou esperando até que eu a trouxesse para seguir viagem. Corri para casa e encontrei-a desesperada: devido a minha demora para retornar com o carro e à aceleração das contrações. Da casa onde morávamos até o povoado ainda tínhamos de percorrer uns cinco quilômetros a pé, depois ela, com a barriga de final de gestação, teria de equilibrar-se e descer uns dez metros até o espelho d’água para atravessarmos o rio de canoa, e só então, embarcar no carro. Além de tudo isto, o fato de ser madrugada e a única luz vir de uma lanterna de três pilhas. No trajeto final tive de carregá-la no colo, o que foi um tanto difícil, devido ao estado dela e ao seu peso. Quando chegamos à margem do rio, desci com ela nas costas, coloquei-a na canoa e remei em direção à outra margem. Ainda tínhamos de subir a barranca do rio e, desta vez, tomei-a em meus braços. Com todo o cuidado embarcamos no carro, que saiu a toda a velocidade rumo à maternidade, mas a saga ainda estava longe do final e no meio do caminho, além de termos enfrentado a estrada esburacada, a ponte sobre o Rio Cavalheiros, cujo vão de aproximadamente vinte metros, havia se deslocado do lugar devido a uma grande enchente dias antes. O motorista não quis arriscar-se: parou o carro, descemos e apesar da escuridão, percebemos que a referida ponte estava enviesada e com a cabeceira elevada do chão uns quarenta centímetros na margem oposta. O que fazer? Minha esposa, no carro, contorcia-se a cada contração e gemia baixinho, com lágrimas brotando dos olhos. Meu amigo e compadre Orestes compadecido com o sofrimento dela, disse: - Pedro, eu vou arriscar, pois já são umas quatro horas da madrugada. Não podemos ficar aqui, longe do recurso e de moradores que possam nos socorrer. Vou tocar o carro encima da ponte, saltar do outro lado e seja o que Deus quiser. Era uma tarefa arriscada, então a Lígia desembarcou. Como programado, assim foi feito e acabou dando certo, graças a Deus. Com muito cuidado atravessamos a ponte a pé e a fiz embarcar. Chegamos à maternidade com o dia clareando e Dr. Aroldo Ferreira, médico muito amigo da família, internou-a imediatamente. Após uma hora e meia nascia um garotão com quase quatro quilos e bem cabeludo, que recebeu o nome de Ubirajara Pedro.

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Ali mesmo na maternidade combinamos com o médico para batizar o menino e assim procedemos. Estávamos felizes e com a alta da maternidade três dias depois do parto, eu e minha pequena família ficamos mais uns dias na cidade, hospedados na casa de minha sogra, dona Generosa, cujo nome bem representava o que ela era. O ano de 1952 para nós começou de forma maravilhosa. De volta para casa, após a recuperação da Lígia, com o filho recém-nascido nos braços, vimos a rotina do lar mudar sensivelmente, pois com mais uma estrela a brilhar em nosso lar, tínhamos mais luz, mais uma vida e mais responsabilidade. Uma vez por mês ainda íamos a Canoinhas, agora com mais uma missão: levar o neto para visitar os avós. Uma vez mais fui transferido. Agora para prestar serviços no recém-inaugurado posto Fiscal de Volta Grande, no distrito de Rio Negro (SC), às margens da rodovia que liga o Paraná ao Rio Grande do Sul, sendo um dos três primeiros funcionários a assumir ali. Este posto tinha um problema muito sério, pois na chefia o Sr. Elzínio Wanderlei, administrava tudo com a sua “panelinha”. Todo o final de mês ele reunia em sua residência algumas pessoas da sociedade local para festas e jogos de baralho e no início chamava-nos também. Eu não tinha como acompanhar aquele nível de vida, pois era funcionário novo, ganhando pouco e todo o meu salário era destinado para as despesas com aluguel, alimentação e vestuário, e além de tudo acabara de receber a notícia de que seria pai novamente, e sendo assim, não recusava formalmente o convite, mas também não comparecia. Logo começaram as fofocas, o zum-zum entre outros funcionários, comentando que não participávamos das festas, porque não queríamos nos misturar. O clima começou a mudar, não havendo mais coleguismo, e tudo o que era bom ia para os amiguinhos da turma. Aguentei esta situação por quase um ano. Sofri muito, pois o gelo era em duplicidade: além da frieza com que era tratado pelos colegas; o inverno naquele ano foi muito rigoroso e às margens do rio, o frio era mais intenso e para aguentar as noites gélidas, eu usava a ceroula que trouxera do Exército e ainda costumava encher uma lata com brasas para aquecer os pés. A nossa casa era ruim: construída de madeira e distante do Posto Fiscal; bem à margem do referido rio, portanto, bastante úmida. Além disso, ali existia um matagal e noites de medo fizeram parte de nossas vidas. Quando eu fazia plantão, a Lígia ficava sozinha com o nosso filho, porque não tínhamos condições de pagar uma empregada e eu temia pela integridade física da minha pequena família. Nesta época, morava conosco um irmão dela, Wilson, mas ele pouco ficava em casa, pois trabalhava no Batalhão Ferroviário. Para ir ao trabalho, eu tinha que fazer uma volta de aproximadamente dez

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quilômetros a pé, mas como trouxe comigo a minha canoa, lançava mão dela e subia o rio até a ponte que ficava nas proximidades do Posto, e assim fui levando a minha vidinha, independente dos comentários dos colegas. Estava transcorrendo o ano de 1952 e apesar de aparentar tranquilidade, eu estava muito nervoso, mas não queria demonstrar isto em casa para não preocupar minha esposa. Como eu não tinha estabilidade do cargo, eu consultei o meu pai. Tudo o que eu fazia até então, era sob sua orientação, pois que ele foi o meu guia durante toda a minha vida, desde que eu era criança até a idade em que ele faleceu. Tinha tanto respeito por ele que sequer fumei na sua presença, apesar dele saber do meu vício, que mais tarde abandonei para não prejudicar a minha saúde.

Porto no Rio Negro-PR em 1935.

Enchente no Rio Negro-PR - foto atualizada.

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Então, de comum acordo, resolvemos ir até Curitiba para falar com o diretor de fiscalização de Rendas, o senhor João Farias Piolli, um homem franzino e sistemático, que usava óculos de lentes pequenas e grossas, na ponta do nariz. Meu pai o conhecia há algum tempo, pois foram colegas de trabalho, e assim sendo, foi cumprimentando o chefe que sequer levantou a cabeça. De maneira ríspida, perguntou para meu pai o que estava acontecendo. Papai, educadamente, explicou que estava me acompanhando, que eu era fiscal de rendas referência VII, não possuindo estabilidade e que desejava ser transferido de Rio Negro. Após uns instantes, o chefão perguntou, sem levantar os olhos dos papéis que estava manuseando: - Para onde ele quer ir? A resposta veio imediata: - Distrito de Pato Branco. O chefe, pela primeira vez desde que adentramos à sua sala, levantou os olhos e arrumando os óculos afirmou: - Mas para lá só vai funcionário que está de castigo ou não é bom de trabalho. Deu de ombros e disse: - Rapaz de coragem! Se é da vontade dele... Meu pai agradeceu e saímos. Se por um lado ficou contente por ter sido atendido, por outro lado, estava triste sabendo que o filho iria para um lugar muito distante e desconhecido, levando consigo os netos.

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Consegui a transferência para o Sudoeste do Estado. Só então, fiquei sabendo que teria direito ao adiantamento do provento de um mês como ajuda de custo; autorização para levar a mudança de Rio Negro até União da Vitória de trem, e daí, até Pato Branco, de caminhão ou ônibus; e passagens para toda a família. Antes da nova transferência, nasceu nosso segundo filho, sem maiores surpresas e sem sofrimentos desnecessários como aconteceu com Pedrinho, e antes mesmo do primogênito completar o seu primeiro ano de vida, já tínhamos nos braços outro garotão, que desde o nascimento era muito parecido com a mãe: Ubiratan Luiz. Em casa, eu esperava pela transferência e nada. Após alguns dias descobri o porquê dela não ter chegado: o chefe do distrito, Elzínio Wanderley soube que estivemos em Curitiba para solicitar pessoalmente a transferência para Pato Branco (PR), sem tê-lo comunicado antes, e por isso descumpria ordens superiores, vindas da Capital do Estado.

Hospital e Maternidade de Rio Negro-PR.

No mesmo dia, eu e papai nos dirigimos à Agência de Correios e Telégrafos, e passamos um telegrama comunicando o fato ao diretor de fiscalização, que imediatamente tomou providências exigindo do chefe distrital o meu desligamento. Fomos de trem até União da Vitória, onde deixei a mudança na estação ferroviária e seguimos para Pato Branco de ônibus. A viagem era longa e cansativa; na estrada de terra só se via lama. De repente num solavanco, na subida da serra de União da Vitória, Lígia acordou e ainda sonolenta, com o ônibus patinando, perguntou-me:

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- Para onde estamos indo? Respondi: - Já que estamos subindo, deve ser para o céu. No meio do caminho, decidimos passar a noite numa pequena pousada que existia num local chamado Horizonte, nos campos de Palmas, pois as crianças eram muito pequenas, estavam cansadas e com frio, e a chuva não dava um minuto de trégua, e para completar era época de inverno. Deitamos os quatro em uma cama de solteiro: eu, Lígia e os dois filhos. A cama além de pequena era muito ruim e um cobertor pula-cerca era toda a coberta que tínhamos, então, decidimos agasalhar as crianças e passamos a noite toda em claro, tremendo de frio, dando graças a Deus quando amanheceu. Demoramos quase dois dias para chegar ao destino. Inicialmente, ficamos hospedados no Hotel Brasil, de propriedade do Sr. Silvestre, localizado ao lado da praça principal da cidade e próximo à Igreja Matriz de São Pedro, permanecendo ali por quinze dias. Acompanhava a família, o Urso, nosso cachorro de estimação, da raça policial, de pelagem branca e que era guarda dos meninos, não deixando nenhuma pessoa estranha aproximar-se deles; e fazendo parte dos nossos bens um engradado com algumas galinhas. Com muito sacrifício, consegui alugar duas peças na casa do Sr. Juvenal Cardoso, que era cunhado do Sr. Gino Cordeiro e funcionário do antigo DGTC – Departamento de Geografia, Terras e Colonização, hoje Instituto Ambiental do Paraná. Depois de instalar a minha família com as poucas coisas que havíamos trazido, eu consegui que a firma Hoffmann, localizada em Francisco Beltrão e que possuía um moinho em Pato Branco, no retorno de um de seus caminhões trouxessem a minha mudança que ficara em União da Vitória. Ao chegar, não coube nas peças onde estávamos e então, a maior parte ficou guardada na sede do referido departamento. O chefe do Distrito em Pato Branco, Sr. Adelino Santos, já tinha sido meu chefe no norte paranaense e sempre foi uma pessoa muito boa e excelente colega. Fui prestar serviço no Posto Fiscal do Rio Pato Branco, um posto fiscal do estado localizado na estrada velha que ligava Pato Branco à Clevelândia, há uns trinta quilômetros da cidade, lugar totalmente sem movimento naquela época. Este posto ficava anexo à casa de um comerciante chamado Lauro de Lara, que

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todos conheciam por Laurinho e que me dava todo o apoio, pois quando eu não conseguia retornar, ficava hospedado em sua casa. Eu saía de madrugada para trabalhar, aproveitando a carona dos irmãos Gabriel, que trabalhavam com o comércio de suínos e revezavam-se levando cargas para União da Vitória. Todos os dias passavam pelo Posto Fiscal pela manhã e voltavam à noite, e neste retorno, eu aproveitava para voltar e dormir em casa. Lá em Pato Branco conheci um casal muito simpático e nos tornamos amigos, eram eles: Luiz e Elida Molozzi, proprietários da torrefação do café Boiadeiro.

Pato Branco (PR) em 1953.

Esta amizade resistiu à distância e ao passar dos anos, pois sempre que vinham até Barracão e Santo Antonio do Sudoeste para vender os seus produtos, eles passavam alguns dias em nossa casa. Assim foi por três meses até que recebi uma proposta do chefe Adelino dos Santos para assumir o Posto Fiscal de Barracão, em substituição ao chefe Anibal Cordeiro de Andrade, que já estava transferido para outro local. Ele sabia que eu já conhecia o lugar que era muito ruim, quase deserto, sem recursos e na fronteira com a Argentina, pois em 1950, em companhia do meu compadre Sadi Pigatto, tinha visitado o meu futuro cunhado Nelson de Azeredo Coutinho, que era capitão da Polícia Militar de Santa Catarina, exercendo o cargo de rádio-telecomunicador na vizinha cidade de Dionísio Cerqueira. Tempos depois, em outra visita, desta vez com Pascácio, o meu outro cunhado, fui dirigindo a camionete da marca Rugbi, ano 1939, de sua propriedade.

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Arrumamos as malas e seguimos para Barracão de ônibus. Durante a viagem fiz amizade com o condutor do veículo, que também era proprietário do ônibus velho. Era um sujeito conhecido por Dominguinhos, um barriga-verde muito simpático e excelente motorista. A viagem que hoje é feita em pouco mais de duas horas até Pato Branco, naquela época, levava um dia ou mais, então, paramos em Marmeleiro, ficando hospedados no antigo hotelzinho localizado na avenida principal. As crianças não paravam de chorar e ninguém conseguia dormir. Foi quando Lígia percebeu que eles coçavam demais a cabeça e ao verificarmos o motivo, percebemos que estavam cheias de piolhos.

Tríplice fronteira entre Paraná, Santa Catarina e Argentina – foto atualizada.

No dia seguinte, passamos por um povoado bem pequeno chamado Separação e logo chegamos ao destino. Na primeira noite, hospedamo-nos no Hotel Iguaçu, em Dionísio Cerqueira, no Estado de Santa Catarina, muito próximo do Posto Fiscal. Barracão que está localizada estrategicamente no limite do Paraná com Santa Catarina; e do Brasil com a Argentina, existe desde os meados do século XIX, onde os tropeiros, a caminho do Rio Grande do Sul, fizeram uma parada na região, construindo um grande barracão como abrigo para passarem a noite. Este fato ficou marcado entre os poucos moradores que lá já habitavam à época, o que futuramente, inspirou o nome da cidade. Em 1903 foi inaugurado o marco das três fronteiras, onde se pode colocar um pé no Paraná (Barracão), outro em Santa Catarina (Dionísio Cerqueira) e esticar um braço em território argentino (Bernardo de Irigoyen).

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A vizinha cidade de Santa Catarina, em 1953 tornou-se município, sendo desmembrada de Chapecó e seu nome é uma homenagem ao general Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira, antigo ministro das Relações Exteriores e que demarcou a fronteira entre os dois países. Barracão era então, um povoado sem energia elétrica, com aproximadamente umas quinze casas, e a estrada de acesso à cidade era através do município catarinense, passando próxima ao Hotel Planalto, depois pelo Posto Fiscal e seguia para a Linha Firmino. No dia seguinte fomos procurar pela casa que iríamos morar.

O Posto Fiscal ficava bem ao lado do marco grande, numa casa bastante velha, coberta com tabuinhas, todas apodrecidas e em estado de deterioração. De acordo com os moradores mais velhos do lugar, a casa devia ter uns setenta anos, e já havia sido construída com madeira velha, que fora comprada do pai de Jesuíno Teodorico de Andrade. Enquanto a Ligia conversava com a esposa do Aníbal, que era o chefe do posto Fiscal, eu fui verificar os documentos existentes: eram poucos. O Aníbal de Andrade, que também era parente do Gino Cordeiro, disse que não precisávamos gastar dinheiro em hospedagem e que poderíamos ficar ali até que carregasse a mudança no seu caminhão Studebaker 1946. Acabamos cedendo à sua proposta e nos instalando, a pedido do chefe demissionário, no forro da velha casa, após abrirmos um buraco no forro e construirmos uma pequena escada de ripa para dar acesso a ele. Foi assim a nossa segunda noite e os quinze dias seguintes em Barracão: a Lígia e os dois meninos que eram de baixa estatura entravam com facilidade, mas eu tinha que entrar engatinhando para me acomodar no velho colchãozinho de palhas, cedido pela esposa do colega. Ali, a Lígia e os garotos se ajeitavam como podiam, após eu tê-los coberto com uma capa de boiadeiro e ficava deitado no chão ao lado deles, temendo qualquer

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movimento que nos colocasse em risco de desabamento. O pior eram as noites de chuva, porque as tabuinhas da cobertura, já bastante estragadas, transformavam-se em inúmeras goteiras e para evitar que eles se molhassem, eu ficava de lado dando um jeitinho de proteger a minha família, e assim passava a noite até clarear o dia para irmos nos aquecer ao sol. Assim passaram-se quinze dias e nada da chuva parar. Fazíamos as refeições com o colega e sua grande família, composta pelo casal e nove filhos, que foram muito gentis em nos acolher. Quando a chuva parou começamos a preparar a mudança e eram tantas bugigangas que encheu o dito caminhão. Ocupados com a lida, nos descuidamos por algum tempo das crianças e foi aí que meu filho Pedrinho encontrou uma lata com soda cáustica, e pensando que era açúcar, acabou colocando um punhado na boca, mas não engoliu, porque ao sentir o gosto e a queimação, cuspiu. Foi socorrido rapidamente e graças a Deus não houve maiores sequelas além dos lábios, língua e palma das mãos queimadas e uma pequena cicatriz na face. O susto foi grande. Depois da partida do seu Aníbal para União da Vitória, começamos o trabalho de faxina na casa e no Posto Fiscal, enquanto aguardávamos a mudança que ainda estava em Pato Branco. Arrumamos umas panelas emprestadas com a vizinhança e dormíamos todos no colchão velho deixado pelo colega. Eu precisava ir buscar a nossa mudança que havia ficado em Pato Branco, em um depósito do Departamento de Terras, mas por ali só passavam carros provenientes do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e o movimento de posseiros vindos de todas as partes do sul do país, em busca das terras devolutas do governo era intenso, pois a diáspora gaúcha dera início à colonização do oeste e sudoeste paranaense e as cidades começavam a despontar. Enfim, um belo dia, deu certo e fui buscar as poucas coisas que tínhamos, mas que nos fazia falta. O primeiro inverno na cidade de Barracão, foi muito triste para toda a família, pois a casa onde morávamos era mal acabada, não tinha sarrafos para vedar as juntas de madeira e quando chovia, ventava ou esfriava muito, tínhamos de calafetar as frestas com pedaços de panos velhos. Como a cidade está localizada em um lugar alto, as rajadas de vento são intensas, o que aumenta a sensação de frio, parecendo que consegue penetrar até os ossos, e naquele ano de 1955, o inverno foi rigoroso: ventanias, chuvas intensas e constantes, vieram acompanhadas de fortes geadas e até neve.

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Neve na cidade de Barracão-PR em 1955.

Como “desgraça pouca é bobagem”, no dizer dos antigos, a Lígia adoeceu gravemente. Foi internada no hospital do Dr. Mussi, por mais de oito dias, e neste tempo parecia ter piorado. Ao final desta mesma semana, fui procurado por uma das enfermeiras do hospital. Ela era filha de um grande amigo, Sr. Nene de Lara, funcionário do D.E.R. Ao comentar com seu pai sobre o estado da minha esposa, foi aconselhada por ele a procurar-me e contar o que sabia. Pediu-me segredo da visita, e com ar preocupado, disse que a Lígia estava em estado de coma há vários dias, correndo risco de morte e que a doença pulmonar tinha como causa principal a friagem e que se ali continuasse, não teria nenhuma chance de melhora. Desesperado, corri até o hospital e após discutir com o médico, assumindo inteira responsabilidade pela vida da minha esposa, retirei-a de lá e levei para o hospital de Guarujá. Tive de deixá-la sozinha, mas graças a Deus em poucos dias teve alta. O pai dela, quando soube que a filha estava muito doente, pediu ao filho Pascácio que o acompanhasse na visita, pois o meu sogro, Sr. Demétrio de Azeredo Coutinho, homem que dispensa comentários, era amoroso, de muito respeito e preocupado com o bem-estar dos filhos. Durante esta visita, meu sogro teve uma infecção pulmonar. Seu filho Nelson emprestou um jipe velho, ano 1941, de propriedade da Prefeitura de Barracão e levou-o para a cidade de Francisco Beltrão (PR), internando-o na clínica do Dr. Walter Alberto Pecoits, mas infelizmente ele não resistiu à enfermidade e veio a óbito.

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Eu e Pascácio emprestamos um caminhãozinho velho, tipo pau-de-arara, daqueles com cabine de madeira, onde cabiam seis pessoas. Saímos de casa debaixo de chuva, em meio a um lamaçal e chegamos em Francisco Beltrão altas horas da madrugada. Participamos do final do velório e acompanhamos o enterro, pois devido às péssimas condições das estradas e ao mau tempo, tornou-se impossível o translado do corpo para ser sepultado em outra cidade. Nesta época morava em Jacutinga, há poucos quilômetros do Folador, um cunhado da Lígia, chamado Evaldo e a sua residência ficava fora da estrada uns seis quilômetros, dentro da mata fechada e de difícil acesso. Na volta para casa, Lígia, abalada com a morte do pai e ainda convalescente, sentindo fraqueza e cansaço, aceitou o convite da sua irmã Nica para passar uns dias com eles. Eu e seu irmão Pascácio pegamos novamente o pau-de-arara, debaixo de chuva e retornamos a Barracão. Trouxe comigo as duas crianças e depois de um dia inteiro de viagem chegamos ao nosso destino, sem que a chuva tivesse nos dado trégua. O tempo foi passando e Lígia não retornava. Passaram-se cinco, dez, quinze dias e nem notícias. Com a chuva intensa, os alimentos foram terminando, tanto nas cidades brasileiras, quanto na vizinha cidade argentina de Bernardo de Irigoyen. Sem acesso, os caminhões de mantimentos ficavam parados na cidade de Pato Branco ou encalhados na estrada. A situação tornou-se crítica. Não havia mais nada além de fubá e com ele tive de improvisar o alimento dos meninos à base desta farinha, mas sem leite e sem açúcar, em pouco tempo eles passaram a rejeitar o alimento e adoeceram. Não havia remédios que os curasse. As crianças começaram a emagrecer. Eu não sabia mais o quê fazer, desesperado com a ausência da Lígia que não conseguia retornar ao nosso lar e também porque eu não tinha como ir buscá-la ou levar os meninos até ela. Não recordo de outra ocasião em que tenha me sentido tão sozinho e incapaz. A diarréia não cedia, muito pelo contrário, estava cada dia pior. Eu não vencia lavar as roupas deles. Sem sol para secá-las, inicialmente tentei fazer isto com o ferro, mas demorava muito tempo. Então, eu enrolava as roupinhas na chaminé do fogão de lenha, mas enquanto eu cuidava do Posto

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Fiscal e dos meninos doentes, acabava me descuidando e foi assim que queimei mais da metade das peças. Ah, quanto sofrimento! Passados mais de trinta dias, o sol retornou e com ele a minha esposa. A alegria do retorno logo foi substituída pelo desespero de ver os filhos magros, desfigurados e ainda doentes. Aí fui obrigado a comprar uma pequena casa, atrás da rodoviária velha, às margens da rua que saía para Santo Antonio do Sudoeste. A casa era modesta, construída de madeira bruta, sem forro e abaixo do nível da rua. Usando da amizade, reuni os meus vizinhos e amigos, um deles carpinteiro, e suspendemos a casa colocando-a no seu devido local. Pedi autorização para o Sr. Lamartine Augusto para mudar também o Posto Fiscal. Começamos a reforma e Lígia sempre presente acompanhando tudo bem de perto. Quando eu estava colocando o forro da cozinha com madeira bruta de meia polegada, chegou um caminhão que ia para o Rio Grande do Sul. O motorista desembarcou e veio até onde eu estava. Olhou para cima e disse: - O senhor está colocando esse forro bruto, isso fica feio. Na próxima viagem vou te trazer um tanto de forro beneficiado. De quantos metros o senhor vai precisar? - Temos que medir a casa. – respondi. - Então, faça isso e me avise. - Qual é o seu nome? - Sou Valentim Faquinello, proprietário de uma serraria e também de uma olaria, nas proximidades de Rio Claro, hoje Pranchita. Passados uns dias, ele voltou com o caminhão carregado de madeira destinada ao forramento de casas. Posteriormente, ele viria a ser um dos meus grandes amigos e o vice-prefeito em Santo Antonio do Sudoeste. O serviço do Posto Fiscal era o mínimo, com cargas de madeiras vindas do distrito de Pranchita, município de Santo Antonio do Sudoeste, das empresas: Dambros e Piva, Faquinello, Giongo, Canzi e Boa Esperança, esta última de Beniamino Dal Bó. Essas cargas já vinham legalizadas pela Coletoria de Santo

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Antonio do Sudoeste, onde trabalhava o meu amigo Mário Gomes Farias. Eu, bastante popular e conhecedor do sistema do povo do interior, comecei a fazer amizades com todos, até que, um dia falando de roça e criação de porcos, com um cidadão de origem russa, que nos visitava com frequência, Sr. José Getelina, morador do Lajeado Firmino, atual município de Bom Jesus do Sul, ele me ofereceu um pedaço de terra bem próximo da cidade. Como era cego, pediu que eu procurasse pelo Sr. João Salomão, que conhecia o local e poderia levar-me até lá. Aceitei e assim comecei a cultivar a terra, deixando a Lígia com a responsabilidade de cuidar do Posto Fiscal, enquanto eu ia todos os dias pela manhã para a roça, ficando lá até o meio-dia. Fiz um alqueire de roça na base da enxada e plantei feijão, milho, abóbora e outros produtos. Num domingo, recebi meu novo amigo, Valentim Faquinello e juntos fomos olhar a roça de feijão localizada na subida de Barracão. A roça estava uma beleza, tanto o feijão quanto o milho. Na segunda-feira iniciaríamos a colheita, mas no domingo à noite rolou água, chovendo muito na fronteira quase uma semana. A safra de feijão estava perdida, pois ele brotou. Consegui colher apenas algumas sacas que vendi para o Hotel Brasil, de propriedade do Sr. Arlindo Kleinnubing. Ainda me restava a safra de milho. Aquele posto fiscal era subordinado ao Distrito de Pato Branco e prestava contas na Coletoria Estadual de Santo Antonio do Sudoeste, e eu tinha de trazer os balancetes entre os dias 29 até o 1º dia do mês seguinte e também para receber o meu salário. Como eu não possuía condução, vinha de carona ou a pé, por aproximadamente trinta e cinco quilômetros, já que o transporte coletivo na região era um ônibus velho que fazia a linha Pato Branco – Barracão, duas vezes por semana. Muitas vezes, a arrecadação era mínima, mas precisava prestar contas e como eu carregava dinheiro pertencente ao Posto, eu vinha por um carreiro pela divisa com a Argentina e saía na estrada na Linha São Francisco e de lá para Santo Antônio. Chegando, eu fazia a prestação de contas ao coletor, que mais tarde viria a ser meu compadre; padrinho do meu filho caçula, Ubiracy Guilherme. A referida coletoria encontrava-se situada bem na beira do rio Santo Antonio,

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mesma localização do Posto Fiscal. Antes de voltar, passava sempre pelo Hotel Maziero, onde fazia um lanche: dois ovos fritos com um pouco de farinha de mandioca e uma gasosa. Depois, passava pelo estabelecimento do meu compadre João Sbardelotto, conhecido pelo apelido de Maneta, pois lhe faltava uma das mãos: um “budegão” que tinha de tudo um pouco, inclusive um açougue, onde trabalhava meu velho amigo Dambros, pai do Amauri. De barriga cheia, era hora de botar o pé na estrada, retornando pela estrada geral. As viagens que geralmente empreendia a pé, saindo de casa pelas três horas da madrugada para ir e voltar no mesmo dia, muitas vezes, retornando ao clarear do dia seguinte, deixava minha esposa Lígia muito preocupada. Esta foi a minha rotina por mais de dois anos e durante todo este tempo, eu consegui uma única carona de caminhão. Certo dia, eu estava saindo de Barracão, quando apareceu um “filho de Deus”, com um caminhão novo em folha. Era um Chevrolet de cor azul celeste, procedente do Rio Grande do Sul, trazendo pessoas que visitariam parentes, moradores na Linha Escondido, atual Linha São Francisco. Eram das famílias Benatti e Raffaelli. Curioso, perguntei: - Por que o caminhão está vazio? - Na ansiedade de mostrar aos parentes nem esperamos por uma carga. Sinceridade é tudo! De carona, cheguei a Marcianópolis, onde o Sr. Benatti tomou outro rumo dirigindo-se para o Escondido, enquanto eu empreendi o restante do caminho a pé. Em Santo Antonio fiz vários amigos com quem conversava assiduamente: Ramão de Andrade, Valdemar Ortega, dona Zéfa, e no Posto Fiscal o chefe José Maria de Lara, conhecido como Nenê de Lara. Muitas vezes, quando não estava com pressa, chegava na casa comercial do Jesuino Teodorico de Andrade, o Gino Cordeiro, cidadão destemido e ordeiro, que foi delegado regional de policia de nossa comarca. A sua esposa, dona Clides, pessoa meiga, atenciosa e muito educada era quem cuidava do comércio, atendendo a freguesia com muito zelo e educação. Depois, quando nos mudamos para Santo Antonio, seu Gino nos visitava

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diariamente: durante o dia no Posto Fiscal e à noite em casa. Era raro não nos vermos, pois tal rotina fazia parte da nossa amizade, e quando estava apressado e não podia entrar para bater um papo, ele simplesmente batia na nossa janela e seguia em frente. E foi numa destas noites que aconteceu a tragédia: ele foi assassinado covardemente, à traição, quase em frente ao extinto Clube Guarani, do qual foi um dos primeiros sócios remidos. Quando ainda morava em Barracão, tive a oportunidade de conhecer Percy Schreiner, na época primeiro prefeito de Santo Antonio do Sudoeste, que por lá passava em visita a Jacob Maran, seu cunhado, o qual, futuramente viria a ser prefeito de Dionísio Cerqueira, Estado de Santa Catarina. Em 1954 conheci também um gaúcho muito simpático chamado Orestes Fedrizzi, recém-chegado com sua família às terras paranaenses e que morava à uma quadra de minha casa, que também servia de Posto Fiscal, bem próximo ao marco das três fronteiras: divisa dos Estados do Paraná e Santa Catarina e também a divisa seca com a Argentina. Ali existia muita mata nativa e um conglomerado de casas antigas, e quem por ali passava, não sabia direito em que estado da federação ou país estava, pois que ali, os moradores tinham uma vida quase em comum e reinava a política da boa vizinhança. Logo após sua chegada, o Orestes Fedrizzi começou a trabalhar no comércio de bebidas, ajudado pelos seus filhos. Certo dia, o seu filho mais velho, Zeul, que não passava de um garoto, estava brincando com uma espingarda quando esta disparou atingindo o seu abdômen, fazendo com que os seus intestinos ficassem expostos. O hospital ficava na primeira esquina de sua casa, mas o médico, Dr. Mussi, que gostava de tomar umas e outras e já estava “meio embalado”, assim que foi chamado, veio em socorro ao menino. Vendo o desespero dos seus pais e familiares e o estado grave da vítima, pediu uma bacia com água, pegou gaze e algodão e deu início à limpeza do ferimento, pois as tripas estavam bastante sujas, já que haviam caído no chão do pátio. Disse que precisava de ajuda de alguém da família para auxiliar na limpeza. Depois falou que precisava sair e já voltava, mas só apareceu no dia seguinte. No interior do hospital, seus familiares sem saber o que fazer, resolveram, com muita paciência arrumar a barriga, recolocando os órgãos no lugar e amarrando uma faixa, que ficou até a volta do profissional. No outro dia cedo, este retornou. Então, pediu um banquinho, que colocou bem na frente do doente, e recolocando a “buchada” de volta ao lugar correto, suturou o local.

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Marco da tríplice fronteira – foto atualizada.

Zeul foi o primeiro coletor em Planalto, no Paraná, indo depois para o Mato Grosso onde morou por algum tempo em Maracaju, mudando-se para Campo Novo do Parecis, sendo um dos pioneiros daquelas terras. Depois, foi o primeiro prefeito, fazendo uma excelente administração e desenvolvendo um bom trabalho para a agricultura e pecuária. Associou-se a outros pioneiros e fundaram a COPRODIA, uma grande usina de açúcar e de álcool, uma das maiores do Mato Grosso. Certo dia, estava forrando o teto da cozinha com Lígia me auxiliando, grávida de alguns meses, quando apareceu, na janela do Posto Fiscal, o José Ferreira Leão, apelido Zézito, na época, delegado de polícia “calça curta” acompanhado de Bernardo Santin, subdelegado do Lajeado Firmino, e pai de Pedro Santin, e ficaram analisando o que eu estava fazendo. Um deles disse: - Nem adianta arrumar a casa, pois vocês não vão ficar por aqui muito tempo. Respondi a eles: - E vocês não se metam onde não são chamados. Vão embora daqui! A casa é minha e sou funcionário do Estado em qualquer lugar para onde for mandado, além do mais, eu não devo nada a ninguém. Fiquei pensativo com o que eles disseram, e como nada temia, aguardei. Eu era muito amigo do prefeito de Barracão na época, o Misael Siqueira

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Bello, pois o Posto Fiscal era ao lado da casa dele, separado apenas por uma cerca, e a Prefeitura ficava logo em frente, sendo que, éramos duplamente vizinhos. Ele era também funcionário federal da Agência de Correios e Telégrafos, então, tomávamos chimarrão juntos, conversávamos todos os dias por cima da cerca, e quando eu estava de folga, ia até a Prefeitura ou ele vinha ao Posto Fiscal. Como o Misael não sabia dirigir e a Prefeitura possuía um Jeep velho, ele me convidava para ir ver a Linha São Paulo, cuja estrada estava sendo aberta e eu ia na direção. Desta forma, comecei a fazer amizade com os colonos que, quando vinham até a cidade, paravam lá no Posto para uma visita. Este relacionamento amigável com o prefeito e com os colonos causou muita inveja e desconfiança de que Misael estava preparando o seu sucessor. Soube depois, que aquelas duas pessoas eram protegidas dos Martins de Oliveira, força política no município de Clevelândia e que tinham ido à Curitiba para falar com o Dr. Candinho (Cândido Manoel Martins de Oliveira), que ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa. Era ano de 1955 e oito dias depois daquele episódio, veio a minha transferência para Santo Antonio do Sudoeste, pois o dito delegado havia sido nomeado Fiscal do Estado, ficando com a minha vaga em Barracão. A Lígia estava prestes a dar à luz e eu já estava trabalhando em Santo Antônio do Sudoeste. Eu não podia deixá-la sozinha com as duas crianças, então, pedi à minha sogra que viesse ficar com ela, e por algumas semanas, ela e a minha cunhada Maria Ione, que naquela época ainda era solteira, vieram ficar com a Lígia, ajudando a cuidar dos meninos e depois também do recém-nascido. No hospital existente não havia médicos e quando chegou a hora, o recurso foi apelar para uma parteira, a Nina Pouguam, que era nossa vizinha, muito competente, responsável e dedicada, já sendo experiente em ajudar a trazer dezenas de crianças ao mundo. No dia do nascimento de Ubiracy, minha cunhada, procurando-me no clube da cidade, conheceu aquele que viria a ser o seu esposo, Ângelo Mazzotti. Foi um parto difícil, mas graças de Deus, nasceu o nosso terceiro filho: um menino bonito, que recebeu o nome de Ubiracy Guilherme. Mais uma estrela a brilhar em nosso lar. E assim nossos três filhos receberam nomes indígenas em homenagem à origem de meu pai. Tivemos de aguardar algum tempo para a recuperação da minha esposa, e

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assim que passaram os dias de resguardo, novamente, arrumamos a mudança e levei-os comigo para Santo Antonio do Sudoeste.

Avenida Brasil no final da década de 50.

Em Santo Antonio começaríamos tudo de novo: novas amizades, tanto na cidade, quanto no país vizinho. Na época em que aqui chegamos, fomos morar no Posto Fiscal, localizado no Bairro Entre Rios e achei muito bom o lugar, apesar das dificuldades da estrada de chão, terra, barro e poeira. Gostei desde o início, pois o povo era unido e hospitaleiro e ninguém reclamava, apesar do sofrimento, porque todo mudo já estava acostumado à vida difícil. Em tempos de chuva, para ir de Santo Antonio até Barracão, podia-se levar até dois dias de viagem, no único ônibus que há pouco iniciara esta linha e que era o mesmo pertencente ao cidadão chamado Dominguinhos que, até então, fizera somente Pato Branco - Barracão. Este ônibus tinha só a metade do párabrisa de vidro, porque a outra metade, era um pedaço de pano e acabava sendo até divertido, e tudo o que foi sofrimento, com o transcorrer do tempo, transformouse em vitória. Todos os domingos nós vínhamos do Posto Fiscal até a igreja velha e eu trazia a minha família a cavalo.

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Primeira Igreja Matriz de Santo Antônio de Pádua.

Eu tinha um petiço vermelho e nele vinham os três meninos, enquanto eu e a Lígia, vínhamos a pé e depois de cumprir com a nossa obrigação religiosa, o retorno era sempre mais demorado, pois parávamos umas cinco ou seis vezes para conversar com os amigos que vinham da colônia ou do país vizinho. Também tornei-me amigo do prefeito Armando Fassini, o qual me dava todo o apoio de que necessitava. Após alguns meses, recebi um colega de trabalho, o Eloy, que “de vez em sempre” tomava os seus goles. Era uma pessoa sensível e excelente funcionário, de boa família, pai de dois filhos menores, sendo que, um deles ainda estava na mamadeira, feita com leite “Niño”, que se encontrava somente na Argentina. Num belo dia, os “gendarmes” não quiseram deixar passar ninguém, criando um caso sério. Eu e Eloy resolvemos sair em busca do leite, pois a criança não podia ficar sem ele. Chegando à ponte da divisa com a Argentina, com a mãe das crianças, tiramos umas pranchas do assoalho e nos colocamos sentados com as nossas armas nas mãos. Os gendarmes vieram até onde estávamos e depois de explicarmos o motivo que nos trouxera até ali, mandaram a mulher atravessar para ir buscar o alimento para as crianças e assim que ela adentrou ao território argentino, os militares que estavam por ali, proibiram a sua passagem. Foi nesse momento que nós dois nos levantamos, com as armas em punho e gritamos para a mulher passar e comprar

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o leite, avisando que se eles não deixassem, também seriam impedidos de entrar no Brasil. Eles, dependentes de mercadorias de primeira necessidade e também de profissionais que eram do Brasil, tais como: combustível, remédios, dentistas, hospitais e até algum divertimento, tiveram de ceder. Aí os gendarmes consentiram e disseram para nós dois: - Pasate! Pasate!... Foi uma lição de força e patriotismo.

Posto Fiscal de Santo Antonio do Sudoeste em 1955.

Pouco tempo depois do incidente, Eloy foi transferido e em sua substituição, veio o Leonardo, um pinguço que durou poucos dias por aqui. Depois dele, o meu irmão Guilherme Correia Filho, o Téco, mas este também não ficou por muito tempo sendo transferido para o Posto Fiscal de Pinhalzinho. Durante o tempo em que fui chefe no Posto Fiscal da fronteira, era comum que tivéssemos incidentes como o ocorrido com o colega Eloy, e quando os argentinos queriam mostrar força e superioridade, ninguém passava, mas logo tinham de voltar atrás, pois dependiam de nós. Além da farinha de trigo, do pêssego em calda e doce de leite, o restante dos alimentos de que necessitavam encontrava-se no lado brasileiro, pois de resto, lá só havia roupas e perfumes, o que não enche a barriga de ninguém. No entanto, vivíamos em paz quando

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o assunto era festas, baile e futebol, apesar da conhecida rivalidade no esporte. Participamos de muitas festas no país vizinho, bem como, eles aqui; e foram muitos os churrascos e o tradicional ‘puchero”, acompanhados de mandioca bem cozida e regados com o bom vinho argentino. Um dia, cansado daquela rivalidade e jogo de forças sem sentido, convidei os vizinhos argentinos para vir ao Brasil e fazer um acordo que fosse bom para ambas as partes. Do Brasil, convidei várias pessoas, dos mais diversos segmentos da sociedade, para compor uma comissão e resolver de uma vez por todas aquele assunto. Os integrantes dessa comissão do lado brasileiro eram: Rudi Bohn, o Rudinho, um dos primeiros conhecidos meus, um grande amigo de todas as horas e que não tirava da cinta o seu “berro” 38, de cabo preto; Avelino Orth, caminhoneiro; Henrique Fauser conhecido como “Boca Rica”, também caminhoneiro; Timóteo da Veiga (Bicudo); Zé Alfaiate (Portuga); João Gerônimo Longhi, forte comerciante e proprietário de uma grande área de terras no bairro; Dionísio Scopel, na época, madeireiro; Wilson Camargo, safrista; Dr. José Moraes (médico); João Maria Pinto, taxista; Felipe de Souza Gocha, bodegueiro; Pedro da Silva, proprietário de um bar; Orlando Larsen meu compadre e construtor; dona Rosa Bandeira e suas filhas Nina e Delsa, que muito nos ajudaram, inclusive cuidando dos nossos filhos durante as nossas viagens; e também Dorival Gabriel Bandeira, amigo e gerente geral da Dambros e Piva; Demétrio Nodari, madeireiro; Isidoro Garaffini e seus cunhados, donos da serraria Aurora. Da Argentina, além do pessoal da “gendarmeria”, convidamos também alguns brasileiros que tinham comércio no país vizinho e dupla cidadania: Osório Vieira (Osorico); Dante Boni, que vivia ali há mais de setenta anos e vendia carne de caça, tais como veado, paca e tateto; Valdemar Ortega e Francisco Ortega, este último genro de Egildo Maram, que morava nas proximidades da estrada de Bom Jesus, onde era proprietário de um alambique. Depois de uma boa conversa, chegamos a um acordo e desde então reinou a paz na fronteira. Em 1957, o prefeito Misael Bello, de Barracão, não esquecendo o velho amigo, que agora residia em Santo Antonio, mandou o seu secretário Nicanor Graça até minha casa para verificar as possibilidades de minha candidatura à prefeitura do município. Quando José Ferreira Leão, aquele mesmo que tinha assumido o meu lugar no Posto Fiscal de Barracão, ficou sabendo do ocorrido, começou a coçar as canelas novamente, e em seguida partiu para Curitiba para falar com os seus

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companheiros do PSD que, na época, haviam elegido para deputado estadual Cândido Martins de Oliveira. Não tive dúvidas de que estavam armando alguma coisa para cima de mim. Numa manobra com o diretor da fiscalização, o Anfrízio Afonso de Siqueira, homem carrasco e desumano, que usava uns óculos grandes e bem escuros, me chamaram, por radiograma, para comparecer imediatamente àquela repartição na capital do Estado, a fim de prestar esclarecimentos. Chovia muito e sem condução nem dinheiro, eu tive que aguardar uns dias. Fui a Pato Branco e falei com meu chefe Lamartine Augusto explicando a minha situação e ele autorizou a viagem. Lá em Curitiba, após muita espera, encarei o chefe que foi logo me ameaçando, afirmando que eu estava fazendo contrabando, inclusive de automóvel e que iria processar-me. Como se fosse réu, não disse nada. Parecia que sequer respirava: tão estupefato e indignado estava com a acusação. Ao ser indagado sobre que eu tinha em minha defesa, eu disse: - Quem me acusou tem de provar. Aí sim, eu vou dizer o que eu acho. Neste instante, um cidadão que até então, estava sentado num canto bem quietinho, levantou-se e veio em minha direção, dizendo: - Isso é caso de política. Nós ficamos sabendo que você é candidato do Misael, prefeito de Barracão. Respondi: - Eu apenas sou amigo do prefeito Misael. O candidato dele é o Plínio Teixeira, mas se o Plínio não aceitar, serei eu. Após o término da audiência, falei: - O Lamartine pediu que eu solicitasse um carro para o trabalho. - Tudo bem! Vamos providenciar. Aguarde que entraremos em contato. E foi assim que acabei saindo de lá com um jipe, com capota de aço. Ao entregar-me a chave do veículo, o chefe bateu nos meus ombros e disse:

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- Pedro, quer um conselho? Você é um bom funcionário. Está fazendo um ótimo trabalho no relacionamento entre Brasil e Argentina, então, esqueça a política. Após entregar o jipe para Lamartine Augusto, no distrito fiscal de Pato Branco voltei para Santo Antonio do Sudoeste e reassumi o meu lugar na fronteira. Naquele mesmo ano foi criada a Auxiliadoria Fiscal de Rendas, abrangendo os municípios da micro-região da Fronteira, subordinada ao Distrito Fiscal de Rendas de Pato Branco, e em seguida, foi instalada na casa do Amauri Dambros, na esquina em frente, a Coletoria Estadual. Para assumir a referida Auxiliadoria veio um grande cara da cidade de Maringá, o Romário Madureira, trazendo consigo, além da família, o seu compadre Lídio Garcia para trabalhar com ele porque, naquele tempo, Santo Antonio do Sudoeste era famosa como cidade violenta. O Lídio chegou aqui e o Sr. Madureira me tirou do Posto Fiscal para colocálo em meu lugar. Não fiquei contente com tal procedimento, porque perdi as vantagens que tinha ali, onde não pagava aluguel. Tive que fazer a mudança de casa e também perdi o direito aos emolumentos que eu recebia quando passava alguma mercadoria para legalização, o que sempre ajudava na renda familiar. Com muito sacrifício, consegui uma casa no Bairro Entre Rios, de propriedade de Orlando Larssen, localizada entre as residências de Dionísio Scopel e Sadi Borges de Almeida, que era funcionário da prefeitura municipal. Era uma casinha velha, sem pintura e de madeira bruta. E o pior - não cabia a minha mudança. Em seguida, convocaram-me para fazer o serviço interno na Auxiliadoria. Não deixando transparecer o meu aborrecimento inicial, acabei fazendo amizade com o seu Madureira, tratando-o bem, agradando e elogiando o seu desempenho nas suas funções. Como eu era novo no serviço e não entendia nada, parecia uma criança aprendendo o alfabeto. Mesmo assim, dediquei-me ao trabalho mostrando interesse e fazendo de tudo e mais um pouco para aprender o que fosse necessário e ele, percebendo isto, começou a me ensinar os macetes da chefia e eu, agradecido, fui aprendendo depressa. Em pouco tempo adquiri a confiança e a simpatia do chefe. Após uns quatro meses, o seu Madureira ficou doente e voltou para Maringá para fazer um tratamento.

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Antes de sair em licença de trinta dias, ele me convidou para filiar-me ao PSD, partido do Moysés Wille Lupion de Tróia, então governador do Estado. Depois procurou o Armando Fassini, que era o prefeito para consultá-lo sobre a possibilidade de deixar-me em seu lugar na chefia. - Armando, dá para eu deixar o Pedro de chefe aqui, pois estou me licenciando para tratamento de saúde? - Claro! Pode deixar, pois ele é gente nossa. Orgulhosamente assumi a chefia, mesmo que temporariamente. A Agência de Rendas localizava-se onde hoje está a Loja Galvani, numa casa de madeira de propriedade do Amauri Dambros e ficava em cima de um barranco muito alto. Meu chefe voltou e em seguida ficou doente novamente, desta vez, era uma hemorroida e foi atendido pela dona Mariquinha, parteira de mão cheia e que entendia de tudo um pouco. Esta pediu à esposa do chefe, dona Zina, alguns materiais para a limpeza: mercúrio, gaze e água oxigenada. Pediu para que fervessem uns quarenta litros de água bem limpa, colocando uma boa quantia de ervas: folha de batata-doce, malva, catinga de mulata, erva-de-bicho e outras tantas. Após o cozimento dos remédios, utilizando-se de uma grande gamela, colocaram o indivíduo de quatro, ao lado da vasilha e, primeiramente, a dona Mariquinha fez espuma com sabão e cinza e começou a passar no local. A curandeira suava e o doente berrava. Depois do trabalho, passou um trapinho branco e enxugou bem. Ao final, colocou um pozinho branco e um pouco de banha de lagarto papo amarelo. Na hora que dona Mariquinha se despedia, a dona Zina, sempre gentil, perguntou quanto era o custo. Dona Mariquinha bem-humorada e rindo respondeu: - Nada, pois foi um prazer tratar do traseiro do nosso chefe. E acrescentou: - Dentro de dois dias, ao invés da banha de lagarto, coloquem banha de porco sem sal que fica mais refrescante e não gruda. Passados mais alguns dias, o chefe voltou às suas atividades e me chamou para avisar que iria tirar licença de trinta dias, e que eu assumiria em seu lugar. Antes de sair de licença procurou novamente o prefeito Armando Fassini,

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que além de amigo, era o líder político do ex-governador Moysés Lupion e pediu para ser transferido. Fui indicado pelo prefeito Armando Fassini junto à Diretoria de Fiscalização de Rendas, em Curitiba, e fui designado assumindo definitivamente a Chefia da Jurisdição dos nove municípios da micro-região da Fronteira: Barracão, Salgado Filho, Ampére, Realeza, Santa Izabel do Oeste, Planalto, Pérola do Oeste, Capanema e Santo Antonio do Sudoeste. Aí comecei a fazer a minha vida, mas ainda não tinha condução para fazer a fiscalização e então ia de carona, a pé ou de cavalo, mas todo mês cumpria com as minhas obrigações e fazia o roteiro, concluía o meu trabalho, fazia os relatórios e os enviava. De repente, surgiu uma Lei Estadual criando o quadragésimo quinto Distrito Fiscal de Rendas em Santo Antonio do Sudoeste, desmembrando de Pato Branco, tornando-nos totalmente independentes e eu fiquei como chefe do novo distrito. Quando eu ainda estava na direção do Posto Fiscal no ano de 1957 estourou a revolta agrária. A região sudoeste paranaense com excelente clima, terras férteis, rica vegetação, boa hidrografia, levou milhares de gaúchos, catarinenses e paranaenses a ali se fixarem nos anos de 1940. Aqui eles encontraram terras férteis, com muita madeira de lei, entre elas: perobas e araucárias e diante de tanta riqueza natural, logo trataram de fazer suas posses. Com muito sacrifício e trabalho entraram na mata, através de picadas, carregando seus pertences e seus filhos pequenos nas costas ou na cintura. Aí foram construindo seus ranchos de pau-a-pique, com madeira bruta e amarração de taquaras e cipós. Depois de instalados, muitos deles voltaram em busca de amigos e parentes para lhes fazer companhia e assim formaram-se núcleos familiares, adotando um sistema de produção de subsistência, mas é importante salientar que a região sudoeste do Paraná passou a ser ocupada “oficialmente” a partir do ano de 1943, com a criação da CANGO (Colônia Agrícola Nacional General Osório), na vila de Marrecas, atual cidade de Francisco Beltrão. À época da criação da CANGO a área estava sub judice, quer dizer, a União e o governo paranaense disputavam na justiça a posse das terras, como veremos mais adiante. Este projeto de colonização federal instituído pelo presidente Getúlio Vargas fez parte da política da “marcha para o oeste”, com o propósito de fixar naquela região, agricultores do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, com uma economia baseada na agricultura familiar de pequena propriedade.

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A maior parte destes gaúchos e catarinenses era oriunda de colônias agrícolas formadas por descendentes de alemães e italianos. A CANGO oferecia aos colonos que chegavam à região, em crescente número, todo tipo de ajuda e assistência: a terra, a casa, ferramentas e sementes agrícolas, ajuda médica. Tudo de graça, mas sem o título de propriedade da terra. De modo que, na prática, os agricultores eram posseiros. Tinham a posse da terra, mas não um documento que atestasse a sua propriedade. E essa situação constituiria um problema grave mais adiante. Aqui também cabe uma parte da História do Brasil e da colonização da região sudoeste do Paraná e em especial, da cidade de Santo Antonio do Sudoeste. Os primeiros moradores a se instalarem na região onde hoje se localiza o município de Santo Antonio do Sudoeste, foram Dom Lucca Ferera e João Romero, oriundos da vizinha República do Paraguai, ali chegados em 1902. Encontraram, na região, grande quantidade de erva-mate nativa e, como a venda desse produto fosse vantajosa, iniciaram a sua extração e exportação para a Argentina. Nos primeiros anos, aqueles exploradores enfrentaram muitas dificuldades, pois toda a região era um sertão que parecia não ter fim, habitada por grandes hordas indígenas e ligada a outros centros apenas através de picadas abertas em plena floresta. Dom Lucas foi substituído na extração e no comércio de erva-mate por uma empresa argentina com o nome de Pastoriza, a qual se dedicou a esse lucrativo ramo de atividade até por volta de 1920. Dom Lucas Ferrera, ao colocar o nome de Santo Antônio no povoado, prestou homenagem ao santo padroeiro da localidade e o topônimo foi acrescido de “Sudoeste” devido à sua localização. O surgimento efetivo do povoado, que recebeu a denominação de Santo Antônio, deu-se somente em 1912 com a chegada de um grupo de colonos tendo à frente Afonso Arrachea. O comércio de erva-mate continuou sendo a principal atividade dos habitantes da povoação, pois não havia estradas ou outras vias de comunicação que possibilitassem outros empreendimentos. A assim chamada “colonização branca” do Sudoeste do Paraná se inicia pela política expansionista ocasionada pelos “bugreiros” que praticavam a “desinfestação indígena”, ainda nos finais do século XIX e início do XX. Os nativos eram mortos violentamente; deles eram arrancadas as orelhas como forma de comprovação à Companhia.

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Após a elevação do povoado à condição de Distrito Administrativo e Judiciário do município de Clevelândia, iniciou-se a abertura de estradas, as quais deram à localidade notável impulso, atraindo levas de agricultores procedentes de outras regiões do Paraná e dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul que ali se estabeleceram. Além de responsável pela devastação de diversos hectares de matas, os colonizadores se tornaram agentes também da geração do povo sudoestino através da “conquista sexual” das índias que aqui residiam, porque eliminavam os homens e as suas mulheres eram “pegas a cachorro” ou “pegas a laço” em meio às matas, formando assim, a miscigenação que daria fruto ao caboclo paranaense. O governo, ignorando essa ocupação indígena e cabocla, ainda passou a titulação das terras nas mãos de empresas privadas. A questão da posse destas terras remonta ao final do Império, quando D. Pedro II concedeu ao engenheiro João Teixeira Soares, uma enorme área de terras devolutas, em troca da construção da ferrovia Itararé - Uruguay. Essa concessão foi mantida na República com algumas alterações e depois transferida para o grupo Brazil Railway Company, de Percival Farquhar, responsável pela construção da ferrovia São Paulo - Rio Grande do Sul. Esse grupo recebeu como parte do pagamento a gleba Missões, que depois foi transferida para a BRAVIACO (Companhia Brasileira de Viação e Comércio). Em 1930, o interventor do Paraná, Mário Tourinho anula as concessões dadas à São Paulo-Rio Grande e à BRAVIACO. Em 1940, o governo federal incorpora ao patrimônio da União a Companhia São Paulo-Rio Grande e a Brazil Railway Company, o que incluía a gleba Missões. Começa aí a disputa judicial entre a União e o Estado do Paraná por essa gleba, mesmo assim, a União instala a CANGO dentro dos limites da gleba Missões. Em resumo a essa confusão jurídica: os posseiros do sudoeste do Paraná foram instalados em áreas de terras que estavam sendo alvo de disputa judicial entre os governos federal e estadual. Juridicamente a área não tinha dono, mas estava incorporada à União. Para complicar ainda mais a situação, o empresário catarinense José Rupp, obteve a penhora de vários bens da Companhia São Paulo-Rio Grande em troca de uma dívida, e entre estes bens encontravam-se a gleba Missões e parte da gleba Chopim, ambas na região sudoeste. Como a companhia fora incorporada à União, Rupp tentou cobrar a dívida do governo federal e o caso passou a contar com a morosidade da justiça. Em 1950, cansado de esperar a decisão judicial, Rupp vende seus direitos

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à CITLA (Clevelândia Industrial e Territorial Ltda), de propriedade de Mário Fontana e ligado ao grupo do governador Moysés Lupion. A partir daí, a empresa de colonização CITLA, em comum acordo com o grileiro e então Governador Moysés Lupion passa a oferecer e vender títulos falsos de propriedade aos posseiros, quando estes já começavam a colher os frutos de tanto trabalho, pois tal companhia dizia-se dona das referidas áreas, e em seu auxílio contrata jagunços para forçar os colonos a pagarem pela terra ou se retirarem dela. Essa transação constituiu na época um dos maiores “grilos” de terras da história paranaense. Para se ter uma ideia, a área de 500 mil hectares, abrangendo grande parte do sudoeste do Paraná, valia cerca de 300 milhões de cruzeiros e teria sido comprada por algo em torno de 10 milhões. Uma transação muito suspeita, pois nenhum cartório da região queria registrá-la, o que só foi possível com a criação de um Cartório de Registro de Imóveis em Santo Antônio do Sudoeste, igualmente de forma suspeita, pois logo após a sua criação a CITLA conseguiu a titulação das glebas referidas com escritura registrada em 1951, mas a União consegue a anulação dessa escritura em 1953, uma vez que a negociação fora feita de forma ilegal, pois a Constituição Federal proibia a venda de terras em faixa de fronteira, sem a devida autorização do Conselho de Segurança Nacional e exigia que para a concessão de terras públicas, com área superior a 10 mil hectares, houvesse autorização do Senado Federal. Essas exigências não foram cumpridas pela CITLA que, mesmo assim, já se instalara na região e iniciara a venda de lotes. A revolta dos posseiros tem, então, seu embrião em 1951, quando da instalação da CITLA na região, agrava-se em 1956, com a entrada de duas outras colonizadoras ligadas à CITLA, a COMERCIAL e a APUCARANA e tem seu estopim em outubro de 1957. Há duas versões em forma de anedota sobre a origem da palavra “grilo”. Um sertanejo guardava no fundo do baú a escritura, bem escondida. Querendo mostrá-la a seus amigos, abriu o baú e de lá saltaram, simultaneamente, a escritura e um grilo (inseto). Outra diz que os falsificadores de escrituras se parecem com os grilos (insetos): rápidos, espertos e que fogem rapidamente. Em 1951, para atender a interesses, foi criado o município de Santo Antônio, que mais tarde, pela Lei Estadual nº. 5322, de 10 de maio de 1966, foi desmembrado do de Clevelândia, tomando a denominação de Santo Antônio do Sudoeste. Não por coincidência a CITLA tenha se instalado na região no primeiro mandato (1946-1951) do governador Lupion e a COMERCIAL e a APUCARANA no seu segundo mandato (1956-1961), portanto, de 1951,

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ano em que surgem as primeiras reações ainda pacíficas dos posseiros, até 1957, ano do levante armado, a questão legal da propriedade das terras do Sudoeste não se definiu, deixando a população em constante estado de incerteza quanto às suas posses. As pressões da companhia CITLA auxiliada por jagunços “experientes”, espalharam o medo na área em conflito. Porém, a partir de 1956, os conflitos se acirraram, com a entrada de duas outras companhias na região, a Companhia Comercial e Agrícola do Paraná Ltda. e a Companhia Imobiliária Apucarana Ltda, sendo estas duas, juridicamente desmembradas da CITLA, isso porque, em sua segunda campanha eleitoral ao governo do Estado, Lupion ficou devendo grandes quantias a João Simões, diretor do Banco do Estado do Paraná (BANESTADO) e a Jorge Amin Maia, prefeito de Apucarana. Assim, vendeu ao primeiro a COMERCIAL e ao segundo a APUCARANA, que em conjunto com a CITLA passaram a atuar de forma bastante agressiva e violenta contra os posseiros. As companhias imobiliárias eram classificadas de grileiras devido às irregularidades dos títulos de propriedade que emitiam, já que, o seu direito de posse foi negado pela justiça e, mesmo assim, vendiam terras sem autorização legal, mediante falsas escrituras de propriedade. (MOTTA, 2005, p. 238) Para desocupar as terras foram contratados de fora da região: bandidos, jagunços, foragidos dos presídios, inclusive alguns bandidos perigosos que cumpriam pena no presídio do Haú, na capital do Estado; homens dispostos a matar por dinheiro ou pela promessa de redução da pena, agindo com violência e trazendo terror e entre os mais famosos e violentos encontramos: Maringá, Chapéu de Couro, Quarenta e Quatro e Pé de Chumbo. A ordem dada pelas companhias aos jagunços era clara: fazer os posseiros assinarem os contratos de compra das posses que ocupavam, e os que se negassem sofriam violência e para tanto, os jagunços percorriam a região sempre fortemente armados. Muitos colonos recusavam-se a assinar tais contratos, porque não tinham certeza de sua validade, pois os papéis usados eram geralmente folhas amassadas, papéis de embrulho ou de maços de cigarros, nos quais o jagunço assinava seu apelido. O terror espalhou-se pela região: muitos colonos fugiam e se escondiam no mato, deixando mulheres e filhos desprotegidos nos ranchos. Os posseiros não se negavam a pagar pela terra, principalmente aqueles instalados pela CANGO, mas é que duvidavam da autenticidade dos contratos emitidos pelas companhias, uma vez que a legalidade das terras estava sub judice, além do preço exorbitante cobrado. A CANGO, depois que se tornou núcleo,

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vendia a colônia por cerca de 10 mil cruzeiros, ao passo que as companhias CITLA, COMERCIAL e APUCARANA cobravam até 80 mil cruzeiros. Políticos de oposição ao governador Lupion percorriam a região alertando os colonos para a nulidade destes contratos e recomendando que não os assinassem. Foi o caso do senador Othon Mäder da UDN (União Democrática Nacional) e do deputado estadual Antonio Anibelli do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). O clima era de acirramento das agressões e intimidações feitas pelas companhias CITLA, COMERCIAL e APUCARANA por meio de seus jagunços, então os posseiros começaram também a reagir de forma mais agressiva em diversos lugares, como Capanema, Santo Antônio do Sudoeste, Verê, Pato Branco, Francisco Beltrão. Nestas localidades, há registros de vários conflitos, especialmente a partir de agosto de 1957 e que culminaram no levante generalizado em outubro daquele ano. Eu morava no Posto Fiscal com minha esposa Lígia e os três filhos, Ubirajara Pedro (5 anos), Ubiratan Luiz (4 anos) e Ubiracy Guilherme que era recémnascido, e quando menos esperávamos, nos deparamos com o movimento dos colonos dispostos a defender o seu patrimônio e a combater os invasores mandados pelas companhias. A polícia era também dominada pelo grupo e até lembro de um episódio ocorrido com o delegado, Dr. Atílio Fistarol, que acompanhado de dois destes jagunços, teve a petulância de vir até o Posto Fiscal, onde existia um bom gramado e ali desembarcaram exibindo suas armas, várias delas automáticas. Nesta época, eu era o encarregado do Posto Fiscal da fronteira e silenciosamente observava os movimentos, pois sendo funcionário do Governo, só podia assim proceder. Enquanto o tempo passava, os colonos foram se mobilizando, isto tudo secretamente. Certa noite, eu recebi uma visita. Eram dois agricultores amigos e compadres: o Sr. Sebastião Loureiro de Lima e o Sr. Augusto Pedro Pereira, o primeiro residente na Linha Santa Cruz e o segundo na Linha São Pedro do Florido, que logo após me cumprimentar, entraram no assunto que os havia trazido até mim. - Seu Pedro, estamos aqui a pedido do nosso povo. O senhor é pessoa de inteira confiança e nosso amigo, então precisamos que o senhor seja o observador e informante sobre a movimentação dos jagunços. Fique em seu posto e tenha muito cuidado, porque pode acontecer

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alguma surpresa. Tem mais: o único funcionário do Governo que pode permanecer aqui é o senhor, porque os demais, estão ao lado deles e na hora certa, vão ter conosco. Avisaram-me para a não sair à noite, pois estavam se organizando para atacar os jagunços, contando com o elemento surpresa, antes que eles os atacassem, uma vez que, eram mais fortes, pois possuíam o apoio do governo e da polícia e estavam fortemente armados. Agradeci pela confiança em mim depositada, e perguntei: - Posso avisar os meus vizinhos sobre o que está acontecendo? - Nós achamos melhor que pouca gente fique sabendo, mas contamos com o seu discernimento em saber para quem vai revelar. - Somente para os meus amigos que me são de inteira confiança e que possuem filhos pequenos. - Está bem! Nós confiamos no senhor. Depois de autorizado para informar os meus vizinhos do perigo iminente, saí discretamente após o trabalho e visitando um a um dos meus amigos reveleilhes tudo o que estava acontecendo, ocultando os nomes das pessoas que mo tinham revelado e, a partir de então, fiquei só observando a movimentação tal e qual tinha feito até aquele momento. O bairro do posto era o de maior movimento e também o mais frequentado, porque lá estava instalado o único hotel da cidade, de propriedade do Sr. João Sbardelotto, o Joanim ou Maneta como era conhecido. Os colonos sempre atentos, de vez em quando apareciam para ter notícias com o fiscal, saber do andamento do confronto e informar os próximos passos. Eu, o Avelino Orth, o Henrique Fauser, conhecido como Boca Rica, o compadre Timóteo Veiga, que nós chamávamos de Bicudo, nos reuníamos ali e ficávamos conversando numa tensão nervosa, porque a polícia estava acampada antes da Dambros e Piva e os agricultores revoltosos estavam do outro lado, e temíamos que de uma hora para outra, houvesse o confronto. Para proteger mulheres e filhos, eu e os vizinhos, tomamos uma decisão: durante o dia nossas famílias ficariam no Brasil, ali na beira do Rio Santo Antônio, no Posto Fiscal, hoje a alfândega e no final da tarde, nós os levaríamos para a Argentina, onde passariam a noite na “aduana”, local, que o chefe Sosa, muito gentilmente providenciou para dar-lhes guarida. Nós, os homens, voltávamos para o Brasil e ficávamos escondidos no Posto

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Fiscal, numa casa velha, que servia de chiqueiro de porcos, perto da cabeceira da ponte que fazia divisa com o outro país, apenas assistindo à movimentação das patrulhas. Eles passavam, a cavalo, de um lado para o outro, e nós escutávamos somente o barulho dos cascos dos animais. Sem cigarro, sem fogo, sem lanterna, sem nada: na mais pura escuridão e em silêncio absoluto. Eles estavam armando trincheiras: uma na subida da serraria da Dambros e Piva, perto de onde hoje se encontra a Igreja São Cristovão e próximo ao Posto Fiscal e a outra trincheira ficava entre os km 16 e 17. Ainda em agosto, a CITLA perdeu na justiça um recurso no Supremo Tribunal Federal com relação ao registro da escritura, e este fato foi amplamente divulgado na região sudoeste pelas rádios Pato Branco e Francisco Beltrão, que passaram a apoiar abertamente os posseiros. É bom lembrar que as saídas políticas e diplomáticas continuaram sendo tentadas para resolver o impasse. O fato é que as companhias CITLA, COMERCIAL e APUCARANA diziam-se legítimas proprietárias das terras da região, ao passo que para os colonos o que interessava era a escritura legal e oficial de suas posses e passaram a exigir a saída das companhias e dos jagunços da região, para que o clima de tranquilidade reinasse nas cidades e áreas rurais. Esta situação de instabilidade também estava prejudicando os comerciantes que diziam que tudo estava parado por causa da situação dos posseiros, o que fez com muitos deles se aliassem a eles e até os liderassem no levante de outubro de 1957. Na região de fronteira, os conflitos armados foram mais significativos nas áreas de Capanema e Santo Antônio do Sudoeste. Nessas áreas, os colonos apelaram para a ajuda dos “farrapos”. Os farrapos eram oriundos do Rio Grande do Sul, famosos pela valentia, pela liderança e uma concepção própria de justiça. O farrapo Pedro Santin, os irmãos Bello e um tal de Robertinho lideraram centenas de colonos que se levantaram contra as companhias CITLA e APUCARANA na região de fronteira. Este grupo, em 6 de setembro, numa emboscada em Lajeado Grande, distrito de Capanema, matou o gerente da APUCARANA Arlindo Silva e expulsou os jagunços. O grupo de Santin também participou da famosa “tocaia do km 17” na estrada entre Santo Antônio e Capanema, onde colonos entrincheirados atrás de uma grande e grossa madeira de peroba, surpreenderam o grupo de invasores (companhias) que estavam num caminhão carregado de jagunços e armas, prontos para o confronto, quando foram rechaçados, em uma emboscada,

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pelos humildes trabalhadores rurais, armados de espingardas, facões, foices e enxadas. Gaspar Kraemer, da companhia APUCARANA, e Nilo Fontana, da CITLA de Santo Antônio do Sudoeste, participariam de uma reunião com os posseiros para fazer um acordo. A reunião seria no dia 14 de setembro na Linha Lajeado Grande, em Pérola do Oeste. O grupo de Santin armou uma tocaia, mas os gerentes das companhias, suspeitando de alguma armação, não foram ao encontro e desmarcaram a reunião, mas os colonos não foram avisados e seguiam para o encontro. No dia marcado, os diretores das companhias mandaram uma camioneta com o motorista e um jagunço, que iam dando carona a colonos que estavam na estrada. No local da tocaia o grupo de Santin, sem saber da cilada, abriu fogo contra a camioneta e seus ocupantes. Eram 14 as pessoas que estavam na camioneta, morreram 7: os dois funcionários da companhia e 5 colonos, os restantes conseguiram fugir para o mato ou fingiram-se de mortos. Um desses colonos mortos era pai de um dos atacantes. O filho participou da execução do próprio pai. Escaparam da dita emboscada uma moça que também estava de carona e tem o seu nome no anonimato e um cidadão chamado Josué Batista de Oliveira, que se fingiu de morto, pois estava acompanhando o grupo de jagunços. Este cidadão, posteriormente foi nomeado funcionário da Inspetoria de Terras do Estado, sendo designado para chefiar a referida repartição pública, situada em nosso município. Com o passar dos anos, ele foi eleito vereador e mais tarde, transferiu-se para a cidade de Cascavel, onde em outro confronto, foi assassinado. O grupo de Santin tomou Capanema, a estrada foi interditada, o escritório da companhia APUCARANA incendiado e parte dos jagunços fugiram para Santo Antônio do Sudoeste quando cerca de 2 mil colonos armados ocuparam a região de Capanema. Este foi, portanto, o lugar em que primeiro os posseiros “limparam a área”, expulsando companhia e jagunços. A situação naquela cidade foi resolvida com a intervenção direta do Chefe de Polícia do Estado, Pinheiro Júnior que, em acordo com os colonos, conseguiu acabar com os conflitos naquela área de fronteira. Faltava a solução para Santo Antônio do Sudoeste. A expulsão dos jagunços da região significou o deslocamento de grande parte deles para as áreas de Francisco Beltrão e Pato Branco, onde o conflito entre as companhias, jagunços e posseiros continuava. Jornais e revistas nacionais e estrangeiras divulgavam amplamente os conflitos do sudoeste do Paraná. Jornal

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argentino falava de uma “revolución agrária brasileña”. (WACHOWICZ, 1985, p. 274). Nos primeiros dias de outubro de 1957 lideranças das cidades, contrárias às companhias, foram se reunindo e das conversas havidas, chegou-se à conclusão de que somente um movimento popular armado poderia expulsar as companhias. Em Pato Branco, um acontecimento precipitou a ação: no dia 9 de outubro, pela manhã, foram trazidas três crianças da localidade de Águas do Verê. As crianças haviam sido surradas com açoiteira, chicote usado para bater em animais. Estavam com vergões em todo o corpo. Os colonos, juntamente com as crianças, foram procurar o comerciante Jácomo Trento, mais conhecido pelo apelido de Porto Alegre, que há tempos estava na luta ao lado dos colonos e juntos foram à delegacia, porém o delegado falou que nada podia fazer. A partir da tarde, o povo foi chamado pelo rádio através do radialista Ivo Thomazoni e aos poucos, a cidade de Pato Branco foi ocupada por centenas de pessoas, homens, mulheres e até crianças, armadas e os jagunços acuados fugiram para a vizinha cidade de Francisco Beltrão, onde ficavam as sedes da CANGO e da CITLA.

No dia seguinte, 10 de outubro de 1957, seis mil posseiros ocuparam Beltrão, expulsando os jagunços e destruindo os escritórios das empresas e as documentações falsas que haviam sido obrigados a assinar. Os líderes do movimento mandaram um telegrama às principais autoridades da República, governadores, deputados e autoridades estaduais. O Ministro da Guerra, Teixeira Lott, deu um ultimato ao governador do Paraná Moysés

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Lupion: fechar as companhias imobiliárias e acomodar os colonos, caso contrário, haveria intervenção federal na região. Foi então, decidido pelo governo paranaense, afastar definitivamente as companhias do local. O interesse político a nível nacional acabou prevalecendo sobre o interesse econômico das companhias. A última cidade em que houve um levante dos posseiros foi em Santo Antônio do Sudoeste. No dia 12 de outubro colonos marcharam sobre a cidade, liderados pelo compadre Augusto Pereira, fazendo com que as autoridades do município fugissem para a Argentina, pois como haviam prometido, os colonos foram atrás dos funcionários públicos, contrários aos seus legítimos anseios e que permaneceram apoiando o governo. O coletor estadual, Sr. Cirino Correia não teve tempo de fugir. Quando se viu encurralado, pediu socorro à sua esposa, que o trancafiou em uma caixa forte existente naquela Coletoria e que era utilizada para arquivo de documentos de valor, ficando ali escondido por vários dias. Outro grupo fortemente armado invadiu a Delegacia de Polícia, surpreendendo o delegado, que mesmo com uma metralhadora portátil acabou empreendendo fuga, refugiando-se no chiqueirão de porcos do Vendelino Spader, nos fundos daquela delegacia. Depois disso, os colonos fizeram um grande desfile na Avenida Brasil começando na ponte da entrada da cidade indo até a praça central, que atualmente chama-se Percy Schereiner. Ali formaram uma grande coluna. Os líderes do movimento subiram na carroceria de um caminhão Mercedes Benz azul e tomando a palavra, o Sr. Leandro Marcon, farmacêutico da cidade, convocou os presentes, que estavam em grande número, para cantar o hino cristão “Queremos Deus”, em ação de graças e depois o hino nacional, enquanto hasteavam a bandeira do Brasil. Em seguida, ouviram o advogado do PL - Partido Libertador, o doutor Edu Potiguara Bublitz, que apoiou o movimento, pois neste levante, o advogado teve uma atuação de destaque em defesa dos posseiros. Bublitz também assumira a defesa dos posseiros em outras localidades da região; praticamente nenhum advogado quisera fazê-lo por receio das companhias. Tal qual em Pato Branco, aqui também foi eleita uma Comissão de 26 membros e uma diretoria. Santo Antônio do Sudoeste ficou ocupada por três dias consecutivos e como em outras localidades, os colonos arrombaram os escritórios da companhia

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APUCARANA e jogaram os arquivos nas ruas da cidade. O acordo feito aqui, foi praticamente igual ao realizado nos outros centros do levante. Quando a comitiva passou pelo Posto Fiscal, eu notei que, juntamente com eles, vinha o Pedro Santin. Era um homem franzino, de maus antecedentes e estava armado até os dentes, com muita munição, mas sabiamente tomou a decisão de voltar para casa, alegando que poderia sobrar alguma coisa para ele. Por fim, um dia, foi assassinado no Lajeado Firmino, hoje localidade de Bom Jesus do Sul. No desfile dos colonos, quando ninguém esperava, apareceu de surpresa o capitão de polícia conhecido por Ariel, cidadão muito respeitado, por ser militar de bom procedimento e amigo de toda a população da região. Vendo que tudo havia terminado em paz, afastou-se do local, comprometendo-se antes a não permitir o retorno das companhias e ainda a restringir a ação da polícia na região. O conflito pela posse da terra foi concluído com a vitória dos posseiros, que tiveram suas posses regularizadas e tituladas a partir de 1962.

Desfile dos colonos.

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Convite dos 50 anos da Revolta dos Posseiros.

Ao lado da casa onde funcionava o Posto Fiscal, lá pelos idos de 1959, morava o Domingos Ferreira, homem bastante valente, sistemático e excelente vizinho, considerado um grande aviador de remédios homeopáticos, pois era formado e diplomado pelo Círculo Esotérico. Certo dia, chegando à minha casa, encontrou-me com o rosto um pouco inchado e examinando-me, constatou que eu estava com sinusite, prontificando-se para realizar a cura. Chamei o meu filho Pedrinho e mandei até a farmácia da dona Ziza para comprar dois tabletes de alcânfora. Ele então, preparou uma mistura composta dos dois tabletes de alcânfora moída, juntou-lhe mais um pó branco que não sei o que era, colocou em um vidrinho e mandou que eu cheirasse, inspirando por uma narina e expirando pela outra, de quatro a cinco vezes ao dia. Após dois dias eu estava bem melhor e praticamente curado. Este cidadão prontificou-se a ensinar-me tão nobre arte, projeto que jamais se concretizou, pois, infelizmente, enquanto eu estava numa das minhas viagens pelas terras do Mato Grosso, ele veio a óbito, devido a um derrame. Deixou uma coleção de livros sobre plantas medicinais e o seu uso e também um estoque de remédios, inclusive alguns que havia importado através do Círculo Esotérico, mas não sei qual o destino que a família deu a todo o material.

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Pedro Corrêa O Homem Público No ano de 1964, fui procurado por algumas pessoas para ser candidato a prefeito, apesar de entender quase nada e nem de me envolver em política, pois até então, eu votava nos candidatos indicados pelo meu pai e não tinha nenhuma pretensão à vida pública. Eu não fazia ideia do quanto era conhecido, mas sempre tive facilidade para fazer amigos e como chefe da Agência de Rendas de Santo Antônio do Sudoeste, a minha convivência com os amigos Otto dos Passos, Elmo Michel e Xisto Bonzanini, entre outras personalidades, que hoje me fogem à memória, o meu nome foi crescendo a tal ponto de ser procurado para lançar-me candidato. Recusei numa resposta imediata. Os deputados estaduais da região eram Arnaldo Busato (PDC) que foi considerado um dos políticos mais carismáticos da História do Paraná e teve uma das mais brilhantes carreiras na vida pública brasileira e Ivo Tomazoni (UDN). Formamos o PDC aqui em Santo Antônio do Sudoeste em função do Busato, que era genro do velho Candinho (Cândido Martins de Oliveira, que conheci no Posto Fiscal do Rio Pato Branco), conhecido do Otto, e foi ele quem nos apresentou.

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Um dia o Otto disse: - Pedro, o Candinho vai lançar o genro dele para deputado estadual e pediu para nós criarmos o PDC aqui e dar apoio a ele. Então, você que conhece o Ney Braga e que é lapeano como ele, vai até Curitiba e pega as credenciais do partido para nós, porque o PTB já me procurou para ser candidato a vice na chapa do Maneco Ortega, mas eu não pude aceitar porque já tenho compromisso com o Valentim Faquinello. Soube que o Percy Schreiner está em negociação com o Augusto Ortega, que é o cartorário, para fundar o PDC aqui e então eles ficarão com dois partidos. Tudo isto aconteceu antes da convenção. Fui até Curitiba e falei com o governador Ney Braga, que me tratava pelo apelido. - Ô Lapeano, o que você quer aqui? Nós tínhamos uma amizade aberta. - Eu vim aqui a pedido da comunidade, pois os nossos companheiros me incumbiram de buscar as credenciais para formarmos o PDC em Santo Antônio. Ele ficou faceiro, conversamos muito e depois ele me entregou a documentação. Dias depois, nos reunimos na casa do sargento “Pernambuco” e fundamos o PDC - Partido Democrata Cristão e inscrevi-me como filiado, tendo como liderança o meu grande amigo, compadre e primeiro coletor federal que apareceu em Santo Antônio do Sudoeste, Otto Francisco dos Passos. Apesar da minha recusa, o meu nome foi para a convenção do partido e eu recebi quarenta e quatro dos quarenta e cinco votos e Otto Passos apenas um, sendo que eu votei no Otto e ele em mim. Com tão grande apoio, não tive como me esquivar. Depois, recebi novos companheiros e novas siglas de adesão, como: PSD, UDN, PL e de membros pertencentes às famílias tradicionais como os Faquinellos, Giongos, Rovedas, Bohn, de Sá, Longhi, Fassini, Pastório, Carminatti, Scalon, Maram, Milani, Medeiros, Morais, Pinto e Iser, entre tantos outros que peco por não citar os nomes, pois a minha memória já não é a mesma,

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mas, aos quais, não sou menos agradecido. Aleguei não ter condições financeiras para concorrer ao cargo, mas os amigos me garantiram condições de disputa e o Valentim Faquinello, do então Distrito de Pranchita montou uma comissão para auxiliar-me. Depois, fomos conversar com minha esposa Lígia que assustada disse: - Concorrer à Prefeitura com que dinheiro, se nós só temos um ao outro, três filhos e o dia e a noite? Analisamos os prós e contras, afirmei: - Seja o que Deus quiser! A partir daí, pedi licença do Estado para concorrer e registrar a minha candidatura e parti para a luta. Mesmo sem entender do assunto político, mas cheio de boa vontade, arregacei as mangas e comecei a campanha pelo interior do município, pois achava que, por ser morador há pouco tempo, era quase um desconhecido. Surpreendi-me ao perceber que era o contrário: durante a campanha notei que eu era muito conhecido devido ao meu trabalho de fiscal de rendas na fronteira, pois não criava empecilhos para ninguém nas passagens de ida e volta para a Argentina, quando tratava-se de gêneros alimentícios. As mercadorias mais procuradas no país vizinho eram compotas de pêssego; óleos vegetais comestíveis, principalmente o de oliva; farinha de trigo 0000 (quatro zeros) especial, em sacas de 70 kg, e doce de batata (dulce de papa). Para este tipo de compras não havia fiscalização, pois que eram de primeira necessidade.

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Nos comícios, sentia que o povo já me aclamava como prefeito, com os tradicionais “Já ganhou!” O amigo e companheiro, Valentim Faquinello, que foi candidato a vice na minha chapa, já era bastante conhecido, pois era um homem do comércio e da agricultura, além de ser pioneiro do município. Da mesma forma eram os candidatos a vereança: Casemiro Correia, Telmo Brescovici, Nestorino Ferrari, Josué Batista de Oliveira, Emílio de Medeiros, Dionísio Scopel, Estefani Rodrigues Filho e Inocentino Bortolini. Todos eles, homens honrados e responsáveis, com muito prestígio junto às suas comunidades. A campanha foi muito bonita, pois, por onde passávamos, todos vinham ao nosso encontro e queriam falar nos comícios e, algumas vezes, me acompanhou o saudoso deputado e amigo Dr. Arnaldo Faivro Busato. Num certo comício na linha Tigra participaram vários amigos de outros partidos, inclusive candidatos à vereança, um deles era o Inácio Rohde, do PSD, que falou em seu alemão arrastado, que eu era o melhor candidato, afirmando que tendo companheiros fortes como Arnaldo Busato e o Governador do Estado, Ney Amintas de Barros Braga, era eu quem possuía o melhor candidato a vice-prefeito, Valentim Faquinello, e que o maior beneficiado seria o povo, principalmente os moradores do interior.

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Valentim Faquinello e Pedro Corrêa – a parceria que deu certo.

Depois, agradeci às palavras de apoio e a comunidade por ter cedido o salão da capela da Linha Tigrinha, liderada pela família de Nestor Lopes e encerrei o evento com poucas palavras, sendo calorosamente aplaudido. Prometi muito trabalho e respeito, principalmente para com o povo do interior. Dali, fomos para Linha Parda, quando, coincidentemente, chegamos quase junto com a caravana do adversário. Na verdade, chegamos uns minutos antes, mas o eleitorado da chapa adversária, para atrapalhar e não permitir que os moradores dali viessem ao nosso comício, trancaram as estradas do povoado colocando carroças, arados, carrinhos de mão, trilhadeiras, pedaços de pau, enfim, tudo que puderam para tentar dificultar o nosso acesso.

Comício na Linha Parda.

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O candidato adversário lançado pelo então prefeito Percy Schreiner, em seu segundo mandato, era Eugênio Katzwinkel, comerciante do ramo de bebidas, representante da Cervejaria Antárctica, que havia recém-chegado da cidade de Rio Negro e se estabelecido em Santo Antônio do Sudoeste. Eu e Valentim entramos em acordo com o pessoal liderado por Percy, que era um político de muita habilidade. Em resumo: conseguimos que houvesse dois comícios no mesmo dia, na mesma localidade e quase na mesma hora.

Comício na Parda com meu amigo Pedro Pastório falando.

Comício na Linha São Pedro do Florido.

Entre os presentes àquele comício estiveram Valdo Fleck, Osvino Kaiser, que viria a tornar-se sogro do meu filho mais velho, Lolico de Moura, Antônio Pereira, membros da família Doneda entre tantos outros amigos. Ali morava o Ondino Alves dos Anjos comerciante e candidato a vereador com grande prestígio, tanto que se elegeu. Em seguida, fizemos comícios nas linhas Canzianópolis, Santa Cruz do Oes-

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te, São João, São José, São Judas, São Roque e voltamos para a cidade. Foi o primeiro contato com o povo e foi maravilhoso, quase mágico. A campanha continuou, com visitas corpo a corpo, caravanas e comícios movimentando o povo todo. Um dos primeiros companheiros que se prontificou para ajudar na nossa campanha foi o inesquecível amigo Wilmuth Iser, e inclusive a sua esposa, dona Nilza, foi uma das primeiras companheiras de luta. Ela não media esforços. Planejamos várias visitas e partimos. Era um sábado, fomos até a Linha Glória. Lá chegando, no salão do seu Generoso Reis, havia um grande baile, aproveitamos a animação e começamos a dançar. Dona Nilza, já muito conhecida, pois era a professora da Linha Bonita, apresentou-me a várias pessoas. A segunda pessoa que se lançou, de corpo e alma na campanha foi a Sra. Dalíria Scariot, esposa do incansável compadre Adelino Scariot. Jamais esquecerei da ajuda dos meus primeiros amigos a entrarem na luta: Dionísio Scopel, Adilson Maram, Heitor Rodrigues, Milcar José Zart, família Pilatti, Aldo Luckmeyer, Ary Daros, Anildo Khun, Rudi Bohn, Pedro Pereira de Sá, Genésio Scalon, Genor e Luiz Lanzarini, todos estes da cidade. No interior tivemos grande apoio e foram tantas as pessoas que me ajudaram na campanha que peço desculpas por não as nominar, pois correria o risco de esquecer algum. Eu pouco podia fazer, pois não possuía veículo para me locomover, mas fazia o possível para estar com o povo, porque no interior, eles compareciam em massa aos comícios e para eles também não era fácil o acesso ao local. Aqueles que moravam próximo vinham a pé e os outros em carroças, carro de boi, cavalo, do jeito que dava. Foi aí que apareceu um filho de Deus, que era verdadeiramente meu amigo. Na época da revolta dos colonos, veio morar em Santo Antônio do Sudoeste, a família Dantas de Oliveira, cujo chefe da referida família era um homem muito forte, madeireiro, fazendeiro e dono de uma ferraria. Era adversário de partido, filiado ao PTB, liderado por Leonel Brizola, mas isso lá no Rio Grande do Sul, porque aqui era adepto do Percy Schereiner. Era o Aureliano Dantas de Oliveira, um homem como poucos. Um dia, ele chegou em minha casa falando de política. Perguntou: - Como é que estão as coisas? Fui sincero e respondi: - Para mim não está nada fácil, sou funcionário público, não tenho dinheiro e nem veículo para fazer a campanha. Aí, o Seu Áureo, como era conhecido, afirmou que estava ali com um Jeep

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ano 1954, mas que estava em bom estado, dizendo ainda que eu poderia ficar com ele até o final da campanha. Quase não acreditei e nem tinha palavras para agradecer. Fiquei imaginando o que ele pediria em troca de tão grande favor, mas jamais cobrou coisa alguma. Após este episódio realmente começou a campanha. Visitei de imediato as linhas Tarumã, Cedro, Bonita, Alto Carvalho, São Francisco, que era conhecido também como Escondido, São Matheus, Formosa, São João, Marcianópolis, Km 5, Barão do Triunfo, Toledo, Sete, Km 13, Nova Riqueza, Km 10, Santa Izabel, Rio Verde, São Sebastião do Florido, Valdomeira, São Pedro do Florido, Canzianópolis, Três Irmãos, Santa Catarina, Vista Gaúcha, Alto Evangelho, Tigra, Macaco, Lajeado dos Porcos, Mico, São José, Capoeirada, São Roque, São Judas, Distrito de Pranchita, São Domingos, Santa Cruz do Oeste, Km 16, Chiodi, Araçá, Esquina Gaúcha, Alto Aparecida e Vista Alegre, e ainda em Santo Antônio: Barão do Triunfo e Santa Terezinha. Depois passamos para o outro lado do rio Capanema, visitando Sede União, Pinhal de São Bento, Pedregulho, Nova Bélgica, Planaltina, entre outros. Depois disso, acabei sendo conhecido por toda a região, e assim foi passando o tempo, sempre com aquela tensão nervosa. Antes mesmo de iniciar a campanha política, havia recebido um recado da minha irmã Maria, para buscar a nossa mãe que se encontrava muito doente e que, até então, com ela morava em Curitiba. Por não ter condições de cuidar de duas pessoas enfermas, haja vista que seu esposo Leopoldo, também estava doente, pediu que aliviássemos seu fardo e que fôssemos buscá-la. Como mamãe estava muito fraca, não aguentaria uma viagem tão longa, porque de carro não seria nada confortável e as condições das estradas eram péssimas, assim que eu, a Lígia e a Tereza chegamos à capital, fui falar com o meu amigo Arnaldo Busatto, pedindo para que ele providenciasse uma ambulância, mas gentilmente, ofereceu-me o seu avião para o transporte. No dia seguinte embarcaram de volta: Lígia, Tereza e nossa mãe e eu fiquei mais alguns dias conversando com lideranças políticas do Sudoeste. Durante quase um ano, mamãe ficou sob os cuidados de Tereza, mas no dia 7 de agosto de 1964, quando eu estava em plena campanha, mamãe não resistiu à doença e faleceu, sendo enterrada aqui mesmo, em nossa cidade. O tempo foi passando e com os nossos companheiros na expectativa e os nossos adversários em plena luta, mas o Eugênio Katzwinkel, apesar de receber o apoio político de um dos maiores nomes da política santo-antoniense, Percy Schreiner, demonstrava insegurança. Um dia em conversa com o Percy, ele me disse:

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- Pedro, eu coloquei o Eugênio porque não tinha outro candidato, mas tenho certeza de que você vai ser eleito, porque já percebi que você tem bastante prestígio, principalmente no interior. Fiquei muito satisfeito com as palavras do meu amigo e elas me tranquilizaram, tanto que, ao chegar em casa, contei imediatamente para a Lígia, que andava muito preocupada. Com isto ela acalmou-se. No dia da eleição - 06 de dezembro de 1964, tudo correu às mil maravilhas, pois houve um grande respeito de ambas as partes. Com todos reunidos no Clube Guarani, o juiz eleitoral, o Dr. Antônio Schiebel, que tempos depois em justa homenagem foi escolhido para dar nome ao colégio do centro da cidade, promulgou o resultado, dando vitória a mim e à maioria dos meus vereadores. Fui eleito com uma boa diferença: 3.416 votos contra 2.343 votos do meu adversário. Ao sair do clube, na euforia da vitória, solicitei ao doutor Ary Faria Furquim que em meu nome fizesse um agradecimento aos presentes, mas por incrível que pareça ele, que sempre foi meu amigo, acabou recusando o meu pedido e não entendi o motivo desta negativa. Quando da minha chegada a Santo Antônio fui recebido por ele que era um dos chefes políticos do deputado Busatto, que lhe nomeou Delegado de Polícia no Município e logo em seguida Inspetor Regional de Ensino. Fiquei muito chateado e, a partir deste episódio, a amizade nunca mais foi a mesma. Mas enfim, nem festa houve pela vitória nas urnas. Fui para casa logo depois da vitória, onde comemorei com a família e os amigos mais próximos, que apareceram para me cumprimentar. No dia seguinte, comecei a pensar o que ia fazer para tomar posse como prefeito do Município de Santo Antônio do Sudoeste. O primeiro pensamento foi o de quem seria o meu secretário maior, e pensei no nome de Ernesto Selbach, sogro do meu compadre o coletor Otto Francisco dos Passos, que posteriormente viria a ser prefeito em Capitão Leônidas Marques, como candidato único devido a sua grande experiência, pois também, havia sido secretário administrativo do município de Cruz Machado, próximo de União da Vitória, no sul do Estado. Como estava licenciado do Estado, continuei em minha residência fazendo planos e aguardando o dia da posse, que enfim chegou. Neste dia, eu estava sentado na varanda da minha casa, localizada na Ave-

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nida Brasil e quando menos esperava, apareceu o Alberto Pazuch, que ocupava o cargo de vice-prefeito em exercício, convidando-me para acompanhá-lo até a Prefeitura Municipal, pois que ele faria a prestação de contas. A transmissão do cargo foi em uma cerimônia simples nas dependências do Clube Guarani, e não recebi a prefeitura das mãos do meu amigo e prefeito anterior, Percy Schreiner, porque ele havia sido eleito Deputado Estadual em segundo mandato e estava em Curitiba. Depois de eleitos, trabalhamos muito e fiz o que pude, pois para isto eu fui eleito. Tudo era muito difícil, até a ida daqui a Curitiba era um sofrimento, e a primeira viagem que fiz foi de carona com o Avelino Orth, no Alfa Romeo do Chacho, o Eloi Alves dos Anjos. Na segunda viagem fui de carona com o Nestorino Ferrari, num Mercedes de cara chata que ele tinha.

Diplomação de Prefeito recebida das mãos de um grande homem, o Dr. Antônio Schiebel.

Prefeitos diplomados nos municípios da fronteira.

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A Prefeitura encontrava-se instalada em um velho prédio de madeira, onde anteriormente, havia uma escola Estadual, prédio este doado pelo governador Moysés Lupion, para o Brasil Esporte Clube, localizado em frente ao pavilhão de festas da Paróquia Santo Antônio de Pádua, e necessitando de reforma urgente.

Diploma do T.R.E.

Entrei em contato com o pároco, padre Primitivo Baltazar Flores Zevallos, que cedeu a parte debaixo do referido pavilhão, onde permanecemos até o fim da reforma. Já instalados, mesmo que provisoriamente, comecei a conversar com os funcionários. Iniciei a conversa pela funcionária Ângela Mattos, tesoureira, indagando sobre as finanças e esta confirmou o que já desconfiávamos: o erário municipal estava praticamente zerado. Pensei que era tão pouco a receber, mas eu tinha algo grandioso do meu povo: a confiança e a responsabilidade de uma boa administração num município que era grande e pobre. Dando prosseguimento à posse, fui apresentado aos demais funcionários e no primeiro contato tive uma boa impressão e consegui a simpatia dos que seriam meus subordinados nos anos seguintes. O Sr. Arthur Januário Angonesi era Auxiliar de Administração e Chefe da Junta de Alistamento Militar, além de diretor da Câmara de Vereadores; Nires Maria Busse, filha de um grande amigo que muito nos auxiliou, no serviço inter-

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no; Orildes Paraná de Oliveira, dos serviços externos; Iradi Tomazoni, operador da “Maria Fumaça”, a usina de energia elétrica, funcionário este que desempenhava suas funções dignamente e com muita responsabilidade; Alduíno Fedrigo, subprefeito de Pranchita, em substituição a Francisco Ribas; Marcolino Silveira Antunes, subprefeito de Pinhal de São Bento; Alexandre Schlickman, subprefeito de Sede União e Airone Rosetti, encarregado de serviços gerais, que depois pediu demissão; Francisco Ribas da Silva para escriturário; Hélio de Oliveira Toledo, contador; Vivaldino Dorneles e Pedro Pastório como fiscais dos serviços externos. Os primeiros contratados foram: Orígenes Oliveira do Carmo como fiscal; Benjamim Ottobelli, usineiro; Luiz Rui Leiria, zelador e jardineiro e Vivaldino dos Santos, fiscal da rua. Também foram contratados dez zeladores de estrada.

A reconstrução da Praça Percy Schreiner.

Rui Leiria – zelador e jardineiro.

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Ângela falou sobre os doze subprefeitos e chamei o Arturzinho (Arthur Angonesi) pedindo que ele fizesse um ofício convocando todos eles para comparecer na Prefeitura e no dia marcado, todos estavam lá. Um de lenço no pescoço, outro de botas brilhando, outro todo arrumado com trajes domingueiros: bacana os caras, gente boa, e cada um puxando a brasa para o seu assado. Perguntei: - O que vocês têm nas subprefeituras? E as respostas foram as mais diversas: - Eu tenho uma picareta. - Eu tenho enxadas e pás. - Eu tenho material de escritório. - Eu tenho um bloco de notas. Depois de ouvir as respostas, perguntei: - Mas o que vocês fazem o ano inteiro? E a resposta veio quase unânime: - Eu cuido quando tem faxina. Faxina era a limpeza da estrada feita pelos colonos que a utilizavam. Eram cinco dias por família e depois disto os subprefeitos emitiam um recibo para eles. Eu disse: - Daqui trinta dias vocês voltam trazendo todo o material pertencente à Prefeitura: as ferramentas, os blocos de notas e de recibos. Durante estes trinta dias eu visitei o interior: fui de povoado a povoado, perguntando como é que funcionava e o que os subprefeitos faziam e o que não faziam. E o pessoal contou outra história, dizendo que no tempo de faxina eles iam para a estrada e faziam dois dias de serviço ali e os outros três dias trabalhavam nas propriedades dos subprefeitos. Passado o tempo determinado eles voltaram e trouxeram os talões de recibo

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de onde haviam tirado quase todas as vias. Escutei todos novamente e depois exonerei os doze num ofício só, através da Lei nº. 78, de 05.01.65. A reclamação foi geral: - Mas o senhor não pode fazer isso. Eu sou funcionário do tempo do compadre Percy. - A produção de vocês não tem fundamento. Não faz sentido a Prefeitura pagar pelo serviço, se estamos com déficit financeiro. Depois de demitir os doze, nomeei no lugar doze fiscais municipais, e foi pior a emenda que o soneto, porque estes fiscais, que eu contratei, faziam a “mandiocada” deles e quando descobri, demiti todos de novo. Então, decidi que eu e o Luiz Tonini faríamos o trabalho: eu como prefeito e o Tonini como motorista, aliás, este eu trouxe de Pérola do Oeste. Ele era irmão do prefeito de lá e ocupava o cargo de auxiliar da fiscalização e também era motorista naquela cidade. Sempre pude contar com a ajuda dos vereadores, os quais assumiram papel de “prefeitos” de suas comunidades: Nestorino Ferrari, na Linha São Francisco; Dionísio Scopel, no Bairro Entre Rios, no São Pedro do Florido e Valdomeira; o Telmo Brescovici, na Marcianópolis; o Emílio de Medeiros do lado de lá do Rio Capanema, ou seja: Sede União e Pinhal de São Bento e o Inocentino Bortolini, na Pranchita. Quando eu assumi, reuni todos eles e disse: - Chegou a hora da gente cumprir as promessas que fizemos e vamos fazer tudo aquilo que prometemos. - Mas como, seu Pedro? - Cada um da comunidade de vocês é o prefeito de lá. Não sou eu quem vai perguntar se precisa de bueiros, de escolas ou de estradas, pois vocês vão ter a obrigação de ver o que a comunidade quer e eu endosso tudo o que vocês prometerem. Só preciso que me tragam o documento. Se precisar de uma escola, façam um abaixo-assinado, que eu passo o visto. O Luiz Tonini também estava incumbido de ir para o interior e checar as escolas, ver se estava tudo em ordem, verificar os bueiros, as estradas e me trazer o relatório para evitar uma viagem especial. Nesta época, eu já havia comprado um Jeep velho do Antonio Paz, que morava no Lajeado Firmino, e este foi o primeiro carro da Prefeitura.

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Eu tinha também uma Pick-up 1960, quando assumi a Prefeitura, que comprei da igreja, pois o pároco, Pe. Ulrich, não pode pagar as prestações, apesar de serem parcelas muito pequenas. Um dia, em conversa com o Dionísio Scopel, meu amigo e Presidente da Câmara, perguntou: - Pedro, porque você não vende essa Pick-up velha para a Prefeitura? - Mas vocês aprovam? - Aprovamos! Depois, como eu só tinha aquele carro, comprei o Jeep 57, mas em bom estado de conservação e este era o meu carro para viajar até a capital. Saía de Santo Antônio do Sudoeste de madrugada para pernoitar em União da Vitória e no outro dia seguia viagem até Curitiba. Passado um ano, a coisa foi melhorando, apesar de não termos retorno do ICMS, que era mínimo. Retorno do fundo rodoviário também não havia, pois dava para contar nos dedos das mãos os veículos da cidade. Imposto Territorial? Não havia, porque a maioria era terra devoluta e legalizada só mesmo as terras dos Giongo, Faquinello, Magnani, Salvadori e Canzi. Tornei-me conhecido na Capital do Estado e fui pedindo ajuda aos deputados e aos amigos que ocupavam cargos por lá. Consegui comprar uma Pick-up nova e este era o meu carro de luxo para ir até Curitiba e valeu muito a pena comprá-la, porque eu ia até lá e voltava lotado de merenda e material escolar, sendo que, jamais fiz uma viagem em que voltasse de mãos vazias. Como fizera durante a campanha, percorri todo o município, agradecendo o povo e colocando todos a par da situação. A primeira preocupação era de arrumar as estradas do interior, as quais estavam em estado calamitoso e para dar início às obras, comprei equipamentos para o trabalho braçal, na casa comercial do Sr. José Santin: pás, picaretas, enxadões e enxadas, e também dinamites para estourar pedras em alguns trechos das estradas, pois estas dificultavam o trânsito das carroças, geralmente de tração animal: cavalos, jumentos e bois. Não havia máquinas agrícolas. Convoquei todos os moradores da área rural para fazer a chamada faxina em forma de mutirão, com a população comparecendo em massa, dando início à operação na localidade Jabuti, onde possuía vários amigos, entre eles, o veterinário prático e inspetor de polícia, Olímpio Faleiro, cidadão bastante respeitado pelos serviços prestados à comunidade.

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Serviço de abertura de estradas antes da chegada das máquinas.

Mutirão de faxina nas estradas.

Lá morava também o senhor Osvino Malmann, capataz de estradas e que, na sua ausência, era substituído por Elemar Faleiro, filho do Olímpio e que possuía as mesmas qualidades do pai. Grande trabalho foi executado da Linha Jabuti à Linha km 10 e até a Linha São Sebastião do Florido, tendo como feitor o João Maria de Moraes, pioneiro de nosso município. Em cada local, os serviços nas estradas tornavam-se motivo de encontros festivos entre a população, os trabalhadores e o prefeito, e não era raro um garrafão de pinga “amarelinha” e uma costela gorda comprada no açougue do Casemiro Correia, para alimentação de todos. Sem dinheiro, precisávamos ser criativos, e para cumprir promessas de campanha, contávamos com a cooperação dos munícipes, que não se esquivaram a ajudar.

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Até fechar o cerco em todo município, pudemos contar com este grande auxílio. Dediquei-me mais ao interior do município, porque na cidade eu não tinha condições financeiras de fazer coisa alguma. Um dia apareceram na Prefeitura o Paulo Bandeira e o Eloy Alves dos Anjos. - Como é Pedro, o que você pretende fazer na avenida? Essa poeira danada quando tem sol e o barro quando chove. Nós não aguentamos mais! O Chacho que tinha uma loja de atacado, falou: - Ou o senhor faz o calçamento ou faz um murundum para o pessoal não correr tanto, porque a turma da Pranchita quando passa por aqui de caminhão, levanta aquele poeirão. Acho que fazem de propósito em passar em alta velocidade devido à rivalidade existente entre o pessoal daqui com os de lá. Realmente existia certa rivalidade entre a sede do município e o distrito de Pranchita e em função disso, quando ganhamos a verba para a construção de um colégio estadual do Ministério da Educação, para escolhermos o local que quiséssemos, ao contar para o Valentim, pois que fazíamos tudo de comum acordo, ele me disse: - Vamos fazer em Pranchita? Aqui já tem um colégio estadual que você fez lá em cima. Referia-se ao Colégio Humberto de Campos, que na época tinha outro nome.

Colégio Humberto de Campos.

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Concordei e então iniciamos a construção do Colégio Júlio Giongo. Hoje pode não representar muito, pois o distrito cresceu, tornou-se município, mas na época, foi uma grande obra. Fizemos com um porão muito grande, prateleira escolar, tudo bonitinho, e na inauguração estiveram presentes: Presidente da Planepar, o Sr. Acir Machado de Oliveira, o Cândido Manoel Martins de Oliveira e o Carlos Alberto Moro, que era o Secretário Estadual de Educação.

Construção do Colégio Estadual Júlio Giongo.

Na gestão do prefeito Percy Schreiner, o município ganhara uma motoniveladora da marca Adams, do então Departamento de Fronteira com sede em Porto Alegre, mas esta ainda não fora entregue, pois necessitava de reforma, por isso, não constava como bem da prefeitura no livro de inventário. Lembro-me que antes mesmo da minha eleição, quando ainda éramos candidatos, eu e Valentim Faquinello, estávamos em um hotel em Curitiba, quando recebemos uma visita. Era o gerente da referida empresa propondo negócio: a reforma da motoniveladora, que seria entregue quando eu assumisse. Após conversarmos bastante, tive uma ideia e resolvi aceitar a proposta, pois se perdesse a eleição, a máquina saudaria o débito. O gerente da empresa disse que havia nos procurado porque ficara sabendo que a eleição estava praticamente ganha. Assinamos as promissórias e voltamos para casa. A máquina ficou pronta depois das eleições, então solicitei ao operador Iradi Tomazoni, que fosse buscá-la na capital.

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Ele veio rodando, porque não havia recursos para pagar o frete. Foram dois dias de viagem e fui encontrá-lo lá pelas cinco horas da tarde nas proximidades de Ampére. Essa foi uma das primeiras máquinas que aqui chegou e foi recebida com muita festa. Convidei o Dorival Magrineli, pois era capacitado para tomar conta da mesma, e aí vieram as críticas, por eu ter convidado um adversário político. Fiquei feliz por ele aceitar o cargo, o que fez por muita camaradagem, demonstrando assim o seu alto espírito de colaboração e cidadania.

Chegada da motoniveladora.

Na mesma época também existia um cidadão, cujo nome foge-me à memória, pois todos o conheciam por “Palito”, e este ajudou muito no setor rodoviário. Foi grande a luta para a conservação das estradas, tendo em vista o grande consumo de combustível. Consegui crédito para aquisição de óleo diesel com o Sr. Francisco Pereira de Sá, proprietário do primeiro posto de combustível do município, um homem sério e muito pontual nas suas contas e correto nos seus atos. A Prefeitura, muitas vezes, atrasava os pagamentos porque a receita era minguada e não era fixa. Às vezes, seu Chico, como era conhecido, ficava meio bravo, mas com toda razão, porque também tinha seus compromissos, mas era muito compreensivo e confiava no “fio-de-bigode”.

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Também no início do meu mandato, fui para a Capital do Estado, e sempre contando com a ajuda do deputado Busato, consegui por empréstimo um trator de esteira, da extinta CAFE do Paraná.

Chegada do 2º trator.

Este empréstimo foi por pouco tempo, mas serviu para abrir as estradas das linhas São José, São Roque, Capoeirada, São Judas até Jacutinga, onde morava o Olívio Sguarezi, que havia levado uma parte da madeira para construção da sua casa, a pé, por uma picada. Um dia, o deputado Busatto chamou-me através do radiograma¹ da Polícia Militar. Naquela época não havia ali outro meio de comunicação rápida. No radiograma dizia que todos os prefeitos que ele apoiara deveriam ir até Curitiba, e o chamado era para entrar em contato com a empresa Nodari, repre¹ - radiograma – telegrama sem fio ou telegrama mandado via rádio.

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sentante dos tratores Fiat. Lá na Capital do Estado foram feitas várias propostas de financiamentos, e entregue a direção dos negócios ao deputado Arnaldo Busatto, que era muito amigo dos prefeitos do interior, e com ele tínhamos a vantagem de irmos todos no mesmo dia. Quando chegávamos, o governador já estava nos esperando no salão nobre do Palácio Iguaçu com três ou quatro assessores, cada um em uma mesa, e os prefeitos passavam, um a um, por elas fazendo sua solicitação de verba. Sempre funcionava assim: - Qual é o seu problema? O prefeito tinha de ser sucinto e claro em suas reivindicações e no prazo de umas duas horas mais ou menos estávamos todos atendidos. Quando o governador era o Nei Braga, ele discursava primeiro, depois falávamos pessoalmente com ele e este resolvia numa palavra só. Não tinha que ir até lá e ficar esperando meio-dia, um dia, dois dias...

Reunião de prefeitos no Palácio Iguaçu.

Só retornamos após alguns dias, em nova chamada para comparecer à Capital do Estado, para fechar o negócio da compra das máquinas e assinar os documentos. Cada prefeito presente recebeu um trator D-4 zero quilômetro, que foi a primeira máquina nova no município.

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O funcionário Iradi Tomazoni foi quem funcionou a máquina pela primeira vez iniciando e concluindo o campo de futebol da Linha Marcianópolis, sob a supervisão do vereador Telmo Brescovici e do seu suplente Deoclides Strapazzon, obra esta entregue à comunidade, que tanto sonhara com o local pronto.

Logo que assumi a Prefeitura, tratei de equipar o setor rodoviário. Não havendo como transportar terra, pedi autorização à Câmara para comprar uma caçamba. Aprovaram! Fiz uma pesquisa de preço e a melhor oferta era na cidade de Ponta Grossa. Com a minha esposa e os dois filhos menores fomos até a cidade de Ponta Grossa, onde procuramos pela concessionária Chevrolet para a compra de uma caçamba basculante. Ao adentrar ao escritório da empresa fomos recebidos por funcionários que chamaram o gerente, e este entrou em detalhes para a concretização do negócio. Expliquei-lhe que precisava comprar o caminhão, mas que não possuía dinheiro, e sim, um bom avalista, cujo nome era Arnaldo Busatto e imediatamente fechamos negócio. Para nos entregarem o veículo bastou a minha assinatura na documentação. Daí pé na estrada. Eu, a Lígia e os filhos Ubiratan e Ubiraci.

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Visita do deputado Arnaldo Busatto e Affonso Camargo, vice-governador na época.

Como a estrada estava bastante danificada pelo Paraná, tivemos que ir por Santa Catarina, passando pela cidade de Canoinhas, onde aproveitamos para visitar os parentes dela. Também aproveitamos para ver o nosso filho Ubirajara, que na época estudava num internato em Jangada. Quando chegamos à Serra dos Tatetos, já próximos de Santo Antônio encontramos muita dificuldade para subir, devido às fortes chuvas que assolavam a região, e eu, motorista da primeira viagem, pois nunca havia dirigido um caminhão, acabei por atolar numa valeta e fui puxado por uma junta de bois. Estava pesado, porque aproveitei a viagem para carregar três metros cúbicos de areia, em União da Vitória, que depois foram doados para a construção da nova igreja matriz. Ao chegar em Santo Antônio, desfilei com o caminhão em frente ao Paço Municipal e em seguida, entreguei as chaves ao motorista Albino Minetto, a pedido do pároco Baltazar Flores e este motorista cuidou do veículo até sua aposentadoria.

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Chegada da caçamba basculante.

Após alguns meses, comprei um trator Caterpillar (Lei nº. 222, de 08.08.68), fui até Marmeleiro e contratei o operador Antônio dos Santos, conhecido por Nego Antônio, rapaz um tanto nervoso, mas eficiente, que assumiu a responsabilidade de trabalhar com a máquina nova. Não demorou muito e comprei a pá carregadeira.

A partir daí, fomos construindo aproximadamente duzentos quilômetros de estradas vicinais; e novas estradas como a que ligou o município com o distrito de Salgado Filho; a de Barracão pela Linha São Paulo, desviando pela Linha Formosa e outro pedaço de estrada no distrito de Pinhal de São Bento, ligando a sede até as proximidades da chácara do Sr. Alvário Geitenes; e em continuidade a Planaltinho, divisa com o município de Francisco Beltrão e outro trecho da Linha São João. Também o desvio da Linha Formosa, que

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deve-se em grande parte aos antigos moradores daquela região: Carlos de Oliveira Claro, mais conhecido por Nêne Claro; Arlindo Erdmann, José Biriva, família Coelho e outros, que contribuíram com madeira de lei, principalmente angico, e com a mão-de-obra para a construção dos bueiros, sendo que, alguns deles acabaram debaixo do asfalto que veio depois, pois eram muito grandes e pesados para serem retirados. Foram feitas seis pontes sobre o rio Capanema, todas com pilares e cabeceiras de concreto, cujos trabalhos foram administrados por Sebastião Loureiro de Lima, dotado de muita prática e capricho; uma ponte sobre o rio Lajeado Grande, ligando ao município de Barracão, nas imediações da Linha Barão do Triunfo. Somente na região da Sede União e Pinhal de São Bento foram construídos aproximadamente oitenta bueiros, sob a direção do então vereador Emílio Medeiros, que zelava muito pela região, juntamente com seu colega Olívio Barbieri, que não era companheiro político, mas, como bons vizinhos e amigos, lutavam pela mesma causa: o progresso e bem-estar da comunidade.

Ponte sobre o Rio Capanema (Lei Municipal nº. 163, de 09.08.67).

Construída também uma estrada nova na linha São Judas, às margens do rio Jacutinga, na divisa com Pérola do Oeste, a pedido do Olívio Sguarezzi que ali residia, pois se encontrava isolado dos amigos e familiares. Certo dia, ele me procurou na Prefeitura para pedir a abertura da referida estrada, contando que teve de levar a madeira nas costas, para construção da casa.

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Respondi: - Estou esperando a chegada de um trator e assim que vier a primeira estrada a ser aberta será a tua. - Será que o senhor faria isto por mim? - Pode estar certo. Ficou em dúvida porque o pessoal dele não fazia parte dos meus eleitores, mas eu tinha sido eleito para todos. Lá perto residia o Herculano Sguarezzi, que possuía um bom moinho colonial e para fazer a tal estrada, tivemos que abrir grandes picadas. Para executar o trabalho de abrir picadas, como eu era experiente na lida do mato, convidei o Severiano Scobar, o seu cunhado Romildo e o João Salvadori, para iniciarmos a construção da estrada. Numa manhã, começamos os trabalhos com foice e facão. Perto do meio-dia, sentamos próximos de uma sanga e saboreamos o almoço levado numa sacola por João Salvadori: uma forma de queijo crioulo; um garrafão de vinho; algumas batatas-doce assadas no forno e para completar o banquete, polenta com um pedaço de salame. Em seguida, reiniciamos o trabalho e no meio da tarde avistamos a casa do Olívio, mais conhecido como “Sebo”. Sua casa estava inacabada, somente meia parede e cobertura. Dispensamos o risoto oferecido gentilmente pelos donos da casa, pois tínhamos que voltar cedo para não nos perdermos na mata, e ainda viajar até a cidade. No caminho, o João Salvadori, admirado com o meu desempenho, perguntou onde tinha aprendido a andar no mato e a cortar picadas de facão daquele jeito. Respondi que o povo só me conhecia como Fiscal do Estado e como prefeito, mas que nasci em família pobre, que trabalhei desde criança, aprendendo de tudo um pouco. Contei que nasci na roça, trabalhei em serraria, fiz mutirão de estrada na base da picareta, fui encarregado de obras, trabalhei em fundição. Que a vida é uma grande escola e que agora, eu tinha a oportunidade de colocar em prática tudo o que aprendi em benefício da minha gente. E quando o trator chegou, fomos até lá para executar os trabalhos de abertura da estrada.

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Entristeceu-me o fato de, na infância, não ter a oportunidade de seguir os meus estudos e como sempre valorizei a educação, decidi que no meu mandato as escolas seriam prioridade, então construímos aproximadamente uma centena de salas de aulas no interior com o auxílio do GETSOP - Grupo Executivo de Terras do Sudoeste do Paraná. O GETSOP foi criado em 1962, pelo governo federal em parceria com o governo do Paraná, para resolver os problemas de legalização das terras do sudoeste do Paraná e em substituição à ex-Colônia Agrícola General Osório, a CANGO, com sede em Francisco Beltrão e posteriormente transferido para Curitiba, onde após cumprir sua missão, foi extinto, em janeiro de 1974. Este órgão muito ajudou os municípios do Sudoeste do Paraná, participando com cinquenta por cento de diversas obras. Não havia burocracia, e sim confiança de ambas as partes. Bastava o prefeito apresentar o orçamento para construção de: pontes, bueiros, escolas, estradas ou outras obras. Havia, então, uma preocupação do Regime Militar relacionado à erradicação do analfabetismo no país, através do incentivo a que todas as crianças em idade escolar estivessem devidamente matriculadas e frequentando as salas de aula e também, para os adultos que não tiveram oportunidade de estudo, foi criado o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização, com forte campanha para mobilizar este grupo de excluídos da sociedade. Os militares sabiam que havia por parte de grupos de esquerda e dos governos anteriores, o desejo de manipular essa camada da sociedade como massa de manobra, dando-lhes poder de voto, sem dar-lhes consciência política e senso crítico. O governo federal afirmava que a educação não era uma obrigação apenas dele, e convocava as comunidades e os municípios a participarem, como podemos atestar pela música de Dom e Ravel que se tornou quase um hino de convocação, conclamando a população a ajudar em tão difícil tarefa, pois até então o Brasil era considerado uma “pátria mal-educada” com índices de analfabetismo alarmantes. Você também é responsável Autores: Dom e Ravel Eu venho de campos, subúrbios e vilas, Sonhando e cantando, chorando nas filas, Seguindo a corrente sem participar

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Me falta a semente do ler e contar. Eu sou brasileiro anseio um lugar, Suplico que parem, prá ouvir meu cantar. Você também é responsável, Então me ensine a escrever, Eu tenho a minha mão domável, E sinto a sede do saber. Eu venho de campos, tão ricos tão lindos, Cantando e chamando, são todos bem vindos, A nação merece maior dimensão, Marchemos prá luta, de lápis na mão. Eu sou brasileiro anseio um lugar, Suplico que parem, prá ouvir meu cantar

“Precisamos tirar esta mancha do nosso país. Trinta por cento da população adulta ainda são analfabetos”, declarou o ministro Mário Henrique Simonsen, a empresários pedindo que eles destinassem recursos ao programa, contribuição esta que seria abatida no Imposto de Renda. A meta era alfabetizar 4,5 milhões, entre 14 e 35 anos, em três anos. O Mobral foi uma das primeiras iniciativas que percebeu a importância da municipalização de um projeto de alfabetização. O coronel Clóvis Cunha Viana, era o Presidente da GETSOP, e tinha como tesoureiro o capitão Cássio, que examinava a documentação e sempre aprovava nossos projetos, na hora, entregando-nos um cheque de vinte e cinco por cento do custo, com apenas uma assinatura num recibo, e assim foi até o fim do mandato. Tendo em vista essa grande ajuda, foi-lhe concedido o título de cidadão honorário e homenageado dando o nome de uma das pontes construídas sobre o rio Capanema: Ponte Coronel Clóvis Cunha Viana. As obras de construção de pontes, em parceria, foram confeccionadas em concreto, e muitas delas ainda existem e são usadas até hoje. Além das referidas salas de aulas foram construídos o Grupo Escolar Júlio Giongo, em Pranchita a pedido do vice-prefeito Valentim Faquinello (Lei

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Municipal nº. 182, de 05.02.68); o Grupo Escolar Interventor Manuel Ribas, conhecido anteriormente por Mané Facão, no Bairro Entre Rios e o primeiro pavilhão do Colégio Estadual Humberto de Campos, que na época era denominado de Colégio Comercial Desembargador Franco Ferreira da Costa, desembargador este muito conhecido na região, pois era dono de uma construtora de estradas e fez parte da minha administração. Pela Lei Municipal nº. 166, de 09.08.67, foram autorizadas as construções dos grupos escolares das linhas Andrade e São João.

Inauguração do Colégio Estadual Júlio Giongo.

Autoridades municipais e estaduais na inauguração do Colégio Estadual Júlio Giongo.

Inauguração do Grupo Escolar de Marcianópolis (conclusão Lei nº. 202, de 15.05.68).

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Inauguração do Grupo Escolar de Marcianópolis.

Inauguração do Grupo Escolar da Linha São Judas.

Grupo Escolar da Linha Bonita.

Grupo Escolar Sede União (Lei nº. 223, de 08.08.68).

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Grupo Escolar da Serraria Queimada.

Grupo Escolar da Linha Tarumã.

Inauguração do 1º Pavilhão do Colégio Humberto de Campos.

Autoridades municipais e estaduais na inauguração do Colégio Estadual Júlio Giongo.

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O desembargador Franco Ferreira da Costa tornou-se meu amigo e também amigo dos meus pais, desde que, em 1954, sua construtora empreitou a construção de um trecho entre a Lapa e São Mateus do Sul onde fui encarregado da administração do armazém e do escritório. Esta amizade favoreceu-me na gestão da Prefeitura Municipal, pois na época, o Dr. Plínio Franco Ferreira da Costa era o vice-governador do Estado, no governo Paulo Pimentel e tinha o seu irmão, Dr. Alberto Franco Ferreira da Costa, engenheiro civil e capitão do Exército, como deputado federal. Assim sendo, formou-se uma grande força potencial na administração do Estado. Com esse conhecimento, tratei de estadualizar o Colégio Comercial Estadual Desembargador Ferreira da Costa, atual Colégio Humberto de Campos, ginásio que até então era municipal. A primeira turma deste colégio, deu-me a honra de ser convidado para ser o paraninfo, intitulando-se: Turma Pedro Corrêa. Trouxe para o município o Ensino de 2º Grau, implantado em 1968, após a criação em 1967, da Escola Normal Colegial Professor Ciro Silva, para a formação de contabilistas, na qual dois dos meus filhos se formaram, sendo que, um deles prosseguiu os estudos, formando-se bacharel em Direito e que foi oficial do Cartório de Registro de Imóveis, em substituição à sua mãe, também oficial. Sempre contando com a força política do inesquecível deputado Arnaldo Bussato, consegui várias nomeações de professores estaduais em um número de aproximadamente trinta, entre eles: Alegreto Dal Alba Amábile Brembatti Aquiles Defante Carolina dos Reis Edi Romio Geni de Andrade Glacy Pacheco Furquim José Iachinski José Lauer José Tonon Lígia Coutinho Corrêa Lorena Hians Lúcia Jaqueleski

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Lucy Reis Maria da Silva Maria Helena Corrêa Marina de Souza Pereira Mário Cordeiro de Andrade Mírian Savoldi Natalício Pereira Neula Ortolan Nilza da Silva Iser Paulo José Borges Pedro Venaz Pereira Ricieri Luiz Algeri Romilda Romio Santo Bolsam Terezinha de Souza Terezinha Domingos Lanzarini Virginia Salla Claro Para zeladoras encaminhei a nomeação de: Alice Caetano Iraceminha Leal Marina Leirias Nena Dellalibera Para Fiscais do Estado: Adelmo Martinhago (duas vezes a pedido de seu pai) Alcedino dos Santos Celestino Antônio Passinatto Celso Barbosa Guilherme Corrêa Filho João de Souza, também conhecido por Jango José Woicick, o “Fuxico” José Wilckzeck Juarez Gabriel Bandeira Luiz Domingos de Sá, que não assumiu Martins Stochera

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Visita de Autoridades Estaduais de Ensino ao município de Santo Antônio do Sudoeste.

Para o preenchimento dos cargos de confiança, na minha gestão, nomeei para a Inspetoria Regional de Ensino, o professor João Maria Castanha; para o Ensino Médio, a professora Almendoína Castanha; para o Ensino Primário, a professora Osmarina Borba Maia, e para Inspetora Auxiliar de Ensino, a professora Nêmora Maria Marsango. O primeiro diretor do ginásio municipal foi o professor Marçal Dell Colli, posteriormente, quando das restaurações, também houve modificação no quadro inicial. Para Inspetoria de Ensino foi nomeada a professora Zita Milani, para Inspetor Auxiliar, o vereador e professor Mário Antônio Cordeiro e para o Ensino Médio, a professora Terezinha Lanzarini. Também foram preenchidos outros cargos, como primeira diretora do Grupo Escolar Antonio Schiebel, a professora Dalíria de Barros, e segunda diretora do mesmo estabelecimento a professora Iracema Tomacheski Wilckzeck. Para colaborar com a Justiça, nomeei na época os senhores: Miguel Júlio Auth e Jerônimo Longhi como Juízes de Paz, sendo que este último tinha a incumbência de resolver todos os problemas da comunidade e isto o tornava uma pessoa de muito respeito, pois nesta época, não havia fórum, e o nosso município estava subordinado à Comarca de Clevelândia, Estado do Paraná. Na Escola de Comércio, como primeiro diretor o Professor Hélio Toledo; para Delegado Regional, o tenente da Polícia Militar José Ricardo Coutinho, conhecido como tenente Pio; e o tenente Manoel Lopes filho nomeado comandante do destacamento e carcereiro, sendo também o chefe de rádio. Dando sequência às nomeações, Lígia, minha esposa e primeira-dama, foi in-

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dicada chefe da merenda estadual, que abrangia todos os municípios da micro-região e teve como secretária auxiliar Anita Giusti, a Nitinha, pessoa de extrema confiança. Lígia também foi diretora do programa de alfabetização do Governo Federal denominado MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado pelo Governo Militar, cujo principal objetivo era o de promover a alfabetização funcional e educação continuada para os analfabetos de 15 anos ou mais, por meio de cursos especiais, com duração prevista de nove meses. Lígia criou o Clube de Mães, em substituição ao já extinto de Puericultura e também o Curso de Corte e Costura gratuito, pois ela mesma era a professora, escolhendo para sua auxiliar Honorina Locatelli, a qual desempenhou suas funções com maestria. Lígia criou também a “Casa da Mulher”, que funcionou em prédio próprio. A professora Terezinha de Souza foi transferida para a Secretaria de Saúde Pública, exercendo suas funções até aposentar-se em Curitiba. Todas estas nomeações foram conseguidas graças à amizade com o deputado Arnaldo Busatto e também aos governadores Paulo Cruz Pimentel e Ney Amintas de Barros Braga, este último meu conterrâneo. Quem analisava os pedidos de nomeações, além de mim, era o Otto Passos, meu grande amigo, em quem eu confiava e que muito me auxiliou nas tomadas de decisões.

Merenda Escolar

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Palestra sobre Conscientização da Importância da Água. Na foto em pé: Dr. Cari Machado Nunes, Prof. Honorina Locatelli e a chefe da merenda escolar, Lígia Coutinho Corrêa.

Alunos do MOBRAL, alguns acompanhados de filhos pequenos, cuja diretora do programa era Lígia.

Em minha gestão sempre estive atento às necessidades dos munícipes, dando prioridade aos setores de ensino e de saúde pública, além de preocupar-me em promover nos jovens o amor à Pátria, aos símbolos nacionais e às datas comemorativas, e para tanto trazia todas as escolas da cidade e do interior para o desfile cívico de 7 de setembro. Era um orgulho ver a avenida tomada por alunos uniformizados, acompanhados dos professores ostentando as nossas bandeiras.

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Palanque instalado em frente à Prefeitura em 7 de setembro.

Desfile cívico de 7 de setembro na Avenida Brasil.

Avenida Brasil tomada por alunos e professores em desfile cívico de 7 de setembro.

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Banda da Argentina em desfile de 7 de setembro.

Desfile dos alunos da Escola do Comércio.

Nas minhas viagens para a Capital do Estado, nunca voltei de mãos vazias, pois graças ao deputado que nos dava apoio e ao Dr. Adolfo Rosewicz, primeiro prefeito de Salgado Filho, então exercendo a Secretaria de Saúde Estadual consegui boas quantidades de remédios populares bem como material escolar. Quando chegava da capital com o referido material escolar composto de lápis, cadernos, borrachas e até tintas em pequenos tinteiros, levava os pacotes já contados para as escolas, pois sabia quantos alunos havia em cada uma delas e entregava aos professores nas visitas às mesmas. A visita às escolas fazia parte da minha rotina, e assim aproveitava para também fiscalizar as estradas. Era praxe que as crianças colocadas em colunas cantassem o hino nacional,

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para depois receber o material; e enquanto os professores distribuíam estes, eu aproveitava para conversar com os alunos e distribuir umas balinhas, fato que virava festa, pois todos queriam falar com o prefeito.

Visita do prefeito a uma unidade escolar.

Na época, a Saúde Pública era um dos meus maiores problemas, pois devido à distância dos grandes centros e à precariedade das estradas, eu não tinha muito a fazer. Sem ambulâncias, a única forma era usar o velho Jeep que demorava de dois a três dias de viagem para chegar à capital, isso quando não chovia. Em casos de doenças graves, pessoas acidentadas ou feridas em brigas, a única saída era apelar para o deputado. O primeiro caso de doença grave foi quando esposa do Waldemar Minatto adoeceu e tivemos de levá-la para a capital no Jeep 1946. Lá fomos atendidos pelo deputado Arnaldo Busatto que encaminhou a enferma para o hospital e tudo foi resolvido, mas o Waldemar teve de arcar com todas as despesas de transporte e alimentação, já que a prefeitura não possuía recurso algum na época. Posso citar também o caso do meu compadre Nestor Pereira que foi assaltado e esfaqueado, quando estava acampado à beira da estrada, próximo da Linha Parda, hoje Linha Três Irmãos. De imediato levei ao conhecimento do deputado, que em poucos minutos mandou um avião para socorrê-lo, o que acabou salvando a sua vida. Certo dia, fui convidado por umas famílias de evangélicos vindos do Rio Grande do Sul para que fosse até o lugar onde moravam, pois queriam dar um nome para o local que ficava numa colina. Era muito bonito e bastante arejado, e

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queriam que eu escolhesse o nome da nova linha. Dei a eles a liberdade de escolha e sugeriram Alto Paraíso. Falei que este nome já fora dado à outra localidade no município. Perguntaram-me se eu tinha uma sugestão, e respondi: - Já que vocês são uma comunidade de evangélicos, por que não colocam o nome de Alto Evangelho? Aceitaram na hora. Ainda tinham mais uma solicitação: pleitearam a construção de uma escola e antes que eu respondesse, eles me fizeram uma proposta. Pediram-me que eu os autorizasse a demolir uma velha escola que há muito estava fechada na Linha Canzianópolis para reconstruírem-na ali, sem custo algum para a prefeitura. A proposta era irrecusável e aceitei imediatamente. - Qual será o nome da nova escola? – perguntei. - Pensamos em colocar o nome de Davi de Moura, nosso primeiro presbítero e pioneiro na comunidade. - Justa homenagem! – concordei, mas sem a aquiescência da senhora Dotto, que na época era católica. Numa destas visitas à linha Alto Evangelho, onde estava um trator reformando as estradas e abrindo outra, lembrei-me que antes de comprar o primeiro trator tinha zeladores em todas elas. Pensei logo no meu amigo e pioneiro, morador na Linha Tigra, o senhor Pivetta, homem de idade, de muita confiança, trabalhador e de família numerosa. Era ele quem cuidava da estrada desde o Alto Evangelho até a Linha Tigra e quando chovia, utilizava as próprias ferramentas e fazia o trabalho de manutenção. Além de todas as qualidades descritas, era um homem extremamente paciente, principalmente quando o assunto era um dos moradores daquela localidade, o Sr. Olímpio José Dotto, cuja casa ficava na baixada, à margem direita da estrada. Cada vez que chovia e a água escorria para a região mais baixa, onde localizava-se a propriedade dos Dotto, a esposa deste ia até as margens da estrada e discutia com o zelador, como se a culpa fosse dele, enquanto o marido, muito pacato, assistia a tudo isso de camarote e não se envolvia nas discussões. De outra feita, também naquela comunidade, precisávamos arrumar as estradas e construir mais duas, sendo uma a pedido dos Pivetta e a outra de Lolico de Moura, este último, um comerciante íntegro e grande colaborador da prefeitura.

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Após descermos o trator do caminhão, procuramos pelo Sr. Pivetta, profundo conhecedor da localidade para que ele mostrasse como e por onde deveriam passar as novas estradas. Decidimos começar pela mais longa e que seria a principal. A estrada era praticamente uma linha reta partindo da Linha Tigra em direção à Linha Macaco, local este onde estava o estabelecimento comercial do Sr. Moura. Esta estrada beneficiaria além dos moradores locais, também o Sr. Wilson Camargo, que precisava retirar dali a safra de porcos. Enquanto fazíamos o trabalho de abertura das estradas nas terras dos colonos progressistas, tudo foi muito bem, mas quando chegou a vez da área que pertencia ao Dotto, apareceu sua esposa cheia de razão, impedindo que déssemos sequência aos serviços. Como já era tarde, os trabalhos foram suspensos. Deixamos o trator no local e avisamos que retornaríamos no dia seguinte para continuar o trabalho, fato que deixou a mulher ainda mais irada. No dia seguinte fui até a delegacia de polícia, requisitei um soldado para me acompanhar e seguimos até o local. Nem bem iniciaram o trabalho, chegou a referida senhora afirmando que ninguém passaria por aquelas terras, mas o tratorista, que era o Nego Antônio, continuou o que estava fazendo. Quando atingiu os limites de sua propriedade, ela se deitou em frente à máquina, mas como tudo já estava planejado, o soldado não titubeou tirando-a dali, sem nenhum arranhão ou escoriação. Se ela tivesse recorrido à Justiça, com certeza, teríamos de interromper a estrada até decisão judicial ou então, fazer um novo traçado, mas não foi o que aconteceu. Seu marido sequer deu as caras. A direção da estrada, seguia rumo a duas divisas, e em certa altura existia uma pedreira muito grande, impedindo o trabalho sobre as lajes. A extensão era de apenas setenta metros de comprimento por uns quinze de largura, aproximadamente, então precisamos fazer um atalho que encurtou em oito quilômetros o caminho para os transeuntes. Resolvido um problema, eis que surge outro. Com a alteração da estrada, o proprietário de um moinho também solicitou a abertura de outra estrada para facilitar a vida dos seus clientes, e novamente o Nego Antônio começou a trabalhar, mas justamente aquele pedaço de terra, também pertencia aos Dotto.

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Desta vez, a mulher limitou-se a comunicar a propriedade daquelas terras. Passados mais de vinte anos, um dia, por acaso, eu me encontrei com o Olímpio José Dotto e sua esposa, e eles demonstrando grande alegria ao me ver, pediram desculpas pelo incidente de anos atrás. Respondi: O tempo é o melhor remédio para dissipar as dúvidas, afirmei. E o fato acabou virando motivo de muitos risos. Com o passar dos tempos, o Lolico de Moura mudou-se para a Linha Parda, pois o seu filho Júlio, também possuía comércio naquela região. Naquela época, o local era bem povoado, davam ótimas festas nas igrejas, mas também, não faltavam os brigões, e isso tornou o lugar mal falado, considerado perigoso para se viver. Numa dessas festas morreram duas pessoas: uma a facadas e outra a tiro. Eram parentes entre si, sobrinhos de Aurélio Dantas de Oliveira. Ainda em meu mandato, foi criado o Bairro Entre Rios, um projeto do vereador Dionísio Scopel, sancionado imediatamente, porque achei o nome justo e criativo, haja visto estar localizado entre os rios Cedro, Aurora e Santo Antônio. Na nossa administração foram construídos o campo de futebol da Bela Vista, em Marcianópolis, Boa Vista do Capanema e na cidade o Estádio Municipal.

Construção do Estádio Municipal.

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Dia de jogo no Estádio em 1966.

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Inauguração do Estádio Municipal em 07.09.1967.

Os primeiros projetos foram de conservação de estradas e esses serviços foram administrados pelo vereador Emílio de Medeiros, um dos grandes líderes comunitários, que tive a honra de ter como amigo. Outra preocupação desde que assumi a prefeitura em 1964 foi a geração de energia elétrica. A famosa “Maria-Fumaça”, que funcionava a vapor, quando resolvia dar problema explodindo o tampão da caldeira devido ao excesso de pressão, deixava a cidade às escuras. Através do programa do governo estadual para implantação de linhas de transmissão, entramos em contato com a COPEL - Companhia Paranaense de Energia Elétrica, mas as obras só iniciaram nos anos 70, quando entrou em operação a Usina Júlio de Mesquita Filho (Foz do Chopim), redenção energética do sudoeste paranaense e que trouxe o progresso para todos os municípios da região.

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Durante a minha gestão, o Executivo e o Legislativo caminhavam em parceria, pois todos trabalhávamos visando o bem-estar do povo e o progresso do município, e por isto conseguimos fazer muito em pouco tempo. • •

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Pela Lei nº. 79, de 05.01.65: autorização para alterar a denominação da Rua Deputado Antônio Anibelli para Rua Prefeito Armando Fassini; Pela Lei nº. 85, de 02.02.65: Convênio com o Departamento Aeroviário da Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado, para conservação da pista, construção de cerca, balizamento diurno e biruta, do campo de pouso localizado no Distrito de Rio Claro (atual município de Pranchita); Pela Lei nº. 88, de 02.02.65: doação ao Estado de uma área de terras de 4.000m² sita na Praça 15 de Novembro da Planta Geral desta cidade, para a construção de um grupo escolar; Pela Lei nº. 89, de 02.02.65: autorização para a construção de prédio destinado a abrigar os serviços administrativos e a Câmara Municipal de Vereadores; Pela Lei nº. 109, de 13.11.65: autorização para a construção de três pontes sobre os rios: Capanema, Cedro e das Antas; Pela Lei nº. 113, de 28.12.65: autorização para o Poder Executivo firmar convênio com o GETSOP, destinado à construção de pontes e prédios escolares; Pela Lei nº. 116, de 14.01.66: autorizada a extensão da rede elétrica até o Bairro Posto, atual Bairro Entre Rios; Pela Lei nº. 125, de 09.04.66: autorizada a construção de quatro postos fiscais municipais, sendo um na cidade, e os outros no interior do município: Lageado Grande, Km 24 e Linha 16 de Novembro; Pela Lei nº. 129, de 12.05.66: aprovado o escudo do município; Pela Lei nº. 205, de 04.06.66: convênio com a PLANEPAR destinado ao estudo e viabilidade econômico-financeiro de abastecimento de água no município; Pela Lei nº. 135, de 06.06.66: aprovada a doação de uma área de terras de 200 ha, ao Ministério da Agricultura destinado à construção do Colégio Agrícola neste município; Pela Lei nº. 143, de 21.12.66: instituído e aprovado o Código Tributário do Município de Santo Antônio do Sudoeste; Pela Lei nº. 149, de 06.04.67: concessão de título de Cidadão Honorário ao Padre Baltazar Flores Zeballos; Pela Lei nº. 148, de 06.04.67: autorizada a organização da Biblioteca Pública Municipal; Pela Lei nº. 159, de 05.07.67: construção de dois necrotérios, sendo um na sede do município e outro no distrito de Rio Claro;

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Pela Lei nº. 164, de 09.08.67: autorização de crédito especial destinado a despesas de estudo e levantamento para a construção do aeroporto, em dois locais, neste município; Pela Lei nº. 160, de 09.08.67: autorização para doação dos lotes nº. 1,2 e 3 da quadra 58, da Planta Geral desta cidade, à Polícia Militar do Estado do Paraná; Pela Lei nº. 176, de 28.10.67: convênio com a SUDESUL, destinado ao desenvolvimento do município, especialmente no setor de energia elétrica; Pela Lei nº. 184, de 05.02.68: convênio com a TELEPAR, destinado à instalação dos serviços telefônicos no município; Pela Lei nº. 189, de 12.03.68: autorizada a doação de uma área de terras de 28.300 m², das chácaras nº. 20 e 21, da Planta Geral desta cidade, destinada à instalação da sub-sede do Departamento de Estradas de Rodagem, do Distrito Rodoviário de Francisco Beltrão; Pela Lei nº. 200, de 08.04.68: alteração de nome da rua que anteriormente denominava-se Rua Dr. Álvaro Cavalcanti para Rua Jesuíno Teodorico de Andrade; Pela Lei nº. 198, de 08.04.68: compra da área de terras com 2.980 m², parte da chácara nº. 112 da Planta Geral desta cidade, destinada à construção de casa para operários de obras do município; Pela Lei nº. 213, de 07.06.68: construção do Grupo Escolar na Linha Sede União em convênio com a FUNDEPAR; Pela Lei nº. 223, de 08.08.68: convênio com a FUNDEPAR (Fundação Educacional do Estado do Paraná) para a construção de duas unidades escolares, com quatro salas de aula, cada uma, sendo uma na Linha Sede União e a outra no Bairro Entre Rios, hoje denominada Escola Estadual Interventor Manuel Ribas; Pela Lei nº. 220, de 09.08.68: construção de viveiros de mudas de pinheiro para posterior plantio, sendo a renda obtida com sua venda assim dividida: 30% para a Secretaria de Agricultura e 70% para a Prefeitura Municipal; Pela Lei nº. 225, de 09.09.68: autorização para aquisição de um terreno medindo 10x20 metros para anexar ao Grupo Escolar da Linha Glória; Pela Lei nº. 236, de 07.11.68: autorizada a aquisição de prédio na localidade de São Sebastião do Florido para o funcionamento de uma escola; Pela Lei nº. 235, de 07.11.68: contratação da empresa PLANEPAR Ltda.-Organização de Planejamento Sócio Econômico do Paraná, com sede em Curitiba, para elaborar o projeto do sistema de abastecimento de água do município; Pela Lei nº. 240, de 26.12.68: autorizada a reforma do Posto de Saúde.

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Ainda em meu mandato trouxe um time de futebol, de Curitiba, por nome Britânia dirigido por meu irmão Ary Theodoro Corrêa para disputar com o Guarani, que venceu por um a zero. O clube ganhou uma linda taça de mais de um metro de altura que foi ofertada pelo Executivo. O único gol marcado foi pelo ponta-direita, Cacaréco, o Casemiro Milani, no Estádio da Baixada. Participei ativamente da construção do prédio do Clube Recreativo e Esportivo Guarani, que teve como seu primeiro presidente provisório, o coletor Otto Francisco dos Passos, que mesmo como diretor provisório, comandava as obras que iam de vento em popa. Após alguns meses, foi eleita a primeira diretoria definitiva, que teve como presidente Dorival Gabriel Bandeira, mas faltava o principal: os sócios do Clube. Decidimos fazer campanha no interior e na cidade para conseguirmos estes associados, pois os sócios fundadores eram: Otto, Elmo e eu. De caminhãozinho Dodge de propriedade de Adão Pinho Vasconcelos Vargas, que foi o primeiro delegado de polícia por muito tempo. Ia Otto na boleia e os outros dois ajudantes fazendo as visitas. A diretoria havia decidido que para ser sócio benemérito, a taxa seria de cinco mil cruzeiros e começaram as visitas às empresas. A primeira foi a Dambros e Piva, onde conseguimos uma carga que equivalia a um título de sócio e nas mesmas condições tornaram-se também beneméritos os representantes das empresas: Giongo, Magnani, Dal Bó, Ortega e Faquinello, todas da Pranchita; Longhi e Vitorino Salvadori, da sede e da Linha Glória, respectivamente.

Primeira carga de madeiras beneficiadas para a construção do Clube Guarani. Na foto: da esquerda para a direita: Elmo Michel, meus filhos Ubirajara e Ubiraci, eu e Otto Passos.

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Noitadas no Guarani. Da esquerda para a direita: Elmo Michel, Lauro Passos e esposa, Lígia e Isaura.

Os construtores do clube e responsáveis pela planta foram: Albino Carminatti, Silvestre Favetti, Olívio Bordin e José Argenta. O Clube Guarani foi construído com dois pisos de madeira de pinho, totalmente beneficiada no interior e exterior. Na parte superior ficava um amplo salão de baile, copa, banheiros, sala de toilete, pequeno refeitório com cozinha anexa. Durante as noites de festas eram servidos cafezinhos e ceias que iam de petiscos a churrasco e leitão assado. No piso inferior: a sala da diretoria, o bar, a sala de carteado e a sala de jogos: pingue-pongue e snooker e almoxarifado.

Clube Guarani.

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Quando faltavam somente as janelas - que eram bem grandes e caras, e como faltavam recursos para estas despesas, pois não tínhamos mais dinheiro em caixa, resolvemos começar fazendo bailes para arrecadar a quantia necessária. O primeiro baile foi abrilhantado por um conjunto vindo de Clevelândia, com oito componentes, com instrumentos de sopro, violão, bateria, violino, e como não poderia faltar, uma boa sanfona, todos bem afinados, demonstrando um perfeito desempenho musical e profissional, trazendo muito sucesso ao evento e chegando a emocionar os presentes. Foi um sucesso e, dali em diante, os bailes viraram rotina na cidade e contávamos com a participação em massa da sociedade local para arrecadar recursos destinados ao término do prédio. Fui o primeiro ecônomo e coloquei a minha família para trabalhar. Para tomar conta da cozinha as voluntárias eram: minha esposa Lígia; minha irmã Terezinha de Souza; minha sobrinha Maria Aparecida, mais conhecida por Nega e Terezinha Lanzarini, nossa comadre. Na copa: meu compadre Genor Lanzarini e sua esposa Doroti; meus filhos Ubirajara e Ubiratan; e atendendo o salão: Luís Giusti e Barbudinho. Foram muitas noitadas de grandes bailes, carnavais, festas juninas, principalmente bailes de São João e réveillon. A animação ficava por conta da nossa querida “Furiosa”, banda do Mai, composta por Alfredo e Aldino Mai, Tilo Selslier e Willy Hanel, exímios no violão, pandeiro, cavaquinho e instrumentos de sopro, mas o que realmente incendiava o baile era o seu Alfredo com o seu bandonion atravessado na cabeça. Após tantos anos, ainda permanece viva em minha memória os casais de amigo: Elmo Michel e sua esposa Isaura; o Barbudinho e sua esposa Guiomar, dançando sem parar um samba cadenciado. Também eram exímios na dança os casais: Adão Mai e Olga, que nos convidaram para padrinhos das Bodas de Diamante, e o casal Francisco Pereira de Sá e Sofia. Desde que cheguei em Santo Antônio do Sudoeste, comecei a cultivar muitos amigos na Argentina, entre eles o Mincho, pertencente à família Mello, proprietário de um posto de combustível; e o Papito Rojas, que além de professor era também desportista e foi treinador do Guarani, aqui no Brasil, sendo muito popular, pois era Juiz de Paz, em San Antonio, na Província de Misiones. Ele e sua esposa Dolores davam show de tango nos bailes realizados na fronteira. Grande amiga também foi dona Ivanira que morava no país vizinho. Com criatividade e com a ajuda dos amigos sempre consegui resolver todos os problemas, tantos sociais quanto administrativos, graças ao bom Deus.

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Quem tem amigo, tem tudo, pois eles são os maiores tesouros desta vida! Antes mesmo de ser eleito prefeito, em uma das minhas viagens para Curitiba, tive um encontro com o Deputado Arnaldo Busatto e transmiti-lhe um pedido de vários agricultores, residentes na Linha Cedro, Bonita, Formosa entre outras, os quais solicitavam a medição de suas terras para proceder a legalização das posses. Este pedido era liderado por João Sagrilo, João Nicola, Arnildo Iser e Adalberto Iser. O deputado afirmou que era justa tal solicitação, informando-me que tomaria as providências necessárias para resolver a pendência. Quando eu já estava me preparando para retornar para casa, ele chamou-me em seu gabinete dizendo que já estava tudo encaminhado. Retornei com o Jeep lotado, trazendo três agrimensores e todos os equipamentos necessários para a referida medição. Eles iniciaram seus trabalhos pela posse do Alípio Iser, que foi a primeira área de terras de Santo Antônio do Sudoeste a ser legalizada, depois, quando o GETSOP, concluiu a medição naquela jurisdição, quase imediatamente saíram os títulos definitivos. Em outra ocasião, uma forte tempestade atingiu várias propriedades nas linhas: Tarumã, Bonita, Cedro e Rio Glória, arrasando as plantações de milho. A mais atingida foi a Linha Rio Glória que além das plantações, teve a escola, que ficava localizada onde atualmente está o campo de futebol, destruída pelo vendaval, reduzindo-a a escombros e pequenos pedaços de madeiras. A escola foi reconstruída graças à ajuda do deputado Arnaldo Busatto, e os agricultores receberam sementes selecionadas para o novo plantio. Ainda através do nosso deputado, conseguimos depois, no governo Paulo Pimentel, um touro Nelore PO para reprodução e que era cedido por empréstimo, sendo que o primeiro contemplado foi o Dorival Gabriel Bandeira, então gerente-geral da Madeireira Dambros e Piva. Por ocasião da 1ª FENAFE – Festa Nacional do Feijão, em Francisco Beltrão, adquiri mais dois touros, puro sangue, sendo um da raça charolês e o outro holandês, para corte e leite respectivamente (Lei nº. 194, de 12.03.68). O interessado na reprodução levava o animal para o cruzamento, com a responsabilidade única de dar-lhe o tratamento adequado, inclusive arcando com as despesas de alimentação. Desta forma, seguia de mão em mão, e o resultado positivo de uma medida tão simples foi o aumento da produtividade no município.

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Ao final da referida feira, após uma semana de festa, fomos surpreendidos com a proclamação do nosso município como maior produtor nacional de feijão por hectare, fato este que muito nos orgulhou como cidadãos santo-antonienses, pois que todas as apostas eram para o município de Francisco Beltrão, anfitrião da festa, que era politicamente mais conhecido e até então era o maior centro produtor da região. Mais uma vitória para Santo Antônio do Sudoeste, que se fez representar por mim e pela primeira dama Lígia, minha esposa, que também era Chefe Regional da Merenda Escolar. Também presentes à ocasião a nossa amiga Terezinha Lanzarini, auxiliar da Lígia e o nosso amigo e empresário Alfredo Mai, que aproveitando a carona levou um jogo de móveis de varanda para a exposição.

Alfredo Mai, Terezinha Lanzarini, Lígia e eu na Exposição em Francisco Beltrão.

Numa certa ocasião, apareceu nos vizinhos municípios, um cidadão de nome Pedro Paulo, coletor federal de Capanema, que havia substituído Otto Passos nas visitas às casas comercias sob sua jurisdição. Este abusava da autoridade, ameaçava os comerciantes, exigia propinas e, não raras vezes, faltava com respeito aos familiares dos proprietários, amedrontava a todos sempre exibindo uma arma de guerra: uma metralhadora portátil. Quando soube do que estava acontecendo, afirmei que se ele agisse desta forma no município sob minha responsabilidade, eu tomaria uma atitude, porque como prefeito, a minha obrigação era de zelar pelo meu povo. Certo dia, o tal Pedro Paulo deu as caras e começou a intervir no trabalho dos comerciantes.

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Suas primeiras visitas foram na casa comercial do Wilson Camargo e em seguida a do Frederico Martinhago, ambas localizadas na Avenida Brasil. Dali dirigiu-se para a Linha Escondido, visitando o comércio de Nestorino Ferrari e de seu cunhado Peron. Depois partiu rumo à serraria de Jacob de Rocco: indústria de pequeno porte e que servia a população local. Estes comerciantes, sentindo-se prejudicados, me procuraram na prefeitura, para que eu tomasse as devidas providências. Imediatamente convidei-os e dirigimo-nos para o município de Francisco Beltrão, para comunicar o fato ao comando do exército, por ser um órgão também federal. Era tempo de chuva e as estradas estavam praticamente intransitáveis, mesmo para um Jeep, então fomos por São Lourenço do Oeste, no vizinho Estado de Santa Catarina, e quando lá chegamos, ao sermos anunciados fomos logo atendidos. Depois de nos apresentarmos, o comandante falou: - O que os senhores desejam? - Viemos fazer uma denúncia. - Aqui não é Delegacia de Polícia. Respondi: - Eu sei perfeitamente, mas como se trata de funcionário federal, eu achei que aqui era o lugar certo. - Então vamos aos fatos. Fiz a denúncia ao comandante. O militar surpreso queria mais detalhes dos fatos, solicitando provas. Afirmei que as provas eram os três cidadãos de bem, que me acompanhavam. Após acatar a denúncia, o comandante falou: - Voltem para casa e aguardem as minhas providências. Vou mandar uma patrulha com três homens para procurar o meliante. Depois, preciso que vocês quatro compareçam novamente aqui para acareação. Dois dias depois fomos chamados. Quando lá chegamos, avistamos o homem preso numa gaiola, e era verdadeiramente uma gaiola de formato redondo, bem junto ao portão de entrada da corporação, e este parecia uma fera enraivecida. Eu já havia combinado com as três testemunhas do caso, para que, ao serem

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interrogados, respondêssemos a mesma coisa e durante a acareação, sustentamos tudo o que havíamos dito na denúncia. Depois, quando já retornávamos para nossas casas, concordamos que as pessoas que nos ouviram eram militares e colegas do meliante e tentaram de todas as formas desvirtuar o nosso testemunho, fazendo-nos perguntas capciosas, mas foi em vão. Com a minha atitude, os demais prefeitos e vereadores da micro-região resolveram fazer suas denúncias. Dias depois em visita à capital procurei por meu amigo, o deputado federal General Alípio Ayres de Carvalho, contando toda a história. Este ouviu com atenção e em seguida, mandou chamar o seu irmão, também general e delegado da Polícia Federal no Estado, que prometeu providências. Em poucos dias convidou as autoridades municipais para ter com eles em Curitiba. E lá chegando recebemos os devidos agradecimentos. O general deu uma boa palestra e solicitou vigilância total nas nossas comunidades, para que a população tivesse confiança nas diversas classes de autoridades. Em seguida surgiu uma sindicância. A comissão desta era composta por três pessoas: um capitão do Exército e dois civis, na qual foram ouvidos mais uma vez os comerciantes, já citados anteriormente. Eles tiveram de prestar depoimentos mais quatro vezes: uma em Barracão, depois em Santo Antônio, Capanema e Francisco Beltrão. Durante o processo também foram chamados outros comerciantes para dar depoimentos: o contador José Luiz Zottis, que depois vendeu o escritório para o doutor Francisco Lanzarini; Ilário Magnani, Bolivar José Rizzi, que também participaram do inquérito, porque o coletor usava de pressão sobre os mesmos para alcançar seus intentos inescrupulosos. E para a conclusão desse caso, foram prestados novos depoimentos também na cidade de Capanema, Francisco Beltrão e até em Curitiba, na Delegacia da Receita Federal. Pedro Paulo respondia inquérito administrativo, pois foi preso em flagrante, numa casa de comércio em Santa Isabel do Oeste, enquanto recebia propina. Passou-se um bom tempo, e num final da tarde, sozinho em meu gabinete, bateram à porta nos fundos, bem próximo de onde eu estava sentado. Surpreso, levantei a parte de cima da vidraça, notei que ali estava um cidadão e perguntei-lhe o que desejava. Identificou-se como Doutor Manoel, advogado do Pedro Paulo, dizendo que vinha me fazer uma proposta para um acerto no caso do coletor. Respondi de imediato que o caso estava nas mãos da Justiça e comigo não havia acerto algum. Ainda tentou convencer-me dizendo que estava autorizado, pelo seu cliente, a aceitar qualquer proposta que eu quisesse para retirar a denúncia, pois que Pedro

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Paulo era de família abastada da capital e que dinheiro não era problema. Repeti uma vez mais que o acerto dele deveria ser com a Justiça. Disse ainda que, se os pais eram gente grande e abastada, eles que defendessem o filho da situação em que ele mesmo se colocou. Sem mais delongas, disse adeus ao inesperado visitante, que se retirou, sem dizer mais nada. Passados uns seis meses mais ou menos, novamente sentado, junto à mesma escrivaninha, no mesmo local e mais ou menos à mesma hora, apareceu uma vez mais o doutor Manoel. Ao vê-lo fui logo dizendo que não tinha acerto comigo, mas desta vez ele afirmou que o motivo da visita era outro. Olhei surpreso quando ouvi as suas palavras: - Eu vim até aqui porque preciso dizer uma coisa. Eu nunca vi juntas tantas pessoas de tamanha honestidade quanto o senhor e as pessoas que serviram como testemunhas no processo. Vocês estão de parabéns. Em Santo Antônio, a minha primeira casa foi construída pelo Albino Carminatti, meu compadre, juntamente com sua equipe: Silvestre Favetti, Olívio Bordim e José Argenta. O Silvestre Favetti foi meu colega de farda no ano de 1941, sendo um dos escolhidos para fazer parte da força expedicionária. Ele combateu na Itália e retornou à pátria sem sequelas visíveis da guerra, pois acredito que, para quem enfrentou inimigos nos campos de batalha em Monte Castelo, lá no mais íntimo da alma, tenha ficado cicatrizes.

Nossa primeira casa: construída pelo meu amigo Albino Carminatti.

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Recibo da construção da casa.

Ainda quando prefeito, os mesmos carpinteiros construíram quase uma centena de salas de aula em todo o interior do município inclusive no Pinhal de São Bento e Pranchita, que eram distritos do município Santo Antônio do Sudoeste. Lembrei-me de que, certa vez, quando era chefe do Distrito Fiscal, em uma visita de cortesia, encontrei o Albino Carminatti no porão da sua casa, iniciando uma matança de frangos. Com ele estavam: o Plácido Salvadori e o seu genro Antoninho Tomazoni. O Albino ficou surpreso achando que era uma visita de fiscalização, e senti um clima pesado no ar, mas sentei-me com eles, tomamos um chimarrão e batemos um bom papo. Quando eu já estava de saída, o Albino acompanhou-me até o portão e só então tocou no assunto. - Pedro, eu peço que você tenha um pouco de paciência como fiscal. O nosso negócio está apenas começando e tão logo a gente possa, vamos legalizar o comércio, mas para isto precisamos de um pouco mais de prazo. Respondi: - Não se preocupe, eu não vim aqui como fiscal. Estava passando aqui em frente e resolvi visitar os amigos. Quando a empresa progredir e gerar lucro, aí vai ajudar o município recolhendo muitos impostos. Com um suspiro de alívio, sorrindo falou: - Muito obrigado pela compreensão e que Deus te ouça quanto ao crescimento da empresa.

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E foi com alegria que acompanhamos a trajetória de sucesso da Avinscarmo, empresa orgulho da região, hoje administrada pelos descendentes do meu velho amigo Albino Carminatti, a qual gera muitos empregos e tributos ao município. Fui convidado a integrar uma comissão composta de três pessoas, da faixa de fronteira, pró-Estrada do Colono, juntamente com Caíto Quintana, vereador de Planalto e José Dalla Páscoa, prefeito de Medianeira. O jornal “A VOZ DO OESTE”, em sua edição de 06 de setembro de 1968 inicia da seguinte forma a reportagem sobre o assunto: Inspirados pelo seu patriotismo e tendo em vista as necessidades de melhor se relacionarem pelo intercâmbio econômico em estradas de integração nacional, o Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, acompanhados do Mato Grosso, que lhes prestigia, encetaram uma cruzada em prol da BR-163 – ESTRADA DO COLONO – que tem em José Della Pasqua, Pedro Soccol, Dr. Adolpho Mariano da Costa e tantos outros eminentes homens públicos desta região seus mais acirrados e combativos defensores. Lutando e pedindo, solicitando, defendendo, na imprensa através das páginas de O ENCONTRO, nosso co-irmão de Medianeira, e de A VOZ DO OESTE, irmanados todos nesta reivindicação que conquistou tantos líderes e despontou tantas honrosas atenções por este Brasil, a Comissão de criação da BR-163, - Estrada do Colono, que tem naqueles homens seus mais destacados membros, fez realizar o I Encontro Interestadual Pró-Abertura da BR-163 e BR-386 em Medianeira, num ensolarado domingo de agosto, dia 18. O primeiro grande passo foi dado. O segundo, em 12 de outubro, sob a Presidência de José Della Pasqua e como anfitrião Urivalde Pigatto, se realizará em Iraí, no Rio Grande do Sul. Essa foi a escolhida dos participantes do memorável conclave de 18 de agosto próximo passado. Justa homenagem a um Prefeito trabalhador, inteligente, dinâmico homenagear o povo em Iraí, conferindo ao seu Prefeito a honra de acolher aqueles que defendem, como brasileiros patriotas e compenetrados das necessidades de nossa terra, a criação de uma estrada tão importante, tão necessária, tão legítima, quer sob o ponto de vista econômico, quer seja analisada sob o prisma da segurança nacional... Estamos todos empenhados na maior grandeza do Brasil. Por isso, com a BR-163, interligada à BR-386, seremos cada vez mais brasileiros, porque teremos contribuído para o progresso de nossa Pátria.

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Jornal “A Voz do Oeste” - Toledo, 6 de setembro de 1968.

O líder da campanha, Prefeito de Medianeira, Sr. José Della Pasqua, quando pronunciava seu importante discurso, do qual destacamos tópicos abaixo

“O próprio Brasil, exceção da importante aventura de Brasília, é ainda um paí litorâneo. Aliás, o grande Oeste tem sido e continua sendo a vítima desta mentalidade litorânea. A medida que se avança para o interior, começam a escassear as grandes vias de comunicação, áreas há, precárias, ínvias e intransitáveis. ” “As precaríssimas estradas, - verdadeiros picadões, que servem à extensa área ao longo da faixa de fronteira dos Estados do Rio Grande do

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Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso, não conseguem promover o intercâmbio comercial básico, nem promovem o competente abastecimento desta mesma região não só em razão do alto custo dos fretes respectivos, como em razão da morosidade que promove a depreciação dos veículos, como acentua o perecimento de certos víveres, utilidades, e produtos químicos de limitada resistência às condições adversas, constituindo um desastroso entrave ao desenvolvimento acelerado em razão do obsoletismo dos instrumentos de transportes.” “E à medida que cresce a atividade produtiva, aliás explosiva, do Alto Uruguai: Oeste Catarinense; Oeste e Sudoeste Paranaense, Sul e centro Matogrossense; também aumenta de modo surpreendente a urgência de transporte e locomoção. ” “Eis porque a ESTRADA DO COLONO, BR-163 conjugada com a BR-386 aproximando o Brasil, de si mesmo, integrando e interligando importantíssimas regiões do extremo sul; além de ser a peça básica para todo o sistema de segurança nacional. ” Esta estrada compreendia o trecho de Porto Alegre a Porto Velho, passando pelo Parque Nacional do Iguaçu, objetivo do referido movimento.

Traçado da Estrada do Colono.

Tendo em vista a extensão da referida rodovia, foram escolhidos quatro municípios para as reuniões iniciais: Medianeira e Capanema, no Paraná; Iraí, no Rio Grande do Sul e Dourados, no Mato Grosso do Sul. Participaram destas reuniões os prefeitos das cidades por onde a estrada passaria, além de autoridades dos governos federal e estadual, os ministros: da Guerra, da Agricultura, da Saúde e como não poderia deixar de ser, o Ministro dos Transportes.

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Grande é a responsabilidade dos integrantes da Comissão de Finanças e Orçamentos. Logo após constituídas, seus membros iniciaram os trabalhos, traçando os necessários esquemas. Na foto acima, da esquerda para a direita: Pedro Corrêa, Walter Bruno Koelin, Pedro Soccol e João Muniz Reis

IRAÍ TAMBÉM LUTA POR UMA RODOVIA Reportagem do jornal “O ESTADO DO PARANÁ”, Curitiba, 20 de outubro de 1968, texto: Gastão Camargo – Fotos, Selvino Grezzana, enviados especiais da Sucursal de Cascavel. A hospitaleira cidade de Iraí, tradicional balneário hidromineral do Rio Grande do Sul, sede do II Encontro pró-abertura da BR-163, também denominada “Estrada do Colono”. Participaram da reunião realizada no último dia 12, delegações dos seguintes municípios do PARANÁ: Medianeira, Palotina, Marechal Cândido Rondon, Terra Roxa, Guaíra, Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu, Matelândia, Capanema, Planalto, Pérola do Oeste, Santo Antônio do Sudoeste, Realeza, Ampére, Barracão, Santa Izabel do Oeste, Francisco Beltrão, Marmeleiro, Renascença, Vitorino, Pato Branco e Salgado Filho – SANTA CATARINA: Dionísio Cerqueira, Guarujá, São José do Cedro, Guaraciaba, São Miguel do Oeste, Descanso, Mondaí, Itapiranga, Palmitos, Cunha Porã, Maravilha, Palma Sola, Anchieta, Romelândia e Campo Erê. – MATO GROSSO: Rondonópolis, Dourados, Campo Grande, Coxim, Porto Felicidade e Porto Marumbi. – RIO GRANDE DO SUL: Carazinho, Sarandi, Rondinha, Constantina, Planalto, Iraí, Ronda Alta, Vicente Dutra, Caiçara, Frederico Westphalen, Seberi, Palmeira das Missões e Chapada.

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OBJETIVOS Considerando ponto pacífico a necessidade da construção da BR 163/386 – Rodovia do Colono – por força de razões imperiosas de integração, desenvolvimento econômico harmônico e planejado evitando a crescente marginalização, pauperização e dispersão das populações fronteiriças, com a conseqüente desguarnecimento da Faixa de Fronteiras, 57 prefeitos de municípios de quatro expressivos Estados Brasileiros representando uma população de 1.384.522 habitantes, empenham-se na luta que outro objetivo não tem senão o de pleitear a inclusão da “Estrada do Colono” – BR 163/386 – no Plano Plurianual do Ministério dos Transportes, segundo o planejamento do governo federal. PROPOSIÇÕES APRESENTADAS Durante os trabalhos diversas proposições foram apresentadas pelas participantes destacando-se entre as aprovadas as seguintes: encaminhar ao presidente da república e ao ministro dos Transportes, um memorial salientando a importância da construção da estrada, sob o ponto de vista Geo-Econômico – Agropecuário, Turístico – Estratégico. Além dessa, decidiram colher subsídios sob a forma de relatório, levantamentos socioeconômicos, prospectos cartográficos e documentação hábil para o melhor conhecimento das autoridades federais, estaduais e demais interessados. A campanha para a construção da estrada , decidiram os participantes, prosseguirá e serão levados à prática as resoluções dos encontros de Medianeira e Iraí, ficando ainda acertado que o III Encontro será realizado em Mato Grosso, no primeiro domingo de dezembro ou então quando o Governo PERSONALIDADES PRESENTES Prestigiavam o II encontro o Governador Walter Perachi Barcellos do Rio Grande do Sul; o embaixador do Brasil na Argentina Pio Corrêa, Sr. Vincícius Tortatto, secretário da Secretaria do Oeste de Santa Catarina representando o Governador Ivo Silveira e o 1º Tenente Hélio Lones, representando o Comando do 3º Exército. ORADORES Durante os trabalhos levados a efeito no cinema locl usaram da apalavra as seguintes autoridades: José Della Pasqua, Urivalde Pigatto, Luiz Carlos Quintana, Nilton Castanheira, Antônio M. Ceretis, Deputados Angelino Rosa e Waldir Busatto; Engenheiro Antônio Augusto de Oliveira, Túlio Luiz Zancheti, Francisco Gualter; embaixador Pio Corrêa e governador Walter Perachi Barcellos. O Sr. Pio Corrêa em sua alocução disse “urge reabrir os caminhos para uma economia e uma redenção das fronteiras. Outra coisa não busca o Ministério das Relações Exteriores, senão a nova política de fronteiras do Barão do Rio Branco ao ministro Magalhães Pinto. ”

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PARANÁ BRILHOU Tiveram atuação destacada durante a realização do conclave, os srs. José Della Pasqua, prefeito de Medianeira; Werner Wanderer, prefeito de Marechal Cândido Rondon; Pedro Corrêa, prefeito de Santo Antônio do Sudoeste e Sr. Antônio Ceretta, presidente da Câmara Municipal de Marechal Cândido Rondon. O Sr. José Della Pasqua discursando ressaltou os esforços desenvolvidos pelos srs. Paulo Pimentel e Walter Perachi Barcellos, Ivo Silveira e Pedro Pedrossian, para que a “Rodovia do Colono” se transforme em realidade.

No encontro em Iraí (RS): o governador Walter Perachi Barcellos posa ao lado de um grupo de prefeitos do Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.

Durante o almoço oferecido pela municipalidade de Iraí (RS), aparece o governador Walter Perachi Barcellos, ladeado pelos prefeitos Urivalde Pigatto, Pedro Corrêa e José Della Pasqua. (Jornal “O ESTADO DO PARANÁ”, Curitiba, 20 de outubro de 1968).

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O governador Walter Perachi Barcellos discursa, dizendo que o governo do Rio Grande do Sul apoia e lutará pela construção da “Estrada do Colono”.

Na reunião em Dourados, após quase uma semana de debates, o Ministro dos Transportes encerrou, proclamando a abertura da estrada, com asfaltamento inclusive no trecho do Parque Nacional do Iguaçu, que foi dado como liberado para a execução das obras. Foi muito aplaudido por todos os presentes, ficando a execução a cargo e responsabilidade dos prefeitos nomeados, pois era início do Governo Militar. Infelizmente, o projeto jamais se concretizou, a nobre causa foi abandonada e por falta de fiscalização, o parque sofreu grandes depredações, como a retirada clandestina de madeiras nobres, palmitos e outros, e o que é ainda pior: destruição da flora e fauna. Antes que nos retirássemos do local, uma surpresa: bem no centro do salão, que era muito grande, levantou-se um cidadão de baixa estatura, que menor não podia existir, bem barrigudo, trajando bombacha, boina de feltro bem surrada, calçando alpargatas com pouca sola, assim chamando a atenção dos presentes, falou em voz alta para todos os generais: - Se vocês não puderem fazer asfalto nesta estrada, no meu município eu faço sozinho! Depois descobrimos: o homem era prefeito do município de Iguatemi, Mato Grosso do Sul. Fui o último prefeito eleito antes do Regime Militar. Com os militares no poder, foi extinto o pluripartidarismo existente no

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Brasil. Através do Ato Institucional nº. 2, de 27 de outubro de 1965, e do Ato Complementar nº. 4, de 20 de novembro deste mesmo ano, foram extintos os 13 partidos políticos legalizados no País e determinada a implantação do bipartidarismo, e a partir de então os cargos executivos eram preenchidos por indicação dos partidos existentes na época: ARENA e MDB, sendo que o segundo fazia oposição aos militares.

Ata de Constituição da ARENA em Santo Antonio do Sudoeste.

Santo Antônio do Sudoeste ainda não era comarca e nosso município era subordinado à Comarca de Clevelândia, como diziam os antigos: a comarca dos Martins. Esta tradicional família à qual pertencem: Cândido Martins de Oliveira (o velho Candinho); Cândido Manuel Martins de Oliveira (o filho); Luiz Alberto Martins de Oliveira, aliados à família Fontana, “donos” de Mariópolis, bem como a família Anibelli exercia uma enorme força política no Paraná e uma grande influência no partido. Por fim, a indicação veio de cima e nomeado o Dr. Ary Faria Furquim, parente de “Candinho”, que à época detinha o comando político da nossa região. Mesmo com forte rejeição popular, o novo prefeito foi empossado.

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Posteriormente, quando se cogitava a substituição do prefeito, houve várias indicações do meu nome pelo partido para que eu assumisse como prefeito nomeado, uma vez que, durante o Regime Militar, os prefeitos das capitais e das áreas de fronteira não eram eleitos pelo voto popular. Novas listas tríplices foram encaminhadas, a cada vez que havia troca de poderes dos deputados estaduais, mas, no nosso município, a referida troca jamais se concretizou. A eleição dentro do partido aconteceu mais três vezes, a nível de município, e o resultado repetiu-se, sempre com maioria absoluta em favor da ARENA 1, mas ao chegar à capital, a indicação do meu nome era rejeitado, e assim sendo, o prefeito permaneceu no poder por mais de uma década, pois não conseguimos mudar o apadrinhamento de Furquim pelo Dr. Candinho. Quando terminou o meu mandato como prefeito, no dia da transmissão do cargo, quando tudo estava pronto para a entrega, com todos os funcionários presentes, para prestarem informações de suas pastas, caso fossem solicitadas, o prefeito nomeado não compareceu. Passaram-se alguns dias e nada. Como o novo prefeito continuava ausente, eu resolvi fazer a prestação de contas para a população convidada a comparecer à solenidade, que ocorreu com a presença das autoridades locais, nas dependências do Clube Recreativo e Esportivo Guarani, e a entrega do cargo foi feita ao então Presidente da Câmara Municipal de Vereadores. Presentes ao ato os demais membros daquela casa de leis, que já haviam tomado posse, aprovaram as contas. Como Presidente da Câmara, meu amigo e companheiro Dionísio Scopel assumiu como Prefeito Interino, e ato contínuo, em 01 de fevereiro de 1969 fui nomeado Assessor Administrativo da Prefeitura Municipal de Santo Antônio do Sudoeste através do Decreto nº. 109. ¹ Em 02 de maio de 1969, através do Decreto nº 117, fui exonerado da função, pelo prefeito Ary Faria Furquim.

1 – Com a ajuda da funcionária Cíntia Lanzarini tentamos localizar a cópia do Decreto nº. 109, junto aos documentos da Prefeitura Municipal e também contamos com a ajuda do vereador Ênio Santos, na Câmara Municipal, mas nada encontramos. No entanto, nos documentos pessoais do Sr. Pedro Corrêa, havia cópia do Decreto de Exoneração.

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Jamais esquecendo a amizade que me unia ao deputado Arnaldo Busatto, que tanto fez pelo sudoeste do Paraná, a pedido dos meus companheiros de partido, e não sem antes, conversar francamente com meu velho amigo, que como excelente pessoa e político, entendeu que não tratava-se de algo pessoal, mas imposições da vida pública, passei a apoiar politicamente o deputado Ivo Tomazoni, de Pato Branco.

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Pequeno histórico: Fui candidato a vereador pela primeira vez pelo Partido Integralista, o camisa verde, que tinha como presidente e chefe o saudoso Sr. Pedro Pastório, grande amigo e companheiro, homem de decisão e respeito. Não me elegi por um voto como 1º suplente. As apurações das eleições eram feitas no antigo cinema do Fernando Giusti. Colocavam várias mesas e nessas mesas as urnas para apuração. Elas eram abertas em meio a gritos, perante o povão, políticos e não-políticos, era um entrevero só. Começava a apuração com os escrutinadores abrindo as referidas urnas e derramando as cédulas sobre a mesa, que na época eram em pedacinhos de papel com os nomes dos candidatos. Quando o escrutinador apanhava a cédula gritava o nome do candidato: vereador fulano de tal, e se o escrutinador fosse seu companheiro colocava o papelzinho em um prego em cima da tábua sobre a mesa, se fosse contrário, dava um jeito de rasgar e jogar fora. Todos faziam a mesma coisa. Era uma gritaria só. No final, eram somados esses votos e quem tinha sorte estava eleito. Eu não fui eleito, mas no dia seguinte, quando o Fernando e sua esposa, dona Albina foram fazer a limpeza no salão, lá estavam os votos, todos rasgadinhos, mas dando para identificar. Quem me prejudicou foi o filho de um dos meus compadres, mas é melhor esquecer e perdoar, porque ambos já morreram. Em 1974, concorri novamente e desta vez, fui eleito vereador com uma expressiva votação, encaminhando ao Executivo vários requerimentos de projetos, cujos comprovantes encontram-se em meu arquivo particular.

“Santinho” da campanha.

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Vereadores na Câmara.

Foi criado através de projeto por mim encaminhado, a Associação dos Vereadores do Sudoeste do Paraná, a AVESPAR, que posteriormente, sem justificação, acabou ficando no esquecimento, por falta de interesse do ex-presidente eleito da dita associação, o então vereador de Planalto, Caito Quintana, depois deputado. Em 1985, quando concorri mais uma vez ao cargo de Prefeito Municipal, tive como vice da chapa o Dr. Manfredo Germano Knapp, filiado ao PDT, tendo como adversários Ademar Luiz Traiano e vice Olmar Dall’Onder, os quais venceram a eleição. Nesta ocasião, o eleitor nos levou às urnas, apoiados nos companheiros, por assim dizer. Eu possuía a vontade de fazer por Santo Antônio do Sudoeste nes175


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ta oportunidade, aquilo que não consegui fazer anteriormente, e tinha um programa de governo para executar, e se fosse da vontade de Deus, concretizaria os meus sonhos e dos companheiros, mas fomos sem sorte, dado ao tipo de campanha muito diferenciada daquela em que participamos pela primeira vez, quando não existiam doações para eleitores, nem compra de votos em troca de cestas básicas. Os nossos companheiros foram lutadores incansáveis, trabalhando de mangas arregaçadas, mas não conseguimos vencer, o que é natural, pois onde tem dois candidatos: um ganha e outro perde. Perdemos a eleição, mas não perdemos a dignidade. Eu não perdi a eleição por falta de moral, por falta de compostura. Perdi porque não tinha condições. Saí de cabeça erguida, lutando por Santo Antônio e pela “minha gente”. Logo após a derrota nas urnas, fui até os estúdios da Rádio Entre Rios, acompanhado do amigo Ilmar Antônio Auth, e fiz um breve discurso, pois precisava demonstrar aos que manifestaram sua confiança em mim, todo o meu apreço. “Aqui estamos novamente nesta emissora para vos cumprimentar, e mais que isso, para agradecer de todo o coração e sinceridade, o trabalho que vocês prestaram durante a nossa campanha eleitoral, contribuindo com o seu voto consciente e honesto, sem mácula, demonstrando assim o alto espírito democrático, valorizando nossa pessoa, por tudo aquilo que fizemos em trinta e um anos de residência em nosso município. Aos nossos cabos eleitorais, soldados valentes, destemidos e bravos, esperamos que um dia possamos agradecer e recompensar de uma maneira útil e valorosa, porque nem sempre a palavra do homem exprime a verdade. Agradecemos àqueles que votaram em nós... sem interesse próprio, mas o da comunidade. Agradecemos ainda àqueles que se curvaram diante de seus interesses, porque nos trouxeram maior clareza para as nossas futuras lutas. Enfim, agradecemos de um modo geral, toda a ajuda que tive contra ou a favor, porque nada fizeram para mudar o nosso pensamento e nossa personalidade, o meu jeito de ser. Fui, sou e sempre serei o Pedro Corrêa. Fomos vencidos, não derrotados.

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Fomos vencidos pelo poder dos governos municipal e estadual, que usaram todos os meios que vocês conhecem. Ficou em nós gravado o resultado desta eleição: os 4.406 eleitores amigos, que nos valorizaram, fazendo com que os nossos adversários trabalhassem sem cessar. Nossa candidatura foi vitoriosa, demonstrando assim ser forte, valorizando o homem de nosso município. Caros munícipes, cumprimos mais uma etapa do nosso dever cívico e político, fazendo nossa campanha livre, clara e honesta, pensando sempre em você, que é tudo para nós. Caímos em pé e de cabeça erguida, bastante levantada, olhando para o horizonte e procurando novamente ver o dia de amanhã, bem próximo, para novamente lutarmos em favor do nosso povo. E, para encerrar, mais uma coisa: pedimos ao nosso prefeito eleito, quando assumir o seu cargo, assuma e cumpra tudo aquilo que prometeu em campanha, pois eu e o eleitorado do município estaremos vigiando passo a passo todos os procedimentos. Boa sorte a você, e desejamos de coração, porque temos amor à nossa terra e, conseqüentemente, em nosso valoroso povo. Somos poucos porque fomos vencidos, mas somos muitos porque somos unidos. A hora agora é de remanejar o pensamento e analisar friamente se acertamos ou erramos, pois, eleição é assim mesmo. Vamos fazer o quê? ”

Eu ainda era forte o bastante para lutar ao lado do meu povo e então, me candidatei à vereança em 1988, pela terceira vez, mas fui sem sorte de novo. Não fui eleito, não por falta de prestígio, mas porque era a eleição do vale-tudo, só não valia perder. Até alguns companheiros de partido acabaram nos prejudicando, pois saíram em campanha pelo interior pedindo para repartir os votos. Uns quinze dias antes do pleito, notei que estava sendo conduzido desta maneira, mas já não havia tempo para reverter. Resultado: novamente 1º suplente, mas não assumi. Não me julgo derrotado nesta campanha. Fui bem, colaborei com o município e ajudei a eleger o prefeito Manfredo Germano Knapp. Fui Presidente do Lions Clube de Santo Antônio do Sudoeste, tendo representado o clube em reuniões distritais, inclusive no Teatro Guaíra em Curitiba. 177


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Fui um dos idealizadores do Centro de Tradições Gaúcha Querência da Fronteira, em 1969, cujo nome também ideia minha, juntamente com Laurindo Flávio Scopel e Atílio Defante, que era proprietário de um barzinho, próximo de onde hoje está localizada a Loja Carminatti. Foi na hora do aperitivo que surgiu a ideia, e de imediato foi colocada em andamento. No CTG fui membro do Conselho de Vaqueanos e Chiru das Falas.

Cumprimentado pelo Prefeito Zelírio Peron Ferrari (ao centro) no recebimento da Comenda.

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Trouxe também para a nossa cidade o Clube da Boca Maldita, cuja placa foi instalada na Praça Percy Schreiner.

Lançamento da pedra fundamental da “Boca Maldita” na Praça Percy Schreiner.

Fui membro do Conselho Fiscal da extinta Cooperativa Sabadi com sede em Barracão. Fundador colaborador do Ipiranga Esporte Clube, no município de Pranchita e também do Brasil Esporte Clube aqui de Santo Antônio. Além do clube e do CTG, a nossa diversão consistia em ir aos domingos de verão, tomar banho no rio que passa dentro das terras de nosso inesquecível amigo Mário Bassi, que ficava na Linha Km 5. Fui eleito 2º Secretário do Grêmio Aéreo Esportivo Independente, de Dionísio Cerqueira, Estado de Santa Catarina. Fui assessor da Prefeitura de Campo Novo do Parecis, no Estado do Mato Grosso, no mandato do meu amigo, agricultor e empresário Zeul Fedrizzi. Por várias vezes exerci o papel de cidadão e patriota participando ativamente do processo eleitoral como mesário escrutinador, fiscal de partido e delegado durante a realização de eleições. Nas campanhas de vacinação, o meu nome era sempre lembrado inclusive colaborando com meu Jeep. Exerci a função de agente do SNI, segredo somente agora revelado, até para os meus familiares, sendo subordinado à Secretaria de Segurança Pública do Paraná e na cidade, quem sabia era somente o Juiz de Direito, o Promotor e o Delegado de Polícia. Era um cargo de confiança e muito tempo antes e depois do governo militar, eu ainda prestava informações ao Exército em Francisco Beltrão.

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Por ter sido militar e chegado ao posto de terceiro sargento, colocando-me à disposição da FEB - Força Expedicionária Brasileira, um dia fui procurado em minha residência por três militares e por eles fui credenciado na unidade de Francisco Beltrão, para mantê-los informados sobre o procedimento de brasileiros na fronteira, jagunços ou terroristas, ou qualquer outra informação relevante para a segurança do país. Era a época do chamado GRUPO DOS 11, uma ala revolucionária criada no Rio Grande do Sul, por Leonel Brizola e seus seguidores, contrários aos militares que governavam o país. Aqui também cabe uma parte da nossa história que é muito interessante e que poucos conhecem. Os chamados “Grupo de Onze Companheiros”, simplesmente conhecidos como “Grupos dos Onze, Gr-11” ou Comandos Nacionalistas foram concebidos por Brizola no fim de 1963. Tomando por base um time de futebol, imagem de fácil assimilação e apelo popular, Brizola pregava a organização de pequenas células – cada uma composta de onze cidadãos, em todo o território nacional – que poderiam ser mobilizadas sob seu comando. Era um grupo de esquerda, porém não socialista, era nacionalista e apoiava abertamente as políticas de base de Jango, dentro do contexto de radicalização política do período histórico. Através da rádio Mayrink Veiga, a partir de 1962, Leonel Brizola começou um programa todas as sextas-feiras, às 21 horas, e assim a voz de Brizola chegava aos lugares mais remotos do País. Na noite de 29 de novembro de 1963, ele utilizou seu programa para lançar um movimento de massa, com uma operacionalidade ágil, dotado de capilaridade para atuar em todo o território brasileiro, incluindo as áreas isoladas e distantes, e foi este movimento que recebeu

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o nome de Comandos Nacionalistas ou Grupo de 11. Brizola, eleito deputado federal em 1962 pelo antigo Estado da Guanabara e líder da Frente de Mobilização Popular, passou a orientar a mobilização do Gr-11, e com esta formação, pretendia contar com uma força extraparlamentar organizada e de caráter popular. Com a criação destes grupos o clima de radicalização já se generalizara e a imprensa supervalorizava sua capacidade de ação, mas a verdade é que houve quem se inscrevesse apenas porque gostava de Brizola e nunca teve participação efetiva. No Sul, muitos achavam que iam ganhar terras e sementes. Os objetivos principais dos comandos resumiam-se em defender as conquistas democráticas do nosso povo, através de uma democracia autêntica e nacionalista, pela imediata concretização das Reformas de Base, em especial das Reformas agrária e urbana, com o fim da concentração latifundiária, e determinação de luta pela libertação da nossa pátria da espoliação internacional, discurso este que Brizola jamais abandonou. No início de 1964, Brizola lançou seu próprio semanário, “O Panfleto”, que veio a se integrar à campanha desenvolvida na rádio, e chegou a organizar 5.304 grupos, num total de 58.344 pessoas, distribuídas principalmente pelos Estados do Rio Grande do Sul, Guanabara, Minas Gerais e São Paulo. Para organizar um GR-11, a primeira providência era a leitura e o estudo das instruções, “quantas vezes fossem necessárias até uma segura compreensão dos fins e objetivos da organização.” A etapa seguinte consistia em “procurar os companheiros com os quais teriam convivência e ligações de confiança”. Diante da receptividade para a ideia de organizar um Gr-11, “tal decisão significaria um verdadeiro pacto de solidariedade e confiança entre os companheiros”. O objetivo era reunir 11 pessoas, mas as instruções reconheciam que arregimentar este contingente poderia ser um pouco difícil e estabelecia que, com sete integrantes, a célula de militantes poderia começar a atuar, e alcançando este quorum mínimo, o grupo era oficialmente fundado. A proposta era criar sucessivos grupos de 11 integrantes até atingir 11 células e os líderes de cada uma formariam um Gr-11-2, isto é, um Grupo de Onze de 2º nível, reunindo um total de 121 companheiros. Havia um código de segurança detalhando os cuidados a serem adotados já se desconfiando de uma possível monitoração de autoridades militares. Apesar de Brizola não ver com simpatia o PCB a determinação era esta: “Devemos ter sempre presente que o comunista é nosso principal aliado, mas embora alardeie o Partido Comunista ter forças para fazer a Revolução Liber-

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tadora, o PCB nada mais é que um movimento dividido em várias frentes internas em luta aberta entre si pelo poder absoluto e pela vitória de uma das facções em que se fragmentou. São fracos e aburguesados esses camaradas chefiados pelos que vêem, em Moscou, o único sol que poderá guiar o proletariado mundial à libertação internacional. Fogem à luta como fogem à realidade e não perderão nada se a situação nacional perdurar por muitos anos ainda.” A primeira reunião formal do grupo tinha objetivo bem burocrático: montar a estrutura do Gr-11. As funções ficavam bem detalhadas e cada integrante teria um papel específico, assim determinado: •

Líder, dirigente ou comandante: representa, orienta e coordena as atividades do grupo, de acordo com as instruções partidárias e os objetivos da organização. Está previsto que seu mandato será a duração de um ano;

Assistente: prestar colaboração direta ao dirigente ou comandante do grupo, substituindo-o em seus impedimentos;

Secretário-tesoureiro: responsável pela gestão dos recursos financeiros e guarda de papéis e documentos (líder, assistente e secretário-tesoureiro formam a comissão executiva do Gr-11);

Comunicações: dois integrantes ficam encarregados das comunicações, que englobam a troca de informações entre os elementos do Gr-11, inclusive no caso de ser preciso avisar aos companheiros sobre a necessidade de esconderijo ou fuga;

Rádio-escuta: acompanhamento pelo rádio dos acontecimentos nacionais e locais;

Transporte: coordenação das possibilidades de transportes para os membros do grupo no caso de atos e concentrações públicas;

Propaganda: responsável por faixas, boletins, pichamentos, notícias para a imprensa;

Mobilização popular: contatos e ligações com o ambiente local, visando a formar um círculo de relações e colaboração em torno do grupo, principalmente para garantir o comparecimento em comícios ou outros atos públicos;

Informações: atribuição de fazer contatos e o levantamento de informações sobre a situação política e social, além de outros problemas que interessem o grupo. Também fica responsável pela organização partidária local;

Assistência médico-social: o companheiro deve ser, se possível, médico, enfermeiro ou assistente social, “ou no mínimo com alguma noção ou treinamento para prestar assistência ou orientação a todas as pessoas necessitadas no ambiente onde atuar o Comando Nacionalista (por exemplo, aplicar injeção, conseguir medicamentos, curativos de emergência)”.

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Estes grupos foram sufocados e abortados na origem, pelos militares em 1964 e pelo exílio de Leonel Brizola no Uruguai durante o Regime Militar, mas alguns remanescentes destes grupos, conhecidos como brizolistas, continuaram na militância política. Eu sabia que adeptos do referido movimento moravam no interior do município, muitos assumidamente brizolistas, mas nada podia provar quanto a serem integrantes do referido movimento, apesar do comentário dos vizinhos, limitava-me a observar de longe o comportamento destas pessoas e só no caso de ter certeza absoluta de alguma revolta, procederia uma denúncia. O único incidente por aqui foi numa sexta-feira, em março de 1965, quase um ano após a tomada do poder pelos militares e véspera da inauguração da Ponte da Amizade, onde estaria presente o então Presidente da República, General Humberto de Alencar Castelo Branco, quando o Comandante do Destacamento Policial local, subtenente José de Lima Coutinho, mais conhecido como “subtenente Pio”, ouviu pela rádio de Barracão que dois militares e vários paisanos, advindos dos pampas gaúchos, dirigiam-se num caminhão Mercedes-Benz amarelo, equipado com uma metralhadora giratória, rumo a Foz do Iguaçu, Paraná. Como Santo Antônio do Sudoeste faz parte da rota para chegar ao destino pretendido, o subtenente posicionou-se na praça, onde vigiaria a estrada e o seu pensamento estava certo, pois logo avistou o caminhão estacionado no posto de combustível do Chacho e como agente da lei, dirigiu-se ao local, colocando-se às ordens do Coronel do Exército que ocupava a cabine, mas foi ameaçado de morte pelo sargento que saltou da carroceria. Procurou o Delegado de Polícia, Bel. Vicente de Oliveira Santos, para denunciar o estranho comportamento e este imediatamente solicitou ao sargento “Maneco”, rádio-telegrafista que colocasse o aparelho de rádio-comunicação em funcionamento para transmissão de mensagem urgente ao governo descrevendo o fato. Ato contínuo redigiu uma autorização, apresentando o subtenente Pio para as autoridades militares de Foz do Iguaçu, enviando-o àquela cidade pelo caminho mais curto, ou seja, através da estrada existente na Província de Misiones, República Argentina, e este chegou ao seu destino meia hora antes da cerimônia de inauguração. A cidade ficou em polvorosa e todos falavam em prender os que faziam parte do Grupo dos 11. Denunciaram dois irmãos moradores no distrito de Florido, que depois de localizados e presos, foram imediatamente removidos para Foz do Iguaçu num helicóptero do Exército enviado especialmente para tal missão.

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Quanto aos revoltosos ocupantes do caminhão, já haviam partido, mas foram perseguidos e presos nas proximidades de Capitão Leônidas Marques. E foi assim que o subtenente José de Lima Coutinho foi promovido a tenente, por ato de bravura. Durante o Regime Militar, o país viveu uma época conturbada devido a grupos subversivos, que infernizavam a vida no país, matando, sequestrando, roubando bancos e promovendo atentados e era preciso estar sempre alerta. Graças a Deus isto não chegou em nossa terra e nunca precisei denunciar ninguém. HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DOS SÍMBOLOS MUNICIPAIS O escudo e a bandeira do município de Santo Antônio do Sudoeste, foram criados por mim e por minha esposa Lígia. Idealizando a nossa bandeira chegamos à conclusão de que ela deveria ser confeccionada com as mesmas cores da Bandeira Nacional, e não poderia ser diferente, uma vez que estamos localizados na área de fronteira com outro país, ou seja, queríamos enaltecer as cores nacionais: verde, amarela, azul e branca, mas com desenho geometricamente diferente. Decididas as cores e o desenho geométrico começamos a procurar um modelo de escudo para o centro. Minha esposa, descendente da família Bittencourt, possuía o modelo do brasão da família e sobre este começamos a idealizar aquele que iria representar o município de Santo Antônio do Sudoeste. Era um escudo samnítico, que é um tipo de escudo usado em heráldica, e foi o primeiro estilo de escudo introduzido em Portugal, por influência francesa, evocando a raça latina e colonizadora da região. Com uma coroa em forma de muralha com cinco torres de pedra, sobrepondo o desenho, queríamos demonstrar a grandeza das terras férteis e a nobreza do nosso povo. Pensando em contemplar todas as riquezas do nosso rincão, tanto as naturais quanto as cultivadas, criamos ao centro, em formato de escudo, na cor azul em dois tons simbolizando o céu e a água; um pinheiro representando a grande quantidade de araucárias que existiam no município. Ao pé deste, no lado esquerdo um trator agrícola, representa o progresso da agricultura; no lado direito um porco branco, representando a grande criação de suínos da raça Duroc, suínos estes que eram criados e engordados e em seguida conduzidos em tropas para União da Vitória, Estado do Paraná.

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Ainda ao lado direito e circundando o escudo encontra-se uma haste de milho e à esquerda uma haste de feijão, culturas fortes do nosso município, pois na época, por ocasião da 1ª FENAFE – Feira Nacional do Feijão, na cidade de Francisco Beltrão, Santo Antônio do Sudoeste foi contemplado com o título de maior produtor nacional de feijão por metro quadrado em pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas. No listel, o topônimo do município ligando as duas culturas, presta homenagem ao padroeiro da cidade, e logo abaixo a data da nossa emancipação. Brasão de Santo Antônio do Sudoeste-PR.

Bandeira do Município de Santo Antônio do Sudoeste.

Também encaminhamos para gravação em compacto simples o Hino Municipal em um dos lados e no outro o Hino ao Professor. Hino de Santo Antônio do Sudoeste Autor: Sebastião Lima Santo Antônio do Sudoeste Sentinela em dormida a velar Tu nasceste de um sertão agreste, Pelo valor de uma raça exemplar E hoje ostentas a cidade ao vivo forte Para gáudio do teu povo ao braço forte. Santo Antônio, adorado rincão Viverás para sempre em nosso coração Santo Antônio, adorado rincão Viverás para sempre em nosso coração És um elo a ligar com afeição,

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Nosso povo a um povo irmão Aos que buscam pouso para se abrigar Tens um solo dadivoso a ofertar Santo Antônio, adorado rincão Viverás para sempre em nosso coração Santo Antônio, adorado rincão Viverás para sempre em nosso coração Aos maiores que ficaram na História Nosso preito carinhoso de saudade Os seus feitos da mais intensa glória Lembraremos por toda a eternidade Santo Antônio, adorado rincão Viverás para sempre em nosso coração Santo Antônio, adorado rincão Viverás para sempre em nosso coração És no Paraná varonil Um celeiro de riqueza sem igual, Recanto feliz do meu Brasil Relicário de um ideal! Santo Antônio, adorado rincão Viverás para sempre em nosso coração Santo Antônio, adorado rincão Viverás para sempre em nosso coração. Hino ao Professor (Não encontrei o nome do autor) Construir um novo ser Construir o cidadão Esse é o nosso compromisso Pela força da união Pois pra gente ser feliz É preciso dar as mãos Seguir juntos e a passos largos Numa mesma direção Vamos juntos Vamos todos Viva os nossos professores Que acreditam em si mesmos E levam avante a educação Alavancando os nossos sonhos Com amor e dedicação.

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Depois que deixei a Prefeitura, voltei para a minha função na Agência de Rendas Estadual, não mais como chefe e sim, como subalterno. Meu chefe era Harley Stochero, cunhado de Ary Faria Furquim, e ele não deu-me trégua. Havia entre nós uma pequena rivalidade política e antiga, e que um dia veio à tona. Eu não tive mais sossego e começou então, uma perseguição absurda, mandando-me trabalhar fora da sede do Distrito Fiscal, principalmente em Pato Branco, e quando lá chegava, era designado para trabalhar em vários outros municípios, tais como: São Jorge, Verê, Coronel Vivida e assim por diante. Tinha de sair de casa todos os domingos à tarde para estar lá nas segundas-feiras, na hora do expediente, onde permanecia até sábado, quando era liberado. Cansado daquilo, pensei que não valia pena ficar longe da minha família a maior parte do meu tempo e certo dia, resolvi pedir a minha aposentadoria prematuramente e parar de vez com aquela rixa.

Pedido de aposentadoria.

Com o conhecimento que adquiri e com as amizades que eu fiz com autoridades na Capital do Estado, consegui a nomeação da Lígia como Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, que mais tarde, através de concurso público passou para o nosso filho Ubirajara Pedro Coutinho Corrêa.

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ALGUMAS COBERTURAS PELA IMPRENSA

Aula inaugural - A sede do Guarani Esporte Clube, foi pequena para conter as alunas da escola Normal de Santo Antônio do Sudoeste, durante a aula inaugural do corrente ano letivo, proferida pelo deputado Arnaldo Busatto.

O Sr. Arnaldo Busatto, deputado mais atuante nas regiões Oeste e Sudoeste do Paraná, esteve recentemente em Santo Antônio do Sudoeste, tendo proferido a aula inaugural da Escola Normal e Técnica em Comércio. O acontecimento de grande importância para a vida do município, teve lugar na sede do Guarani Esporte Clube e foi prestigiado por diversas autoridades, destacando-se o prefeito Pedro Corrêa, Sr. João Maria Castanho, Inspetor Regional de Ensino; sra. Celita Alvarenga Bortot, representante do Ministério Público e diretora da Escola Normal; Hélio Toledo, contador e diretor da Escola Técnica de Comércio, e os vereadores Emílio de Menezes, Nestorino Ferrari, Dionísio Scopel e Casemiro Correia. Ao desembarcar no aeroporto municipal, Arnaldo Busatto recebeu calorosa manifestação de apreço da população, que assim testemunhou o seu reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pelo parlamentar em favor do progresso do município e de toda região. Antes do almoço, o visitante em companhia do prefeito Pedro Corrêa, percorreu diversos distritos com o objetivo de sentir melhor os problemas e reivindicações dos moradores, que precisam ser solucionados com a maior brevidade possível. REALIZAÇÕES Em toda parte, sente-se o resultado do trabalho pelo atual prefeito, que transformou a face do município. A cidade de Santo Antônio, particularmente vai aos poucos assumindo o aspecto de uma cidade de expressão regional. A ampliação do parque de máquinas para abertura e conservação de estradas, a construção de grande número de salas de aulas, o diálogo permanente com os moradores, tem resultado numa administração modelar que cercam o Sr. Pedro Corrêa e os atuais vereadores de um clima de simpatia e respeito público, o que explica também o apoio que tem sido dispensado à sua administração pelo governo Paulo Pimentel. Para se ter uma idéia da eficiência da administração Pedro Corrêa, basta dizer que

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nada menos de 60 salas de aulas já foram construídas na sede e nos distritos de Santo Antônio do Sudoeste, sendo que outras 20 estão em construção, devendo ser entregues à população escolar até agosto próximo. No setor pecuário, foram adquiridos do Ministério da Agricultura, dois reprodutores de raça, destinados a melhorar o plantel dos criadores do município e de toda região. ESTÁDIO Mas, sensível aos sentimentos populares, o Sr. Pedro Corrêa não relegou a segundo plano a assistência ao esporte. Assim é que amplo Estádio Municipal está sendo construído com recursos da municipalidade e destinado a incentivar a prática do futebol. Em breve, Santo Antônio do Sudoeste contará com um distrito Rodoviário do DER, o que contribuirá para melhorar o índice de conservação de estradas e a abertura de novas para o escoamento das riquezas da região, representada pela sua crescente produção agropecuária. Um terreno já foi doado ao órgão rodoviário estadual pela administração Pedro Corrêa, com a aprovação da Câmara Municipal. Uma das deficiências mais sentidas em Santo Antônio do Sudoeste, é a inexistência de um estabelecimento bancário. Fato que obriga os criadores e os comerciantes a constantes deslocações para Barracão, Capanema e Francisco Beltrão. A instalação de um banco no município constituir-se-á sem dúvida, em mais um fator de progresso. Assim, ao aproximar-se o final de seu mandato, o prefeito Pedro Corrêa pode se apresentar perante os seus concidadãos com a consciência tranquila, de quem fez tudo que foi possível para honrar o mandato recebido nas urnas.

Arnaldo Busatto e Pedro Corrêa, respectivamente deputado e prefeito, são os grandes líderes político-administrativos de uma cidade que rompeu para o progresso.

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A presença do deputado Arnaldo Busatto marcou a aula inaugural da Escola Normal e do Comércio. A mesma constituiu-se numa mensagem de estímulo do homem público aos professores e alunos.

O interesse do deputado Arnaldo Busatto pelo progresso do município foi notado durante as visitas em companhia do prefeito em todas as obras. Na foto, a visita ao grupo e ginásio do Distrito de Pranchita.

SANTO ANTÔNIO DO SUDOESTE RECEBE CANDINHO Jornal “O Estado do Paraná” – sucursal de Cascavel Reportagem e fotos de Erádio Filho

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Outro aspecto da inauguração do Grupo D. Pedro II. Um aluno, uma professora e o superintendente da Fundepar desatam a fita simbólica, aparecendo ao fundo o inspetor regional de ensino, Sr. João Maria Castanho.

O sr. João Maria Castanho, Inspetor Regional de Ensino, também fez uso da palavra, enaltecendo o trabalho e a ação do prefeito da cidade, Pedro Corrêa, bem como a atenção prestada pelas autoridades estaduais no que se refere ao ensino e à assistência médica.

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Cercado pelas crianças, que agora poderão estudar com conforto em mais um estabelecimento de ensino, o superintendente da Fundepar constata, mais uma vez, a alegria do povo de Santo Antônio pelas obras do governo do Estado.

Com 4 salas de aula, o Grupo D. Pedro II, é inaugurado pelo professor Cândido de Oliveira. Ele inaugurou uma sala, o prefeito outra, e as crianças inauguraram as demais, com muita alegria, vivas e saudações à Fundepar.

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Às 10:30 do dia 25, o superintendente da fundepar, professor Cândido Manoel de Oliveira, acompanhado de seus assessores, foi recebido na cidade de Santo Antônio do Sudoeste, sendo recepcionado por grande massa de populares, autoridades locais, e pelo prefeito Pedro Corrêa. Em seguida, os visitantes dirigiram-se a Marcianópolis, onde inauguraram o Grupo Escolar D. Pedro II, dotado de 4 salas de aula e outras instalações. Falando aos presentes, o professor Cândido Manoel de Oliveira ressaltou o empenho do governo no setor educacional, prometendo novas obras para o futuro. Fizeram uso da palavra, em seguida, o prefeito Pedro Corrêa, que agradeceu em nome do povo do lugar, e o inspetor regional de ensino. O diretor do Departamento de Assistência Técnica aos Municípios, doutor Ilson de Almeida, revelou os planos estaduais de assistência ao Sudoeste. Após almoço oferecido pelo povo de Marcianópolis, a comitiva da Fundepar e do DATM se dirigiu a Pérola do Oeste, onde foi inaugurado mais um estabelecimento de ensino, com o nome do ex-presidente da República, marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. O professor Manoel de Oliveira e sua comitiva, depois dessas solenidades, seguiram viagem para Maringá.

Encarte da Revista Órbita

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Jornal de 1966. SANTO ANTONIO DO SUDOESTE Conheceu verdadeira transformação na administração Paulo Pimentel. Plenamente identificado com as aspirações do povo do Interior, Paulo Pimentel jamais negou seu apoio às justas reivindicações dos habitantes da linda cidade fronteiriça. Através das Secretárias de Agricultura, Viação, Educação e Saúde. O governo do Estado tem procurado solucionar os problemas da próspera comuna. Prestigiado pelas esferas estaduais, pode o prefeito Pedro Corrêa dinamizar a administração municipal, executando obras que teriam sido impossíveis de serem realizadas não fora a colaboração do governo estadual. Estimulados pela nova mentalidade que norteia a administração estadual, os poderes municipais e os habitantes de Santo Antônio do Sudoeste, pleitearão a instalação da agência do Banco do Estado do Paraná e a construção de armazém da Copasa. Município com grande produção agrícola, não conta com nenhuma agência bancária, o que dificulta as transações comerciais, haja visto que os negócios bancários são efetuados na cidade de Francisco Beltrão. Também o milho, a soja e o feijão, têm sido estocados nos armazéns de Francisco Beltrão, o que cria embaraços ao produtor, obrigado a estocar seus produtos em cidade distante. Para a instalação da agência do Banco do Estado e construção do armazém da Copasa, Santo Antônio do Sudoeste espera contar com a colaboração do governador Paulo Pimentel.

O superintende da Fundepar, doutor Cândido Martins de Oliveira, acompanhado de seu assessor, professor José Carlos Alpendre, durante a visita a Marcianópolis, distrito de Santo Antônio, inaugurou mais um estabelecimento de ensino, o D. Pedro II. Falando na oportunidade, ressaltou a determinação do governo do Estado de ampliar cada vez mais o número de salas de aula, para que não faltem bancos escolares a todas as crianças paranaenses

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PEDRO CORRÊA | QUASE UM SÉCULO DE HISTÓRIA Durante a inauguração do Grupo Escolar D. Pedro II, o prefeito de Santo Antônio do Sudoeste, Pedro Corrêa, agradeceu em nome do povo da região o trabalho da Fundepar e do governo estadual, dentro das diretrizes que norteiam a política educacional em nosso em nosso Estado. Ressaltou que a cidade deve muito ao professor Carlos Alberto Moro, secretário de Educação, ao secretário Arnaldo Busatto, da Saúde, e, principalmente, ao professor Cândido Manoel de Oliveira, pelo muito que têm feito em prol de seus habitantes.

Jornal “O Estado do Paraná” Curitiba, domingo, 17 de março de 1968 SANTO ANTONIO DO SUDOESTE Dois homens fazem uma cidade crescer Sucursal de Cascavel

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Uma administração calcada em termos de progresso transformou uma cidade em curto espaço de tempo. Estamos fazendo referências a Santo Antônio do Sudoeste e, por conseguinte, ao seu governador Pedro Corrêa. Ao par da orientação sadia, aquele ilustre homem público viu seu município sair, porque não dizer, do próprio ostracismo para, na atualidade, paralelar-se com as grandes cidades do nosso Estado. Como preito de justiça, há para se aditar pois que na conjugação dos esforços que fazem Santo Antônio do Sudoeste sofrer o grande impulso no seu cotidiano, existem homens como Emílio de Medeiros, Nestorino Ferrari, Dionísio Scopel, Casemiro Correia e outros integrantes da colenda Câmara Municipal, uma senda de trabalho honesto. O DEPUTADO Propositadamente omitiu-se nas linhas anteriores o nome de Arnaldo Busatto, pois o propósito é de se atracar um tópico próprio, àquele que se constitui em grande líder do povo de Santo Antônio do Sudoeste. Levado à Assembléia Legislativa pela região, o conhecido deputado não excluiu da sua agenda de trabalhos principalmente a cidade governada por Pedro Corrêa. Dos seus esforços junto ao poder público resultaram inúmeras obras que rubricam o crescimento de Santo Antônio do Sudoeste. A propósito, sua recente visita àquele município, no dia 9 último, quando proferiu a aula inaugural da Escola Normal e do Comércio, o povo tributou-lhe significativa e entusiástica recepção, na confirmação de um fato que deve ser encarado como ponto pacífico: foi, é e será o grande líder político da cidade e da região. O deputado Arnaldo Busatto, se fez acompanhar na oportunidade pelo conhecido médico Antonio Pazzinatto, o qual, é óbvio, pode sentir a dimensão do progresso da urbe e o prestígio do conhecido homem público. OS LÍDERES Um momento chamou a atenção da população: o encontro Busatto-Corrêa no exame do próprio município. O deputado e o prefeito percorreram a cidade e seus distritos, numa verdadeira “tomada de posição” para realizações futuras. Na conversa pessoal, deduz-se, que o que mais está necessitando Santo Antônio do Sudoeste, foi questionado. Um detalhe alegre, pois encarna a irreversível verdade de que o município que ora se fala, tem dominá-lo política e administrativamente, homens afinados com a responsabilidade, cargo e funções que desempenham.

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PRESENÇAS As presenças de pessoas importantes da região, deram à solenidade que marcou a aula inaugural da Escoal Noramal e do Comèrcio feição especial. Entre outras, destaca-se as figuras de João Maria Castanho, inspetor regional do Ensino; Celita Alvarenga Bortot, representante do Ministério Público e diretora da Escola; Rodolfo Ulrich, prefeito de Planalto, e Hélio Toledo, contador e diretor da Escola Técnica do Comércio, além dos vereadores Emílio de Medeiros, Nestorino Ferrari, Dionísio Scopel e Casemiro Correia. O COMÉRCIO Na conclusão da reportagem que aborda Santo Antonio do Sudoeste, torna-se imperativo mencionar os nomes das organizações comerciais e industrial e mais os representantes da agricultura, pois constituem-se em verdadeiros esteios para o seu total progresso. Identificam-se, assim, na agenda dos que fazem a cidade crescer: Cerâmica São Silvestre; Cerâmica Boa Esperança; Madeireira Giongo Companhia Ltda; Madeireira Bandeira e Roveda; Indústria de Móveis Mai Ltda.; Rádio Eletro Maran e os agricultores Tomaz Rech e Carlos Oliveira Claro. Transcrição de uma publicação da Revista Síntese nº. 14 de 1968 Os 20 prefeitos mais dinâmicos do Paraná – Conforme já anunciamos em edições anteriores, apontamos os Prefeitos do Paraná, que na opinião de nossos repórteres, que percorrem constantemente o interior desse vasto Paraná, de Município a Município, são os mais dinâmicos. São administradores por excelência; homens que olham mais para o progresso de sua terra do que para sua carreira política; prefeitos que auxiliam o Paraná a permanecer naquela trilha de progresso em que o Governador Paulo Pimentel o colocou, e que com ele colaboram, trabalhando seus Municípios de lado a lado. Os escolhemos entre quase trezentos municípios que formam a confederação do Estado. Destes surgiram duas dezenas.

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São eles: Odilon Reinhert - Cascavel Gil Marques – Goioerê José Vaz de Carvalho – Paranavaí Nivaldo Krieger – Guarapuava Joviniano Miranda – Borrazópolis Nelson Freitas Barbosa – Paranaguá Péricles Pacheco – Telêmaco Borba José Carvalho – Maringá Plauto Miró Guimarães – Ponta Grossa Arnaldo Petrechen - Pitanga Hosken de Novais – Londrina Alberto Bauer – Campina da Lagoa Werner Wanderer – Marechal Cândido Rondon Antonio Witichimechen – Prudentópolis José Bührer Júnior – Imbituva Pedro Corrêa – Santo Antônio do Sudoeste Jaime Guzzo – Dois Vizinhos Marcelo Ampessan – Capanema Antonio Cantelmo – Francisco Beltrão Omar Sabbag – Curitiba. Nota: Algumas reportagens consegui escaneando os jornais da época, outras, apagaram-se ou estavam rasgadas e por este motivo, tive de transcrevê-las.

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PEDRO CORRÊA – UM HOMEM RODEADO DE AMIGOS.

O casal com amigos no Bloco da Saudade.

Carnaval no Clube Guarani.

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Baile de São João no Clube Guarani.

Baile de São João.

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Prefeito com os funcionários de serviços externos.

Com amigos e correligionários durante a visita do vice-governador do Paraná Dr. Plínio F. F. da Costa em comício apoiando Paulo Pimentel.

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Reunião política com o governador Paulo Cruz Pimentel no Cine Anchieta.

Reunião política no Cine Anchieta.

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Visita à casa do amigo Nestorino Ferrari em companhia de Arnaldo Busatto.

Reunião em Sede União durante campanha em companhia do amigo Emílio de Medeiros.

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Em qualquer lugar, a qualquer hora, sempre com tempo para festejar com os amigos.

Festa na chegada da primeira máquina.

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Festa de inauguração do estádio.

Jantar de confraternização com amigos no Clube Guarani.

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Em pé, da esquerda para a direita: Ubiratan Luiz, Ubirajara Pedro e Ubiraci Guilherme.

Alfredo Mai e seu bandoneon

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Apito ou bico de uma garrafa, tudo era motivo de diversão com os amigos.

Churrascada com amigos.

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Recebendo a Comenda no CTG Querência da Fronteira.

Campeões de bocha no CTG Querência da Fronteira.

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Com os amigos Terezinha e Milton numa rodada de canastra.

Dançando a valsa no aniversário de 80 anos rodeado pelos familiares e amigos.

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O sorriso largo mostra a alegria de estar com amigos de toda uma vida.

Recebendo homenagem juntamente com outros pioneiros do município.

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Na festa dos 90 anos uma foto com a família: filhos, noras, netos, netas, bisnetos e bisnetas.

Uma casa cheia de amigos.

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Recebendo homenagem do Jornal da Cidade das mãos de Chico Salvadori e Dorli Motta

Na foto da esquerda para a direita: Jango, Tereza, Ary, Arlindo, Eu, Maria, Valli e Lígia.

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Em 2004 recebendo homenagem pelos inúmeros serviços prestados à comunidade.

O CASAL SEMPRE PRESENTE NA COMUNIDADE, DIVERTINDO-SE NAS MAIS DIVERSAS FASES DA VIDA

Baile no CTG Querência da Fronteira.

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Baile em agosto de 1976.

Baile no Guarani em 1982.

Baile em outubro de 1985.

Carnaval em 2005.

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Pedro Corrêa O Homem Sonhador Enquanto os meus colegas de trabalho viajavam para as praias quando entravam em férias, eu ia para o Mato Grosso alimentar os sonhos que conservava desde a infância. Em 1957 tive a oportunidade de empreender a viagem para conhecer a terra com que tanto sonhava, aproveitando uns dias de folga, e como eu não tinha carro, viajei de carona de caminhão e de carro, até mesmo de trem. Naquela época, ainda não havia a divisão entre os Estados e a capital do imenso Estado do Mato Grosso era Cuiabá. A referida divisão só viria a ocorrer no dia 11 de outubro de 1977, quando o Presidente Ernesto Geisel assinou a Lei Complementar nº. 31, dividindo o Estado de Mato Grosso e criando o Estado de Mato Grosso do Sul. Fui viajando meio sem rumo: conheci Dourados, Coxim e segui em frente até a capital do Estado, Cuiabá, passando por algumas cidadezinhas, todas muito longe uma da outra. Não tinha ideia do que encontraria pela frente, pois não conhecia nenhuma pessoa ou cidade naquele estado. Era um mundo totalmente diferente, com imensidões de terras e matas, comidas que eu ainda não havia provado e um linguajar estranho que, no início,

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eu não entendia muito bem. Em Cuiabá fiquei num pequeno hotel de nome Cidade Verde, na entrada da cidade, hotel este que virou o nosso ponto de parada por muitos anos, nas nossas inúmeras viagens, tendo em vista, as boas maneiras de tratarem os hóspedes. Conheci um senhor muito simpático, que era funcionário do INTERMAT, cujo sobrenome era Vieira e que me deu algumas orientações caso eu quisesse tomar posse de alguma área e também como deveria proceder para a regularização de documentos. Este senhor deixou-me curioso em conhecer a histórica cidade de Diamantino. Chegando lá, depois de quase um dia de viagem para percorrer um pouco mais de duzentos quilômetros, deparei-me com um vilarejo no fundo de um vale, pois, para onde dirigisse o olhar, divisava morros e o amontoado de casas, algumas construídas nas encostas, já bastante velhas, a maioria delas construídas no tempo da escravatura e confeccionadas com madeiras roliças, areia e cascalho que era abundante na cidade, haja vista o garimpo de ouro e barro. Para construção das velhas casas de adobe, ao barro eram adicionadas cinzas ou esterco de gado, a fim de dar liga à massa e a cobertura das mesmas era de capim elefante, folhas de buriti, também abundantes na região, ou telhas de barro, todas irregulares, haja vista que eram feitas nas coxas dos escravos. Daí advém a expressão “feito nas coxas”, que significa coisa malfeita ou feita às pressas, e é um fato histórico, pois esse termo deriva dos tempos da escravidão, onde os escravos moldavam as telhas nas próprias pernas e dessa forma, como alguns tinham as coxas mais grossas, outras mais finas, as telhas não saíam perfeitamente iguais, o que causava goteiras nas casas quando chovia. O município de Diamantino, que naquele tempo era o maior município do Brasil, pois ainda não havia sido subdividido, localiza-se em região privilegiada: exatamente num dos pontos de divisão das águas das Bacias Amazônica e Platina, podendo-se perceber esta divisão. Como a cidade de Diamantino situa-se nos contrafortes da margem sul da Chapada do Parecis, dentro dos limites urbanos, nota-se as diferentes direções que os córregos que cortam a cidade tomam: aqueles próximos ao bairro Novo Diamantino, no alto da chapada, dirigem-se para o norte, ao encontro do Rio Amazonas; enquanto que, aqueles que passam próximo ao centro da cidade, buscam o rio Paraguai, correndo em direção ao sul. E por falar em Rio Paraguai, à cerca de trinta quilômetros da cidade se localizam as suas nascentes, na região conhecida como Sete Lagoas; daí corre para o sul, juntando às suas as águas de inúmeros córregos e rios, tornando-se vigoroso, majestoso e tomando para si a responsabilidade pela formação e existência de uma das maravilhas naturais do planeta: o Pantanal Mato-Grossense.

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Centro histórico de Diamantino-MT.

Lagoa da Princesa - uma das sete nascentes do Rio Paraguai, entre Diamantino e Alto Paraguai-MT.

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Decidi conhecer uma das aldeias indígenas da região e fui informado que à beira do Rio Verde existia uma aldeia de índios parecis-halítis. Fui até lá e fiz uma visita aos índios que há muito tempo convivem com os brancos e fui bem recebido em suas casas, que na língua portuguesa, chamamos de ocas e na língua aruaque são chamadas de háti. São amplas casas, sem divisões, em formato elíptico, com duas portas nas extremidades, sendo uma delas voltada para a nascente e outra para o poente. Usam madeira de aroeira para as pilastras, onde penduram suas redes e cobrem com folhas de guariroba ou buriti. Estas hátis, geralmente, abrigam três gerações da família: pais, filhos e netos. O rio de águas límpidas, cor de esmeralda, era um convite para um mergulho depois de ter enfrentado o calor, a poeira e os solavancos da estrada.

Rio Verde em Campo Novo do Parecis-MT.

Próximo dali havia um boteco na beira da estrada, que dava para quebrar um galho para primeiras necessidades. Estava cansado e arrumei um lugar para dormir, depois de viajar muito em cima da carroceria de um caminhão, pois à beira da estrada, as condições de hospedagem eram precárias: casas de barro com tarimbas sobre o chão batido faziam vezes de hotéis e os restaurantes, chamados pelos cuiabanos de “comedores”, serviam pela manhã: um cafezinho quente e forte, acompanhado de bolinhos de graxa feitos com mandioca cozida. O almoço bem reforçado com carne de caça: veados, porco do mato, anta e outros animais; com arroz de pilão, quiabo e mandioca, tudo à vontade, não faltando molho de tomate e pimenta malagueta ou cumari, que era de esquentar o céu da boca.

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Fiz esta viagem para conhecer o lugar dos meus sonhos, ela durou aproximadamente vinte dias e gostei do que vi, pois a natureza era exuberante, o clima agradável e existiam inúmeras áreas de terras aguardando quem as cultivasse. Voltei de lá sonhando com uma nova viagem.

Por do sol no Pantanal - Foto: iStockphoto / Alexander David.

O tempo foi passando. Um dia em conversa com o meu compadre Sebastião Loureiro de Lima, contando das minhas andanças e sonhos com as terras do Mato Grosso, ele me propôs um negócio. - Compadre, vamos permutar uma área de 2.000 hectares que eu tenho no Mato Grosso, no lugar chamado Utiariti, distrito de Sucuruína, município de Diamantino, por uma área de cinco alqueires, que você tem aqui no município? Topei na hora e aceitei o negócio. Programamos uma viagem para localizar e conhecer a referida área. Coincidentemente, nessa época, fui convidado a integrar uma comissão composta de três pessoas, da faixa de fronteira internacional, pró-Estrada do Colono. Ao término da reunião, segui viagem em companhia do compadre Sebastião, com a intenção de localizarmos as terras.

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Três dias depois, chegando à Cuiabá. Ao anoitecer, procurei o hotel onde tinha ficado hospedado na primeira vez que lá estive, mas estava lotado. Era normal não encontrar lugar de hospedagem na cidade após o anoitecer, pois a quantidade de hotéis e pensões não correspondia ao intenso movimento que havia se iniciado com a transferência da Capital Federal para a região centro-oeste. Até então, esta região era totalmente agreste e pouco habitada. Encontramos uma pensão, cujos quartos mais pareciam tocas, pois possuíam apenas as portas de entrada, sem janelas e sem ventilação; pernilongos não faltavam e o calor era infernal. Para piorar a situação, a referida pensão ficava localizada bem ao lado de um canal de esgoto. Dia seguinte, partimos para Diamantino e levamos dois dias para percorrer pouco mais de duzentos quilômetros. Hospedei-me na mesma pensão que já havia ficado na primeira vez que lá estive, onde fui bem atendido por sua proprietária e seus familiares. Antes de deitar, falei com algumas pessoas, moradoras antigas do lugar, que à noite colocavam as cadeiras nas calçadas e ficavam conversando, pois o calor não lhes permitia dormir muito cedo. Pedi informações sobre a tal área: localização, distância e disseram-me que ela distava uns quatrocentos quilômetros dali e que ficava ao lado da aldeia dos índios parecis. Indicaram um agrimensor, morador dali mesmo e que conhecia a região como a palma da sua mão. Era o Sr. Rosalvo. Fui à sua procura e contratei os seus serviços. No dia seguinte, parti em companhia do compadre, do Rosalvo e sua equipe, ainda de madrugada. Enfrentando estradas esburacadas, muito calor e muita poeira. Depois de um dia de viagem, chegamos ao local. O homem realmente conhecia bem a região e foi direto ao lugar indicado no mapa. Encontramos uma cerca de arame farpado com 12 fios e um portão com uma guarita, guarnecida por vários pistoleiros, com armas automáticas de grosso calibre. O agrimensor logo reconheceu um dos guardas e, cumprimentando-o perguntou:

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- Você conhece o dono desta área? - Conheço sim, pois trabalho para ele. - Mas pelos mapas que temos e pela documentação é esta a área que estamos procurando. - O pistoleiro olhou o mapa e disse: - É esta aqui mesmo. Uma pequena parte dela ficou de fora, e o restante já pertence à Fazenda Itamarati, que tem um total de 70 mil hectares, e daqui não vamos sair. Agora tudo isto aqui é do Olacir de Moraes, que mora em São Paulo. Inclusive ele tem mais três áreas somando aproximadamente 500 mil hectares e estão localizadas nos municípios de Tangará da Serra, Brasnorte e Juína. Vocês podem ficar com o pedaço da cabeceira do riacho. Tomem posse que nós ajudaremos a cuidar da área para que ninguém invada. Pedi ao agrimensor que medisse a área em questão e lá foi ele com sua equipe fazer o serviço. Tempos depois, o Rosalvo com sua equipe, depois de terem efetuado uma medição de área, quando voltavam para casa, sofreram um grave acidente e nenhum sobreviveu. Por fim, fiquei sabendo que a área titulada em nome do meu compadre Loureiro, o qual havia adquirido por compra do Estado do Mato Grosso, estava localizada na aldeia indígena. Perdi tudo! Na terceira viagem, em 1972, em companhia de Adilson Maran e seu cunhado Piragibe, fomos localizar uma área que há muito tempo tinha sido adquirida pelo seu pai, Sr. Jacob Maran. A posse, segundo indicação, ficava às margens da estrada que liga Tangará da Serra com Brasnorte. Chegamos a Diamantino quando já havia anoitecido. A cidade estava sem energia elétrica, numa escuridão de causar medo. Ficamos hospedados na mesma pensão. No dia seguinte saímos para dar uma volta para que eles conhecessem a cidade centenária e nos causou admiração o Colégio dos Padres e a Igreja Matriz que, apesar de serem construções antigas, eram muito bonitas, pois que os padres as mantinham em ótimo estado de conservação, protegendo assim, um patrimônio histórico mato-grossense

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Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Diamantino-MT.

Seminário Menor em Diamantino-MT.

Eu, na companhia de Adilson Maran e Piragibe,

Primeira visita à cidade de Diamantino-MT.

Para tal expedição, fizemos um bom rancho (mantimentos) e seguimos viagem. Quando estávamos saindo da cidade de Diamantino, onde passamos a noite, numa certa altura da estrada, encontramos o seu Demétrio Muniz, agrimensor, e com sua orientação, saímos à procura da referida área, que fora adquirida por Jacob Maran, mas no local indicado no mapa, não encontramos nenhum marco. Retornamos à BR que liga Cuiabá a Porto Velho e seguimos em direção ao Rio Verde, próximo a uma torre da EMBRATEL e lá também nada encontramos. De lá decidimos ir até Anápolis, em Goiás, onde havia mapa de outra área. Foi uma decepção: a área estava ocupada pelo Exército. Voltamos. Nova viagem e, desta vez, levei comigo os meus velhos amigos: Felipe Souza

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Gócha, Manoel Brasil Machado (Manécão), seus dois filhos Ivo e Luiz e também o meu filho Ubiratan Luiz (Peixinho). Todos numa F-100, ano 1974, na qual, além das bugigangas, levamos duas galinhas e uma cachorra veadeira, de pêlo branco, que ganhei do meu amigo Ary Daros e que estava prenha. Chegamos em Diamantino e lá ficamos uns dias acampados à beira do córrego Frei Manoel, bem próximo da cidade, aguardando o nosso amigo Demétrio Muniz, que morava naquela cidade, que tinha uma posse no referido município e desejava um sócio. Assim que retornou de uma viagem, nos procurou para saber o que desejávamos e quando dissemos que estávamos dispostos a aceitar a sociedade ou comprar parte do seu grilo, arrumou as suas coisas e seguimos viagem. A certa altura, mandou parar os carros bem em frente a uma pequena casa recém-construída, onde estavam fazendo uma cerca de arame farpado. Imediatamente, Demétrio desceu do carro, cumprimentou os presentes, que eram em número de quatro pessoas: dois peões no cercado, um velhinho mineiro comandando e um moço chamado Marcos, que também ajudava no trabalho. O mineiro nos convidou para entrar, mas o seu Demétrio nem deu atenção ao convite e foi logo dizendo: - Esta posse é minha. - A posse é sua? – indagou o velhinho, com a tradicional calma mineira. - Sim, é minha! Sem alterar-se o velhinho disse: - Se a posse é realmente sua, então me mostre onde é que o senhor fez algum marco ou benfeitoria para que eu respeite a propriedade. - Eu não marquei, mas trouxe comigo este pessoal para ficar aqui. O mineiro não titubeou: - Mas agora é tarde. Já estamos aqui e não vamos sair. O senhor sabe a quem pertence esta posse agora? - Não sei e nem quero saber. - Mesmo assim eu vou falar. Ela pertence a um engenheiro do INCRA e já está requerida.

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Todos nós emudecemos e o Demétrio ainda tentou falar, mas o mineirinho disse: - Já é tarde e em pouco tempo será noite. Não adianta a gente ficar discutindo e teimando. É melhor vocês se achegarem, que eu vou fazer uma boa galinhada. De barriga cheia conversamos um pouco mais e depois descansamos. Amanhã é outro dia e vocês vão para frente. Aí tem muita terra sem dono. Aceitamos a proposta do homem e enquanto a galinhada estava sendo preparada, fomos conversando, e seu Demétrio convenceu-se, vendo que tinha perdido o direito sobre aquelas terras. Os filhos do seu Manéco puxaram uma sanfona e começaram a cantar. Logo apareceu uma pinga da boa para animar a turma. Eu e meus companheiros puxamos um baralho velho e iniciamos um jogo de canastra. O Peixinho fez amizade com o rapaz novo, como ele, e muito bem disposto, foram para um canto da casa conversando como velhos conhecidos. O jantar ficou pronto e todo mundo comeu muito bem até fartar-se. Estava uma delícia! Depois o Marcos veio até mim e falou: - Seu Pedro, eu gostei bastante do seu filho e também do senhor. Vi que são gente de bem. Vocês querem terras para grilo ou para trabalhar? Respondi prontamente: - Para trabalhar. Tenho três filhos homens e quero montar algumas coisas por aqui. Este é o meu sonho de infância: ter os meus filhos trabalhando juntos e um dia construir uma grande fazenda. - Vou lhe dar uma dica de uma posse que demarquei. Fica bem em frente à fazenda do seu Atílio Toniazzo, na cabeceira do Rio Santa Cruz. - Fico muito agradecido. Em seguida tratamos de dormir. No dia seguinte, uma novidade: a cachorra que tínhamos levado amanheceu com dois filhotes: um macho de pêlo branco e uma fêmea de pelagem amarela.

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Ajeitamos os animaizinhos na caminhonete, despedimo-nos do pessoal e seguimos o nosso caminho rumo à fazenda do Atílio, mas antes, passamos na fazenda do meu amigo Zeul Fedrizzi, onde almoçamos e na saída, ganhei mais uma galinha da sua esposa, dona Gleci. Ainda passamos por uma aldeia indígena abandonada, no lugar chamado Tolosa, que tinha sido do nosso compadre Ronaldo Kerber e ao lado dela estavam abrindo uma nova fazenda, cujo dono era o Argemiro e lá pelas cinco horas da tarde, chegamos numa encruzilhada. - Vamos entrar aqui para tirar algumas informações, pois até aqui, não avistamos um rancho sequer. Entramos naquela encruzilhada e fomos descendo até chegar à beira de um rio: era o Sacre, rio bem fundo e com bastante correnteza, com uns setenta metros de largura. Ali existia um porto dos índios e amarrado à uma árvore, um dos seus botes.

Rio Sacre - município de Campo Novo do Parecis-MT.

Do outro lado do rio ficava a aldeia e logo vimos uma movimentação, pois tinham percebido a presença de estranhos. Notamos que ali só estavam as mulheres e crianças. Gritando para ser ouvido, perguntei: - Onde estão os homens da aldeia? - Estão limpando o campo de aviação aí em frente.

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Agradeci a informação e saímos à procura dos índios, que logo encontramos. Eram apenas três homens: um baixinho que não tinha cara de índio, inclusive trajando roupas iguais às nossas. O segundo era o cacique. Tinha o rosto marcado por cicatrizes de varicela e chamavam-no de Cacique Antônio. O tal campo de voo devia ter mais de cinquenta anos, pois ali existiam árvores de até quarenta centímetros de diâmetro: dava até para serrar. Pedi informação de onde era a propriedade do seu Atílio e imediatamente o cacique falou: - Vocês estão no caminho errado. Voltem uns sete quilômetros até a encruzilhada, peguem em outra direção e sigam em frente. As terras do seu amigo ficam no caminho para o Porto Feliz, no Rio Papagaio. Da BR até o rio deve dar uns setenta quilômetros, mas até o Atílio, deve dar uns trinta e cinco. Ele fez o rancho bem na beira da estrada, perto da cabeceira do rio Santa Cruz. Como explicado, assim procedemos. Lá pelas tantas, ouvimos o ronco de um trator CBT e em seguida, o clarão de faróis que atingiram as copas das árvores. Falei para o meu filho Peixinho: - Filho, acelera para ver se alcançamos. Em alguns minutos estávamos junto dele. Fomos acompanhando até que entrou à direita em outra encruzilhada, em uma estradinha que mais parecia um carreiro de animais e foi tocando até o seu acampamento, junto à cabeceira do rio. Quando ele parou, paramos juntos. Então, apareceu o Atílio que nos recebeu meio desconfiado, talvez pelo adiantado da hora ou com receio de que fôssemos mais um bando de jagunços, perguntou: - O que vocês querem por aqui? Se é grilo eu vou logo avisando que estas terras são minhas e estou plantando um seringal. - Nós viemos em paz. Realmente estamos procurando uma terra que nos foi indicada pelo Marcos. O senhor é o Atílio?

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Nisso o Felipe Gócha, que era o mais papudo, falou: - Escuta seu Atílio, você por acaso não é lá de Nonoai e tinha um bodegão no povoado? - Sim, sou eu mesmo! - Eu e o Manéco também nascemos naquele rincão. Já tomamos muita pinga juntos. Quando o Atílio reconheceu os dois, foi aquela farra. Abraçaram-se e choraram de alegria, pois os três velhos eram do mesmo lugar. O Felipe e o Manéco ficaram tão contentes que sacaram seus facões e com eles iniciaram uma luta de esgrima no escuro. Saía faísca e era lindo de ver. Felipe era um gaúcho tradicional, trajado sempre a caráter: bombacha bem larga, lenço, bota já meio surrada, chapéu grande que encobria os seus cabelos, quase todos os fios brancos. Quando o Atílio viu a luta de facões, gritou: - O velharada louca. Vocês vão se cortar nesta escuridão. Qual o quê, eles só pararam quando se cansaram, e por milagre, sem nenhum ferimento. Eram bons nisso! Depois da farra, ele autorizou que armássemos as nossas barracas: o que fizemos imediatamente, encostando os carros, um ao lado do outro. Terminada a nossa tarefa, sentamos para comer alguma coisa e começamos a conversar e quando Atílio perguntou de onde éramos, aconteceu mais uma coincidência, pois ele já conhecia a Lígia e disse: - Eu conheço a cidade de vocês, porque quando eu morava em Francisco Beltrão, precisei de documentação para registrar a balsa de travessia do Rio Iguaçu e estive lá no Cartório. - Que coincidência: a Dona Lígia, Oficial do Cartório de Registro de Imóveis é a minha esposa. - Mas como este mundo é pequeno! – respondeu ele. No dia seguinte, muito cedo, levantamos, tomamos o célebre chimarrão, acompanhado de um crioulo de palha e depois um café tropeiro, daqueles que o cozinheiro faz baixar o pó com um bom pedaço de tição. Entramos na conversa sobre terras devolutas com o nosso amigo Atílio.

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Ele, bastante contente, nem acreditava que estávamos interessados em ficar por ali, pois, além de encontrar os velhos amigos, ia ter bons vizinhos, porque numa área de duzentos mil hectares, só existia ele. Perguntamos: - Onde fica a posse do Marcos? - É logo ali na frente desta fazenda. Vocês vão por este carreiro até a estrada do porto. Ao atravessarem a estrada em linha reta, como quem sai, à direita é minha, numa volta de uns oitenta mil hectares e à esquerda é de quem ficar. - Muito bem, então vamos para lá! Nesse momento, o Atílio disse: - Eu vou mandar o meu tratorista abrir uma picada para fazer a divisa. Chamou o rapaz e falou: - Faça uma picada daqui até onde der, sempre em linha reta. Lá se foi o trator quebrando cerrado. Saiu umas nove horas da manhã e retornou um pouco antes do anoitecer. O seu patrão indagou: - Quantos quilômetros você quebrou? - Mais ou menos de dez a doze quilômetros. Fui até o banhadão. - Está ótimo! Saímos para demarcar a nossa área, abrimos as picadas, descendo até o rio Papagaio, pela estrada feita pelos índios, local onde hoje, fica a prainha. O total da posse inicial aproximava-se de cinquenta mil hectares. Ficávamos o dia todo andando pela nossa nova terra e ao final do dia, voltávamos ao acampamento do Atílio. Quando decidimos partir, deixamos os companheiros Felipe Gócha, o seu Manoel Brasil Pinheiro, conhecido por Manecão e seus filhos: Ivo e Luiz, acampados à beira da Lagoa da Saudade, que hoje está nas terras do Sr. Batista Braguim, um grande amigo e companheiro de aventuras.

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Fizemos uma excelente viagem de volta e nossa chegada foi uma festa. Os familiares estavam ansiosos para saber das novidades, pois a nossa aventura, desta vez, tinha durado uns sessenta dias. Estavam preocupados sem notícias, pois naquela distância, longe de tudo, não havia nenhum meio de comunicação. Sem dinheiro para iniciar a abertura da área, comentamos sobre a imensidão de terras devolutas existentes naquela região, fato que empolgou os nossos amigos: Rosélio Ghizoni, João Ghizoni e Roberto Galvani, que na viagem seguinte, nos acompanharam, pois estavam interessados em uma sociedade na posse. Passamos a noite no rancho do Atílio, que com a hospitalidade própria do povo gaúcho, sempre nos recebia com grande alegria. No dia seguinte, após a rotina do chimarrão, convidamos a turma toda e fomos limpar a picada para entrar com os carros e encontrar um bom lugar para montar acampamento

Limpeza da picada.

Enquanto a turma fazia a limpeza, eu e o Rosélio fomos procurar uma cabeceira d’água para nos instalarmos. Aprendi com os matutos que onde tiver um capão de mato ou uns pés de buriti, ali existe água e baseado nisso, fui em frente. Antes de chegar no banhado, avistamos uma árvore bastante alta e quase sem folhas, e notamos que no meio dos galhos havia um cupim e nele um ninho de papagaio, e imediatamente, batizamos a árvore de “pau do papagaio”. Este lugar ficou sendo o nosso ponto de referência por muitos anos. Após a identificação, partimos à procura de água.

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Como o Rosélio era mais novo, subiu até o topo do pau para tentar enxergar algo que identificasse a existência dela. Os pontos de referência eram: cabeceira de mato ou folhas de buriti, que quando novas e contra o sol, brilham forte a ponto de serem notadas à longa distância. Falei ao Ghizoni: - Olha bem o rumo e assim que você notar algo de referência, me diz mostrando a direção para que eu faça a picada até o lugar certo. O observador não notou nada e depois de mais de uma hora lá em cima, ele desceu. Aí então eu tirei as minhas botas e subi na copa da árvore e nessa altura do dia, o sol já estava quase se pondo. Quando menos esperava notei que algo brilhou numa distância de uns quatro quilômetros. Gritei ao Rosélio: - Achei a água, marque as árvores neste rumo que vou descer e vamos fazer a picada. Desci, pegamos os facões e começamos o trabalho, mas como já era tarde e estávamos a pé, voltamos para junto dos outros. Chegamos já bem tarde, mas muito contentes porque tínhamos certeza de que encontraríamos o tão precioso líquido. Podíamos fazer o acampamento ao lado do banhado, mas não era aconselhável, porque é nos banhados que os predadores vêm se alimentar e matar a sede, e ali existiam muitas onças e sucuris. Na manhã seguinte, fomos todos para a picada. Os nossos companheiros eram experientes neste tipo de serviço e em pouco tempo, chegamos à cabeceira, lugar do buriti que eu havia enxergado. Ali providenciamos uma boa roçada e cortamos madeiras roliças, tiramos folhas de buriti e palmeiras para fazer e cobrir o nosso rancho.

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Nosso primeiro rancho, aqui Peixinho e Sadi Mineto moraram por um bom tempo.

Primeiro rancho e acampamento na abertura da fazenda.

Primeira picada na posse.

Primeira cerca na posse.

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Antes do término da obra, o Rosélio resolveu pegar um anzol para pescar, usando como isca pedaços da carne seca, e ali mesmo na cabeceira, que era um banhadinho raso, onde havia alguns peixinhos, até de bom tamanho. A cabeceira era boa de água e tinha bastante muchões¹, e ali aparecia uns carreiros de piriá², onde se colocava os anzóis. Em poucos minutos, veio o pescador com umas sete ou oito piavas³ de bom tamanho. O seu Muniz pegou a sua foblé e dirigiu-se mata adentro. Sem demora, apareceu com um veadinho no ombro, garantindo o nosso jantar. Lá pelas seis horas da tarde estava pronta a construção. Então, os mais novos da turma pegaram a F-100 e foram para o acampamento, sem perceber que eu não estava com eles. Os que ficaram, trataram de fazer logo a bóia e me convidaram para jantar. - Já que o senhor ficou, janta conosco e aproveita estes peixinhos e a carne de veado que vai muito bem com arroz. Logo o senhor viaja e vai demorar a voltar. Comemos, batemos mais um papo e resolvi voltar para o acampamento a pé e sem lanterna, só com a luz do luar, chegando bem tarde, surpreendi a todos, pois eles pensaram que eu tinha ficado de propósito e que iria dormir por lá mesmo. No dia seguinte, seguimos para demarcar uma posse para cada companheiro. Eu e o Rosélio lançamos mão de um barbante com mais ou menos vinte metros. Com o auxílio deste barbante fizemos uma medida da frente da área, que deu vinte quilômetros. Cansado, falei para o companheiro: - Acho que até aqui está bom. Ele respondeu: - Está ótimo! Voltamos para o acampamento e descansamos. O seu Muniz, que estava lá e ia fazer parte do bolo, como fez, resolveu fazer a ¹ - Muchões – espécie de mosquitos que freqüentam especialmente os lugares úmidos. ² - Piriá – nome popular de um animal roedor, o mesmo que “preá”. ³ - Piavas – espécie de peixe de água doce.

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medição da área até o fundo e fechar o perímetro. De madrugada, no dia seguinte, fomos acordados por ele. - Vamos levantar que está na hora de ir para a picada. Pulamos todos das tarimbas, fomos até o riacho para lavar a “fachada” e voltamos para o café bem reforçado. Depois, ferramentas nas costas e como não poderia deixar de ser, cada um com o seu berro ou trabuco. Da estrada até os fundos da fazenda onde encontramos como divisa o rio Papagaio, deu 25 quilômetros na margem de cima. E fechamos uns cinquenta mil hectares. Nova viagem em companhia do compadre Augusto que era um homem valente, foi fiscal da antiga CANGO, depois GETSOP-Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste; e também do meu velho amigo compadre Sebastião. Nesta viagem, quando estávamos retornando para o Paraná, resolvemos passar no departamento de terras, para saber alguma noticia sobre a documentação das referidas terras, solicitando ao funcionário informações sobre a expedição de título provisório, e fomos encaminhados para a imprensa oficial do Estado, para saber se havia sido publicado e nada foi encontrado. Acontece que, na época, o pessoal do Sul não era bem-vindo pelos matogrossenses, pois, segundo eles, o povo sulista, só aparecia para tirar sua tranquilidade e ainda ficavam donos de tudo, e talvez, por isso, não davam informações corretas sobre os documentos. Ficamos hospedados uns dez dias no Hotel Cidade Verde, na entrada da cidade, e mais uma vez, acabamos voltando sem solução. Aquela foi uma viagem sofrida, de pick-up Willys, já bastante usada e demoramos três ou quatro dias para chegar ao destino, mas, apesar de sofrida, aquela viagem também foi muito divertida por conta de um fato engraçado ocorrido com o compadre Augusto. No retorno, acabamos dormindo numa choupana à beira da estrada, feita de taquaras e coberta com palhas de coqueiro, onde fomos bem recebidos pela proprietária, que nos ofereceu um quarto coletivo, mas como já havia hóspedes, eu e o compadre fomos colocados em quartos separados. Era muita sorte conseguir um pouso, pois em caso contrário, teríamos de dormir sentados no carro.

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Depois de certo tempo, o Augusto Pereira, que não conseguia dormir dado o desconforto da tarimba, acendeu um candieiro que estava do seu lado, e olhando meio desconfiado, pois só possuía um dos olhos, viu uma mulher, vestida com pouca roupa e percebeu que era nova e até ajeitada. Perdeu o pouco sono, pois que já começava a bocejar, pensando se deveria arriscar-se num romance com a dita cuja. Foi só amanhecer, pulou cedo e foi saindo do quarto. Estranhamos o fato de encontrar o compadre escorado na camionete e foi aí que ele contou que mal tinha pregado os olhos. Desconfiamos de algo errado e durante a viagem, ele não mais se aguentando, começou a narrar apenas uma parte da história e foi quando o compadre Loureiro caiu na gargalhada, e Manécão não teve outro jeito a não ser contar tudo. Quando goianinha, dona da pousada, percebeu que ele não estava dormindo, levantou-se em trajes sumários e passou pela cama dele, insinuando-se, depois deitou novamente, mas desta vez, puxou parte do seu lençol deixando o traseiro à mostra. Ele fingindo que dormia, questionava-se se era homem ou não, para tomar uma atitude, e neste dilema de aceitar ou não aquele convite velado, fez com que perdesse o sono de vez. Quando ele já estava decidido a passar para a outra cama, ouviu o motor de um caminhão que logo estacionou: era o marido dela, que já chegou gritando: - Meu amor, cheguei! Quando o marido aconchegou-se à mulher, o seu Augusto cobriu-se com o seu cobertor e fingiu dormir. Sua aventura foi falha, mas rendeu assunto para o resto da viagem, que foi muito divertida. Senti tanto, quando anos mais tarde, soube da morte do meu estimado compadre Augusto Pedro Pereira que foi atropelado, ao sair de sua casa, na Linha São Pedro Florido, por um motorista novato que perdeu o controle do veículo e avançou sobre o acostamento. O coitado nem viu do que morreu. Em 1974 o nosso filho Ubiracy Guilherme, mais conhecido por Bira ou Birinha, estava com 17 anos e resolveu servir o Exército voluntariamente, sem a anuência da mãe, que fez de tudo para que ele abdicasse de tal ideia, mas ele estava

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decidido e foi designado para o Batalhão Dragões da Independência, em Brasília, na cavalaria, prestando serviço de guarda no Palácio da Presidência da República. De lá, trouxe condecorações por relevantes serviços prestados e também, várias medalhas ganhas nas competições esportivas de hipismo e natação. Numa das visitas que fizemos a ele, acabamos encontrando-o de plantão na entrada do Palácio do Planalto, onde fica localizado o Gabinete Presidencial, ocupado pelo Presidente da República, e quando percebeu que estávamos indo em sua direção, fez um sinal para que não nos aproximássemos, já que é proibido falar com outras pessoas enquanto se monta guarda. Paramos e ficamos aguardando até que ele fosse substituído. Aí então, fez um discreto sinal para que o acompanhasse e nos levou ao interior daquela unidade militar e quando adentramos ao local, fomos surpreendidos com a presença de um general, por sinal muito simpático e atencioso, que em seguida foi nos interrogando a respeito do moço. Demos as nossas explicações, e após isto, falou: - O seu filho é um bom rapaz e tem um grande futuro, porque, além de ser um excelente militar e ótimo desportista, tem aptidão para fazer carreira no Exército e quem sabe um dia, tornar-se general.

Ubiracy no Batalhão dos Dragões da Independência.

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Meu filho caçula só não continuou na carreira porque foi influenciado por seu tio Michelon, que morava em Goiânia, o qual aconselhou-o a dar baixa do Exército e ir para Mato Grosso, onde tínhamos uma grande área de terras. E assim terminou uma carreira militar que era muito promissora. Após a baixa do Exército, Birinha voltou para casa onde ficou poucos dias, tempo suficiente para conversar com sua namorada, Maristela Aparecida da Trindade, sobre o que pretendia fazer no futuro. Em seguida, foi para o Mato Grosso levando consigo o seu grande amigo Sadi Minetto. Lá chegando, trataram de fazer o acampamento. O Bira era leigo na vida no mato, mas o seu amigo Sadi tinha prática, era um bom matreiro, bom construtor com madeiras e ótimo motorista, e com a coragem dos dois, tudo deu certo. Em uma destas viagens para Mato Grosso, a Lígia quis ir comigo para conhecer o lugar. Hotéis nas margens das rodovias não existiam e nas cidades eram poucos. Quando o sono apertava, o jeito era encontrar logo uma cidade e dormir ali mesmo. Já era tarde quando passamos por Cuiabá e os poucos hotéis que encontramos estavam lotados. Seguimos para Várzea Grande, que era um aglomerado de casas velhas e logo vimos uma placa que dizia: hotel familiar. Paramos! Desci e fui procurar a pessoa responsável, enquanto a Lígia ficou no carro ajeitando nossas coisas. Logo apareceu uma mulher que gentilmente perguntou: - O senhor está acompanhado? - Sim, a minha esposa ficou no carro. Notei o seu olhar um tanto espantado, mas não liguei. Voltei para o carro e comentei com a Lígia que ali era uma espelunca, e enquanto tirávamos as coisas, achamos muito estranho a movimentação, pois o entra e sai de homens era grande e nenhum deles estava acompanhado. Quando menos esperávamos, apareceu um furgão. O motorista desembarcou e foi logo gritando: - Eu não acredito! Seu Pedro e Dona Lígia? O que vocês estão fazendo aqui?

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Ficamos surpresos, pois naquela distância, não imaginávamos que encontraríamos conhecidos. Olhamos bem e reconhecemos o velho amigo, por sinal, daqui de Santo Antônio. Era o “Nininho”, pois todo mundo o conhecia por este apelido. Quando nos viu, veio ao nosso encontro e foi aquela festa. Falou: - O que vocês fazem por aqui? - Acabamos de chegar, estamos cansados e vamos dormir. - Vocês sabem onde estão? Olhei interrogativamente para ele que continuou a falar: - Vocês estão numa zona e das mais vagabundas. - E esta placa de hotel familiar? - Isto é um truque para enganar as pessoas. A Lígia que ouvia tudo quietinha, disse: - Pedro, aqui eu não fico. Vamos procurar outro lugar. - Você é quem sabe. Por mim ficaria aqui mesmo. Colocamos novamente as nossas coisas no carro e saímos à procura de outra hospedaria, o que logo encontramos, mas era outra espelunca. Conversamos com o porteiro que nos encaminhou até um quarto de casal, no andar térreo, com as janelas que não fechavam direito ficando um tanto abertas. No meio da madrugada notamos uma algazarra nos corredores e gritos de homens e mulheres, acompanhados de muitos risos. Aí quando a Lígia se tocou de onde estávamos, começou a reclamar: - Pedro, você me trouxe para outra zona? Quero ir embora daqui. Como não conseguíamos dormir, fomos obrigados a pedir a conta e sair ainda de madrugada, indo direto até Diamantino, onde permanecemos por uns três dias. No início, quando grilamos a terra, aquela região era praticamente deserta, o vizinho mais próximo ficava há trinta quilômetros da sede e as compras tinham de ser feitas em Diamantino, que era a cidade mais próxima, distando uns

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quatrocentos quilômetros da posse e este percurso levava, normalmente, três dias, quando não era época de chuvas. Saindo de casa bem de madrugada, chegávamos à cidade lá pelas dez horas da noite; mais um dia para fazer as compras, pois tínhamos, inclusive, que comprar os combustíveis: óleo diesel para as máquinas, querosene para as lamparinas e gasolina para o carro. Dormíamos ali e de madrugada empreendíamos o caminho de volta. A Lígia achou que Diamantino lembrava uma cidade de filme de faroeste ou dos gibis Tex do qual ela não perdia um volume sequer e tinha a coleção quase completa. Ali, o único lugar de hospedagem era a pensão familiar, da qual já falei e onde tinha ficado nas minhas outras viagens e a proprietária, que era uma senhora muito atenciosa, cuiabana da gema e com sotaque que pouco se entendia, gostou da Lígia. Depois de umas noites bem dormidas, seguimos em direção à fazenda. Na época, o asfalto terminava em Várzea Grande e dali para frente era só chão, com poeira ou lama. Saímos cedo e passamos pelos povoados de Alto Paraguai, Nortelândia, Arenápolis, seguindo por estradas primárias e muitos atalhos. O carro em que viajávamos era um Chevette bastante usado, super carregado, inclusive com uma saca de milho e lá pelas tantas, resolveu enguiçar. Ficamos parados na estrada esperando que aparecesse alguém para nos ajudar e, para piorar a situação, o sol era escaldante. Esperamos horas e ninguém passava. O sol queimando! Até que, após umas cinco horas que ali estávamos, apareceu um filho de Deus, com uma F-100 caindo aos pedaços, mas funcionando. Acenamos e ele prontamente parou e já foi perguntando: - O que é que falta? Respondi: - Falta um mecânico, pois o carro parou e não sabemos o que fazer. O cidadão apresentou-se, identificando-se como Contreras, e se prontificando a nos ajudar.

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- Eu só posso rebocar vocês até um boteco que fica a mais ou menos uns oito quilômetros daqui. Lá pelo menos vocês terão comida, água e sombra, até conseguirem arrumar o carro. Aceitamos o favor. - Vocês têm uma corda ou uma corrente? - Não! - Não se preocupem que eu dou um jeito. Dito isto, foi até a camionete, pegou uma alicate e foi rumo à uma cerca próxima, cortou uns dez metros de arame liso, enrolou e amarrou nos carros e rebocou-nos até o boteco. Agradecemos, perguntamos quanto devíamos e ele respondeu que não era nada e que por aquelas paragens, só podíamos contar uns com os outros. Despediu-se, pois já passava das quatro da tarde e ainda tinha muito chão pela frente. O proprietário do referido bar tinha por apelido a sua origem: Cuiabano, e era um homem muito gentil e simpático, e provavelmente, já estava acostumado a atender pessoas com fome a qualquer hora do dia. Perguntamos se ele tinha alguma coisa para comer e logo nos serviu o almoço, apesar da hora tardia. Quando estávamos almoçando, bem ao longe, apareceu na reta uma grande nuvem de poeira. Eram três caminhões, que identificamos assim que se aproximaram: um Alfa Romeo velho, um Ford e um Scania, todos com placas de Curitiba e carregados de madeira para aquela cidade. Chegaram, lavaram as mãos e foram almoçar. Fui até onde eles estavam e perguntei se algum deles entendia de Chevette. Então, o mais velho deles disse rindo: - Nós que já estamos acostumados a arrumar estas nossas sucatas, será que não seremos capazes de arrumar essa coisinha? Vamos tentar! Puxaram uma caixa de ferramentas e mãos a obra. Após uns quarenta minutos, um deles disse: - Seu Pedro, o que estava ao nosso alcance fazer, nós fizemos. Agora é só testar.

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Depois de várias batidas na partida, o carro deu umas tossidas e pegou, mas ficou falhando. - O defeito é no comando de válvulas, ficou com esta falha porque quebrou o balancim e ofendeu um pistão. O senhor pode até viajar com ele, mas com muito cuidado. Não vai arrochar demais. - Agora que está resolvido da melhor forma que pudemos, vamos sentar e conversar um pouco. O senhor nos acompanha numa cerveja? - Pode deixar por minha conta, que faço questão de pagar. Mas os senhores não estão com pressa? - Para quê pressa? Daqui até Curitiba são mais de dois mil quilômetros e não chegaremos hoje em Várzea Grande para pegar a estrada asfaltada. Além do mais, está começando a chover e já é tarde. O mais velho perguntou: - O senhor é de Santo Antonio do Sudoeste? - Sim, eu sou! - O que o senhor fazia lá? - Eu era fiscal do Estado. - O senhor, por acaso, trabalhou no Posto Fiscal da Fronteira Brasil/ Argentina? - Sim, trabalhei! Virou-se para os companheiros e disse: - Bem que eu disse que já tinha visto ele em algum lugar. Fiquei matutando para descobrir de onde, enquanto ajudava a arrumar o carro. Há uns anos atrás eu trabalhava com transporte: levava arroz e batatinha a Santo Antônio e de lá trazia madeira. Sempre fazia compras na Argentina: farinha de trigo da boa, aquela de quatro zeros, sabão e azeite, e sempre parávamos para conversar com o seu Pedro. Isso lá pelos idos de 1956 a 1958. Vejam só a coincidência. Onde fomos nos reencontrar e bem na hora em que ele necessitava de socorro. Deus é grande! Depois dos merecidos agradecimentos pela ajuda, nos despedimos e seguimos viagem. Com muito cuidado, fizemos o trajeto até pararmos no restaurante de um conhecido, o Sr. Biava, um cuiabano, ótimo amigo e muito servidor. Lá, fizemos um lanche e enquanto comíamos, contei o que havia acontecido

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e ele nos aconselhou a não ir para a fazenda e sim, procurar um mecânico muito bom em Tangará da Serra. Como já era tarde, decidimos seguir o conselho, pois Tangará da Serra ficava mais perto que a fazenda e resolveríamos o problema. Neste percurso sofremos bastante, pois, além da escuridão, a estrada estava muito ruim, lamacenta e não conseguíamos enxergar direito os buracos. Cada subida era um drama: o motor do carro, com aquele defeito, apanhava demais e falhava. Embalava o carro e cada buraco era uma barrigada de quase arrancar o assoalho. Com muito sacrifício, conseguimos chegar ao destino tarde da noite e imediatamente procuramos um hotel. A acomodação era boa, o proprietário Sr. Antônio, um norte-paranaense, era muito prestativo e preocupado com o bem-estar dos hóspedes. Tudo isto aconteceu numa sexta-feira. No sábado pela manhã, levantamos bastante cansados, tomamos o café e convidei a Lígia para seguirmos viagem. Quando fui aquecer o carro, este não pegou, pois num daqueles baques, o motor deslocou e saiu do ponto. Ainda bem que desta vez, não estávamos no meio da estrada. O seu Antônio nos indicou a mesma oficina e fomos rebocados até lá. A oficina estava fechada, mas mesmo assim, chamamos o mecânico pelo nome. - Isaías! – gritei. Logo apareceu a sua esposa: uma cuiabana magrinha, toda desalinhada, mas muito simpática. - O Isaías não está! O que houve? - Estamos com o Chevette quebrado e precisamos ir até a fazenda que fica lá para as bandas da Brasnorte, na beira do rio Papagaio. - Onde é que fica isso? - A uns duzentos e cinquenta quilômetros daqui. Ela colocou as mãos na cabeça e perguntou: - Vocês querem ir para lá hoje?

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- Sim, é claro! - O Isaías não trabalha no sábado, mas se o senhor quiser tentar achar ele para ver se resolve seu problema... - E onde eu posso achar ele? - Por aí. Ele saiu cedo e deve estar em algum boteco tomando umas. De carona fomos à procura do mecânico e o encontramos já no meio do trago. - O senhor é o Isaías? - Sou eu mesmo, sim, senhor. - O seu Biava me mandou aqui. Estou com o Chevette quebrado e preciso seguir viagem. - O seu Biava que me desculpe a ausência, mas ele sabe muito bem que eu não trabalho sábado. Tenho que cumprir o meu capricho. Vamos deixar de papo, porque eu não vou trabalhar mesmo. Deixem o carro lá na oficina e na segunda-feira, às sete da manhã ele vai estar pronto. - Fazer o quê? Tínhamos descoberto que ele era o único mecânico da cidade. Voltamos para o hotel, passamos o fim de semana e no dia e hora marcados, o carro estava pronto. Rumamos para a fazenda enfrentando novamente aquelas estradas e bueiros, já que era o único jeito de lá chegar, transitando pela estrada geral, BR 364 que ligava Cuiabá a Porto Velho, trecho hoje, abandonado devido ao novo traçado. Entramos no entroncamento Itamarati - Brasnorte e a estrada, se não era tão boa, também não era das piores, pois, na época, o movimento de veículos não era tão intenso e só de vez em quando, cruzávamos com algum carro pequeno de aventureiros, tal qual nós mesmos. De Tangará até a fazenda, demoramos mais de um dia e meio de viagem, isto para fazer apenas uns duzentos quilômetros. Na volta, paramos em Cuiabá onde ficamos mais dois dias, aí eu aproveitei para procurar o Departamento de Terras – INTERMAT para legalização de nossa área. Aproveitei também para visitar o Parque Municipal de Cuiabá. Era uma beleza: tinha vários pés de ipê amarelo e consegui uma mudinha. Para trazer foi difícil, porque, a fiscalização da divisa do Mato Grosso com o Paraná era muito rigorosa proibindo a passagem de qualquer tipo de muda de vegetais. Tive de bancar o malandro, colocando-a no bolso do casaco. Em Guaíra - PR, arriscamos e passamos o Rio Paraná, “Paranazão” como é chamado, de canoa junto com a fiscalização.

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Nesta época, a travessia era através de balsas, porque ainda não existia a Ponte Ayrton Senna, que hoje faz a ligação entre as cidades de Guaíra, no Paraná e Mundo Novo, em Mato Grosso do Sul. Prolongamento da BR-163, esta é uma grande obra que veio de encontro aos anseios da população, barateou o frete, auxiliando o escoamento eficiente e econômico da produção agrícola, além de facilitar o acesso ao país vizinho, o Paraguai, através da cidade de Salto Del Guairá. Ela é a única ponte do mundo em curva na parte central como um tobogã, sendo a maior ponte rodoviária fluvial do país, com extensão de 3.598,60 metros. Uma bela obra!

Ponte Ayrton Senna sobre o Rio Paraná.

Hoje o ipê está plantado em frente à minha casa, em Santo Antonio do Sudoeste, e já está com aproximadamente um metro de diâmetro, só que ainda não floresceu. Na viagem seguinte, no final do ano de 1976, o meu filho Ubiratan Luiz foi de caminhão Mercedes 1113, azul, levando também um trator CBT 1105, um estepe, um pulverizador, uma grade da marca Agrale, uma carreta agrícola, outros implementos, uma geladeira a gás e algumas madeiras. Passou o seu aniversário na estrada, próximo ao rancho do Straliotto, pois não tinha como seguir viagem devido aos atoleiros e ao mau tempo. Quando a chuva cessou, seguimos viagem até a fazenda do Argemiro, onde encontramos um cidadão encarregado dos trabalhos como tratorista, conhecido por Ubiratan, nome do meu segundo filho, e o mesmo estava acompanhado de um ajudante. Assim que nos viu, veio conversar conosco e notando que estávamos levando

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um trator, pediu que o ajudássemos, prometendo que assim que terminasse o trabalho ali, seguiria conosco e nos auxiliaria na abertura da estrada de acesso ao acampamento na área de nossa posse. Concordamos. Descarregamos e começamos a trabalhar. Quase um mês depois que estávamos ali, apareceu uns pistoleiros armados até os dentes, dizendo-se encarregados de tomar conta da posse. O nosso pessoal tinha ido de camionete até um rio próximo da sede e estavam só de cuecas, tomando banho. Quando perceberam a movimentação já estavam cercados pelos jagunços e tiveram de ficar por mais de duas horas deitados no assoalho do veículo. Após muita conversação, soltaram os moços, que diziam estar ali apenas prestando os serviços para os quais foram contratados. Os jagunços concordaram, mas não deixaram a posse e expulsaram os trabalhadores. O meu filho Ubiratan carregou todos os trabalhadores na carroceria do caminhão juntamente com as máquinas e bateram em retirada. Deixaram os homens no nosso acampamento e foram, de camionete, até a cidade de Diamantino fazer o boletim de ocorrência. Voltaram acompanhados dos policiais federais que, chegando de madrugada, surpreenderam os larápios exigindo a saída imediata dos invasores e deram voz de prisão, mas como não cabiam todos na viatura policial, convocaram o meu filho para dirigir a camionete e transportar os homens amarrados com fortes correntes nos pés e nas mãos, jogados na caçamba da camionete Chevrolet já bastante velha e suja, com a qual vieram até a fazenda, levando-os debaixo do sol escaldante para prestar depoimentos. No dia seguinte, os oito jagunços já estavam soltos. O tratorista que era cunhado do proprietário da área foi até Cuiabá onde morava o seu parente, Sr. Zenir Minosso, também dono do posto de combustível Zero Quilômetro, na saída daquela cidade, ou mais precisamente, na entrada de Várzea Grande, ao lado do aeroporto e contou o acontecido. Já o meu filho, assim que soube da soltura dos jagunços, voltou para Santo Antônio, temendo que os homens quisessem algum tipo de vingança. Algum tempo depois, ficamos sabendo que estes jagunços foram levados até o rio Arinos, um rio bastante caudaloso, onde desapareceram. Dias depois fomos os três de volta, eu, o Luiz e a Lígia, dirigindo-nos à posse onde estavam acampados o Bira e o seu amigo Sadi Minetto. Esta viagem estava programada para durar, no máximo, uns quinze dias, mas ao depararmos com os dois companheiros na mais triste situação, pois era a estação das águas, chovia muito e o rancho era precário, ficamos sensibilizados

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ao ver tudo o que eles estavam passando, sem sequer esboçar uma reclamação e decidimos que iríamos até Diamantino comprar madeira para construir uma casa. Lá, conheci um cidadão que morava na cidade de Nobres, o qual possuía um caminhão Mercedes Benz e que nos indicou uma serraria, transportou a madeira até a fazenda, levando junto um construtor chamado Antônio. Com pouco dinheiro, acabamos construindo um pequeno rancho de uns dez metros quadrados aproximadamente, fizemos tarimbas com varas e cipós, e com a madeira que sobrou; uma mesa para colocar os alimentos, sendo que, a comida era feita em panelas de ferro e no fogo de chão. Nossa viagem acabou durando cinco meses. Eu, ao tentar levantar um poste de madeira, acabei sofrendo uma distensão no antebraço e resolvi aplicar os remédios existentes na mata e massagens com banha de sucuri, melhorando em poucos dias. Com o tempo bastante chuvoso, resolvemos fazer uma plantação de mandioca, o que não foi fácil devido aos enxames de abelhas e nuvens de mosquitos. Iniciamos carpindo o terreno e depois fizemos a plantação em covas. A Lígia então, mandou construir uma cozinha e nela um fogão do tipo jipão e quando o ataque dos mosquitos era grande, corríamos para o rancho onde havia muita fumaça e após muito sacrifício, conseguimos chegar ao bom termo do trabalho.

Fogão rústico conhecido como jipão.

Também resolveu dar uma arrumadinha na casa, digamos assim, dar um toque feminino, mandando construir uma área nos fundos, com coberta de lona

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plástica, onde os quatro peões arrumaram as suas redes. Na época, era preciso aproveitar tudo o que tínhamos, e chegamos a fazer balancins de varas e madeiras brutas. O Luiz (Ubiratan) que entendia de máquinas, se incumbiu de limpar a frente da área de aproximadamente vinte quilômetros. Alguns dias depois que lá estávamos, chegaram os nossos amigos e sócios Galvani, Rosélio e João, os quais, demonstraram não estar satisfeitos com a dita sociedade e propuseram separação, mas para isso, tiveram que providenciar uma nova medição na frente da área, onde foi cravado um marco provisório. Outro problema que teríamos de enfrentar com a dissolução da sociedade era o financiamento feito junto ao Banco do Brasil, agência de Francisco Beltrão, para a compra dos referidos equipamentos e ao final, eu acabei assumindo a dívida. O Peixinho ficou lá até o final da estação das águas, ou seja, até o início do mês de abril de 1977, quando voltou para Santo Antônio e conheceu a sua futura esposa: Izolde, que havia assumido como funcionária do Banco do Brasil, no mês de janeiro. Em uma de nossas viagens durante este mesmo ano, eu e a Lígia levamos a Maristela, que era noiva do Ubiracy Guilherme (Birinha), para que ela conhecesse onde iria morar depois de casada e também, para fazer uma surpresa ao noivo. Ela sempre bem disposta e contente, acabou adorando o lugar e, como para o amor não existem fronteiras, acabou dando tudo certo. Ficamos alguns dias e elas resolveram voltar de avião até Foz do Iguaçu, enquanto eu, decidi ficar mais alguns dias para arrumar algumas coisas com os rapazes. O próximo passo, depois de desfeita a sociedade, era demarcar as terras de cada um e para isto chamamos o engenheiro João Pena, morador da cidade de Cascavel, Estado do Paraná, para proceder a medição, subdividindo novamente em quatro partes iguais que cabia respectivamente a: Ubirajara Pedro, Ubiratan Luiz, Ubiracy Guilherme e Sadi Minetto e, ao final da referida medição, acabaram constatando que ficáramos com uma área maior do que presumíamos. Isto aconteceu porque o lindeiro de uma área vizinha à nossa, era um cidadão conhecido por Pedrão, famoso na região pelos seus atos de violência, sendo a ele, atribuídas quinze mortes. Este cidadão possuía uma velha camionete C-10 branca, na qual carregava os seus capangas, nunca menos de cinco que, fortemente armados com pistolas automáticas, aterrorizavam os posseiros novos, inclusive numa manhã, ao acordarmos, nos deparamos com ele e seus homens rondando o nosso rancho e como não nascemos de susto, muito educadamente, convidamos para entrar e tomar um chimarrão, e no final da conversa, nos tornamos amigos

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e ele passou a frequentar assiduamente o nosso rancho, prontificando-se para auxiliar-nos no que fosse preciso e em qualquer circunstância. Graças a Deus nunca precisamos dos “seus préstimos”, mas ficávamos mais tranquilos ao saber que ele daria proteção ao nosso filho e ao seu amigo, e mais tarde, também à nossa nora e netos, pois que Maristela nunca teve papas na língua e sempre teve muita coragem, dizendo a verdade, e foi esta maneira simples de ser, que conquistou a amizade do jagunço e de sua esposa. Não sabemos em que circunstâncias ele, a esposa e seu bando foram mortos, mas as terras que eles ocupavam, como eram devolutas, passaram a fazer parte da nossa posse, uma vez que ninguém apareceu para reclamar a propriedade, e assim ficamos com uma grande área, muita água e bastante mata, e bem mais perto da estrada geral. O ano de 1978 começou bem, com o primeiro casamento da família, pois em 28 de janeiro, o meu filho Ubiratan casou-se com Izolde, na sua cidade natal, Ponta Grossa. Entre os padrinhos do noivo estavam os meus velhos amigos da política Caíto Quintana, Ivo Tomazoni e Luiz Carlos Borges da Silveira.

Casamento de Ubiratan Luiz e Izolde.

O Birinha, que tinha vindo do Mato Grosso para passar o Natal e Ano Novo com a família ajudou a entregar os convites junto com a noiva, já que o Luiz (Ubiratan) estava morando na cidade de Peabiru, localizada na região noroeste do Estado do Paraná, onde possuía uma churrascaria à beira da estrada. Antes de retornar para o Mato Grosso, o Bira deixou o casamento marcado para o mês de maio, fato que ocorreu no dia 20 do referido mês.

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A festa foi no Centro de Tradições Gaúchas Querência da Fronteira que, na época, ficava próximo à ponte do Bairro entre Rios, na Avenida Brasil e os noivos foram levados numa carroça, toda enfeitada com fitas, tendo como violeiro, um funcionário do Banco do Brasil, o Márcio Izidório da Silva.

Casamento de Ubiracy Guilherme e Maristela.

Os noivos Ubiracy e Maristela após a cerimônia religiosa. O violeiro é Márcio Izidório da Silva, funcionário do Banco do Brasil.

Depois de casados, os noivos fizeram uma pequena viagem de lua-de-mel, usando o carro Maverick azul do irmão Pedrinho e em seguida, partiram rumo ao Mato Grosso.

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Eu e meus irmãos: Tereza, Guilherme, Olindo e Ary Teodoro, no dia seguinte ao casamento do Bira.

Os recém-casados enfrentaram quase dois mil quilômetros de estrada, inclusive muito chão, no caminhão amarelo, da marca Dodge, ano 1970, comprado do meu amigo e tio da minha nora, Pedro Milani, levando além dos utensílios, presentes e enxoval da noiva, um potrinho comprado do meu amigo Brescovici, uma vaca da raça Jersey para fornecer leite e uma novilha pintada, que recebeu o nome de Chita. O Bira e a Maristela saíram de madrugada e eu e a Lígia, umas três horas depois, para acompanhar o casal com a nossa camionete Ford 100. Pé na estrada, pau e pau e nada de alcançar o caminhão. Falei para a Lígia ficar de olho na estrada, pois que poderiam estar com problemas ou parados nos esperando. Com uma parte da estrada com asfalto ruim e outros trechos de terra, fui dirigindo e cuidando para ver se não tinham parado em algum posto ou restaurante, e nada. Chegando ao Porto São José, no norte do Paraná e divisa do Estado com o Mato Grosso do Sul, onde atravessávamos de balsa, pedi informação ao balseiro sobre a passagem de um caminhão Dodge amarelo. - Por aqui não passou. Talvez tenham ido pelo outro Porto, mas se o senhor está preocupado e quer informações, aqui perto existe um posto da Polícia Rodoviária que tem o serviço de rádio.

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Fomos até lá e conversamos com os policiais. Eles, notando a nossa aflição, prontamente entraram em contato com seus colegas de outros postos. Tudo em vão. Nada de notícias. Resolvemos seguir em frente. Entramos no Mato Grosso do Sul e quando já estávamos próximos da cidade de Dourados, ao passar por um grande posto de combustível, que ficava abaixo do nível da estrada, a Lígia notou algo parecido com o nosso caminhão. - Vamos parar que o Bira está ali, em cima do caminhão, mexendo com o gado. Não deu outra: era ele mesmo. Havia chegado uns minutos antes e estava descarregando o gado para tomar água e pastar um pouco. - Por onde vocês vieram? Já estávamos preocupados. - Passamos pelo porto de Guaíra. - E vocês? - Atravessamos pelo porto São José. Até na polícia nós fomos para obter informações. A tua mãe já estava desesperada achando que vocês haviam ficado na estrada. Dali em diante viajamos juntos até a fazenda, que na época, não era nada mais do que uma posse. Chegamos e imediatamente descarregamos os bichos e tratamos de descansar da longa viagem. Com as primeiras vacas e o cavalo, nós já ficamos animados, pois começava a tomar ares de fazenda. Era só um começo, mas já antevíamos os pastos cheios de animais. Ficamos poucos dias e retornamos para Santo Antônio, para não atrapalhar os recém-casados. Foi na volta desta viagem que tivemos a ideia de montar uma pequena serraria, e em conversa com o compadre Atílio, ele me informou que existia uma serraria pica-pau completa, na cidade de Toledo, Estado do Paraná. Como era caminho para casa, passamos por lá e acabamos fechando negócio. A locomóvel da serraria, da marca Lautz e de fabricação alemã, precisava de reforma, então, carregamos a dita cuja e levamos até Cascavel para uma boa

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reforma, pois que estava parada há algum tempo. Na oficina do Zé do Torno, ele efetuou um grande serviço e deixou a caldeira como nova. Após uns três meses, o Bira veio buscá-la e retornou levando uma grande parte da serraria: a caldeira e mais alguns acessórios. Voltei com ele e a viagem foi bem sofrida, pois o peso era muito grande para o veículo e, acabamos levando um susto na Serra de Tangará, quando o caminhãozinho foi para o cepo, mas conseguimos suportar as agruras da viagem e enfim, chegamos. Levamos um peão chamado Jorge Mazzardo, nosso compadre, que foi uma negação como montador da serraria. Ele nos disse que tinha experiência, mas entendia menos que nós.

Montagem da serraria pica-pau.

No dia seguinte, descarregamos no lugar que tínhamos determinado que ela ficaria: bem próximo a uma cabeceira d’água, com um bom capão de mato e muita madeira e começamos a montar a dita cuja, numa distância de mais ou menos uns oitocentos metros da casa, onde havíamos instalado a roda que ia para

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a antiga morada. A roda d’água tocava a bomba que tinha dois pistões e enquanto uma mandava água para casa, a outra mandava para a serraria, e foi esta serraria que deu o sustento para a família. Logo depois de termos chegado com a serraria, apareceu por acaso, lá no nosso acampamento, um cidadão que se identificou como Antônio, dizendo que morava em Tangará de Serra, que tinha arrumado uma posse ao lado da nossa, a qual tinha negociado com o finado Ary Bier. Ao perceber que nenhum de nós sabia como montar a serraria, ofereceu-se para ajudar, dizendo que tinha experiência, pois que trabalhara muitos anos com isto. Acertamos as condições e ele começou imediatamente. Em poucos dias, tudo estava funcionando perfeitamente, e ele ainda foi muito camarada, dando boas instruções ao Bira, que passou a trabalhar. Na sequência, nós levamos o seu Osvino, o sogro do Pedrinho, para ajudar, pois este entendia um pouco do ramo. O seu Osvino levou o seu filho Nelson como ajudante, e lá ficaram um bom tempo, até que efetivamos o moço como empregado, construindo um rancho para que ele trouxesse a mulher e o filho. Inicialmente, quem comandava os maquinários era o Antônio, que dispôsse a ensinar o seu Osvino e todos nós. Por fim, o Bira e a Maristela conseguiam trabalhar só em dois: ele cortando as toras e ela manobrando o trator CBT, puxando as mesmas de dentro da mata. Em 09 de novembro de 1978, outra alegria: nascia prematuramente, aos sete meses de gestação, o nosso primeiro neto, Ubiratan Luiz Coutinho Corrêa Junior e nem deu tempo de viajarem para Ponta Grossa, onde a minha nora fazia o pré-natal. Estávamos em plena campanha política e eu apoiava a candidatura do Flávio Scopel que concorria à Câmara, e foi ele quem batizou o nosso primeiro neto. No ano seguinte, outro casamento e desta vez, do meu filho mais velho que já namorava há um bom tempo com uma funcionária do Cartório de Registro de Imóveis, a Maria Marlene. O casamento foi no dia 02 de junho de 1979 e a festa foi nas dependências da Associação Atlética Banco do Brasil.

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Casamento de Ubirajara Pedro e Maria Marlene.

Logo depois do casamento do Pedrinho, retornei à fazenda e a minha nora Maristela, já estava no final da gestação do seu primeiro filho. Como não havia recursos médicos naquele fundão, resolveram que ela viria para Santo Antônio para ter o bebê e assim poderia ficar perto de sua mãe. Depois de tudo decidido, eu a trouxe comigo em um Fusca. Em poucos dias, mais precisamente, no dia 1º de setembro de 1979, nascia no Hospital Santa Helena, de propriedade do meu amigo Dr. Cari, o primeiro filho do casal que foi batizado de Pedro Ubemes, homenageando assim, os dois avôs. No final de setembro, o Luiz e sua pequena família resolveram mudar-se para Diamantino, pois minha nora já havia pedido transferência para o Banco daquela cidade, porque o marido viajava muito para o Mato Grosso e toda vez que isto acontecia, o pequeno “Biratinho” ficava febril, só melhorando ao avistar o pai. Ficaram inicialmente morando no Hotel Maringá: o Luiz, a esposa, o filho, a menina Elinete Lins que era a babá, a Maria, que na época, trabalhava como doméstica para eles e o também recém-nascido Leandro, filho do Nelson, irmão da Marlene. Enquanto a Maristela estava no Paraná, o seu Osvino e seu filho Nelson tinham ficado no Mato Grosso para construir a nova casa para a família que havia crescido. A casa foi construída próxima a um pé de pequi, fruto muito usado na culinária cuiabana como tempero e também na medicina caseira. De madeira de pinho, a casa ficou bem espaçosa, medindo oito por doze metros, fora o banheiro e a área dos fundos.

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Faltava, no entanto, a roda d’água e o encanamento que providenciamos quase imediatamente, com mangueiras de ¾, a uma distância de aproximadamente 700 metros da fonte, pois, até então, a minha nora Maristela, com a sua costumeira disposição, colocava a trouxa de roupas na cabeça e rumava em direção ao rio que distava uns 300 metros da sede. Nos primeiros dias após seu retorno, ia com a trouxa de roupas equilibrada na cabeça e o filhote na ilharga.

A primeira casa do Bira e Maristela, construída ao lado do pé de pequi.

No dia 29 de novembro de 1979, nasceu o primogênito da minha nora Marlene, um menino lindo que recebeu o nome de Ubirajara Pedro Coutinho Corrêa Junior, mas, por complicações no parto ele não sobreviveu, vindo a falecer no dia 03 de dezembro com apenas cinco dias de vida. Mais uma tristeza para toda a família. Nesse ínterim, o Pexe com a família, deixaram o hotel e alugaram uma casa enquanto aguardavam que o Birinha levasse a mudança que tinham deixado para trás. Com duas camas de campanha, improvisaram uma de casal e compraram do meu amigo Adelino dos Santos, dono de uma loja de móveis, um colchão de casal. O filho dormia no berço desmontável que eles haviam levado. A casa alugada já tinha pia, então, compraram um fogareiro de duas bocas,

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uma mesa com quatro cadeiras e nisto se resumia toda a mobília deles. No seu primeiro Natal em Mato Grosso, como não tinham geladeira, não deu para fazer compras, então, decidiram que almoçariam fora, mas quando saíram, encontraram todos os lugares fechados, e o almoço foi arroz com ovo frito regado pelas lágrimas da minha nora. Em uma das viagens, planejamos fazer uma pequena plantação de arroz numa área de terras cultivadas, existente entre Campo Novo do Parecis e a rodovia BR 364. Arrendamos a terra de propriedade de um conhecido nosso, por nome Strariotto e acertamos cinquenta por cento para cada, sendo que, as despesas de plantio, ficariam por nossa conta. Fomos até Diamantino e financiamos a lavoura. Assim que saiu a primeira parcela do crédito, o Bira e o Sadi Minetto montaram o acampamento, levando o maquinário e os empregados, bem como, os alimentos. Prepararam a terra com muito cuidado, fizeram o plantio e aparentemente estava tudo perfeito, produzindo bem, mas na hora da colheita, rendeu pouco, sobrando somente umas duzentas sacas, que foram depositadas no armazém do meu amigo Mildo Minosso, em Campo Novo do Parecis; não sobrou sequer para pagar o financiamento, sendo este, o nosso primeiro prejuízo, fato este, que repetiu-se na safra seguinte, restando-nos então, iniciar tudo da estaca zero. Naquele ano, com o passar dos tempos, resolvemos construir um novo galpão, já que havíamos financiado uma lavoura de arroz, e apesar da colheita não ter sido tão boa quanto prevíamos, precisávamos de um lugar para armazenar, até a sua comercialização e posterior pagamento ao Banco. Para tal construção, fui para Brasnorte, cidade que começava a despontar e onde havia muitas serrarias, além disso, era a cidade que ficava mais próxima da fazenda. Com uma camionete Ford 4000, carreguei uma carga bem grande, já que o preço era bom e a madeira era quase dada. Na volta, quando passei pelo posto de combustível do Mundo Novo parei para fazer um lanche e ali fui surpreendido com a presença de uma turma de caminhoneiros de Santo Antônio do Sudoeste, se arrumando para dormir, pois já estava anoitecendo. Logo fui abordado pelos meus conterrâneos que surpresos gritaram:

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- Mas não é possível que o senhor esteja aqui a esta hora, sozinho por estas estradas e com a camionete carregada. Foi aí que reconheci o filho do Pedro Cucci. Foi um belo encontro lá naquelas alturas. Um deles disse: - Quem diria que o senhor prefeito e fiscal da receita e gente da cidade tivesse peito para enfrentar tamanha luta, nesta distância, e ainda por cima, sozinho? Respondi: - Até agora nunca ninguém soube da minha origem e de tudo o que eu tive de enfrentar nesta vida, mas diante deste quadro, já podem imaginar tudo o que fui e quem eu sou. Lá em Santo Antônio sou um homem da cidade, aqui, eu sou matreiro e pronto para qualquer tipo de serviço. - Se nós não víssemos esse episódio de hoje e pessoalmente, se alguém nos contasse, nós não acreditaríamos. Agradeci e contei que a nossa propriedade era perto dali, apenas uns vinte quilômetros pelo estradão, entrava à direita rumo ao rio Papagaio pela estrada do Porto Feliz. Da encruzilhada dava mais uns quinze quilômetros e que eu lá estaria às ordens dos amigos. Depois dos abraços, despedi-me. Na volta, chegamos novamente em Cuiabá, procurando o Intermat para informar-nos sobre a documentação da terra que demorava a sair. Pernoitamos no Hotel Cidade Verde e na manhã seguinte, saímos muito cedo indo até a cidade de Coxim, onde nos hospedamos em um hotelzinho simples. Para adiantar a viagem, levantamos ao amanhecer e seguimos rumo à cidade de Rio Verde de Mato Grosso, onde paramos para abastecer a camionete e na hora de pagar, percebi que havia esquecido a minha pasta no hotel. Tivemos de retornar uns cinquenta quilômetros. Ao chegar, fui direto até o quarto, sem mesmo falar com o dono, e para a minha surpresa, encontrei a pasta no mesmo lugar em que tinha deixado: atrás da porta.

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Imediatamente abri e encontrei-a intacta: documentos, meu revólver calibre 38, o talonário de cheques e uma quantia em dinheiro. Suspirei aliviado. Foi muita sorte! Eu e a Lígia sempre acompanhamos de perto os trabalhos e tudo o que estava acontecendo na fazenda e voltamos para Santo Antônio do Sudoeste com a promessa de retornarmos em seguida. No início de 1980 o Bira retornou para o Mato Grosso, levando a sua família e a mudança do irmão, e por isso, ficou uns dias na casa dele em Diamantino, ajudando a arrumar as coisas no lugar, porque, nestas alturas, a minha nora Izolde já estava grávida do segundo filho. Eu e a Lígia fomos alguns dias depois, de surpresa, pois já estávamos com saudades dos netos. Ficamos uns dias na casa do Luiz (Pexe) em Diamantino e após uma semana, decidimos ir até a fazenda. Chegamos lá pelas dez da noite, porque, apesar da distância, as estradas precárias e os atoleiros fizeram com que a viagem demorasse mais do que previsto. Ficamos com eles por uns trinta dias fazendo planos: alguns acabaram se concretizando, outros não. Em 28 de maio de 1980 nascia Rafael Luciano Coutinho Corrêa, na cidade de Ponta Grossa, e quando ele estava com poucos dias de vida, a família retornou para Diamantino. Lá eles permaneceram até o mês de março de 1981, quando minha nora pediu transferência para o Paraná, porque as crianças tiveram dificuldades de adaptação ao clima da cidade, sendo internados, com desidratação, por várias vezes. No dia 18 do mês seguinte, a minha nora Marlene, dava à luz nossa primeira neta, Ligiana Kaiser Corrêa, que recebeu o nome de batismo em homenagem às avôs Lígia e Ana. Ela nasceu em Curitiba, prematuramente aos seis meses de gestação, pesando 850 gramas e ficou internada no Hospital Pequeno Príncipe até ganhar peso suficiente para ter alta. Foi o maior susto para toda a família, principalmente para nossa nora que já havia perdido o primeiro filho. Lembrei-me de um caso que aconteceu na fazenda. Certo dia, o Ivo Nora, o seu Osvino e eu, estávamos arrumando a serraria

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quando bateu a fome e percebemos, pela altura do Sol, que já era hora do almoço. Avisei os companheiros que eu iria na frente, porque queria ver umas linhas de espera que havia deixado na beira do rio que tocava a roda d’água, bem próximo do carreiro onde todos os dias tínhamos de passar para ir até a serraria. Eu tinha um cãozinho, da raça Fox paulistinha, que veio no meu rastro, e ao chegar à pinguela, peguei o caminho da direita, subindo o rio onde tinha deixado as ditas linhas, mas o cachorro parou para tomar água, como era de costume. Quando eu menos esperava, escutei um único grito do animalzinho. Voltei rapidamente para ver o que estava acontecendo, pois ele era nosso animal de estimação e foi quando vi uma enorme sucuri que estava enrolada e mantinha o cão preso. Dei uns tiros com a minha espingarda foblé, mas nem cócegas os tiros fizeram no bicho. Os estampidos destes tiros, alertou o seu Osvino, que já estava a poucos passos de onde eu me encontrava. Ele correu até mim e assustado, foi logo perguntando: - O que houve? - Olha ali na água. – respondi. Neste momento, ele tirou a sua espingarda do ombro e deu mais dois tiros de chumbo grosso e notamos que ela fez um leve movimento, mas continuou enrolada. Resolvemos tirá-la do banhadinho e fizemos isto com muito cuidado, pois nunca tínhamos visto nada igual. Neste momento, chegou o Ivo também assustado, pois escutara os tiros e alguns gritos. Em três pessoas, ficou mais fácil remover a cobra para fora e percebemos então que o cão ainda estava vivo. - Vamos ver se desenrolamos o bicho! – falei. Em seguida, o companheiro Ivo, mesmo assustado, passou a mão no rabo da cobra, começou a fazer força e com muito custo, conseguiu o seu intento, e só então, vimos a cabeça dela que estava no centro do círculo, agarrada no couro da barriga do cão e não havia jeito de fazermos com que ela largasse. Então, pegamos o facão, cortamos um bom pedaço de pau e batemos na cabeça até que ela o soltasse.

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Apesar do cãozinho ter o couro da barriga rasgado, saiu salvo, mas não muito são. Decidimos levar a cobra para o rancho e foi um sufoco, porque ela media uns 8 metros de comprimento e era bem pesada. Quando lá chegamos, vieram os palpiteiros de plantão. - Tirem o couro e joguem o resto fora! - Joguem tudo fora! Mas eu tinha ouvido dizer que a carne era muito saborosa e resolvi tirar o couro e experimentar a dita carne, e meus companheiros concordaram. O Ivo, muito guloso e bom cozinheiro, disse: - Vamos fazer uns bifes à milanesa que deve ficar uma delícia! Começamos limpando o bicho de acordo com o que tínhamos ouvido falar, ou seja, cortar a cabeça a um palmo da nuca e o rabo a uns dois palmos, se bem que, dizem os caçadores, que a sucuri não tem veneno. Abrimos o bicho de comprido, tiramos a buchada onde tinha outro bichinho, haja vista que a sucuri é uma espécie ovovivípara, isto é, os filhotes eclodem de seus ovos no interior da barriga de sua mãe e já nascem prontos para desvendar a floresta à procura de alimento. Sua ninhada é geralmente muito grande, e varia de 10 a 70 filhotes a cada gestação, mas só encontramos um. A carne era uma beleza, bem branquinha, bem mais branca que a carne de peixe. O Ivo cortou uns pedaços de aproximadamente uma polegada e rendeu muitos roletes. Fez o tal bife e fomos experimentar: realmente era uma delícia. Em seguida, descarnamos o restante, fizemos um bom tempero com muito alho, pimenta-do-reino à vontade, sal e como não poderia faltar, um pouco de suco de limão galego. Tudo pronto, apareceu a Maria, esposa do Nelson e nora do seu Osvino, que vendo aquela imensidão de carne temperada, foi logo perguntando: - O que vocês vão fazer com isto? - Comer, é claro! Com cara de nojo, disse:

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- Credo! Isso aí é nojento demais! Melhor jogar fora logo. - É o que a senhora pensa. – respondi. Em seguida chamei o Nelson. - O que o senhor manda, seu Pedro? - Pega a gamela com a carne e leva para o teu rancho. Depois você coloca os pedaços em um arame e deixa defumando no jipão, até secar, porque, dentro de poucos dias eu volto para o Paraná e vou fazer uma brincadeira com uns amigos com esta carne, principalmente com o Ary Darós - vou dizer que é carne de peixe defumado e conto depois que comeram uma cobra. O Nelson concordou e foi logo atender o nosso pedido. Quando estava me preparando para viajar, faltando uns dois ou três dias, chamei o Nelson e disse: - Traga a carne que eu quero embrulhar muito bem, de modo que não tenha cheiro e assim chame a atenção da fiscalização. - Já trago! – respondeu e foi em direção ao rancho. No dia seguinte pedi novamente e a história repetiu-se. Enfim pedi pela terceira vez e já meio chateado, perguntei: - Nelson, o que está acontecendo? Por que você não providencia logo o que estou te pedindo? De cabeça baixa, respondeu: - Desculpa, seu Pedro, mas a Maria comeu tudo! E com isso lá se foi a minha brincadeira! A cobra desapareceu. Depois ele nos contou que ela levantava à noite para comer. Sentimos muito quando a família saiu da fazenda, deixando de trabalhar para nós. Aproveitando a viagem, um dia resolvi ir até Juína - MT, para fazer uma visita, pois lá moravam os filhos e a esposa do meu grande amigo e compadre

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Guerino da Luz, conhecido por “Tilóca”, já falecido. Ele foi morador e tinha uma pequena serraria na Chácara Velha, hoje Linha Nova Riqueza. Era pai de uma família numerosa, trabalhadora e muito bem-educada. O meu afilhado é o Nestor, acredito eu, que ele seja o mais velho. Eles foram muito inteligentes quando tomaram a decisão de mudar-se para o Mato Grosso, pois lá chegaram há alguns anos no tempo de grande garimpo, conseguiram bons lotes de terras com muita madeira nobre, e montaram uma grande serraria, que para falar a verdade, não conheço outra igual. Quando cheguei lá, foi uma festa, e não sabiam o que fazer para me agradar. Apesar de tantos anos passados, eles não esqueceram que fui eu quem arrumou a papelada da pequena serraria pica-pau para que pudessem transportála para lá. O meu compadre estava com a vida meio enrolada e não tinha condições para transportar o seu maquinário, porque estava sem a documentação, com a contabilidade irregular e devendo impostos. Quando ele me procurou, eu era o chefe da fiscalização. Ele abriu o coração, explicou a situação em que se encontrava e como amigos são para ajudarem uns aos outros, não tive dúvidas e disse: - Compadre, pode ir arrumar as tuas traias e deixe o resto comigo. Paguei todos os seus impostos atrasados, colocando em dia toda a documentação e procedi a baixa da sua firma; isto após ter expedido uma nota fiscal para a transferência do referido maquinário, com destino a Santa Helena, que foi a sua primeira parada. Sem segundas intenções, foi apenas o que eu fiz: fiz para quem merecia e na hora certa, mas a partir daí, passaram a considerar-me mais ou menos como um tutor. Com isso, fiquei com um bom crédito em sua serraria e toda a madeira de que eu necessitava, eles me davam. Só de balancins para as cercas, foram cargas completas de camionete. A amizade fortaleceu tanto que cheguei a arrumar as sementes de capim daqui para lá, totalmente grátis e as enviei de ônibus, pois eles mereciam. Em outra viagem que fiz até lá, na volta de Juína encontrei com o Chico Schuster, com a sua frota parada no topo de uma serrinha, após passar um rio cuja ponte estava em ruínas. Batemos um bom papo e depois, cada qual, tomou o seu rumo.

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Início do ano de 1982. Em pé: Ubiratan com o filho Rafael; Izolde com Ubiratan Jr.; Ubiracy e Maristela; Marlene e Ubirajara. Sentados: Lígia com a neta Ligiana; Pedro com Pedro Ubemes no colo e entre eles: Ivone.

Em 12 de novembro de 1982, nascia nossa segunda neta, Fernanda Letícia Kaiser Corrêa, na cidade de Curitiba, e desta vez, sem surpresa. De outra feita, eu e a Lígia saímos da fazenda e fomos buscar uma carga de madeira, algumas sacas de milho e uma roda d’água, tendo o Ibanor como motorista. Quando estávamos há uns quarenta quilômetros da fazenda, decidimos pegar um desvio, pois a estrada geral estava em péssimo estado de conservação. Este desvio passava às margens do Rio Sacre, perto da aldeia indígena e precisaríamos passar por dentro de um riacho profundo, que desaguava num banhado. No riacho já foi um sacrifício para passarmos, mas conseguimos, e logo à frente encontramos outro rio, o São João, com um vão de aproximadamente quinze metros, tendo como passagem, um pontilhão de mais ou menos oito metros de altura, feita apenas com vigas quadradas. Para passa,r o cara tinha de ser bom na boleia, isso com a ajuda de um guia na frente para indicar por onde o rodado deveria passar, e foi o que fiz. Desci e orientei o Ibanor, que passou sem maiores problemas. No início de 1983 mais dois netos nasceram: Thaís Angélica Coutinho Corrêa, no dia 08 de janeiro, filha do Pexe, tendo recebido o segundo nome em

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homenagem à bisavó paterna, minha mãezinha querida; e dias depois nasceu Emiliano da Trindade Corrêa, no dia 20, segundo filho do Bira. Quando Thaís estava com poucos meses de vida, a família retornou para Santo Antônio do Sudoeste. Em 1983, ao término da estação das águas, havíamos começado o desmatamento e a limpeza de uma grande área nas proximidades da nova morada, e quando menos esperávamos, o trator CBT105, quebrou. Carregamos o trator no caminhão para levar até Diamantino para consertar. O Bira, a Maristela, o Pedro Ubemes e o Emiliano, este último com poucos meses de vida, foram na cabine, enquanto eu instalei-me na carroceria. Saímos de madrugada e lá pelo meio-dia, em frente à Fazenda Badotti estourou um pneu que logo foi substituído, mas nem bem saímos do lugar, estourou o outro. Não aparecia uma viva alma para nos ajudar e o pessoal da fazenda em frente não deram a mínima para nós e não nos ofereceram sequer um copo de água. Como já era tarde, começamos a sentir fome. A nossa sorte foi que estávamos levando um pouco de mandioca para presentear o nosso amigo, doutor Lanzarini, que morava na cidade. O Bira improvisou um fogão com algumas pedras e a Maristela aproveitou uma lata que estava no caminhão e com um pouco da água que havíamos levado, cozinhou a mandioca que comemos sem sal, e este foi o nosso almoço e jantar. Quando anoiteceu, ainda estávamos no mesmo lugar, então, o Bira e a Maristela se ajeitaram com as crianças na cabine e eu dormi na carroceria, debaixo do trator, sem forro algum e sem cobertor, na tábua pura. No dia seguinte, apareceu uma pick-up que levou os pneus para Campo Novo do Parecis para deixá-los em uma borracharia, mas era final de semana e para completar, havia uma grande festa na cidade e o comércio estava fechado. Esperamos o dia todo e nada dos pneus. Estávamos cansados, com fome e sede, pois precisávamos poupar água, já que não tínhamos ideia de quanto tempo permaneceríamos naquele lugar. Com muito custo, no dia seguinte, eu consegui uma carona para ver o que estava acontecendo. Quando cheguei à cidade, encontrei um amigo, comerciante do Estado do Paraná, mais precisamente da cidade de Pinhalzinho, o Sr. Introvini, a quem pedi auxílio e fui prontamente atendido. Contei a ele que meu filho, nora e netos estavam no estradão e ele, penalizado,

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levou-me até a borracharia, pedindo que o rapaz fizesse o serviço rapidamente, pois o pessoal estava na estrada sem recursos: sem comida e economizando água. Depois ele, conhecedor dos sacrifícios que todos enfrentavam naquelas paragens, ofereceu-me carona de volta. Conseguimos chegar em Diamantino sem maiores percalços e lá ficamos até o conserto do referido trator. Esta não foi a única passagem de dificuldades que o Bira, a Maristela e meus netos tiveram de enfrentar naquelas paragens. Certo dia, a Maristela foi de trator, levar uma tora para o Bira, na serraria, deixando as crianças pequenas, dormindo num cobertor, à sombra de uma árvore, no local em que ela estava trabalhando. Retornou em minutos e levou o maior susto ao perceber as pegadas de uma onça ao redor do cobertor. Provavelmente não foram atacados por não terem acordado. Em 31 de julho de 1984 nasceu Marcos Vinícius Coutinho Corrêa, na cidade de Ponta Grossa. De viagem em viagem, de neto em neto, fomos tocando a nossa vidinha entre Santo Antônio do Sudoeste e Brasnorte, no Mato Grosso, município onde está localizada a fazenda. No início de 1987, o nosso neto Pedro Ubemes estava em idade escolar e a família transferiu-se para uma pequena casa na cidade de Tangará da Serra, Mato Grosso. A distância era grande até a fazenda, mas meu filho continuava administrando tudo, mesmo de longe. No início do mês de agosto do mesmo ano, para continuar o negócio precisávamos de dinheiro e resolvemos vender uma parte da área para uns amigos meus que moravam na cidade de Foz do Iguaçu, os Freitas. Como uma parte das terras do Bira estava aberta e gradeada, decidimos, em família, que venderíamos a propriedade dele, para continuar o empreendimento e o restante da área pertenceria a todos e cada um contribuiria da melhor forma para que tivéssemos sucesso. A fazenda deveria ser uma propriedade familiar, com meus filhos unidos e fortes, crescendo, produzindo e vivendo da terra: este era o nosso plano para o futuro. Seria a concretização de todos os nossos sonhos, pois, com o dinheiro recebido poderíamos abrir uma boa parte da área restante, construir cercas e mangueiras, comprar gados e plantar soja, lavoura que começava a destacar-se no cerrado.

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Além disto, poderíamos promover uma boa reforma na casa da cidade onde a família ficaria melhor instalada. O Bira veio sozinho para fecharmos negócio e permaneceu conosco por alguns dias. Cheios de planos, nos reuníamos para as rodadas de chimarrão pela manhã e ao anoitecer e conversávamos sobre o futuro, pois, com dinheiro na mão, tudo ficava mais fácil. No dia 21 de agosto, uma sexta-feira, fomos todos jantar na Associação Atlética Banco do Brasil para comemorar. O Bira já estava com a camionete Pampa branca, recebida como parte do negócio, carregada com uma geladeira e vários outros presentes que iria levar para a mulher e os filhos, pois retornaria no início da semana seguinte. No sábado, dia 22, pela manhã, ele foi convidar o Pexe para irem até Foz do Iguaçu, porque desejava comprar mais alguns presentes para a família, mas o irmão já tinha programado uma viagem para Pato Branco com a esposa, onde fariam compras. Convidou então, o Pedrinho para ir com ele, mas o irmão também não podia viajar naquele dia. Desistiu! À noite tinha um jantar no pavilhão da Igreja Matriz e ele decidiu ir até lá para rever alguns amigos. Como era uma noite fria, eu e a Lígia, decidimos que não iríamos, então, convidamos o Milton e a Terezinha para jogar pontinho na casa do Luiz (Pexe). Próximo das onze horas, eu estava na vez de comprar (carta do baralho) e pronto para descartar a que não mais me servia, quando senti como se tivesse sido atingido em cheio por um violento golpe na cabeça. Como todos olhavam para mim, depois relataram que realmente pareceu que eu havia levado um murro, pois que a minha cabeça balançou violentamente. Abaixei a cabeça, ainda segurando as cartas na mão e permaneci alguns segundos que me pareceram minutos. Quando levantei os olhos, todos olhavam assustados para mim e só então, ouvi a voz do Luiz perguntando: - Pai! Pai! O que houve? Está se sentindo mal? Balancei a cabeça de um lado para o outro, não para negar, mas sim, para espantar algo ruim e sombrio que havia me atingido em cheio.

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Continuamos o jogo e cerca de um quarto de hora depois, bateram à porta da frente: era o Pedrinho. Convidamos para entrar, mas ele chamou o Pexe para fora. Quando ele retornou, percebi que havia algo errado e perguntei: - O que houve? - Não sei direito, mas preciso sair com o Pedrinho. - Vocês vão fazer o quê estas horas? - Socorrer o Bira. Parece que sofreu um acidente. - É grave? – a Lígia perguntou. - Não sei! Nós vamos ver agora. Alguém ligou para o Pedrinho avisando. Largamos as cartas em cima da mesa e daí em diante eu não consigo mais lembrar com exatidão o que aconteceu, pois fui envolvido num turbilhão e todos os sonhos alimentados durante dias com os filhos, virou pesadelo ao saber da morte do meu filho querido. Creio que quem me deu a notícia foi a Nair do Mirico, mas há uma névoa envolvendo todos nós e ninguém sabe dizer ao certo como ficamos sabendo do trágico acontecimento. Sei que em poucos minutos, nossa casa estava cheia, estávamos rodeados de amigos e conhecidos e que todos falavam sem parar: uns normalmente e outros aos sussurros. Aquele pesadelo era interminável e, às vezes, eu apertava os olhos e abria para acordar, mas tudo estava ali ainda. Soube depois que o filho de um dos meus maiores amigos, que tinha pego carona com o Bira, também estava morto: era o Alois Mai. Quanta dor cabe no coração de um pai! No meio da tarde, o avião que trazia a Maristela e as crianças, chegou já próximo da hora do enterro, e foi aquele desespero. Os dias que se seguiram foram os mais difíceis das nossas vidas, mas contávamos com o carinho dos familiares e o apoio dos amigos e sobrevivemos a tamanha dor. A Lígia nunca mais se recuperou e por vezes, eu a encontrava chorando escondida, mesmo depois de anos da morte dele. Ela jamais falou no filho no tempo passado, e sim, no presente, como se ele ainda estivesse entre nós. Depois de alguns dias, fomos para o Mato Grosso acompanhando a nossa

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nora e netos. Os dias foram passando, a dor lancinante amenizando, mas sempre ali a nos machucar. Ver aquelas crianças que até bem pouco tempo tinham convivido no meio do mato, vendo somente os pais e que assustavam-se e choravam quando aparecia alguém, agora, sem a figura paterna, era de cortar o coração. Desde o primeiro momento, a minha nora Maristela, não se deixou abater. Apesar de ser muito jovem, ela compreendeu que precisava ser ainda mais forte dali em diante, pois, que toda a responsabilidade pela criação dos filhos, agora estava sobre os seus ombros. Toda a luta que ela sempre enfrentou, com coragem e determinação, ao lado do meu filho desbravando aquela região, pois foram um dos primeiros moradores; tudo o que fizeram juntos e com as próprias mãos e tudo o que passaram com os seus dois filhos pequenos: Pedro Ubemes (Pedrinho ou Pê) o mais velho, e o Emiliano Francisco (Mi) o mais novo, agora ela teria de enfrentar sozinha, mas ela jamais esmoreceu, apesar de ser ainda muito jovem. Que mulher forte! Que mulher corajosa! Que mulher admirável! Em 20 de maio de 1988 nasceu a minha última neta: Bruna Gabriela Kaiser Corrêa, filha do Pedrinho. Depois da morte do meu filho, eu e a Lígia começamos a viajar mais seguidamente para o Mato Grosso, para ficar mais perto dos netos e também para cuidar das terras, uma vez que, não existia mais quem cuidasse dos negócios. Ficamos por lá um bom tempo e o Peixinho foi para lá para nos ajudar. Certo dia, ele nos convidou para irmos até Tangará da Serra visitar a Maristela e as crianças e também fazer umas compras, mas eu preferi ficar na fazenda terminando a cerca que havia começado há alguns dias. A dona Lígia, porém, como era “maria-gasolina”, em minutos estava pronta e feliz como uma criança, pois estava cansada do isolamento em que nos encontrávamos. Levantaram bem cedo e como sempre fazia, juntou suas linhas e agulhas de crochê, embarcou e foram. Havia chovido durante a noite toda, mas não tinha problema na estradinha que levava até a BR, devido ao pouco movimento nela. Numa extensão de aproximadamente setenta quilômetros, só havia três moradores. Quando eles alcançaram a estrada geral, a coisa mudou e começaram a aparecer uns alagados, pois o terreno é muito plano e não dava para saber a profundidade

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dos buracos, nem se eram atoleiros. Aos trancos e barrancos foram, mas em certa altura, o Luiz avistou um grande alagado que atravessava toda a estrada e sem opção, tentou passar em meio ao aguaceiro e foi lá que ficaram. Tentou sair várias vezes, mas quanto mais tentava, mais atolava. A água começou a entrar quando o Luiz desceu e a Lígia subiu no banco e sentou-se toda encurvada no encosto do assento. O Luiz falou: - Mãe, eu vou procurar socorro. A senhora quer ir comigo ou fica por aqui? - Eu vou ficar. Não havia um morador por perto, nem movimentação na estrada e o Luiz acreditava que a fazenda mais próxima, ficava a pelo menos, uns vinte e cinco quilômetros de onde estavam. Devido à incômoda posição, a Lígia saiu do carro e conseguiu subir no capô. Já passava do meio dia e nada do companheiro, e o pior é que não tinha nada para comer. Apesar de estar em meio a tanta água, passou sede, pois onde estava era um lodo só. Eles se esqueceram de um velho ditado: “Quem vai para a água, prepara-se em terra.” Quando foi lá pelas quatro horas da tarde, o sol ainda estava queimando, ela avistou ao longe algumas pessoas que vinham a pé em sua direção. Quanto mais se aproximavam, mais ela tremia de medo, porque, naquela época ainda existiam muitos jagunços naquelas paragens. Pensou: - Seja o que Deus quiser, mas hoje é o meu fim! – e começou a rezar. Os homens caminhavam a passos firmes e ela pode perceber que estavam sujos de lama, alguns com a barba por fazer há vários dias, porém, o que mais a assustou foi que estavam fortemente armados, portando facas, facões, revólveres, carabinas e muita munição, em cartucheira bem grande que carregavam a tiracolo. Os oito homens já estavam muito próximos e o seu pensamento nestas alturas era: - Estou morta! O pavor era tão grande que nem percebeu que o Pexe estava entre eles. Ela rezava de olhos fechados, já entregando a sua alma nas mãos de Deus e

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não mais olhava em direção aos homens, porque sabia que se fossem jagunços e algum dia, porventura, pudesse reconhecê-los, não teria a mínima chance de sobreviver. Levantou os olhos surpresa quando ouviu a voz do filho: - Mãe, não se assuste! Estes senhores são da Polícia Federal que estão dando uma batida na região, atrás de bandidos e jagunços. Eu os encontrei há alguns quilômetros daqui e quando lhes contei o que estava acontecendo, eles prontificaram-se a nos ajudar. Em poucos minutos o carro estava fora do atoleiro. Agradeceram a ajuda oportuna e retornaram para casa. Quando chegaram, estavam sujos, cansados, sedentos e famintos, e enquanto eles tomavam um bom banho, eu preparei uma refeição. No dia seguinte, sentiram o efeito da excursão: ela estava com a pele totalmente queimada, pois havia passado quase o dia todo exposta ao Sol, e o Luiz levou quase uma semana para colocar a carcaça em dia, devido à caminhada forçada em meio à lama, mas o crochê rendeu muito.

Atoleiros no Mato Grosso.

Numa destas viagens, convidei a Lígia para uma visita ao nosso vizinho Batista, mais conhecido pelo seu apelido Catarina, cuja fazenda, distava uns trinta quilômetros da nossa. Ela topou na hora, pois já fazia mais de trinta dias que estávamos praticamente

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isolados e sentindo-se muito sozinhos, e a tristeza já tinha começado a apertar os nossos corações e também as saudades da família. Pegamos a nossa Belina amarela, ano 1976 e fomos. Eles ficaram muito felizes ao nos ver, porque também estavam na mesma situação que nós. Fomos convidados a ficar para o almoço, convite este que aceitamos prontamente e passamos um dia divertido: rimos, conversamos, jogamos uma canastrinha e quando percebemos, já era hora de voltar para casa. Despedimo-nos e após alguns quilômetros rodados, notamos que a estrada estava bastante molhada, então, o carro começou a patinar e sem as correntes, fomos tocando como dava, porém, não demoramos muito e caímos em um buraco, na verdade, um grande atoleiro. Tentei, tentei, mas não conseguia sair. Deixei a companheira no carro e fui até a fazenda mais próxima, que era a do Atílio Toniazzo, a uns três quilômetros. Mas não havia ninguém por lá e a morada estava em ruínas. Ao lado da casa avistei um velho trator. Tentei fazê-lo funcionar, mas foi em vão. Quando resolvi voltar para o carro, apareceu uma boiada: umas cabeças estavam dentro da invernada e outras fora, no corredor, e vinham ao meu encontro. Pensei: - A melhor estratégia é o ataque e decidi enfrentá-los, mas eram tantos que não me deram trégua. Aí tive que mudar de plano rapidamente, e pensei: - É agora que vou ter que correr para ver se escapo. Tive de bancar o malabarista do cerrado: quando o gado vinha para o meu lado eu passava para o outro lado da cerca e assim, sucessivamente, até que me livrei dos animais. A chuva recomeçou. Quando alcancei o carro, a Lígia já estava desesperada, pois estava anoitecendo. Falei que ia buscar socorro em outro morador e retornei debaixo d’água para a casa do meu amigo Batista.

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Quando me avistaram, vieram rapidamente ao meu encontro e o filho do casal foi logo dizendo: - Atolou o carrinho, seu Pedro? - Adivinhão! – respondi. - Estou atolado ao lado da cerca do Atílio. – completei. - No buraco? - Sim, lá mesmo. Chamou mais uns peões e disse: - Vamos ver o que podemos fazer. Antes do filho sair, seu Batista disse: - Faz tanto tempo que este trator não funciona, mas vamos dar uma experimentada. Quem sabe lá... Tentaram, mexeram nuns cabos e o trator começou a funcionar. O velho falou: - O senhor foi de sorte! Respondi: - De sorte foi a Lígia, que a uma hora destas deve estar rezando e tremendo de medo, pois ficou só no meio do nada. Foi só engatar o velho Massey e pronto: estávamos fora do atoleiro. Agradecemos e nos colocamos à disposição dos vizinhos para qualquer coisa que precisassem. Partimos e como não era longe, pois faltavam apenas uns vinte quilômetros, em pouco tempo chegamos em casa, mas já passava das dez da noite. Falei para a minha companheira de todas as horas: - Mais uma vitória e mais uma história do Mato Grosso para contar aos netos. De outra feita, estávamos retornando de uma viagem e numa certa altura, o

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nosso Fusca começou a pifar, mas, por sorte, não parou de vez. Fomos tocando devagar até uma oficina que funcionava como um quebra galho, e este era o nosso caso. Já era por volta das dez horas da noite, mas o mecânico, com boa vontade, começou a trabalhar, verificando que o defeito era no alternador, mas não havia peça de reposição. Veio até onde estávamos e disse: - Tenho que improvisar uma peça. - Vai demorar? - Mais ou menos umas duas horas. – respondeu. Como já estávamos com fome e cansados, perguntei a ele onde tinha um restaurante e dormitório, ali por perto. - Tem um logo ali em frente: a comida é simples, mas é boa. “Ali em frente”, no Mato Grosso da época, significava pelo menos uns dez quilômetros adiante e costumávamos brincar que dependia do tamanho do bico que a pessoa fazia ao dizer isto. A Lígia estava com muito sono, bastante cansada, e fiquei preocupado com ela e com a nossa sobrinha Ivone, que ainda era uma criança e que morava conosco. - Lígia, o mecânico disse que logo passa um ônibus por aqui, então, você vai até o restaurante fazer um lanche e se tiver onde dormir, pode ir deitar-se, que eu vou ficar mais um pouco por aqui. Quando o carro ficar pronto, eu vou até lá e encontro vocês. Combinado que ela iria, minutos depois, milagrosamente, passou um ônibus e lá foram as duas. Quando o carro ficou pronto, o dia já estava amanhecendo. Paguei o mecânico, agradecendo imensamente por ele ter passado a noite toda trabalhando, e fui até onde deveria encontrá-las. Mesmo antes de chegar ao local, notei que se tratava de um boteco de beira de estrada e que lá só tinha pinguços. Percorri todo o local com os olhos, não via o meu pessoal e bateu o desespero. Comecei a procurar pelos cantos, pois era um enorme casarão.

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Encontrei-as sentadas no chão, cochilando encolhidas, parecendo uma bolinha. Percebi que ninguém do local havia dado assistência a elas e que estavam com muito medo, porque, os frequentadores do bar, além de cachaceiros, ainda eram mal encarados. Chamei-as e seguimos viagem. Mais uma brincadeira de mau gosto do destino, e que a Lígia superou. Surpreendente mesmo foi quando decidimos morar em Campo Novo do Parecis, para ficar mais perto dos netos que estavam entrando na adolescência e fui procurar uma casa de moradia. Encontrei uma casinha no centro da cidade, bem pequenina mesmo, não medindo mais que trinta e cinco metros quadrados, construída no grito, toda fora de nível, mas foi quase de graça. Os donos eram dois rapazes que haviam morado em Santo Antônio do Sudoeste e a construíram nas horas de folga, enquanto trabalhavam como ajudantes de pedreiro em outra construção, pois não tinham condições de pagar aluguel. Fechamos o negócio por dois mil cruzeiros e saímos rumo ao posto de combustível de propriedade do Sr. Marion, que fica ao lado da BR. Quando eu já estava entregando um cheque pré-datado, do Banestado, aqui do Paraná, senti que alguém se aproximou de mim e bateu no meu ombro. Olhei e foi grande a surpresa ao deparar-me com o meu amigo Adulce Martinhago, que há anos eu não via. Ele, como sempre, muito expansivo, foi logo perguntando por todo mundo, nem me dando tempo de responder. Depois perguntou: - O que você está fazendo aqui? - Estou acertando o preço de uma morada que comprei destes moços. - E esse cheque aí? - É para pagar. - É pré-datado? - Sim, é pré-datado. - Me dá aqui este cheque, que o senhor não é homem que tenha necessidade de fazer isso. Eu fico com ele e toma este que vocês podem descontar na hora em que quiserem.

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Era um cheque especial do Banco do Brasil da agência de Campo Novo do Parecis. Vejam só o que vale um bom proceder e ter uma grande amizade! Fechado o negócio, viemos para Santo Antônio arrumar uma pequena mudança e retornamos para a nossa nova moradia. A casa era tão pequena que da cozinha eu podia alcançar a cuia de chimarrão para a Lígia enquanto ela permanecia na cama. Este sempre foi o nosso costume, desde que casamos: eu levantava cedo, preparava o chimarrão e ia até o quarto para tomá-lo com ela, enquanto conversávamos. Depois, enquanto ela fazia a higiene pessoal, eu ia para a cozinha preparar o nosso café da manhã. Em pouco tempo que estávamos morando naquela cidade, a Lígia já tinha feito várias amizades e muitas delas nos visitavam frequentemente, pois também gostavam de jogar canastra como nós. E aos poucos fomos dando uma aparência de casa para aquele barraco. Em 1993 recebemos a visita do Luiz com toda a família para passar Natal e Ano Novo conosco e também conhecer a cidade. Em março de 1996, o Luiz veio ficar conosco por um tempo, pois o Banco do Brasil havia aberto financiamento para esposo de funcionária e ele resolveu arrendar uma terra aqui perto da cidade para cultivo de soja. Conseguiu uma área boa próxima ao Colégio Agrícola e tendo como vizinho o Eli Brizola, que muito o ajudou emprestando o trator para preparar a terra e depois para o plantio da lavoura. Estas terras eram de propriedade do Sr. Adir Ortolan, velho conhecido meu e vizinho do Zeul Fedrizzi. A família dele ficou em Santo Antônio e não tínhamos ideia se nossa nora viria e pediria nova transferência. Em setembro fomos informados de que ela viria para trabalhar na agência de Campo Novo, não como funcionária definitiva, e sim, como funcionária adida. Em outubro, ela veio sozinha, deixando os filhos com os seus pais, que deixaram sua casa em Ponta Grossa para cuidarem dos netos em Santo Antônio até o término do ano letivo, quando eles poderiam vir definitivamente, uma vez que, a adição dela era condicionada à efetivação na agência. Em dezembro, o Luiz foi buscar os filhos e eles chegaram na semana do Natal, trazendo consigo o Tico, um cãozinho preto, da raça pincher e uma cadela também de pelagem negra, da raça Cocker, chamada Baby. No dia do Natal, logo depois de termos almoçado, um caminhão baú

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encostou em frente à nossa casa. O motorista desceu e perguntou: - É aqui que mora a dona Izolde? - Não é aqui, mas ela está conosco. - Nós chegamos agora com a mudança e precisamos descarregar ainda hoje, pois temos de seguir viagem. - Fazer o quê? O Luiz que já tinha alugado a casa do Luizinho, funcionário da Coprodia, chamou os filhos adolescentes e lá se foi toda a família ajudar a descarregar o caminhão e arrumar a mudança. Acho que cansaram, pois ninguém mais voltou naquele dia. A casa era bem menor do que a que possuíam em Santo Antônio e metade da mudança ficou na área da frente. Alguns móveis, nós levamos para a fazenda e outros estragaram, pois era a estação das águas e a madeira umedecida, inchou. Em 1997, eles já tinham comprado uma casa bem maior, toda reformada por eles, e cada filho voltou a ter o seu quarto. Em meados do mês de janeiro de 1998 receberam a visita dos pais dela que vieram para conhecer o lugar, matar a saudade dos netos e também comemorar os quinze anos da nossa neta Thaís. Em julho do mesmo ano, a minha nora foi transferida para a cidade de Diamantino, designada para trabalhar na URC - Unidade Regional de Cobrança, que atendia devedores acima de um milhão de reais, com jurisdição sobre doze agências da região, desde Alta Floresta até Juína. A família estava separada mais uma vez. Ela alugou uma pequena casa com dois quartos, sala, cozinha e banheiro bem próximo da Igreja Matriz, após morar por dois meses no Hotel Kaiabi, levando a filha para morar com ela. Os meninos, já rapazes, ficaram com o pai ajudando nos serviços da fazenda. Tudo estava indo bem, as plantações de soja estavam dando certo, ele tinha comprado vários maquinários e foi quando resolveu arrendar a Fazenda Tatiana, no alto da serra de Tangará. Em 1999 a nossa nova casa em Santo Antônio ficou pronta e decidimos voltar para a terrinha. A colheita da lavoura de soja do Luiz não deu muito certo, porque não choveu

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o suficiente durante o plantio e choveu demais na colheita, e ele, para honrar os compromissos, vendeu a casa e mudou-se para a que morávamos. Em meados do mesmo ano, a minha nora teve um sério problema de saúde e voltou para Campo Novo. Depois de mais de dois anos, submetendo-se a vários tratamentos, fisioterapia e duas cirurgias por causa da L.E.R – Lesão por Esforços Repetitivos, conseguiu sua aposentadoria. No dia 29 de novembro de 2002, fui agraciado com o título de Cidadão Honorário de Santo Antônio do Sudoeste, conforme Lei 1.553/2001, num projeto de autoria do vereador Heitor Rodrigues (PPB). A sessão solene aconteceu às 20:00 horas no Plenário Laurindo Flávio Scopel, no edifício da Câmara Municipal de Vereadores.

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Recebendo o Título de Cidadão Honorário.

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TRANSCRIÇÃO DA MENSAGEM PROFERIDA PELO PREFEITO MUNICIPAL SR. ZELÍRIO PERON FERRARI, POR OCASIÃO DA ENTREGA DE TÍTULO DE CIDADÃO HONORÁRIO DE SANTO ANTONIO DO SUDOESTE, EM 29 DE NOVEMBRO DE 2002. Cabe-me a honra neste dia, uma vez que com muito orgulho e satisfação ocupo o cargo de Chefe do Poder Executivo Municipal de Santo Antonio do Sudoeste, cargo que o Senhor, seu Pedro, assim como eu hoje, em tempos passados, também ocupou, amparado pela outorga soberana do voto deste povo por todos nós respeitado como a nossa maior riqueza, fazer alusão e destaque com a propriedade que esta iniciativa merece e poder falar dos seus méritos pessoais e da grande personalidade do meio social santoantoniense, que por seu comportamento exemplar, ao longo dos anos tem se tornado. Para mim e na minha vida, Senhor Pedro, este fato é extremamente marcante e especial e desejo que tenho é gravá-lo em minha mente e em meu coração, para que se torne uma lembrança em todos os meus dias. É bom e é agradável poder neste ato condecorativo, expressar a alguém que sempre foi alvo da minha mais profunda admiração pessoal, um sentimento de amizade, de simpatia e de muito respeito, armazenado por muitos anos em meu coração. Senhor Pedro Corrêa, Santo Antonio do Sudoeste, apesar de conferir-lhe este título de Cidadão Honorário, continuará sempre em dívida com sua pessoa, pois ao longo de sua trajetória, vossa conduta tem sempre passado além do que lhe era de responsabilidade. Suas ações e seu serviço nunca tiveram limitação. Não houve qualquer barreira que o intimidasse ou o fizesse retroceder diante da necessidade de sair em defesa da coletividade. E quando faço referência à trajetória da sua vida, logo me vem em mente um débito muito pessoal, que a você tenho. Aliás, para fazer justiça, devo dizer que é um débito a dois Pedros. O Pedro Corrêa e o Pedro Milani (in memoriam), os quais me incentivaram e me apoiaram quando concorri pela primeira vez a Vereador, iniciando minha carreira política, fato importante que me leva a ter ainda mais carinho e admiração por esta grande figura hoje merecidamente homenageada. Meu pai, Nestorino, também foi um companheiro de lutas junto ao Senhor, pois, ao mesmo tempo em que você exerceu a função pública de Prefeito, meu pai desempenhou na mesma gestão a função de vereador. Os laços de amizade e de união de nossas famílias sempre prevaleceram durante estes anos todos de bom relacionamento, nunca tendo havido qualquer possibilidade de alimentar mágoas ou ressentimentos entre nós, quer seja no campo político, quer seja na convivência social como vizinhos e amigos, uma vez que, mesmo que porventura tenham ocorrido divergências no campo das idéias e das ideologias, estas jamais estiveram acima do mútuo respeito e do zelo por um comportamento ético e amistoso de ambas as partes. Quando dizia ao abrir esta minha mensagem que me sentia feliz em poder fazer este pronunciamento, é porque é muito fácil e agradável falar de uma pessoa como Pedro Corrêa. Falar dele como prefeito é ter a oportunidade de reconhecer o seu excelente trabalho.

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Um administrador de visão futurista. Um estadista invejável. Companheiro, conciliador, ponderado, trabalhador, de fácil comunicação, ativo e muito bem relacionado. Um chefe de executivo responsável e comprometido com as causas populares, sempre de coração aberto a ouvir a voz e o clamor do seu povo. Falar de Pedro como Chefe de família é reconhecer-lhe adjetivos consistentes que só permeiam a vida de alguém zeloso e exemplar, daqueles firmes na formação educacional dos filhos, mas de coração amável e puro e que não se envergonha em deixar a lágrima de emoção escorrer no rosto, diante do sorriso da pequena criança, do netinho, enfim. Falar de Pedro Corrêa como cidadão e de sua convivência social em nosso meio, é dizer que, quem o conhece, assegura que o seu espírito é o de um homem público participativo, cooperador, atencioso, generoso, cortês e muito gentil. Um grande amigo e companheiro sempre muito dedicado às causas de sua comunidade, sua vizinhança, sua família, seus amigos. Senhoras e senhores, são estes atributos e estas credenciais, de caráter estritamente pessoal de um homem íntegro, que fizeram com que os poderes executivo e legislativo levassem adiante a proposição apresentada pelo vereador Heitor Rodrigues, apoiado por todos os demais vereadores desta legislatura, em conceder-vos, Senhor Pedro Corrêa, o título de Cidadão Honorário de Santo Antonio do Sudoeste. Ao finalizar e deixar meu abraço a Pedro Corrêa, quero parabenizá-lo outra vez e estender a todos os seus familiares minha homenagem muito sincera e verdadeira pelo valor inestimável percebido a partir de seus feitos e pelos relevantes serviços prestados à nossa comunidade. Felicidades! Muito obrigado e um abraço a todos.

Com o título de Cidadão Honorário, ao lado do Prefeito Zelírio Peron Ferrari e do Presidente da Câmara, Antônio Rubens Dal Vesco.

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TRANSCRIÇÃO DA MENSAGEM PROFERIDA PELO VEREADOR HEITOR RODRIGUES, POR OCASIÃO DA ENTREGA DE TÍTULO DE CIDADÃO HONORÁRIO DE SANTO ANTONIO DO SUDOESTE, EM 29 DE NOVEMBRO DE 2002. Vivemos numa nova época histórica, repleta de tensões e desafios. A humanidade caminha em meio à insegurança, buscando resposta e modelos nos quais possa se afirmar. Porém, não se trata de buscar fora, mas antes de tudo, que cada um de nós, busque em nós mesmos as respostas para nossos anseios e que tenhamos forças para reagirmos. Nossa época é carente de pessoas, de verdadeiros valores na concepção certa da palavra. Para que isso aconteça teremos que ter parâmetros em nossas vidas. Nunca, como agora, se tornou urgente e decisiva a afirmação de termos história, vivermos bem o presente e planejarmos com confiança e otimismo o nosso futuro. Devido a isso, que o legislativo e o executivo, junto com a sociedade de Santo Antonio do Sudoeste, prestam esta justa homenagem ao Sr. Pedro Corrêa, concedendo-lhe o Título de Cidadão Honorário, pelos relevantes serviços prestados ao nosso município. Baseado no seu currículo e sendo testemunha presente nos atos, tanto como político, cidadão e funcionário público, que norteou toda sua vida, testemunha dos acertos, dos erros, dos amigos, das divergências que teve em sua vida, mas que na somatória resultou isso que ora prestamos, sendo como funcionário público, chefe da Agência de Rendas, um orientador, não um fiscal de mão de ferro, aquele que ajudava o contribuinte a resolver os problemas, porém consciente de suas obrigações, que era de manter a estrutura do Estado. Como Político, prefeito, vereador, dando tudo de si para com a sua comunidade. Ganhou, muitas vezes, perdeu muitas vezes, teve grandes amigos, ferrenhos inimigos, grandes companheiros, não tão pequenos adversários, sendo sempre fiel a seus princípios, defendendo com galhardia o seu município, das vitórias, seu Pedro, na sua vida foram muitas, as derrotas também foram marcantes, mas sempre o mesmo Pedro Corrêa, não se abalando em hipótese alguma, no seu lar, na rua, na esquina, ali estava ele agradecendo a todos de maneira igual. Como cidadão, um excelente chefe de família, um bom esposo, um grande pai, um afetivo avô. Este é o seu Pedro, permita que o chamamos assim, com a idade bastante avançada, mas com a perseverança de menino, com a experiência de vida que só os anos lhe deram, mas com a simplicidade e humildade que ainda tem muito a aprender, exemplo de vida que deve ser seguido.

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CURRICULUM VITI DE PEDRO CORRÊA LIDO POR OCASIÃO DA ENTREGA DO TÍTULO DE CIDADÃO HONORÁRIO Filho de Guilherme e Angélica Corrêa, nascido em 09 de outubro de 1923, na cidade da Lapa, Estado do Paraná. Casado com Dona Lígia Coutinho Corrêa com quem teve três filhos: Ubirajara Pedro Corrêa, Ubiratan Luiz Corrêa e Ubiracy Guilherme Corrêa. Pedro Corrêa, até a idade de 17 anos, desempenhou várias atividades, tais como Despachante Oficial do Estado, interinamente e telegrafista da Rede Ferroviária Paraná Santa Catarina. Em 1º de fevereiro de 1941, apresentou-se voluntariamente no Quartel do 13º Regimento de Infantaria da cidade da Lapa, para servir ao Exército Brasileiro, foi soldado, cabo aprovisionador, e em 1944, apresentou-se voluntariamente para participar da Força Expedicionária Brasileira. Em setembro de 1944 foi licenciado das fileiras do Exército, com a promoção de 3º Sargento, promoção esta em virtude de ter se apresentado voluntariamente a FEB. Em novembro de 1945, foi nomeado Fiscal de Rendas para prestar serviços no 45º Distrito Fiscal de Rendas, no Posto Fiscal de Melo Peixoto na divisa Paraná com São Paulo, seguido do Posto Fiscal de Barro Preto, Coletoria Estadual de Andirá, Bandeirantes e Jacarezinho. Em 1947 foi transferido para o 3º Distrito Fiscal de Rio Negro onde prestou serviços nos Postos Fiscais de Volta Grande, Santa Leocádia e Putinga. Em 1952 pediu transferência para o 10º Distrito Fiscal de Rendas, na cidade de Pato Branco, onde prestou serviços na sede do referido distrito fiscal e no Posto Fiscal de Rio Pato Branco. Em 1952 aceitou a sua transferência para o Posto Fiscal de Barracão onde permaneceu na chefia do referido posto até 1955, quando foi transferido para o posto Fiscal de Santo Antonio do Sudoeste. Em 1957, foi criado em Santo Antonio do Sudoeste a Auxiliadoria Fiscal de Rendas, subordinada ao Distrito Fiscal de Pato Branco, no mesmo ano foi transferido para prestar serviços na referida repartição, que tinha em sua jurisdição os nove municípios da micro-região da Fronteira Sudoeste. Em 1958 foi nomeado Chefe da referida Agência Fiscal, em seguida a Auxiliadoria Fiscal foi elevada à categoria de 45º Distrito Fiscal de Rendas, desmembrado de Pato Branco, onde permaneceu até agosto de 1964, de onde licenciou-se para concorrer ao cargo de Prefeito Municipal. Eleito Prefeito Municipal, em 15 de novembro de 1964 permanecendo à

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frente do Município até o mês de março de 1969. Em seu mandato foi 1º Secretário da Comissão Pró Estrada do Colono, compreendendo o trecho de Porto Alegre a Porto Velho, passando pelo Parque Nacional do Iguaçu. Relacionamos a seguir alguns feitos pelo nosso Município - Criação da Escola de Comércio, que levou o nome de Desembargador Franco Ferreira da Costa; - Criação da Escola Normal Regional; - Implantação dos Núcleos da COPEL e DER, ambos em terrenos próprios; - Instalação da 3ª CIA de Polícia Militar; - Construção do Colégio Estadual Humberto de Campos, primeiro pavimento; - Construção em Pranchita do Grupo Escolar Júlio Giongo; - Construção do Grupo Escolar Interventor Manoel Ribas no Bairro Entre Rios; - Construção de mais 92 salas de aulas no interior do Município; - Construção de estradas e pontes, entre estas, cinco foram construídas sobre o rio Capanema, nos acessos para outros municípios lindeiros; - Aquisição de máquinas, equipamentos e veículos de transportes para o município; - Idealizou e mandou confeccionar a bandeira e o escudo do município; - Elaborou o plano de viabilidade econômico, para instalar água e esgoto em nossa cidade; - Construiu três campos de futebol: um na cidade, o segundo em Marcianópolis e o terceiro em Boa Vista do Capanema; Durante o mandato, Pedro Corrêa incentivou a produção agrícola, levando o Município a participar da 1ª FENAFE – Feira Nacional do Feijão, sendo que Santo Antonio do Sudoeste foi contemplado com o titulo de maior produtor nacional de feijão por metro quadrado, pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas. Em 1968 foi considerado um dos 20 Prefeitos mais dinâmicos do Estado do Paraná, conforme publicação nº. 14 da Revista Síntese Especial. Isso tudo realizou com o apoio da Câmara Municipal, que era composta pelos seguintes vereadores: Dionísio Scopel, Emílio de Medeiros, Josué Batista de Oliveira, Nestorino Ferrari, Estefani Rodrigues, Ondino Alves dos Anjos,

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Inocentino Bortolini e Telmo Brescovici. Pedro Corrêa foi Presidente do Clube Esportivo Guarani e Presidente do Lions Clube, tendo participado ainda ativamente de todas as Associações representativas da sociedade santo-antoniense. Na vida Pública, Pedro Corrêa exerceu ainda o cargo de Vereador pelo Município de Santo Antonio do Sudoeste, eleito no ano de 1974, com expressiva votação.

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EX-PREFEITO PEDRO CORRÊA RECEBE HOJE TÍTULO DE CIDADÃO HONORÁRIO DE SANTO ANTÔNIO DO SUDOESTE. 29 de novembro de Social Gente – página 12 – sexta-feira, 2002 O Ex-prefeito Pedro Corrêa, receberá hoje o Título de Cidadão Honorário de Santo Antônio do Sudoeste, conforme Lei 1.553/2001, o projeto é de autoria do Vereador Heitor Rodrigues (PPB). A sessão Solene será hoje às 20:00 horas no Plenário Laurindo Flávio Scopel no edifício da Câmara Municipal de Vereadores. Pedro Corrêa é filho de Guilherme e Angélica Correia, nascido em 09 de outubro de 1923, na cidade da Lapa, Estado do Paraná. Casado com Dona Lígia Coutinho Corrêa com quem teve três filhos, Ubirajra Pedro Corrêa, Ubiratan Luiz Corrêa e Ubiracy Guilherme Corrêa. Pedro Corrêa, até a idade de 17 anos, desempenhou várias atividades, tais como: Despachante Oficial do Estado, Interinamente e telegrafista da Rede Ferroviária ParanáSanta Catarina. Em primeiro de fevereiro de 1941, apresentou-se voluntariamente no Quartel do 13º Regimento de Infantaria da cidade da Lapa, para servir ao exército Brasileiro, foi soldado, cabo aprovisionador, e em 1944, apresentou-se voluntariamente para participar da Força Expedicionária Brasileira. Em setembro de 1944, foi licenciado das fileiras do Exército, com a promoção de 3º Sargento, promoção esta em virtude de ter se apresentado voluntariamente, a FEB. Em novembro de 1945, foi nomeado Fiscal de Rendas para prestar serviços no 45º D.F.R, no Posto Fiscal de Melo Peixoto, na divisa Paraná com São Paulo, seguido do Posto Fiscal de Barro Preto, Coletoria Estadual de Andirá, Bandeirantes e Jacarezinho. Em 1947 foi transferido para o 3º Distrito Fiscal de Rio Negro onde prestou serviços nos postos fiscais de Volta Grande, Santa Leocádia e Putinga. Em 1952 pediu transferência para o 10º distrito Fiscal de Rendas, da cidade de Pato Branco, onde prestou serviços na sede do referido D.F e no P.F. de Rio Pato Branco. Em 1953 aceitou a sua transferência para o P.F. de Barracão onde permaneceu na chefia do referido P.F., até 1955, quando foi transferido para o Posto Fiscal de Santo Antônio do Sudoeste. Em 1957, foi criada em Santo Antônio do Sudoeste a Auxiliadoria Fiscal de Rendas, subordinada ao D.F. de Pato Branco, e no mesmo ano foi transferido para prestar serviços na referida repartição, que tinha em sua Jurisdição os nove municípios da microregião da Fronteira Sudoeste. Em 1958 foi nomeado Chefe da referida Agência Fiscal, em seguida a Agência Fiscal foi elevada para a categoria de 45º D.F.R., desmembrado de Pato Branco, onde permaneceu até agosto de 1964, onde licenciou-se para concorrer ao cargo de Prefeito Municipal. Foi Prefeito Municipal, em permanecendo a frente do Município até o mês de março de 1969. Em seu mandato, foi 1º Secretário da comissão pró estrada do colono, compreendendo o trecho de Porto Alegre a Porto Velho, passando pelo Parque Nacional do Iguaçu.

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No dia 10 de outubro de 2003, meus filhos prepararam uma grande festa em comemoração aos meus 80 anos de idade. O jantar comemorativo foi realizado numa sexta-feira, no salão paroquial da Igreja Santo Antônio de Pádua.

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Rodeado de amigos na festa dos meus 80 anos.

Compareceram muitos compadres e afilhados, além de muitos amigos que eu não via há algum tempo, inclusive, com a presença do meu irmão Arlindo e sua esposa Walli, que residiam em Mafra, Estado de Santa Catarina. Também se fez presente o casal de sobrinhos da Lígia: Eraldo e Leny de Carvalho, residentes na cidade de Canoinhas, também em Santa Catarina. Ambos os casais foram os últimos a abandonar a festa. Da família, estavam presentes quase todos os netos, pois faltou o Emiliano, o Biratinho e o Rafael e também a minha nora Maristela. Nesta festa, emocionei-me quando a minha neta Fernanda Letícia leu, diante dos presentes, um texto feito em minha homenagem pela minha nora Izolde. COM AMOR PARA PEDRO CORRÊA Dizem que a vida é um dom. E é mesmo. Um presente que recebemos de graça, sem que tenhamos feito qualquer coisa para merecê-lo. Não é um presente qualquer desses que se recebe com pouco caso e se deixa atirado a um canto. Ela é presente, é dom de Deus, que é Pai e que nos ama. Para se viver bem existe um mandamento a ser seguido: é preciso amar a Deus e aprender a amá-lo no próximo; contudo, antes, é preciso ter sabedoria para viver bem consigo mesmo. Nestes anos de convívio com este homem aprendemos a amá-lo e respeitá-lo. Nós o vimos chorar a perda de um ente querido, um pedaço de si mesmo, mas levantar a cabeça e atirar-se à vida em busca de dias melhores.

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Também o vimos encher os olhos de lágrimas de alegria ao receber no colo cada neto que nascia, como a confirmar que a vida continua. Através da vida deste homem a vida foi transmitida a novos seres: três filhos homens que lhe proporcionaram três filhas adotivas, dez netos, sendo seis homens (um falecido nos primeiros dias de vida) e quatro mulheres, e por fim, dois bisnetos. Vimos este homem disputar eleições e alegrar-se em eleger-se, mas também o vimos ser derrotado nas urnas, sem deixar se abater na vida como fazem os pobres de espírito, que não disputam, mas também não vencem. Que não conhecem a dor da derrota, mas não têm a glória de ter vencido. Esses pobres de espírito que ao final da jornada aqui na Terra, não agradecem a Deus por terem vivido, mas desculpam-se por terem apenas passado pela vida. Vimos este homem forte e viril tornar-se uma criança para carregar os netos nos ombros; ajoelhar-se no chão para brincar de cavalinho, ou para ensinar nossos filhos a engatinhar e virar cambalhotas no tapete da sala. A juventude neste homem não fez parte de um período de sua vida; ela é um estado de espírito, um efeito da sua vontade, uma qualidade da sua imaginação, uma vitória da coragem sobre a timidez, do gosto pela política, do amor que dedica à sua família, aos amigos e à Pátria. Aparentemente podemos até dizer que ele envelheceu, mas não envelhecemos por termos vivido certo número de anos; fica-se velho quando se abandona o seu ideal. Os anos podem ter enrugado a sua face, mas não enrugou a sua alma, pois jamais abandonou os seus ideais, jamais se deixou abater pelos piores inimigos de um homem que são: as dúvidas, as preocupações, os temores, os desesperos que lentamente nos inclinam para a terra e nos tornam pó antes da morte. Faço minhas agora as palavras do General Mac Arthur: Jovem é aquele que se admira, que se maravilha e pergunta, como criança insaciável: “e depois?” Jovem é aquele que desafia os acontecimentos e encontra alegria no jogo da vida. És tão jovem quanto tua fé. Tão velho quanto a tua descrença. Tão jovem quanto a confiança em ti mesmo. Tão jovem quanto a esperança. Tão velho quanto o teu desânimo, teu abatimento. Serás tão jovem enquanto te conservares receptivo a tudo quanto é belo, bom e grandioso. Sensível às mensagens da natureza, do homem e do infinito. Esta é uma pequena homenagem para este homem maravilhoso que venceu na vida, porque viveu bem, riu muitas vezes e amou muito. Conquistou o respeito dos homens inteligentes e o amor das crianças e jovens. Que preencheu um lugar e cumpriu uma missão. Que procurou o melhor nos outros e deu o melhor de si. A este homem que é esposo, pai, sogro, avô, bisavô é que queremos dizer: - NÓS TE AMAMOS E DESEJAMOS FELIZ ANIVERSÁRIO E MUITOS ANOS DE VIDA.

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No meu aniversário do ano seguinte, fui novamente surpreendido com um almoço na Sansu Piscina Clube, com homenagem dos presentes, que eram aproximadamente 100 pessoas. Foi uma grande manifestação com salvas de palmas, musicados por uma sanfona. Quase chorei: a emoção foi grande, pelo gesto amoroso e simpático a um velho de 81 anos. Foi muito saudável e linda a homenagem dos amigos presentes. Em abril de 2004 fomos novamente até Campo Novo do Parecis para fazer um passeio de uns vinte dias, tendo como motorista, o nosso neto Rafael, que na época, estava morando em Curitiba e cursando fisioterapia, na Faculdade Tuiuti. Como a namorada dele que também era colega de curso, a Viviane, estava grávida e no final da gestação, ele retornou de ônibus, orientado pela sua mãe, que disse: - A Viviane não estava sozinha quando fez o filho. O teu lugar nesta hora é ao lado da tua mulher. Acabamos ficando por lá uns seis meses. Na cidade, ficamos hospedados na casa que tínhamos cedido para o nosso filho Pexe. Passamos o dia das mães com ele e a família. Tínhamos levado muita roupa de verão e praticamente nada de inverno, e por incrível que possa parecer, em pleno mês de maio, as temperaturas desabaram e passamos frio. Na véspera, dia 08 de maio, o meu filho saiu com a esposa para comprar o presente da mãe e voltaram para casa com uma sacola de roupas que a loja havia cedido condicionalmente para que a Lígia experimentasse em casa e escolhesse o que desejasse. Depois de olhar as peças, uma a uma, ela disse: - Eu não quero nenhuma! O Luiz (Pexe) falou: - Mas mãe, é presente do dia das mães. Escolha o que quiser. Se não gostou destas, podemos buscar outras. - Não é isso! Eu prefiro ganhar uma jóia, mais precisamente, uma pulseira, porque, no dia em que sequestraram o Rafael e levaram o nosso

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carro com nossas coisas, levaram também todas as minhas jóias. Este fato ocorreu quando nós estávamos voltando do litoral catarinense, onde tínhamos ido passar uns dias no apartamento do Pexe, em companhia do Jango e da Tereza. Como era um domingo à tarde e a Mita morava próximo à Avenida das Torres, em Curitiba, resolvemos parar para tomar um café e fazer uma visita. Nosso neto, nesta época, estudante de Fisioterapia, estava conosco e depois de cumprimentar os parentes, decidiu ir até a camionete em companhia da sua prima Angélica para ouvir música. Como não eram nem cinco horas da tarde, ficaram na frente da casa, com as portas abertas e o som ligado. Perceberam três rapazes descendo pela rua, mas nunca imaginaram tratar-se de ladrões. Quando eles se aproximaram, um deles disse: - Passa para o outro lado que isto é um assalto! O outro bandido já estava abrindo a porta para que a Angélica saísse, avisando-a: - Se você gritar, o seu namoradinho morre. Ela desceu atônita, obediente ao que eles disseram. O terceiro rapaz tomou o assento traseiro, com o revólver apontado para a cabeça do meu neto e mandou que ficasse quieto, enquanto o outro, tomou a direção no caminho das praias. Assustada, depois de alguns minutos, quando perguntamos à Angélica onde o Rafael tinha ido, ela nos contou o ocorrido. Ficamos apavorados, mas graças a Deus, os bandidos liberaram o nosso neto há algumas quadras e a perda foi só material. Suspiramos aliviados assim que o vimos chegando a pé. O Luiz e a Izolde saíram novamente, foram até a joalheria e trouxeram uma pulseira muito bonita, entregando-a no sábado mesmo. Ao ver a jóia, seus olhos brilharam e ela pediu para que o filho colocasse no seu braço.

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Depois de admirar, falou: - Quando eu morrer, eu quero que esta pulseira fique para a Thaís. - Credo mãe, para que falar uma coisa destas? - Só quero que vocês saibam qual é a minha vontade. - Tudo bem, nós já sabemos e agora vamos mudar de assunto. A senhora gostou? - Adorei! Ela era tão vaidosa! A Izolde tinha toda a razão em mandar o Rafael voltar, pois no dia 14 de maio, nascia o Daniel, o primeiro neto deles e nosso terceiro bisneto, pois o nosso neto Pedro Ubemes, já tinha nos presenteado com dois belos garotos. Assim que souberam do nascimento do neto, o Luiz e a Izolde foram para Curitiba paparicar o menino, deixando-nos com a Thaís e o Marquinhos. Nos primeiros dias que lá estávamos, fomos surpreendidos com a notícia de que tinham invadido as terras dos nossos vizinhos. O Luiz (Pexe) tinha ido até lá para ver como as coisas estavam e deparou-se com uma casa em construção e outras benfeitorias. Esta área anteriormente pertencia a Ubiracy Guilherme, o meu filho falecido em 87, num acidente de carro, próximo a cidade de Barracão, área que foi vendida para os senhores Pedro e Hugo Freitas, ambos conhecidos nossos desde o tempo em que moravam em Dionísio Cerqueira, ainda meninos; e depois, mudaram para Santo Antônio do Sudoeste onde fixaram residência na Linha Chácara Velha, hoje, Linha Nova Riqueza. Por último, estabeleceram-se em Foz do Iguaçu onde foram bem sucedidos nos negócios e enriqueceram. Ao sabermos do fato, ligamos imediatamente para os proprietários, a fim de que tomassem as devidas providências, e eles nos pediram que procurássemos um advogado, fizéssemos a denúncia e entrássemos com uma liminar. Quando adentramos a área, encontramos um acampamento com barraca de plástico, e um casal que, segundo o que nos falaram os vizinhos, o cidadão era criminoso de duas mortes, era pistoleiro e empregado do invasor. Quando fomos pela segunda vez, notamos que o homenzinho não era flor que se cheirasse. Não nos deu muita atenção. Quando perguntei a ele quanto tempo ele pretendia ficar lá, nos respondeu: - Vou ficar aqui até o meu patrão me levar, porque eu não tenho medo

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de homem nenhum. Dissemos adeus e fomos embora. Fizemos duas viagens à Brasnorte, município a que pertencemos. Fomos para dar atendimento à solicitação do nosso advogado, Dr. Robson Rondon Ourives, de Cuiabá, por sinal um grande profissional. Chegando à delegacia, apresentamos o pedido do advogado ao delegado que prontamente nos atendeu destacando dois policiais civis para irem até a área do conflito. Após fotografarem tudo o que ali existia, ou seja: um galpão com estrutura metálica, casa boa, uma mangueira com água encanada, luz e vários quilômetros de cerca, ouviram os empregados dos invasores. Pronto o laudo, nós retornamos. Fomos pela segunda vez, quando foi efetuado o mesmo trabalho. Aí então, foi só esperar o resultado judicial. No dia 16 de maio saiu a liminar da questão da terra, a nosso favor, despachada pela juíza de direito da Comarca de Campo Novo do Parecis. A terra fora invadida por Valdir Acco com a ajuda de Valdir Hoffmann. Este último, que há muitos anos nós havíamos ajudado, inclusive vendendo três mil hectares por apenas trinta mil reais para ajudá-lo e tê-lo como vizinho. O Ubiracy até chegou a lhe fazer as estradas de ligação e serrar as madeiras para fazer a casa dele. Foi um dos maiores traidores, aliás, ele já nos tinha traído antes, pois, quando levamos para trabalhar conosco o Sr. Gilberto Sottili, o Valdir, dentro da nossa casa, depois de ter almoçado conosco, teve a capacidade de contratá-lo para trabalhar na sua propriedade. Gilberto faleceu em setembro de 2004. O Luiz e a Izolde regressaram após alguns dias e então, pudemos descer para a fazenda. As terras que estavam abertas ficaram com o Pedrinho, mas, como ele trabalhava no Cartório de Registro de Imóveis, sucedendo a sua mãe, não tinha tempo de cuidar da fazenda, mas mantinha um caseiro de origem alemã, procedente do Rio Grande do Sul, um bom cozinheiro, que vivia só, talvez por ser muito sistemático. Quando lá chegamos, ficamos decepcionados porque tudo o que havíamos feito em quinze anos, estava em completa ruína: galpão, casa, cercas e mangueiras. Tivemos que por a mão na massa e começar a destruir tudo para a renovação.

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Como as cercas foram muito bem feitas, apesar de serem de madeiras não classificadas e provisórias, não nos deram muito trabalho, mas o curral construído para o criame de cabritos, feitos com 12 fios de arame, sendo que, os sete fios debaixo eram de arame farpado e os cinco superiores, de arame liso de aço galvanizado, estes comprados na cooperativa em Santo Antônio, este sim, foi um trabalhão, principalmente para mim que estava com problemas nos pés, falta de equilíbrio e com enfermidade na coluna, bico-de-papagaio, que doía a cada vez que eu me abaixava, então, eu só podia fazer serviços leves. Comecei a tirar os balancins (trama) da cerca. Onde era de cinco fios, como não havia outra forma de fazer, eu comecei tirando os atilhos dos três fios de baixo, ajoelhando, soltava este, levantava, encostava nos dois fios de cima e procedi assim até terminar todo o perímetro. Passamos meses trabalhando e morando na fazenda, sem luz e sem conforto. O Pexe vinha seguidamente nos visitar e trazia coisas da cidade, principalmente combustível e gêneros alimentícios, e também nos ajudava nos trabalhos. Em meados do mês de agosto fomos citados pela juíza de Campo Novo do Parecis, para uma audiência no dia 25 do mesmo mês, com um vizinho da fazenda chamado Valdir Hoffmann, grileiro reconhecido, agora por causa de uma estrada interditada pelo Sr. Moacir de Freitas, proprietário da terra. Eu e a Lígia nada tínhamos a ver com a questão, mas comparecemos e fomos bem atendidos. O Valdir foi acompanhado de duas testemunhas e de seu advogado, um japonês carrancudo, que era para nos assustar, mas como não nascemos de susto, ficamos tranquilos. Os primeiros a serem ouvidos foram eles. Durante a inquirição, o Valdir disse: - Adquiri uma área de terras do Sr. Pedro Corrêa, pela qual paguei trinta milhões de cruzeiros, conforme recibo (que não apresentou) e fiz a primeira estrada e a primeira lavoura. Pedi a palavra que me foi concedida e disse: - Meritíssima Juíza, a terra que o Valdir tem, na verdade, foi cedida por mim por apenas 30 mil reais, isso fiz para ajudá-lo e também para termos um bom vizinho, o que não foi o caso. A primeira estrada foi o meu filho Ubiracy que fez da nossa casa até a casa dele, pela qual se servia em tudo: comer, dormir e também os serviços de máquinas.

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Encerrei a minha fala, com um ar de riso daquela autoridade. Em seguida, ela perguntou ao advogado do importuno: - Doutor, o que o senhor tem a falar a favor do seu cliente? O advogado bastante acanhado disse: - Nada tenho a responder. Em seguida foram ouvidas as testemunhas. A primeira a ser interrogada. - O Sr. conhece o seu Pedro Corrêa? - Sim, eu conheço! - O Sr. conhece a estrada que ele citou? - Sim, conheço. - O senhor sabe quem construiu esta estrada? - Foi o filho do seu Pedro: o Bira, que morreu há muitos anos num acidente. As mesmas perguntas foram feitas à segunda testemunha que acrescentou: - Conheço o seu Pedro Corrêa há mais de vinte anos e não me consta que tenha feito mal a quem quer que seja. Sempre foi um bom vizinho, ajudando todos no que lhe é possível. Pois foi o primeiro habitante desta região, ou melhor, era o nosso ponto de socorro. Após muitos anos que entrou na área, começaram a aparecer vizinhos, ou melhor, posseiros, que com o passar dos anos, procuraram legalizar suas posses e para isso, usaram o seu Pedro como testemunha. De maneira que, com isso, já se sabe que o seu Pedro Corrêa foi testemunha de mais de uma dezena de vizinhos posseiros. Testemunha de que a posse era efetiva e sem embaraço. Sentamos à mesa dos réus, a juíza nos perguntou quem é o seu advogado, respondi: - Não tenho doutora. - O senhor tem coragem. - Coragem e razão. Tenho confiança na Justiça. Dando continuidade, apresentei à juíza uma petição do Sr. Moacir Freitas na

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qual ele concordava e pediu a abertura da estrada que mais parecia um carreiro. Com isso, o opositor não teve mais argumentos. A juíza deu por encerrada a audiência. Retornamos a Santo Antônio para passar o Natal e Ano Novo em companhia da família, inclusive o Jucelino (Bizorro) com a sua esposa Elaine; a minha sobrinha Marilze e seu esposo Rui, que vieram de Catanduvas. Foram momentos de bastante alegria e confraternização e comilança, na casa do meu filho Ubirajara (Melão). Dia 03 de janeiro de 2005, nós saímos em viagem numa excursão com duração de 18 dias. Conhecemos várias cidades e pontos turísticos dos países sul-americanos: Argentina, Bolívia, Chile e Peru. Além das pessoas de vários municípios do sudoeste paranaense, tivemos a agradável companhia de dona Denise Carminatti. Foi um grande passeio e conhecemos um mundo bastante diferente: tanto na alimentação, quanto no jeito de vestir e até no comportamento do povo. O que estranhamos foi a falta de feijão e mandioca, mas comemos bastante peixe, batatinha (papa), carne de gado, verduras e frutas. Levamos um pequeno susto na Cordilheira dos Andes com a pressão subindo de verdade, mas, ao descer no chapadão, onde a pressão baixou, causou-me tonturas, mas tirando este episódio, o resto foi uma beleza.

Fábrica de vinhos na Argentina.

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Viagem ao Chile - Praça San Martim - janeiro/2005.

Bolívia - Sítio Arqueológico de Tiwanaku à margem sudeste do Lago Titicaca.

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Catedral de Cusco – Peru - 2005 .

Quando retornamos da viagem, já estava próximo o carnaval e fomos convidados a fazer parte de um dos blocos. Para minha surpresa, prepararam uma homenagem e recebi uma linda placa, como o carnavalesco do ano de 2005, das mãos do Presidente do Clube Nacional desta cidade, Sr. Francisco Salvadori, o Chico, filho dos meus queridos amigos Plácido e Amanda Salvadori, enquanto o prefeito Zelírio Peron Ferrari entregava as chaves da cidade ao Rei Momo.

Bloco “Nem me viu” - eleito carnavalesco do ano 2005.

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Também fomos homenageados pelo bloco “Nem me viu”, do qual fizemos parte e do Bloco do Laurão, ambos com faixas mencionando nosso nome. A Lígia estava radiante, vestindo a fantasia do bloco e tomando parte de todos os atos com bastante alegria e satisfação. Foi uma festa que me lembrou dos antigos carnavais. Foi realmente lindo e ficamos muito agradecidos. Nova viagem para o Mato Grosso. Uma das amigas da Lígia em Campo Novo do Parecis, era a Vali, uma senhora viúva, muito simpática e sorridente, que esparramava as cartas do seu jogo pela mesa toda, e como elas se davam muito bem, convidamos para ir até a fazenda passar uns dias conosco.

Lígia com a amiga Vali na entrada da fazenda.

Como eu tinha plano de terminar um galpão, pensei que ela seria uma ótima companhia para a Lígia, já que se davam muito bem. Infelizmente, o meu plano de trabalho não deu certo devido a um grande temporal, mas nem tudo foi perdido. A Lígia tomou conta da cozinha e foi aquela comilança. A Vali, notando que havia muita manga madura, resolveu fazer um tacho de doce. E que doce! Uma delícia! Deu até para trazer um pouco para a turma experimentar as delícias mato-grossenses.

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Retornamos para a cidade quatro dias depois, mas, ao sair da fazenda notamos que a estrada não estava boa, mas estava seca. Assim que entramos na BR que liga Brasnorte a Campo Novo do Parecis começou o sacrifício. Nos primeiros vinte quilômetros, na estrada de chão, era um atoleiro só e, além disso, tinha mais de cem caminhões, carretas e bitrens, na maioria, atolados no barro ou aguardando a vez de ser rebocado para seguir viagem. Foi uma luta, mas graças a Deus, passamos até com certa facilidade pelo lamaçal. Foi fé em Deus e pé na tábua! No dia 16 arrumamos as nossas malas para retornar a Santo Antônio e à noite recebemos o convite dos meus amigos: Dico e Pedro para uma canastra como era de costume. Lá chegando, o assunto era outro, pois nos esperavam com um jantar de despedida do tipo colonial: mandioca, carne de leitão bem frita, virado de feijão preto, linguiça da boa, laranja e um bom pedaço de pão caseiro misto, feito pela esposa do Dico, a Inês, que é uma excelente cozinheira que supre o mercado abastecido com suas cucas e bolos. Como aperitivo uma pinga com ervas: catinga de mulata e outra com casca de mãe preta, nativa do Mato Grosso. Programamos nova viagem e no dia 12 de Outubro de 2005, dia de Nossa Senhora de Aparecida, chegamos a Campo Novo do Parecis, onde, de imediato já fizemos os primeiros contatos com nossos amigos, que ficavam admirados com o meu estado de saúde, que era ótimo, e também com a coragem de viajar com a minha idade, digamos assim, já um pouquinho avançada. Mas eu já viajava por estes lados há mais de quarenta anos, e no tempo antigo, não havia sequer um palmo de asfalto. Hoje, uma viagem dessas, se faz em dois dias, e naquela época, demorava, pelo menos, uma semana, se não fosse a estação das águas, senão duraria até uns dez dias. Na época, eu e a Lígia, minha fiel companheira, viajávamos com um fusquinha, o que era muito cansativo, pois, às vezes, tínhamos que dormir no interior do veículo, descansando na chegada por uns três dias. Assim que chegamos, já fomos partindo para as visitas, que foram muitas: na casa do Dico e a dona Inês; o seu Pedro e a dona Rosa; o seu Alfredo Horst e dona Omma, além do Zeul Fedrizzi e sua esposa Gleci. Enfim, não faltavam convites para churrascadas, galinhadas, leitão assado e outros pratos. Outro casal de amigos, o Jair (alemão) e sua esposa, dona Neuza,

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que moravam num assentamento, sempre nos ofereciam um delicioso almoço, demonstrando muita satisfação e alegria em nos hospedar quando necessário, dando tudo de si, para que tivéssemos tudo de bom e de melhor. O quê dizer dos meus grandes e queridos amigo Zeul e sua esposa Gleci, que apesar de terem se transformado em fazendeiros abastados e grandes usineiros da Coprodia, empresa fabricante de álcool e açúcar, continuaram sendo as mesmas pessoas simples e amigas, que não sabiam o que fazer quando eu chegava com minha comitiva. Sempre fomos recebidos com um largo sorriso e a tradicional hospitalidade dos gaúchos, e nunca saímos da sua casa sem antes ter comido aquele churrasco caprichado, regado a bebidas de todos os tipos: um legítimo manjar dos deuses naquelas paragens. Sempre afirmei isto a ele e serei eternamente agradecido, por tudo o que eles fizeram por nós. Que Deus os abençoe! Preciso contar sobre o apoio que tive de outros amigos que não posso esquecer, sob pena de ser interpretado como uma pessoa mal agradecida. São eles: Mildo Minosso, Armando Bróglio, Batista (Catarina) e também o Sr. Introvini e Ary Tomazelli, dono do hotel, este último já falecido. Hoje o hotel funciona administrado pela sua esposa Nair Tomazelli e seu filho. No dia 20 de novembro, eu estava na fazenda, longe de recursos médicos e hospitalares, e como eu que já não vinha me sentindo muito bem, haja vista que acordei com uma forte hemorragia, devido ao fato de fazer mais de dois dias que não conseguia urinar, falei para a Lígia arrumar algumas coisas e colocar no carro, que iríamos até Campo Novo do Parecis para uma consulta com o nosso médico: Dr. Lúcio Garcia da Rosa, no Hospital e Maternidade São Francisco, do qual é um dos sócios. Assim que cheguei, ele colocou uma sonda e providenciou o encaminhamento imediato para uma clínica em Tangará da Serra, que possuía mais recursos. Sorte que o meu companheiro e motorista era o meu neto Ubiratan Junior (Biratinho) como é conhecido, um jovem forte e de bom coração, amoroso e bem disposto para tudo e que, na época, estava morando em Campo Novo após ter ficado por quase seis anos em Cuiabá, onde formou-se na faculdade de Fisioterapia, cidade esta em que a sua namorada, a Juliana, sobrinha do meu grande amigo Zeul, estudou e formou-se dentista. Ela moça de excelente família, deu-lhe muita força, estando permanentemente ao seu lado, inclusive nas horas

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mais difíceis, igual a minha Lígia. O médico de Tangará, depois de novo exame, me encaminhou para o hospital da Unimed em Cuiabá. Depois de aguardar na sala de espera por várias horas, fui internado, porque estava muito debilitado. Quando tive alta do hospital, voltamos para Tangará da Serra para pegar a Lígia, que havia ficado hospedada na casa da Maristela, para também ir ao médico, pois a sua glicose estava alta. Outro motivo dela ter ficado foram os dois netos e os três bisnetos. Após termos saboreado um delicioso churrasco, no almoço, na casa do meu neto Pedrinho, fomos até a casa do Emiliano, que nos esperavam com uma boa sopa oferecida pela sua esposa. Em seguida, bem à tardinha, saímos de volta para casa e de Tangará a Campo Novo do Pareci - foi um instante, pois o Biratinho, nosso condutor, dirige bastante bem e estava preocupado com uma de suas pacientes, a qual, teria de dar satisfação pelo atraso e ausência. Assim que chegamos, começaram as visitas dos amigos, bastante preocupados com o meu estado de saúde, que não foi tão feio como parecia. Dia seguinte, muito cedinho, fomos para a Fazenda São Sebastião, que é do Ubirajara, que por sinal, estava virada numa tapera e levei o Pedro Ubemes comigo como companheiro e ajudante. Lá chegando, começamos a fazer um puxado de pré-moldado para agasalhar os bens que lá estavam todos espalhados e também trouxemos dois mecânicos para arrumar o trator Valmet, de propriedade da Lígia. Tudo certo: consertado o trator e abrigado no galpão, era hora de ir para casa. A Lígia que era a chefe da casa foi tratando de arrumar as tralhas, que não eram poucas. Trouxe até um saco de manga para agradar a vizinhança. Quem ficou muito triste foi o empregado “Alemão”, pois, enquanto a Lígia estava lá, o moço gozava de mordomias: comidinha feita por ela e servida na mesa, na hora certa, louça lavada e roupa também. Em 09.10.06, estávamos em Curitiba, e o Ary Theodoro, meu irmão caçula nos brindou com uma festa em comemoração aos meus 83 anos. Festa simples, mais cheia de carinho, amor, alegria e fraternidade. Ary e o neto Arizinho formaram uma dupla, cantando muito bem e ainda tocaram violão bem afinado. Estavam presentes a minha sobrinha Silmara, a minha cunhada Nice, além de

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alguns de seus amigos. Fomos tão bem tratados que eu e a Lígia chegamos a nos emocionar de tal procedimento, e não faltou lágrimas de alegria por parte dela, uma vez que, lembrou-se de que meu irmão caçula morou conosco por algum tempo quando era ainda uma criança. Além disto, fomos presenteados com peças artesanais de sua fabricação, inclusive ganhamos duas peças muito bonitas: uma delas é um baú de madeira, muito bem revestido com material de primeira qualidade e bem colorido, onde colocou, do lado de fora, fotografias de todos os nossos parentes: desde os nossos avós até os nossos bisnetos. Um presente único!

Presente do mano Ary: um baú com fotos de família.

Dia 11.12.06, eu e a Lígia estivemos em visita a um grande amigo, Dr. José Luiz Guimarães de Oliveira, mais conhecido como Dr. Luiz Mazzaropi e sua esposa dona Guilhermina, duas pessoas de bom conceito e amizade no seio de toda a sociedade, e do qual, muito sentimos falta. Em 24.02.07 recebemos o convite para participar da festa de comemoração das bodas de ouro do casal Angêlo Mazzoti e minha cunhada Ioni. Festa esta realizada no Salão da Alegria, na cidade de Capanema. Eles foram moradores daquela cidade por muitos anos. Lá, foi comerciante e político: eleito vereador, inclusive foi o Presidente da Câmara, durante o seu mandato.

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Numa grande festa, após a cerimônia religiosa na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Sagrado Coração, os convidados foram recepcionados para um jantar festivo e boa música, quando meu cunhado foi surpreendido com a cerimônia de entrega do Título de Cidadão Honorário, pelos bons serviços prestados a sua cidade e pelo seu espírito de liderança, e com a voz embargada, segurando as lágrimas e realmente comovido, agradeceu a presença de todos os amigos, parentes e autoridades. No dia seguinte, a festa continuou com a comemoração do aniversário de seu único filho Isaías Itamar Mazzotti, residente em Balneário Camboriú, Estado de Santa Catarina. É difícil falar sobre este assunto, mas ele faz parte da minha história e, apesar de não lembrar muita coisa a respeito, sei o que me contaram. No início do mês de novembro de 2008, eu e a Lígia fizemos uma viagem para visitar a sua sobrinha Leny em Canoinhas. Ficamos alguns dias lá, pois sempre fomos muito bem recebidos por ela e pelo marido Eraldo. Eu fui e voltei dirigindo a nossa camionete Toyota, porque nós gostávamos de viajar e não queríamos depender de ninguém, nem dar trabalho para os filhos ou netos, que teriam de deixar os seus afazeres para nos levar e buscar. Tudo correu às mil maravilhas. Estávamos nos preparando para outra viagem ao Mato Grosso e, desta vez, para uma festa: dia 20 de dezembro estava marcado o casamento do meu primeiro neto, com a sua noiva Juliana, que já mencionamos antes. Passaríamos o Natal e o Ano Novo em Campo Novo do Parecis, em companhia dos parentes e amigos. Um fato ocorrido enquanto estávamos em Canoinhas, e que a Leny só comentou depois com a família, foi que a Lígia saiu com ela para comprar a roupa que usaria na festa, mas, ao escolher, ela fez um comentário que a sobrinha achou no mínimo muito estranho. Quando já estava pagando a compra, ela virou-se para a Leny e disse: - Não sei se vou usar esta roupa na festa ou no meu enterro. A sobrinha preocupada, perguntou: - Você não está passando bem? - Estou sim, mas foi uma coisa que eu senti agora. Deixa para lá!

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Tínhamos retornado a menos de uma semana e estávamos no dia 20, exatamente um mês antes do casamento. Como sempre fazíamos, fomos almoçar na casa do meu filho Pedrinho e ainda estávamos com eles, quando apareceu a dona Lindamir Eggres, querendo ir até São Miguel do Oeste, Estado de Santa Catarina, para uma visita ao meu amigo curandeiro, conhecido por todos da região como Dom Gabriel. Meu filho falou: - Pai, deixe para amanhã que eu levo vocês. Hoje eu não posso porque o Cartório está passando por uma correição e tenho de deixar tudo em ordem. - Mas a Lindamir já está nos esperando. - Não tem problema, eu a levo de volta para casa e deixo combinado de buscá-la amanhã. - Não, eu vou hoje. É perto e à tarde já estaremos de volta. Minha nora Marlene ainda tentou argumentar com a Lígia: - Deixem para ir amanhã, que o Pedrinho leva. - Mas o Pedro quer ir hoje. - É perigoso vocês sozinhos na estrada. Ela virou-se, fez um sinal com as mãos abertas, como se faz quando se quer deter alguém dos seus intentos e disse: - Deus é quem sabe! Depois, pausadamente repetiu sílaba por sílaba: - Deus é quem sabe! E estas foram as últimas palavras que Marlene ouviu de seus lábios. Fomos tranquilamente e na volta, ao chegar no trevo de acesso a São Miguel do Oeste, caminho para as praias catarinenses, o sol já estava se pondo no horizonte, naquela hora chamada de lusco-fusco, em que ocorre a cegueira momentânea, e esse ofuscamento causado pelo excesso de luz foi fatal. Não percebi a outra camionete na pista e como cortei a sua frente, exatamente no trevo, fui jogado a uma distância de uns trinta metros, caindo em cima de um dos canteiros.

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Nesta hora, apesar de estarmos usando cintos de segurança, nossos corpos, com o impacto, foram arremessados um de encontro ao outro e batemos cabeça com cabeça, causando-nos traumatismo craniano. Com a Lindamir que estava de carona no banco traseiro, nada aconteceu. Estou contando o que ouvi, porque não me lembro de nada e acredito que seja devido ao trauma pós-acidente. Fomos levados para a cidade de Francisco Beltrão, onde fomos operados e eu permaneci na UTI por quatro dias, mas a Lígia não conseguiu resistir, vindo a óbito dez dias depois. Enquanto o corpo dela veio no carro fúnebre, eu vim em uma ambulância para ser internado no Hospital Santa Izabel, aqui na cidade. O corpo foi velado na Câmara de Vereadores de Santo Antônio do Sudoeste, num domingo de muito sol, rodeado de inúmeros amigos e parentes, depois levado para a Igreja onde foi celebrada uma missa de corpo presente e em seguida, sepultado. O que mais sinto é o fato de que não pude me despedir, nem olhar pela última vez o rosto da mulher da minha vida e nem dizer o quanto eu a amo. HOMENAGEM À LÍGIA COUTINHO CORRÊA (na voz da oradora da família, ou seja, minha neta Fernanda Letícia).

Neste momento de dor e de luto, queremos prestar a nossa homenagem à grande mulher que foi Lígia Coutinho Corrêa. Segundo o dicionário “homenagem” é uma palavra que define retribuição de honra, agradecimento, uma forma de tornar público com um ato de gratidão algum favor prestado por alguém, e nós temos tanto a agradecer a ela. Nascida em Canoinhas, Estado de Santa Catarina, aos 28 dias do mês de fevereiro de 1930; casou-se com Peddro Corrêa aos 31 dias do mês de março de 1951. Naquele mesmo ano, ainda morando em Canoinhas, deu à luz ao seu filho primogênito: Ubirajara Pedro Coutinho Corrêa, nascido aos 29 dias do mês de dezembro e, antes do bebê completar seu primeiro ano de vida, nascia o segundo filho do casal: Ubiratan Luiz Coutinho Corrêa em 07 de dezembro de 1952, na cidade de Rio Negro (PR). A família veio a completar-se na cidade de Barracão (PR) com o nascimento de Ubiraci Guilherme Coutinho Corrêa, aos 26 dias do mês de maio de 1956. Em 1957 a família mudou-se para Santo Antônio do Sudoeste, pois o chefe da pequena família assumia a chefia do Posto Fiscal de fronteira e região.

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Em 1964, seu esposo foi procurado por lideranças para candidatar-se à prefeitura do município recém-criado. Após tornar-se primeira dama do município foi nomeada professora e chefe da merenda estadual que abrangia todos os municípios da micro-região. Criou o Clube de Mães e um Curso de Corte e Costura gratuito, onde também lecionava. Mulher à frente de seu tempo foi modelo de honestidade e competência durante o período em que desempenhou a função de Oficial do Cartório de Registro de Imóveis. Com o falecimento de Lígia Coutinho Corrêa a nossa comunidade fica mais pobre ao perder uma de suas cidadãs de convicções fortes, firmes, sólidas. Mulher autêntica e batalhadora que expressava suas idéias sem impor-se. Para saber sua importância como cidadã santoantoniense basta olhar ao redor e veremos que a tristeza da sua perda une pessoas de diferentes áreas e posições políticas opostas. Sua fragilidade era só aparente: grande companheira do esposo nos 57 anos de casados, mãe amorosa, avó sempre presente na vida dos nove netos e quatro bisnetos, mesmo estando fisicamente distante. Guerreira na luta contra as enfermidades que tentaram derrubá-la. Sempre foi amiga insuperável, a comadre querida por tantos, a conciliadora, a incentivadora, o alicerce da família. Sua discreta elegância causava admiração. Sua alegria de viver era contagiante. Sua força e energia provinham da religiosidade, e com essa mesma fé enfrentou a perda do filho caçula em agosto de 1987, e mesmo dizendo que jamais se recuperaria da perda, porque não é natural na ordem das coisas que pais percam filhos, ela ainda dizia que quem dobra os joelhos diante de Deus, jamais se verga diante das provações. A perda desta pessoa tão preciosa impõe-nos uma reflexão: na luta da vida sempre devemos ser um elo de união e jamais motivo de divisões. A lacuna deixada por ela não será preenchida e nós que tivemos o privilégio de conviver com esta grande mulher, sempre nos lembraremos dela com amor, com carinho, porque como disse um poeta: “Ninguém morre enquanto vive no coração de alguém.” E se não morremos quando deixamos de viver, mas sim quando deixamos de amar, então teremos a certeza de que nossa amada Lígia não morreu: juntou-se hoje ao Amor Maior, ao Amor Infinito, ao Pai Eterno que a acolhe, posto que ela

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foi e será para nós a pequena chama de Seu Amor sempre presente. Descanse em paz nos braços do Pai com a certeza do dever cumprido. NÓS TE AMAMOS! No dia seguinte, eu tive uma piora significativa e os médicos e filhos acharam por bem transferir-me para a cidade de Cascavel, onde permaneci por quase dois meses, alternando estado de coma e estado de lucidez, e durante este período, pude contar com o carinho e atenção dos meus netos, das minhas noras Marlene e Maristela, dos meus filhos Pedrinho e Luiz, que se revezavam no hospital. Depois da alta, dependi por meses seguidos dos cuidados dos parentes, principalmente da minha nora Marlene e dos meus filhos Luiz e Pedrinho, e quando melhorei, passei a receber atenção e carinho das minhas cuidadoras.

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Pedro Corrêa Depois da Viuvez Desde que Lígia se foi, a minha vida mudou drasticamente, porque, com a falta da minha Lígia, fico sem rumo. Foram cinquenta e sete anos, oito meses e vinte dias de vida em comum, de muitas alegrias e lágrimas, de muita luta e dor, de felicidade compartilhada e também de tristezas divididas, de muitas vitórias, mas também, de derrotas, contudo, sempre pude contar com a força, o carinho, a generosidade, a delicadeza até mesmo quando ela ficava em silêncio ao meu lado e depois de todo este tempo juntos, é difícil continuar vivendo sem ela. Quando ela estava aqui, nossa casa vivia cheia e eram raríssimos os dias em que não tínhamos visitas durante o dia ou um casal amigo para jogar à noite. Com carinho e ansiedade, ela esperava pelo telefonema de alguém avisando: - Hoje, à noite, o jogo é aqui em casa. Ou então era ela quem ligava e avisava: - Hoje, à tarde, esperamos vocês para uma partida.

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No segundo caso, ela ia para a cozinha mandar preparar alguma coisa para receber as visitas: um bolo, sagu ou qualquer outra sobremesa, pois adorava doces ou então, mandava comprar no mercado bolachas, pé-de-moleque, balas ou amendoim para fazer cri-cri. Depois que ela partiu, de vez em quando, recebo uns amigos para jogar uma ou duas partidas de canastra. Para tanto, conto com os companheiros: seu Beno e dona Vera; Garbim e Irene, Helena e Telmo, ou dona Piti e seu Vilmar. Desde que ela se foi, a casa ficou vazia, mas não só a nossa casa, os meus dias ficaram vazios e pior é que sinto a dor de não ter me despedido da mulher da minha vida, da minha companheira inseparável, daquela que deixou um vazio enorme e muita saudade. Nunca mais dormi no quarto que foi nosso: eu simplesmente não consigo. Cada vez que vou até lá, eu vejo a nossa “bonequinha”, que sempre ficava em cima da cama e que foi ela quem comprou e a lembrança de nós dois, me comove e vem uma vontade imensa de chorar. Todas as datas festivas acabam me entristecendo, porque elas eram marcantes quando a Lígia estava conosco. Na Páscoa, ela nunca se esquecia de comprar chocolates para os netos, fazer os cricris, encher os ovos que ela mesma pintava e depois, arrumar tudo nos ninhos que ela confeccionava em caixas de sapatos ou cestinhas. No Natal, sempre tinha um pacote de presente, para cada um, por mais simples que fosse, debaixo da árvore que ela montava com carinho, além disso, ela gostava muito de decorar a casa, enfeitar a fachada com muitas luzes e armar o presépio. Desde que ela partiu, tenho recebido visitas de amigos que me consolam, me fazem companhia e me distraem da tristeza e da rotina do dia-a-dia. Estamos em meados de fevereiro de 2010 e aproxima-se o carnaval, que agora faz parte das coisas que para mim já eram... Foi-se o nosso tempo! Quando aqui estava minha fiel companheira, a dona Lígia, nós, juntos, jamais perdemos um baile no extinto Clube Guarani, que nos deixou muitas recordações, pois guardo muitas lembranças em fotos que tiramos. Participávamos de vários blocos e para arrematar a noite, íamos até Pranchita, onde o nosso amigão, Capitão de Polícia, por nome Santinho, encerrava os bailes, na última noite, já amanhecendo a quarta-feira de cinzas. Inesquecíveis também foram os bailes animados pela “Banda Furiosa” do meu amigo Alfredo Mai, que nos velhos tempos, animou muitos bailes no Esporte Clube Guarani.

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Já fazia um bom tempo que eu não viajava longe, pois agora, prefiro o conforto e aconchego do meu lar, mas no dia 03 de maio de 2010, o meu filho Pedrinho me levou até Curitiba para ver a minha irmã Maria do Carmo, a Mita, que se encontrava enferma, e nos chamava para uma visita. Como chegamos tarde, deixamos para ir ao hospital onde ela estava passando muito mal, somente na manhã seguinte. Ela queria nos ver e logo que notou a nossa presença, deu o último suspiro, rodeada de amigos e familiares. Ela era uma das irmãs que sempre visitávamos quando íamos à Curitiba e sempre nos recebia com um delicioso empadão, ou então, convidava-nos para um almoço, que normalmente era feijoada ou risoto, tudo com o seu inconfundível tempero. Era uma grande cozinheira. Dias destes, recebi a visita a dona Iraceminha, nossa grande amiga dos velhos tempos. Eu ainda estava deitado, levantei eram quase onze horas. Foi uma boa conversa, relembrando os velhos tempos, época em que descobrimos Capitão Leônidas Marques, cujo primeiro nome era Aparecida. O compadre Otto Francisco Passos foi o pioneiro de lá e foi ele quem abriu as primeiras estradas e fez também a primeira balsa. Quando ele foi para lá, não existia nenhuma casa. Ele foi porque tinha uma boa posse de seiscentos alqueires de mata virgem, situada às margens do Rio Baicuru. Tenho uma vaga lembrança de que vendeu a dita terra para os seus primos de Clevelândia. O seu irmão Lauro Passos, também morou aqui por uns bons tempos: era um bom amigo, inclusive a sua esposa D. Jandira, sempre foi companheira e amiga da minha querida Lígia. A última vez que conversamos foi em Cascavel, depois eles foram para Foz do Iguaçu e nunca mais nos vimos. Em uma feita, o Otto me convidou para ir com ele até Capitão Leônidas Marques. Aceitei! Pegamos o Jeep do Estado e fomos para a barranca do Rio Iguaçu. Devido à largura do rio e a sua correnteza, não dava para fazer a travessia em linha reta, e como ali não havia ponte, nem balsa, pegamos um bote. Eu experiente e conhecedor das águas, remei rio acima por uns oitocentos metros, depois deixei que o rio nos levasse e que a própria correnteza nos carregasse para a outra margem. Atravessamos, ora remando, ora deixando-nos levar com todo o cuidado e ele só repetia:

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- Cuidado compadre, que este bote vai virar. - Seu filho da p...! Pediu-me que o deixasse ali e que voltasse para casa, e foi o que fiz, sem questionar. Jamais fiquei sabendo o que ele foi fazer lá e com quem foi encontrar-se. Uma das coisas mais tristes quando se chega à minha idade, são as perdas que acontecem, cada vez com mais frequência e é doloroso quando os amigos queridos; aqueles que fizeram parte da nossa vida por anos, de repente, se vão, deixando em nós, uma sensação de que ficaremos cada vez mais sós. Saber da morte do meu grande amigo Heitor Rodrigues, muito me entristeceu. Tenho uma gratidão imensa por ele ter apresentado o projeto de me tornar Cidadão Honorário de Santo Antônio do Sudoeste, e sei que já tinha em mente, algum tipo de homenagem para a Lígia, pois que já havia solicitado o seu currículo, mas eu andava tão debilitado que não consegui atender ao seu pedido. Ele se foi muito cedo e sentimos imensamente o seu passamento. Hoje é dia 13 de junho de 2013, dia do nosso grande Santo Antônio, nosso querido Padroeiro, a quem devemos nosso sossego, quando vêm os temporais. Alguns dos moradores mais antigos, têm conhecimento de que o falecido Padre Primitivo Baltazar Flores Seballos fez uma promessa durante um dos piores temporais que arrasou a cidade: se houvessem apenas perdas materiais, a imagem do santo seria colocada no lugar mais alto de onde pudesse ser visto por todos. E isto foi feito logo em seguida. Aos pés do santo são cumpridas muitas promessas. O Santo também é citado no refrão do hino do município: “Santo Antônio adorado rincão, viverás para sempre em nossos corações...”, cuja letra é de autoria do capitão Lima, pertencente ao Exército Brasileiro. Raras vezes saio de casa, mas, algumas, vezes as visitas são inevitáveis. Vou citar como exemplo, a visita que fiz com a minha nora Marlene, à casa da dona Marina, viúva do meu compadre Rui Luiz Leirias, que havia falecido há poucos dias e cuja morte só vim saber dias depois. Fiquei muito chateado, porque, além de nosso compadre e amigo, ele também foi o primeiro funcionário contratado pela Prefeitura na época em que fui prefeito. Como ele era um homem bem disposto e entendido na lida com as plantas,

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chamei-o para ser o jardineiro e cuidar da nossa única praça, que na época, estava um matagal só. No dia 09 de outubro de 2014, num almoço dominical na Sansu Piscina Clube fui surpreendido com uma festa de aniversário. Eram aproximadamente trezentas pessoas, entre amigos e familiares, que com grande manifestação de carinho, me receberam com uma salva de palmas. Ocasião em que ouvimos uma preleção feita pela minha querida e estimada neta Fernanda, quando leu o meu currículo, desde a data de meu nascimento. Este currículo foi preparado com muito capricho pela nora Izolde, esposa de meu filho Ubiratan Luiz “Peixinho” como é conhecido dos velhos tempos, quando nadava no “poção”, no Rio Santo Antonio, divisa do Brasil e Argentina A emoção foi tão forte que quase chorei, feliz pelo gesto amoroso a um velho de noventa anos. Em outra ocasião, mas precisamente no dia 10 de outubro de 2011, fomos convidados a participar da inauguração da biblioteca, que em justa homenagem, receberia o nome de Biblioteca Cidadã Lígia Coutinho Corrêa.

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EVENTO: INAUGURAÇÃO DA BIBLIOTECA CIDADÃ LÍGIA COUTINHO CORRÊA DATA: 11/11/11 – SEXTA-FEIRA HORÁRIO: 16h30min LOCAL: MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DO SUDOESTE ABERTURA FEITA PELO JORNALISTA J. RIBEIRO Senhoras e Senhores, boa tarde! Dando início à esta cerimônia de inauguração da Biblioteca Cidadã Lígia Coutinho Corrêa, convidamos para vir à frente: - O Prefeito de Santo Antônio do Sudoeste, RICARDO ANTÔNIO ORTINÃ acompanhado de sua esposa; - O Vice-prefeito VALDIR OLDRA e sua esposa; - O Sr. ROGÉRIO TONETTI, Coordenador do Projeto Biblioteca Cidadã, neste ato representando o Governo do Estado do Paraná e o Secretário de Cultura Sr. PAULINO VIAPIANA; - O Deputado Estadual ADEMAR LUIZ TRAIANO; - O Presidente da Câmara de Santo Antônio do Sudoeste, ANTÔNIO RUBENS DAL VESCO e demais vereadores que se fazem presente; - A Secretária Municipal de Educação, Cultura e Esporte GEOVANA CARLA FIORESE SCHMITZAUS e a Diretora de Cultura VANIA MARIA BRESCOVICI BADKE; - Familiares da homenageada; - Artistas responsáveis pela execução da pintura do mural: JACQUELINE SCANDOLARA e RENATE MAI. Registramos e agradecemos as presenças: - Secretários Municipais; - Funcionários da Biblioteca Cidadã; - Representantes das Escolas Municipais e Estaduais, profissionais de imprensa e demais autoridades e convidados. Convidamos a todos para ouvir e cantar o Hino Nacional Brasileiro.

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TEXTO: Nesta solenidade o prefeito RICARDO ANTÔNIO ORTINà e demais autoridades, inauguram a BIBLIOTECA CIDADà LÍGIA COUTINHO CORRÊA. O Projeto “BIBLIOTECA CIDADÔ, pioneiro no Brasil, é uma parceria entre o Governo do Estado do Paraná, através da SECRETARIA DE CULTURA, SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA, SECRETARIA ESPECIAL PARA ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, CELEPAR INFORMÁTICA e a PREFEITURA MUNICIPAL. Construída num terreno cedido pela Prefeitura, a biblioteca possui salas de consulta, sala de reunião, acervo de aproximadamente 2.000 volumes, equipamentos de informática, áudio e vídeo, funcionários treinados para o atendimento à população e um “espaço cívico”. Neste espaço cívico, além dos mastros para as bandeiras do Brasil, do Paraná e de Santo Antônio do Sudoeste, a Biblioteca contempla um belíssimo mural, executado pelas artistas plásticas JACQUELINE SCANDOLARA e RENATE MAI. No painel estão representados pontos turísticos e históricos do município de Santo Antônio do Sudoeste; bem como o Marco da Fronteira,inaugurado no ano de 1903 no limite entre o Brasil e a Argentina; a nascente do Rio Santo Antônio, que nasce sob o Marco da Fronteira, sendo que o mesmo percorre uma extensão de 147 km até desaguar no Rio Iguaçu; a Estátua de Santo Antônio, construída por Ãngelo Novi em 1974. Ainda possui araucárias, árvore típica do Estado do Paraná. O painel foi pintado com tinta acrílica pelas artistas acima mencionadas, ambas do município de Santo Antônio do Sudoeste, Estado do Paraná. SOBRE A HOMENAGEADA (Breve relato na voz de Ênio Santos) LIGIA COUTINHO CORRÊA nascida em Canoinhas, Estado de Santa Catarina, aos 28 dias do mês de fevereiro de 1930; casou-se com Pedro Corrêa aos 31 dias do mês de março de 1951. Naquele mesmo ano, ainda morando em Canoinhas, Du à luz ao seu primogênito: Ubirajara Pedro Coutinho Corrêa, nascido no dia 29 de dezembro e, antes do bebê completar seu primeiro ano de vida nascia o segundo filho do casal: Ubiratan Luiz Coutinho Corrêa em 07 de dezembro de 1952, na cidade de Rio Negro (PR).

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A família veio a completar-se na cidade de Barracão (PR), com o nascimento de Ubiraci Guilherme Coutinho Corrêa, aos 26 dias de maio de 1956. Em 1957 a família mudou-se para Santo Antônio do Sudoeste, pois o chefe da pequena família assumia também a chefia do Posto Fiscal da Fronteira. Em 1964, seu esposo foi procurado por algumas lideranças para candidatar-se à prefeitura do município recém-criado. Após tornar-se primeira dama do município foi nomeada professora e chefe da merenda estadual que abrangia todos os municípios da micro-região. Criou o Clube de Mães e um curso de corte e costura gratuito, onde também lecionava. Mulher à frente do seu tempo foi modelo de honestidade e competência durante o período em que desempenhou a função de Oficial do Cartório de Registro de Imóveis. Com o falecimento de Lígia Coutinho Corrêa, a nossa comunidade fica mais pobre ao perder uma de suas cidadãs de convicções fortes, firmes, sólidas. Mulher autêntica e batalhadora que expressava suas idéias sem impor-se. PRONUNCIAMENTOS: - Convidamos para fazer uso da palavra o filho da homenageada: Ubirajara Pedro Coutinho Corrêa; - Convidamos para fazer uso da palavra o Exmo. Sr. ROGÉRIO TONETTI, Coordenador do Projeto Biblioteca Cidadã, neste ato representando o Governo do Estado do Paraná, Beto Richa, e o Secretário de Estado da Cultura do Paraná, Exmo. Sr. PAULINO VIAPIANA; - Convidamos a fazer uso da palavra o Exmo. Deputado Estadual ADEMAR LUIZ TRAIANO; - Convidamos a fazer uso da palavra o Prefeito Municipal de Santo Antônio do Sudoeste, Exmo. Sr. RICARDO ANTÔNIO ORTINÃ. Palavras do representante da família: Ubirajara Pedro Coutinho Corrêa: Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal, Sr. Ricardo Ortinã; Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara Municipal, Sr. Rubens Dal Vesco, ao cumprimentálos estendo meus cumprimentos em nome da Família Coutinho Corrêa a todos os Senhores e Senhoras, Jovens, Estudantes e demais autoridades aqui presentes. A comunidade e a Cultura Santoantoniense estão de parabéns por este ato,

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pois o Estado e o Município, presenteiam esta sociedade com a maior dádiva que o Poder Público pode oferecer ao seu povo: o acesso à cultura, a possibilidade do conhecimento e de viajar através da leitura. Antes de falar da alegria da nossa família pela homenagem prestada à esposa, mãe e avó, Lígia Coutinho Corrêa, quero dizer que recebemos surpresos, porém gratos por esta, e temos que ressaltar que a inauguração de um espaço físico para a biblioteca cidadã, garantindo o acesso a todos era um sonho acalentado durante sessenta anos de história de nosso município. Só a análise da cadeia de continuidade que liga pessoas, fatos e sonhos, nos levaria à compreensão do que realmente significa este momento para a cultura local. Coube a mim, como representante da família este pronunciamento, que ao fazê-lo entendo reduz-se em agradecimentos pela distinção dos Poderes Constituídos, principalmente à Câmara Municipal em nome de todos os Senhores Vereadores, que por unanimidade aprovaram esta honraria e ao Prefeito que sancionou a Lei. Nossa família recebe esta homenagem como um grande abraço que os Senhores nos dão em nome do povo deste município, em reconhecimento a tudo o que minha mãe, Lígia Coutinho Corrêa, representou em vida para este município. Ela hoje, como nós, está repleta de alegria, pois esta homenagem significa o reconhecimento por sua cota de participação na história, cultura e progresso deste Município. Além de Mãe, Esposa, Professora, Primeira Dama e Cartorária, ela deu grande contribuição prestando serviços sociais e culturais, ajudando a construir a história desta terra que adotamos como nossa desde que aqui chegamos em 1957 e que aprendemos a admirar e respeitar cada dia mais. Lembro-me, quando minha mãe debruçava-se sobre os livros até altas horas tentando rabiscar as primeiras palavras para dar origem ao Hino do Município, que hoje cantamos em alto brado, SANTO ANTÔNIO ADORADO RINCÃO, VIVERÁS PARA SEMPRE EM NOSSO CORAÇÃO. Frases que ficarão imortalizadas e inseparáveis da cultura e da história de Santo Antônio do Sudoeste. Outra contribuição que devemos a ela foi a confecção do Escudo da Bandeira Municipal, contemplando os pinheirais, a erva-mate, as culturas locais representadas pelo milho e pelo feijão e também pela suinocultura. Ela discutia isso com determinação, dizendo que estas características eram primordiais para que nossa bandeira retratasse a história e a cultura de nosso povo. Esta figura de mulher pública e cidadã, de atividades intensas e dignificantes,

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não dispensavam o encanto, a sabedoria, o amor à arte e à literatura. A beleza e a perfeição foram sempre presentes em suas manifestações culturais. Este era o estilo da mulher que amava as letras e cultuava a família, nos ensinando que a cultura assim como a política adora aqueles que ousam. Em nome da nossa família, lhes digo: hoje é um dos dias mais felizes que estamos vivendo, pois nunca imaginamos o nome de nossa Mãe escrito em qualquer monumento arquitetônico, mas sabíamos que por todos os serviços prestados a este Município, ela havia plantado uma árvore que é patrimônio cultural de todos os nossos cidadãos e tinha uma esperança que seus netos lhes ajudariam a envelhecer sorrindo. Um abraço grande como este que vocês estão nos dando, assim como as homenagens feitas aos Pioneiros, fez com que muitos personagens saíssem do anonimato e viessem resgatar sua cota de presença na História deste Município. Com estas palavras, nossa família agradece aos poderes Legislativo e Executivo, na pessoa do Prefeito Ricardo Ortinã pela ousadia em construir este sonho acalentado durante muito tempo, que é esta Biblioteca Cidadã e pela homenagem prestada à minha mãe, Lígia Coutinho Corrêa. A todos nossos sinceros agradecimentos. Muito obrigado! Coube ao Deputado ADEMAR LUIZ TRAIANO, aos familiares e demais autoridades o descerramento a placa de inauguração e na sequência, o encerramento da cerimônia com visitação às instalações. Lá, encontramos diversos amigos que também participaram das inaugurações do novo prédio destinado ao Fórum. Há muitos anos aprendi a bordar telas e depois que a Lígia se foi, intensifiquei a produção, pois minhas pernas já não mais me obedecem e como tenho de ficar muito tempo sentado, este é o hobby ideal. Já bordei para os netos, para alguns parentes e até para os amigos. É um ótimo passatempo.

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Tapete feito sem esquema: eu simplesmente bordo o que me vem à cabeça.

Ainda gosto de trabalhos manuais com madeira, então, pedi que me trouxessem vários nós de pinho, que depois de secos, promovo uma bela limpeza ou então, mando para o meu amigo Sassá que faz este trabalho para mim. O próximo passo é envernizar com todo o cuidado e colocar o pé, e só então, mando para o ourives colocar uma plaquinha de metal com uma escrita que é pessoal para cada presenteado e que para ter graça deve ser uma trova.

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Nestas alturas, já agraciei mais de vinte amigos e parentes. Também pintei várias sementes de uma árvore que cresceu aqui no jardim e não conheço outra igual, pois esta, além de ser diferente, é uma semente grande, quase do tamanho de uma semente de jerivá ou coqueiro. Eu pintei cada uma de uma cor diferente e assim estou fazendo com os fundos de garrafas de Coca-Cola e Guaraná: corto o fundo e pinto. Eu vi isto em uma cidadezinha que fica à beira da estrada que vai até Foz do Iguaçu, mas não lembro o nome do local. Gosto muito de artesanato. Outra ocupação é recortar revistas e depois fazer a colagem em caixas de papelão. Este era um dos trabalhos que eu via a minha mãe fazer, pois faz parte da tradição polonesa. No dia das mães, minha estimadíssima nora Marlene convidou-me para ir à missa pela manhã e depois eu a convidei para irmos ao cemitério visitar os túmulos da minha inesquecível mãezinha Angélica, da minha amada esposa e do meu filho. Lá, rezei pelos antepassados da família: pelo meu pai Guilherme Correia que está sepultado em Curitiba; o meu estimado sogro Demétrio de Azeredo Coutinho, que foi sepultado em Francisco Beltrão e a minha sogra, dona Generosa, enterrada em Rio das Antas, em Santa Catarina.

Com minha estimadíssima nora Marlene: a filha que não tivemos.

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Fico tão triste com a dificuldade de locomoção, pois que é difícil para sair de casa e gostaria tanto de fazer umas visitas e também participar do velório de amigos queridos, mas eu creio que os familiares entendem. Geralmente, os meus filhos não contam sobre o falecimento de amigos, acho que é uma forma de proteção, mas fico chateado em saber dias depois. Este foi o caso da nossa grande e inesquecível amiga dona Nilza Iser, que quando soube, já tinham se passado uns dez dias. Sempre terei por ela um sentimento de eterna gratidão. Que Deus a tenha! No Natal de 2016, ganhei uma linda imagem de Nossa Senhora de Aparecida, como presente da minha amiga secreta, que foi a nora Marlene. Ela acertou em cheio, pois amei o presente, e agora ela está no meu escritório, que é onde passo boa parte do meu tempo. Tenho também um quadro com Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e é a estas duas imagens que me reporto em oração e é na Mãe do Céu, que encontro conforto na minha solidão. Hoje, passo os meus dias entre os bordados, os nós de pinho e também a colagem em caixas para presentear os amigos, ou colocando em ordem os meus álbuns e arquivos. Quando manuseio as fotos antigas, sempre encontro as fotos que tirei com a Lígia e aí vem uma saudade dos velhos tempos. A minha fiel companheira sempre estava ao meu lado: dançando num baile do clube ou no CTG; nadando ou simplesmente fazendo um piquenique na beira de um rio; no acampamento da fazenda ou na mangueira com a cuia de nosso costumeiro chimarrão (que era o seu vício); colocando sal no cocho para o gado; nas reuniões de família em companhia dos filhos, netos e bisnetos; junto com os amigos e poucas vezes, sozinha. Gosto muito de ficar no meu escritório, principalmente depois da reforma quando ficou bem mais confortável. Aqui, conservo vários diplomas e certidões, inclusive o meu diploma de Prefeito, do qual muito me orgulho. Outro diploma que costumo olhar com carinho é o do curso de português por correspondência. Curso este, que fiz através do Instituto Universal Brasileiro, que ajudou muita gente. Aqui, no meu cantinho, tenho ao lado da cadeira, um engradado de água tônica, minha bebida preferida, que eu gosto de tomar na temperatura ambiente, pois não tomo bebidas geladas. Aqui também ficam, em cima da escrivaninha, as duas bíblias que possuo,

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e todos os dias faço as minhas orações e leio um bom trecho dos evangelhos. Fico muito feliz quando recebo a visita dos meus familiares: meu filho Ubiratan e a nora Izolde, que sempre traz os seus bordados, os quais executa com grande capricho; os meus netos Pedro Ubemes e Emiliano Francisco, que raramente vem, como também a minha nora Maristela; a minha querida irmã Terezinha, que todos chamam de tia Tereza, sempre acompanhada do seu esposo João, mais conhecido por Jango; meu irmão Ary Theodoro, que sempre vem sozinho. O Ary morou conosco no lugar denominado Rio Preto, na época município de Antonio Olinto, hoje município de São Mateus do Sul, no Paraná. Também me alegra a visita dos netos Biratinho, sua esposa Juliana e os filhos do casal, sendo que, o último bisneto, eu ainda não conheço; o meu neto Rafael que dificilmente vem porque trabalha numa clínica de fisioterapia na cidade de Colombo - PR, juntamente com sua esposa, dona Viviane, que nos acolhia muito bem quando íamos à Curitiba. Também o seu filho Daniel e a bebê que faz aniversário junto com Jesus, pois nasceu no mesmo dia, e cujo nome é Giovana. A minha neta Thaís, que sempre vem com seu esposo, Sr. Douglas, um rapaz muito respeitável e trabalhador, além de ser um bom pai para os filhos: Junior e Emily Catherine, este último nome homenageia a minha querida avó. O meu neto Marquinhos que esteve nos visitando na lua-de-mel com sua esposa Juliana. Eles ainda não me deram um bisneto. Também me alegro quando vem a minha neta Fernanda Letícia, que trabalha no Fórum, na cidade de Itajaí e seu esposo Anderson, rapaz muito bom e que trabalhou com o sogro no cartório por um tempo. Os sobrinhos quase não vejo, talvez pela distância das cidades onde moram, e a que aparece, pelo menos uma vez por ano, é a Marilze e o seu esposo Rui. Também me visitou o sobrinho Zéca, mais conhecido na cidade de Mafra pelo seu apelido: Polenta. Ele é filho da minha querida irmã Ana, falecida há muitos anos. Também recebo visitas dos meus afilhados, que perdi a conta de quantos são, mas gosto que eles se lembrem de mim e que, de vez em quando, deem uma chegada para visitar o velho padrinho. Quando recebo os familiares para o almoço e vejo a casa cheia de alegria, fico observando, já que a minha audição não anda lá aquelas coisas, e depois gosto de escrever em toalhas de papel uma mensagem que tenha rima, como as abaixo:

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“Sra. Dona Nena, obrigado pelo boião, só faltou o feijão.” “Dona cozinheira, o povo comeu o delicioso almoço. Não deixaram nada para depois. Só foi pena que faltou aquele arroz!” “Obrigado pela boa visão da senhora tricoteira. Para que ninguém faça besteira como a feiticeira!...”

Tenho perdido tantos amigos bem mais jovens que eu, e aí fico pensando quando chegará a minha vez. O meu grande amigo Telmo Brescovici também se foi. Ele que era um dos grandes amigos que sempre me visitava, jogava canastra conosco e sempre me fazia rir com o seu tradicional bom humor. Um dia, ele veio com uma de suas estórias, que sempre acho graça quando lembro. Foi assim: Ele chegou colocando as mãos nas costas, na altura dos rins e disse: - Não estou aguentando de tanta dor. - O que aconteceu? - Trabalhei demais! Estava vacinando as abelhas, lá na chácara. - Vacinando abelhas? - É! Fica muito complicado pegar uma por uma e dar a injeção nas perninhas. E deu uma boa gargalhada. Até certo ponto, eu tenho a satisfação de fazer a minha despedida deste mundo, pois todos nós temos a certeza de que um dia sairemos deste para o além. Estou à espera que o nosso Pai Celestial me chame e aí estarei pronto. Assim como a minha inesquecível esposa Lígia, que foi chamada primeiro, eu acredito que a partida está muito próxima. Ela tinha certeza que em breve iria ser chamada pelo Pai Celestial, portanto, deve estar no céu, esperando, mas Deus nosso Pai é quem sabe.

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AGRADECIMENTOS Não posso deixar este mundo sem expressar a minha gratidão e apreço a todos os meus familiares, aos meus amigos, aos meus companheiros nesta viagem emocionante e surpreendente que é a vida, e se não citar todos os nomes, podem ter certeza de que dentro do meu coração vocês estão inscritos em letras douradas e que lhes serei eternamente grato, porém alguns eu não posso deixar de expressar o que significaram. - Aos meus pais, que dedicaram o seu tempo, carinho e amor. Ensinaram-me a ser cidadão, amando a Pátria que acolheu nossos antepassados. Foram eles que, através do exemplo de vida, passaram valores inestimáveis de honestidade e respeito para com todos os seres humanos. - Aos meus oito irmãos: Ana Corrêa de Lima, foi professora e aposentou-se na cidade de Rio Negro, Estado do Paraná, onde foi homenageada tendo uma rua com o seu nome. Já falecida; Maria do Carmo de Andrade, que trabalhou na casa da família do Dr. Dálio, em Curitiba, Estado do Paraná. Era pessoa de confiança desta família e só saiu de lá para casar-se com Leopoldo de Andrade. Ambos falecidos; Guilherme Corrêa Filho, foi fiscal do Estado do Paraná, funcionário do DNER e trabalhou na empresa Arteco Artecópias e Impressão; também falecido no mesmo mês e ano do Ubiracy, mais com uns dias de antecedência; Antônio Corrêa, funcionário do DNER, na cidade de Mafra, Estado de Santa Catarina. Falecido; Terezinha Corrêa de Souza, professora estadual em Santo Antônio do Sudoeste; funcionária da Saúde em Pérola do Oeste, aposentando-se no Posto de Saúde na cidade de Curitiba. Casada com João de Souza, mais conhecido por Jango; Laura Corrêa Goes, do lar. Já falecida; Arlindo Corrêa, funcionário da Secretaria da Fazenda na cidade de Mafra, Estado de Santa Catarina. Falecido; e Ary Theodoro Correia, empresário no ramo de máquinas impressoras e encadernamentos. - À Maria Marlene Kaiser Corrêa, a minha incansável nora que cuida de mim, que me leva para as consultas médicas e que sempre que pode dá uma passada por aqui, só para saber se estou bem ou precisando de alguma coisa. Ela é a filha que não tivemos. - A todos os médicos, que com dedicação, carinho e cuidado atenderam-me com solicitude e prontidão, durante todos estes anos. - Às minhas cuidadoras: que sempre cumpriram suas tarefas de forma louvável e tiveram de aguentar as minhas manias, humores variados e queixas, agradeço de todo o coração. São elas: Marilene Argenta, a dona Nena, minha cuidadora, que está sempre ao meu lado me dando assistência e alegrando o meu dia com suas gargalhadas. Também cuida da casa e cozinha muito bem, fazendo sempre os pratos que eu gosto.

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Salete Kaiser, viúva de Vilson Kaiser; Ivone Leni Mattge, minha sobrinha que morou conosco quando era criança e que me cuidou por algum tempo, inclusive quando eu estava hospitalizado em Francisco Beltrão (PR). Lorena, que me cuidou por um bom tempo sempre com muito carinho e dedicação. Fiquei triste quando ela decidiu sair e foi embora para Barracão, pois o seu riso alto e espontâneo enchia a casa de alegria.

Ingelore Schneider, carinhosamente chamada por mim de “Toti”, também minha cuidadora, que substituiu com louvor a Lorena. É uma pessoa muito carinhosa, zelosa, companheira e até aprendeu a jogar canastra comigo, só para me fazer companhia. Ótima cozinheira e meu anjo da guarda.

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Obs: Tive muita sorte com as pessoas que a minha nora Marlene, escolheu “a dedo”, para me fazer companhia e cuidar de mim nestes últimos anos de vida. Todas elas sempre foram muito atenciosas comigo, com a minha família e com as minhas visitas. Gosto delas como se fossem parte da família e considero que são mesmo, pois, que tratam os meus filhos, noras, netos e bisnetos com o mesmo carinho que me dispensam, e toda a minha família tem respeito, admiração e gratidão pelo trabalho delas. - Às inesquecíveis dona Rosa, Delsa e Nina Bandeira, meu reconhecimento por tudo o que fizeram por nós e pelos nossos filhos. Eram elas que cuidavam deles quando precisávamos viajar e não tínhamos com quem deixá-los. Elas sempre fizeram parte da nossa família: não por laços de sangue, mas pelos laços de amizade que mutuamente dedicamos uns aos outros. - Aos meus companheiros de canastra: Romeu e Irene Garbin; Dona Eni Bohn e seus filhos Nino e Betinho, Telmo e Helena Brescovici; Terezinha Domingos Lanzarini e seu esposo Milton; Beno e sua esposa Vera e Vilmar Zanchet e sua esposa dona Artenísia, que é conhecida pelo apelido, pois todos a chamam de dona Piti. - Marino Quispe Sanca, nosso amigo de longa data, Ministro da Eucaristia, sobrinho de outro amigo, o nosso saudoso pároco Primitivo Baltazar Flores

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Zevallos, o qual incansavelmente nos traz a comunhão a cada quinzena. Lembro-me, que logo que o Padre Baltazar chegou aqui em nossa cidade, fizemos uma campanha angariando donativos para a construção da nossa Paróquia. Nessa época, eu ainda era prefeito e com o Jeep da Prefeitura percorremos todo o município. Tudo o que nos ofertavam era válido, desde uma galinha até um boi; de um garnizé a um peru, e assim foi, até que notamos ter o suficiente e que era hora de parar. Foi uma bela campanha que ficou na história e creio que está na memória dos moradores mais antigos daqui. - Aos meus companheiros de batalha e compadres que não cito um a um, sob pena de ser indelicado, ao esquecer de nomear, mas a quem sou imensamente agradecido, pois que deles dependeu toda a minha vida. - Aos grandes amigos e benfeitores da nossa cidade: - Deputado Arnaldo Faivro Busatto, que tenho a honra de ter chamado de amigo. Homem e político como poucos neste país, que incansavelmente lutou pelo sudoeste do Paraná e que muito nos ajudou quando estava na Prefeitura, sempre atendendo às nossas solicitações. - Governador Ney Amintas de Barros Braga, um grande homem, um grande político. Meu conterrâneo da Lapa, que sempre me recebia com um sorriso, me chamando pelo apelido que ele mesmo deu: Lapeano. - Governador Paulo Cruz Pimentel, grande governador e político preocupado com o bem-estar da população. Consegui muitas coisas para o nosso município através dele. - Desembargador Antônio Franco Ferreira da Costa, um grande homem. Foi presidente da Associação dos Magistrados do Paraná entre 1965 e 1968, época que coincide com o meu mandato de prefeito. - Coronel Clóvis Cunha Viana, um homem de respeito, um militar exemplar. E foi através dele que conseguimos muitas obras para o município de Santo Antônio do Sudoeste. - Capitão Cássio, era homem de confiança e subordinado ao Coronel Clóvis. Também muito nos ajudou dando agilidade aos nossos pedidos em favor do nosso município. À minha família: - Aos meus avós, meus irmãos e irmãs, aos cunhados e cunhadas, sobrinhos e sobrinhas; meus filhos e minhas noras; meus netos e netas; e aos meus dez bisnetos, que sempre honraram o nome da nossa família. - Aos amigos incontestes, que sempre estiveram ao meu lado, principalmente nos velhos tempos e que coloco em ordem alfabética para não haver dúvidas quanto à importância de cada um na minha vida. - Arthur Carneiro Pinto, morador da Linha Potrilho Morto, filho do saudoso

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Sebastião Carneiro Pinto. - Ary Daros, comerciante no Bairro entre Rios, grande amigo dos velhos tempos, desde que morava em São Pedro do Florido. - Carlos de Oliveira Claro, meu compadre e conhecido dos tempos em que morei em Barracão, foi um dos pioneiros. que ajudou a abrir as ruas com auxílio de um arado e uma junta de bois, de pelagem preta. Na minha gestão ajudou a abrir a estrada da Linha Formosa. - Deoclides Strapazzon, comerciante do ramo de bebidas, agricultor e suplente de vereador. - Dionísio Scopel, também vereador em duas gestões, sendo presidente da Câmara; uma vez prefeito interino, representando o Bairro Entre Rios. - Emílio de Medeiros, foi eleito vereador por duas gestões, sendo o mais votado. Representava o distrito de Sede União, hoje pertencente ao município de Pinhal de São Bento. - Gelson Pellin, do comércio e cambista, amigo desde 1955 quando ainda era morador na Linha São José, no interior de Pranchita. Genésio Scalon, suplente de vereador e conceituado Delegado Regional de Polícia. - Heitor Rodrigues, vereador, conhecido do tempo das carreiradas acompanhado pelo Sr. Alcantário Knipoff. Representante da cidade, presidente da Câmara, casado com Onélia da tradicional família Carneiro Pinto. - Inocentino Bortolini, vereador, representante o então distrito de Pranchita. - João Jerônimo Longhi, meu inesquecível amigo, sogro de Dionísio Scopel, Juiz de Paz. Tinha a incumbência de resolver todos os problemas da comunidade e o fazia com todo o respeito e responsabilidade. Nesta época não havia fórum e o município era subordinado à Comarca de Clevelândia, Estado do Paraná. Como diziam os mais antigos: a comarca dos Martins de Oliveira. - Josué Batista de Oliveira, vereador em duas oportunidades, com jurisdição na cidade. Mais tarde morto em Cascavel. - Laurentino Chaves da Silva, comerciante e pecuarista na Sede União e grande líder comunitário. - Laurindo Flávio Scopel, vereador em duas gestões, presidente da Câmara, vice-prefeito interino, comerciante, industrial no ramo da metalurgia. Falecido. - Marcolino Silveira Antunes, primeiro subdelegado do distrito de Sede União e também subprefeito. - Mário Antônio Cordeiro, vereador da jurisdição da cidade. - Nestorino Ferrari, vereador em duas gestões representando do Escondido, hoje Linha São Francisco.

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- Olívio Barmann, faz-tudo como era conhecido, zelador de estradas. - Orígenes do Carmo Oliveira, fiscal de tributos municipais, conservador e feitor de estradas. - Otto Passos, meu grande e inesquecível amigo e compadre. Quantas festas fizemos juntos! - Pedro Dias Ortega e sua esposa Fátima, companheiros do comércio e pessoas possuidoras de muitas qualidades sociais. Ele representante do Bairro Princesa Izabel, eleito vereador e prefeito, filho do compadre João Dias Ortega, o Joanin. - Rudi Bohn, sua esposa Eni e seus filhos, que além de vizinhos sempre foram grandes companheiros. - Telmo Brescovici, eleito vereador em duas gestões também com expressiva votação, representante da região de Marcianópolis e Km 5. Casado com Maria Helena nossa grande amiga e pessoa exemplar. - Valentim Faquinello, meu grande amigo, companheiro de luta durante muitos anos. - Zelírio Peron Ferrari, vereador, contabilista, comerciante e prefeito em terceiro mandato, sendo dois consecutivos: o primeiro da história do município. À minha esposa: Agradecimento deixado por último, não por esquecimento, e sim, porque quero encerrar com ela este livro que conta a história da minha vida e, consequentemente, da vida dela, pois, que fomos companheiros inseparáveis por quase cinquenta e oito anos ou mais precisamente, cinquenta e sete anos, oito meses e vinte dias. Ela que não foi, mas continua sendo o grande amor da minha vida e a mãe dos meus filhos. Ela que sempre foi a mulher companheira, batalhadora e o esteio de nossa família. Ela que sonhou os meus sonhos, me deu forças para realizá-los, me deu coragem quando eu enfraquecia, me deu sorrisos de presente e compreensão com os meus erros. Ela que para mim nunca foi passado e é sempre presente: o presente que Deus me deu.

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Cosiderações Finais Em quase um século de vida, eu vi o mundo se transformar de maneira radical. Nasci no interior do Estado do Paraná, numa cidadezinha onde se levava uma vida simples, as famílias sentavam-se nas calçadas no final da tarde para conversar e as pessoas faziam visitas umas às outras: a vida era muito difícil, as famílias eram numerosas e os filhos eram obedientes em tudo aos pais. Havia uma hierarquia a ser respeitada, onde o pai era o chefe da casa e a mãe ficava cuidando do lar e da educação dos filhos. As famílias eram mais unidas, havia mais tempo para os almoços nos fins de semana, as famílias faziam piqueniques após as missas dominicais. Na infância, trabalhávamos para ajudar os pais e os filhos mais velhos eram responsáveis pelos mais novos. Não havia mercados em cada esquina, nem escolas próximas de casa e bastava a criança aprender a ler e escrever para que os pais achassem que já estava alfabetizada. Vi o mundo passar por uma guerra mundial, para a qual me apresentei voluntariamente para defender a Pátria, mas não fui convocado. A partir deste evento, o mundo nunca mais foi o mesmo. A evolução no mundo acelerou-se e tudo mudou de forma tão rápida que foi difícil para quem nasceu nas décadas iniciais do séc. XX adaptar-se à nova forma de ser.

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Para atender às exigências e às necessidades de milhões de pessoas, as cidades precisaram equipar-se com serviços públicos: transportes, escolas, abastecimento de águas, rede de esgotos, coleta de lixo, assistência médica, etc... O mundo mudou, não somente nas áreas de tecnologia, música, artes, moda, moradia, religião, mas também no comportamento dos homens e mulheres. As famílias antes numerosas foram se reduzindo, os casarões foram perdendo espaço e dando lugar aos prédios, os filhos foram crescendo e por necessidade de estudo ou trabalho saíram de casa, casas estas que, muitas vezes, nem têm como comportar as famílias para um almoço de domingo, ou quando existe espaço, já não há a possibilidade de reunir as pessoas, pois cada um está muito ocupado dentro do seu próprio projeto e estilo de vida. Nas cidades grandes e até mesmo nas pequenas observei mudanças na própria estrutura urbana. O coração das cidades deixou de ser a praça, o coreto ou a catedral, lugares onde as pessoas se encontravam, para dar lugar aos grandes arranha-céus, aos grandes edifícios públicos, aos grandes centros comerciais, às sedes das grandes empresas e aos bancos. Os passeios para olhar as vitrines das lojas ou a ida ao cinema passaram a ser dentro de grandes shoppings, porque já não há segurança nas ruas. Tudo tornou-se gigantesco, até mesmo a criminalidade. O ar puro que respirávamos passou a ser poluído, a água antes tão difícil e preciosa, passou a valer quase nada e os homens poluíram os rios onde antes nadávamos. Os anos 50 foram marcados por grandes avanços científicos, tecnológicos e mudanças culturais e comportamentais. Foi nesta década que começaram as transmissões de televisão, provocando uma grande mudança nos meios de comunicação. No campo da política internacional, os conflitos entre os blocos capitalistas e socialista, a chamada Guerra Fria, ganhavam cada vez mais força. E esta década é conhecida como o período dos “anos dourados”. Vários países ocidentais deram uma guinada à esquerda no início da década, com a vitória de John Kennedy nas eleições de 1960 nos Estados Unidos. No Brasil, João Goulart virou o primeiro presidente trabalhista com a renúncia de Jânio Quadros. Se os anos 50 foram marcados por uma crise no moralismo rígido da sociedade, os anos 60 foram marcados pelas experiências dos jovens com drogas, a perda da inocência, a revolução sexual e os protestos juvenis. A pílula anticoncepcional, a minissaia, o biquíni eram coisas que chocavam os mais velhos. As músicas de doces melodias cederam lugar às guitarras. A TV mostrou o homem pisando na Lua, jovens morrendo na Guerra do Vietnã, Fidel invadindo Cuba e a independência das antigas colônias da África e do Caribe. Em 1970, a década mal tinha começado e no Brasil já era festa: conquistamos

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o tricampeonato mundial de futebol, no México, com a primeira transmissão de TV em cores e via satélite para todo o mundo, e nosso país vivia o “milagre econômico”. O mundo conheceu grandes avanços tecnológicos, mas nós, aqui do interior ainda ouvíamos canções sertanejas, e nos alegrávamos com a chegada da energia elétrica, o sistema de telefonia, a inauguração de agências bancárias e asfaltamento da principal avenida. Na vida pessoal descobri a alegria de tornar-me avô. Nos anos 80 vi o final do Regime Militar no país, a promulgação da Constituição Brasileira, que vigora até os dias atuais, a inauguração da Usina Hidrelétrica de Itaipu, entre tantos outros avanços, mas pessoalmente sofri um grande golpe com a perda do meu filho caçula em um acidente de automóvel. No início dos anos 90 perguntava-me se alcançaria o ano 2.000, pois que muitos apostavam no final do mundo antes da chegada do século XXI. Vivi o final da guerra fria com o colapso da União Soviética, a popularização do computador para uso pessoal e a chegada da Internet. No Brasil, sofri o confisco de poupanças pelo presidente Collor, acompanhei pelos jornais, o movimento “caras-pintadas” pedindo seu impeachment. Vi nascer o Plano Real, depois de tantas mudanças de moedas nos anos anteriores, moeda esta que permanece. Enfim, o ano 2000 e a década que mudou o rumo da minha vida. Nela, vi a formatura dos meus netos, os primeiros casamentos da segunda geração da família, o nascimento dos primeiros bisnetos, mas entre tantas coisas boas, aconteceu o pior: perdi a minha inseparável companheira. Hoje, vejo todos da minha família com seus celulares na mão, sem conversar e me pergunto para que tanta tecnologia no mundo, se as pessoas ficam isoladas em seus próprios mundos. Algumas vezes, sinto-me perdido no tempo e no espaço. Não evolui a tal ponto de entender estas coisas, pois ainda preciso de pessoas com quem possa conversar, jogar canastra ou, simplesmente, sentir a presença dos entes queridos ao meu lado.

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