Intervenções urbanas contemporâneas - BERLIM

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intervenções urbanas contemporâneas

berlim Clara Castro Isabelle Mensato Jéssica Seabra Paula Pacheco 2013



índice Prefácio 06 Introdução 08 1. Leituras teóricas 12 1.1. Cidade Global segundo Sassen 13 1.2. Sóla Morales: terrain vague e outros conceitos 15 1.3. Carlo Garcia Vázquez e a cidade culturalista 21 1.4. Otília Arantes e a Mischung berlinense 33 2. Berlim: contexto histórico 38 2.1. A IBA - Internationale Bauausstellung 46 3. Arquitetura da Berlim pós-unificada 3.1. Um contraponto entre Lampugnani e Libeskind

52 55 3.2. As intervenções urbanas 60 3.2.1. Postdamer Platz 60 3.2.2. Alexander Platz 70 3.2.3. Reichstag - Parlamento Alemão 76 3.2.4. Bundeskanzleramt - Nova Chancelaria Federal 82 3.2.5. Friedrichstraße 94 3.2.6. Hauptbahnof - Estação central 88 4. Considerações finais 94 5. Referências 100 6. Lista de imagens 108


prefรกcio


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A presente monografia se coloca como fruto de um trabalho desenvolvido para a disciplina semestral IAU0728 Arquitetura e Urbanismo Contemporâneos II, ministrada no curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sob orientação dos professores Miguel Buzzar e Francisco Salles. Tendo como tema as cidades globais, selecionamos para o estudo a cidade de Berlim, na Alemanha, a ser reconstruída como capital alemã após a queda do Muro de Berlim em 1989. Ao contrário de outras cidades globais, onde comumente há um evento a ser construído (o que impulsiona uma série de mudanças nesses centros urbanos), o “evento” em Berlim é sua própria reconstrução e entrada como capital influente no âmbito mundial. Nesse sentido houve intenção de investigar as bases teóricas que tratam as cidades globais, assim como realizar um levantamento crítico da situação alemã no campo arquitetônico e urbanístico no período pós guerra e pós queda do Muro de Berlim, a fim de estabelecer parâmetros que nos permitam discutir se tal cidade se enquadra na categoria de Cidade Global. Para tanto, o trabalho seguiu um percurso que passa pelas conceituações de cidade global, tocando no contexto histórico da cidade e nas discussões acerca dos rumos da arquitetura e urbanismo no período pós unificação, e também em alguns projetos da época.

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introdução


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No espaço social das décadas de 70 e 80 concorriam uma série de oscilações e incertezas advindas de uma reestruturação econômica e do reajustamento social e político. De acordo com Harvey,

“A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente retirou o mundo capitalista do sufocante torpor da “estagflação” (estagnação da produção de bens e alta inflação de preços) e pôs em movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista.” (HARVEY, 1994, p.140)

Este seria o início da passagem para um regime de acumulação do capital inteiramente novo, associado com um sistema de regulamentação política e social bem distinto. É a passagem da hegemonia do capital industrial para a das finanças globalizadas. A saída do Estado como o grande investidor e o declínio de temas como a produção massificada e o planejamento das cidades, os quais foram recorrentes na arquitetura moderna, deram lugar a forma de gestão empresarial do espaço urbano. (ARANTES, 1999). A partir dos anos 1980, o chamado “planejamento estratégico” passou a figurar de maneira proeminente entre as políticas urbanas adotadas por cidades europeias que se viram face ao esvaziamento industrial e a reestruturação econômica. Entretanto, com a propagação do modelo, essa aproximação à cidade tornouse sinônimo de uma postura competitiva e empresarial na qual a arquitetura em edifícios isolados tem o papel de ativar

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economias fragilizadas ao atrair investimentos, eventos e turistas, desencadear processos de valorização imobiliária e com isso redefinir a identidade de cada cidades a fim de reinseri-las no panorama mundial. (VAINER, 2000; ARANTES, 2010). Percebe-se o crescente vínculo entre cultura e economia e a proeminência das formas de espacialização decorrentes deste vínculo, nas quais “arquitetos renomados buscam a diferença a todo custo, em obras únicas de grande poder simbólico” que “exprimem a um só tempo o novo poder da economia política da cultura e a crise dos programas de bem-estar social.” (ARANTES, 2010, p.5). Esse fenômeno que se exacerba desde final da década de 90 aos anos 2000 está relacionado ao fato de a arquitetura aproximar-se cada vez mais do universo das marcas, ao ser associada a estratégias de marketing urbano ou à promoção de identidades empresariais. É nesse contexto que se inserem as transformações ocorridas em Berlim desde o fim da segunda Guerra Mundial, especialmente após a queda do Muro de Berlim. No primeiro capítulo conceituamos essas mudanças a partir das reflexões dos seguintes autore: Saskia Sassen e o conceito de cidades globais, Sóla Morales com conceitos como gran ciudad, mutación urbana, terrain vague e os contenedores; Carlos García Vázquez e a cidade culturalista e Otília Arantes, com a Mischung berlinense

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permeando suas observações sobre a Berlim através dos tempos. Estas são algumas das pautas nas quais podemos acercar-nos da complexidade da cidade contemporânea, em especial, Berlim. No segundo capítulo fazemos uma breve contextualização do que tem sido a construção de Berlim desde meados do século XVIII, especialmente no que diz respeito à distribuição socio-espacial e às condicionantes políticas e econômicas. Nesse capítulo passamos por experiências paradigmáticas como as Siedlung e a IBA - Internationale Bauausstellung. Por fim, no capítulo três trazemos um pedaço do debate sobre a arquitetura dita pós-moderna, aqui exposto na contenda entre Lampugnani e Libeskind e uma pequena mostra dos megaprojetos em curso em Berlim.

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leituras teóricas 12


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1.1. CIDADE GLOBAL SEGUNDO SASSEN Segundo Saskia Sassen, as cidades, com o final do século XX, tendem a se tornar obsoletas como entidades econômicas (SASSEN, 1998). A realocação de escritórios e fábricas para áreas menos congestionadas e de menor custo farão com que o local de trabalho possa localizarse em qualquer lugar, não necessariamente nas grandes metrópoles. Já na década de ‘80, com o advento das telecomunicações em larga escala, as regiões centrais das grandes metrópoles, onde se concentravam os negócios, atingem uma densidade nunca vista até então. Nesse contexto, Sassen coloca o questionamento de que as telecomunicações alteram a função econômica das cidades de tal forma que as transforma em uma economia global. O conceito de economia global é ilustrado por imagens dominantes e parciais, tais como as transferências bancárias instantâneas, a economia da informação e a virtual diminuição das distâncias. Consequentemente, se tratam de representações inadequadas do que é a globalização e do que o aparecimento das economias da informação trazem para as cidades, visto que faltam a esse modelo abstrato os processos, atividades e infraestrutura materiais necessários para a implementação da globalização. Essa ênfase nas dimensões da informação em detrimento

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das dimensões espaciais distorce o papel exercido pelas cidades na atual fase de globalização. Existe já há vários séculos uma economia mundial que se mostra mutante ao longo do tempo: em cada período histórico, a economia mundial aparece sob a forma de uma combinação de áreas geográficas, indústrias e arranjos institucionais variados. Nos últimos vinte anos, o aumento da mobilidade do capital (principalmente a níveis acima do nacional) leva a formas específicas de articulação entre áreas geográficas e a transformações na forma com que tais áreas atuam na economia mundial. Esse aumento gera demandas por diversos tipos de produção necessários para o gerenciamento, controle e prestação de serviços dessa nova organização, como por exemplo, o desenvolvimento de telecomunicações e serviços especializados, indispensáveis para o gerenciamento de uma rede global. A teoria fundamental do texto de Sassen é de que essas transformações na composição da economia mundial ocorrida nos últimos vinte anos suscita a importância das grandes cidades como locais destinados a certos tipos de atividades e funções. A autora irá, com isso, definir o que chama de cidades globais. Para ela, são cidades que desempenham um papel estratégico, são pontos de comando na organização da economia mundial, lugares e mercados fundamentais para indústrias de destaque do atual período - finanças e serviços especializados destinados a empresas - e lugares de produção fundamentais para tais indústrias.

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1.2. SÓLA MORALES: TERRAIN VAGUE E OUTROS CONCEITOS O arquiteto catalão Ignasi de Sóla-Morales (1942-2001) foi responsável por delinear alguns conceitos desde os quais a arquitetura pudesse delinear sua capacidade e escala de intervenção nas metrópoles contemporâneas. Questionou com isso, os parâmetros com os quais a arquitetura vem enfrentando as solicitações urbanas em tempos de cidades globais e culturas midiatizadas. A seguir mostraremos em linhas gerais os conceitos de resistência, mutações e terrain vague a fim de nos situarmos frente ao referido debate. A noção de resistência, consagrada por Kenneth Frampton em defesa do “regionalismo crítico”, trazia a necessidade de arquitetura moderna reverter sua tendência universalista de isentar a obra arquitetônica de qualquer identidade particular. O regionalismo seria o caminho para ancorar determinadas arquiteturas ao seu meio específico. Isso poderia ser feito através dos materiais, métodos construtivos, inserção paisagística e tectônica, estabelecendo determinadas relações que a livrariam do universalismo. Para Solà-Morales, a ideia de resistência desenvolvida por Frampton continua válida apenas como atitude crítica e como argumento para a busca de novas abordagens na arquitetura contemporânea. Já a defesa de um regionalismo se mostra problemática, sendo uma “recuperação ingenuamente fenomenológica” muito distante de qualquer

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crise da metrópole contemporânea. (PASSARO, 2004). Berestein defende que o contextualismo, assim como o regionalismo, está dotado de uma “falsa aura” redentora supostamente capaz de relacionar, sem traumas, a arquitetura com o contexto cultural e urbano. Se tomarmos as intervenções em Berlim citadas ao longo do presente trabalho vemos que essa consideração relaciona-se com muitas das críticas aos procedimentos adotados nas intervenções. Em Berlim, como por exemplo na Friedrichstraße ou em Potsdamer Platz, a incorporação da história refletiu-se na utilização do traçado urbano oitocentista como ponto de partida. Dessa forma, a relação com o existente foi pensada a partir da bidimensionalidade do plano. O viés experimental se limitou no que diz respeito à forma urbana se limitou ao tratamento epidérmico das fachadas. Em Potsdamer Platz, por exemplo, os singulares espaços remanescentes da Segunda Guerra e da Guerra Fria desapareceram. Como frisa Berestein, a ocupação maciça de Postdamer Platz e da Friedrichstrasse configuram posturas alheias ao contexto, aproximando-se mais de uma atitude autista e auto-referente, do que propriamente contextual, como pretendia Stimann. A história do passado recente destes lugares não foi considerada nos projetos. Nesse sentido, os critérios com que foram escolhidos os monumentos preservados estiveram relacionados a uma

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história seletiva. Foram preservadas obras de arquitetura que possuíam um status já estabelecido como monumento – o que ocorre também com o Reichstag, ainda que de forma um pouco diferente - e destruídos os espaços e as construções que não possuíam um reconhecimento fácil e imediato. Esta situação está relacionado com a submissão aos poderes estabelecidos. Em Berlim, a figura do interventor-investidor privado ditou as regras concernentes ao uso do solo, o que teve seus reflexos imediatos na qualidade arquitetônica e urbana obtida. Segundo Solà-Morales, uma arquitetura de resistência deve desviar-se dos mecanismos de submissão, propondo uma arquitetura que contemple simultaneamente os valores da memória, da ausência e da inovação. Seguindo essa lógica, o autor coloca a necessidade de repensar a concepção de projeto, tanto arquitetônico como urbano, que já não mais seguem as leis da estática e estabilidade da firmitas vitruviana. Sóla-Morales chega a denominação mutación urbana quando questiona o modelo orgânico-evolucionista. Nesse modelo os processos de mudança podem ser explicados através de uma análise temporal, considerando em geral períodos de grande duração, e dos reajustes estabelecidos permanentemente entre forma e função. Porém, o autor indaga como poderíamos explicar as respostas dadas a destruições súbitas como catástrofes e guerras. Ou ainda, como entender o impacto imposto por inovações tecnológicas.

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En general, ante estes fenómenos el pensamiento crítico arquitectónico lo primero que hace es reclamar coherencia, armonia y equilíbrio entre esta explosión mutativa, y lo ya construído: el entorno natural, la historia o cualquier outra mediación externa al fenômeno mutacional mismo. (...) Resulta preocupante como ante acontecimientos de tal magnitud inovadora la disciplina arquitectónica y las exigências del mercado y de las políticas acaban, casi siempre, echando mano de formas absolutamente banales e historicamente obsoletas, cuyas limitadas innovaciones serán, en el futuro, la causa de múltiples y gravisimos problemas. (SÓLA-MORALES, 1996, p.14)

Potsdamer Platz foi um caso em que a mutação foi negada nos seus edifícios e espaços urbanos, dando lugar a uma arquitetura formalista e de submissão. O que Koolhaas reclamava em sua carta aberta era, indiretamente, a adoção de formas de resistência, morfologias abertas e interativas. Estas só poderiam derivar de um entendimento muito mais complexo do que foi realizado em Berlim dos movimentos e das diversas forças que atuam na metrópole contemporânea. Dessa forma, a arquitetura deveria oferecer respostas condizentes com a mutiplicidade de realidades que compõem o quadro urbano contemporâneo, da mesma forma como a fotografia e o cinema contemporâneo oferecem olhares diferenciados e sugestivas visões da paisagem urbana. A leitura que Solà-Morales faz sobre o habitar na metrópole relacionado mais à ausência do que à presença é o ponto de partida para o próximo conceito aqui esboçado. De acordo

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com o autor, a experiência da ausência é a que pode mais fielmente caracterizar o homem metropolitano. Subentendese neste enfoque a multiplicidade e a fragmentação com que a experiência metropolitana se apresenta. O conceito de terrain vague configura então uma atitude de projeto na qual, a questão da ausência, e seu lugar no continuum espaço-temporal, são contemplados. Há duas raízes latinas que confluem no termo francês vague. Em primeiro lugar, vague como derivado de vacuus, vacant, vacum em inglês, ou seja, empty, unoccupied; mas também free, available, unengaged. A relação entre a ausência de uso, de atividade e o sentido de liberdade, de expectativa, é fundamental para entender toda a potência evocativa que os terrain vague das cidades tem na percepção da mesma nos últimos anos. Vazio, portanto, como ausência, mas também como promessa, como encontro, como espaço do possível, expectativa. Berestein nos lembra que a ideia da arquitetura e do urbano esteve durante muito tempo relacionada à imposição de ordem e de limites. A criação de suas formas esteve relacionada a códigos de entendimento universais ou a criação ou problematização de uma identidade particular. Contemporaneamente, resulta bastante difícil a apreensão destes espaços sob mecanismos convencionais de projeto. O potencial destes espaços pode ser revelado nas cidades atuais, segundo muitas chaves de pensamento arquitetônico e urbanístico contemporâneas, pela ideia de continuidade.

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Conjuntos como o da Potsdamer Platz ou a intervenção na Friedrichstrasse podem ser entendidos como modelos de cidade ordenada, regulada, cujos espaços projetados negaram o valor evocativo dos terrain vague. Nesse sentido: “Como a arquitetura pode atuar no terrain vague sem se tornar um agressivo instrumento de poder e da razão abstrata? Indiscutivelmente, através da atenção à continuidade: não a continuidade da cidade planejada e eficiente, mas a continuidade dos fluxos, das energias, dos ritmos estabelecidos pela passagem do tempo e pela perda de limites. (...) Devemos tratar a cidade residual com uma cumplicidade contraditória que não destrua os elementos que mantém sua continuidade no tempo e no espaço.” (SOLA MORALES, 1995, p.123 apud PASSARO)

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1.3. CARLO GARCIA VÁSQUEZ E A CIDADE CULTURALISTA Na introdução de Ciudad Hojaldre, Carlos García Vázquez nos remete ao ano de 1965, no qual Françoise Choay escreve o livro “O Urbanismo: Utopias e Realidades. Uma Antologia”. Com essa referência, Vázquez desenvolve seu discurso, retomando a tarefa de Choay de “con el deseo de explicar los discursos teóricos que subyacían detrás de la práctica urbanística y la arquitectura de la ciudad” (VÁZQUEZ, 2004, p. 1). O autor de Ciudad Hojaldre – palavra esta que significa “massa folhada” em espanhol - nos confronta com diferentes visões das temáticas culturais, sociológicas, orgânicas e tecnológicas, acompanhadas de exemplos paradigmáticos: Berlim, Los Angeles, Tokio e Houston. Seu método para a compreensão total da análise é a superposição de várias camadas que, ao contrário da metodologia matricial que ao cruzar diferentes visões pode obter uma nova visão que compartilha em sinergia os valores originais, o hojaldre acumula. Com isso, em sua leitura da cidade contemporânea, Vázquez traça doze formas de cidade que compõem as camadas de uma mesma cidade. Berlim é inserida na abordagem culturalista da cidade. Quando Vázquez utiliza o termo culturalismo, remete aos intelectuais August W. N. Pungin e John Ruskin no século XIX

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ou Camillo Sitte e Raymund Unwin, no século XX. O que une esses pensadores é o olhar da cidade como fato cultural. Olhar este que privilegia a história e a identidade cultural, os valores culturais das pessoas e o sentido estético e artístico da cidade. Diferenciando-se de um olhar progressista que prioriza valores matérias e funcionalistas. Segundo Vázquez, as ideias culturalistas e progressitas estiveram em embate ao longo da história. A visão culturalista foi retomada em meados dos anos 1970 quando a crise do petróleo, acompanhada por uma série de transformações no capital colocou em cheque o otimismo dos progressistas. Essa nova leitura, uma das faces do capitalismo tardio, apesar de grandes semelhanças com as noções culturalistas defendidas no passado, apresentava-se sob novo enfoque, uma vez que o contexto socioeconômico não era mais a sociedade industrial e o welfare state, mas a globalização, a cultura de massas e o neoliberalismo. A noção do pensar a cidade a partir da disciplina remonta aos anos 60, quando a Europa trabalha no sentido de recuperar ou redescobrir seus valores, sua tradição. Nesse período, na Itália formou-se o grupo Tendenza, dirigido por Aldo Rossi. Esse grupo nascia com os questionamentos sobre o modernismo e a cidade contemporânea e seria, segundo Vázquez “o pensamento mais influente do último terço do século XX na Europa”. (VÁZQUEZ, 2004, p.7) A base dos ideais desse grupo era constituída pelo revisionismo marxista do político italiano Antonio Gramsci e

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sua intenção de construir uma nova cultura de esquerda. Para tanto , a arquitetura e o urbanismo seriam incorporados a esse ideal, necessitando para isso, a reformulação destas como disciplina. Esse desejo de redefinição surgiu do entendimento de que ambas as disciplinas estavam contaminadas pelas perguntas não respondidas do movimento moderno. Eram indagações sobre a inadequação dos preceitos deste às necessidades da cidade contemporânea. A leitura desta cidade começava a apresentar uma problemática com um caráter distinto em relação aos gestos revisionistas dos últimos CIAM`s, e uma lógica até certo ponto externa aos parâmetros da arquitetura moderna. Neste contexto de incertezas e crise , tais disciplinas haviam se desligado dos planos social, político e cultural aos quais estiveram intimamente associadas, pelo menos nos discursos, durante as décadas do auge do movimento moderno. De acordo com Harvey, neste momento o gerenciamento estatal fordista e keynesiano passou a ser associado à austera estética funcionalista do alto modernismo, no campo dos projetos racionalizados. Tais projetos seriam resultado de paradigmas mecanicistas e redutivos que produziam espaços urbanos fisicamente limpos e ordenados, mas sem a vivência social e a qualidade de vida prometidas pelo urbanismo moderno. Dessa forma, críticos da aridez suburbana e da monumentalidade monolítica dos centros das cidades, a exemplo de Jane Jacobs “se tornaram uma minoria vociferante que articulava

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todo um conjunto de insatisfações culturais”. (HARVEY, 1994, p.133) Diante disto, para a Tendenza ficou claro que a única forma de integrar novamente estas disciplinas às outras áreas humanas e aos objetivos da política de esquerda era refunda-las como disciplinas autônomas: arquitetura, urbanismo, sociologia, filosofia, arte, etc. Esta maneira surgia “o projeto de repensar a cidade desde termos estritamente disciplinares, ou seja, nascia a cidade da disciplina” (VÁZQUEZ, 2004, p8) Essa estratégia supunha a elaboração de uma teoria coerente e articulada, o que implicou em uma nova definição urbana, elaborada por Aldo Rossi. Esta tinha como base parâmetros exclusivamente arquitetônicos, “um urbanismo onde a cidade fora considerada desde o estrito ponto de vista da construção, de sua essência racional.” (VÁZQUEZ, 2004, p.8) No caso especifico de Berlim, os conceitos de cidade da disciplina foram implementados a partir dos propósitos do IBA, uma exposição de arquitetura que ocorria desde 1979, como se verá mais adiante, no próximo capítulo do presente trabalho. A IBA surgiu sob o lema “wohen in der innenstadt”, ou seja, “viver no centro da cidade” e se constituiu como um programa de reforma urbana que, naquele período, baseouse na construção de habitações sociais com o financiamento do governo, a fim de preservar o setor residencial nas zonas

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mais degradadas do centro sem desmanchar o tecido social existente. A ideia de pensar o urbanismo segundo o paradigma da “cidade por partes” foi a principal marca da IBA naquele período. As transformações do capitalismo após 1973 acarretaram novas questões às cidades como a obsolescência de determinados setores industriais e problemáticas sociais como o desemprego estrutural e o crescimento da pobreza. Surgiu assim, a necessidade de criar medidas planificadoras que se adaptassem à nova realidade urbana. Reclamavase então a redefinição dos instrumentos urbanísticos modernos, tarefa da qual se encarregou o grupo Tendenza. Porém, Vázquez alerta que: “La forma de La ciudad contemporânea no respondia a fenômenos arquitectoicos, sino a otros de origen econômico, político y técnico por lo que no consistía em una unidad reconocible solo desde el punto de vista de La arquitetura, sino em un inmenso aglomrado de edifícios donde el casco histórico era una pieza exígua y desnaturalizada” (VÁZQUEZ, 2004, p.14) Essa fala corrobora com o fato de em seguida, nos anos 80, as ferramentas planificadoras terem sido, em certa medida, substituídas pelas regras dos investidores privados, criando aquilo que Hall denomina de “cidade dos promotores”, quando a desregulamentação tardio-capitalista havia chegado ao urbanismo”. (VÁZQUEZ, 2004, p.16). Um

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exemplo representativo citado dessa nova forma de fazer cidades foi o caso inglês com a politica de Margaret Thatcher, que tinha como slogan market leads planning, ou seja, o mercado decide e o governo apenas executa a gestão. A ausência do plano demonstrou-se como uma grande ameaça principalmente quando percebeu que setores estratégicos para o funcionamento das cidades, como os de infra-estrutira, sem um plano que integrasse as diversas dinâmicas urbanas. A solução, na visão culturalista, era buscar uma solução intermediária entre o excesso de rigor moderno e um horizonte sem planos. Este debate esteve presente de maneira mais significativa de novo na Itália , nas décadas de 80 e 90. Bernardo Secchi, então professor do Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza e diretor da revista Urbanística , escreveu em 1984, na revista Casabella , o artigo intitulado “Le condizioni sono cambiante”. Neste , Secchi falava de uma serie de fenômenos que assolavam as cidades européias, condicionadas pela radical mudança social e econômica na passagem para o capitalismo tardio. García aponta o trabalho de Secchi como “uno de los esfuerzos más relevantes para adaptar la figura del plan general a las condiciones socioeconómicas contemporáneas”, con “la reutilización de la ciudad existente” (VÁZQUEZ, 2004, p. 18).

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Sua proposta, no entanto, não supunha que estas edificações devessem ficar inalteradas ou engessadas pelas regras de preservação patrimonial. Ao contrário, Secchi defendia um grande investimento no setor de reforma arquitetônica, tendo em vista a adaptação às novas necessidades colocadas pelas mudanças sociais e urbanas, alem da intenção de melhorar a qualidade de vida nos centros já consolidados, sem ter de explorar e destruir novas áreas, tanto agrícolas como naturais. Secchi destacava ainda a importância de atentar para leis de mercado, que não poderiam deixar de ser levadas em conta, pois resultaria em um programa utopico e pouco aplicável como o que ocoreu com o grupo tendenza. Quando este defende a idéia de identidade, pode-se questionar como isso se da em uma sociedade cada vez mais globalizada. Ou ainda, poderia-se perguntar como aplicar os conceitos do estruturalismo numa cidade tão fragmentada como as metrópoles contemporâneas? Via-se que as idéias de Rossi eram de difícil aplicação em outras realidades diferentes dos centros históricos europeus. Portanto, Secchi propõe uma nova metodologia de analise. Para tanto, utiliza-se, segundo Vázquez, da própria critica às ideias de Rossi, pois formula uma estratégia baseandose nas regras e nas “exceções”, já que enxerga as analises urbanas do Tendenza, centradas nas noções de estrutura, monumento e tipo , como um conceito muito rígido, ou seja, como regras.

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Em sua nova teoria, haveria um plano geral – a “regra”- a ser seguido na maior parte das situações urbanas , enquanto que naquelas muito peculiares ou que demandassem uma abordagem diferenciada, seriam aplicadas entre as “exceções”, abarcando assim a cidade contemporânea em sua totalidade. Para atingir seu intuito, Secchi propunha “costurar” as partes distintas da cidade a partir de uma metodologia a partir de dois pontos-chave: - tratar as especificidades do lugar e reduzir a expansão urbana ao mínimo, utilizando sempre que possível o território já existente. Nesse sentido, é interessante notar como a ideia de “constura” de Secchi parece convergente com a ideia de continuidade presente em Sóla-Morales, como veremos no sub-capítulo a seguir. Alem das contribuições de Secchi para pensar um novo urbanismo, este também criou, na década de 80, uma classificação em fases do planejamento urbano que se dividiria em: primeira geração (década de 1950), relacionado à expansão urbana; segunda geração (década de 1970), que influenciados pelo grupo Tendenza se empenharam em dotar a cidade de serviços sociais adequados; e a terceira geração, cujos planos limitavam-se a mudar a cidade e aspiravam adequar os espaços às necessidades da sociedade. (VÁZQUEZ, 2004, p.20). De acordo com o autor, o grande problema dos planos da terceira geração estaria no fato de não assumirem realmente que o poder publico não poderia controlar o

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desenvolvimento urbanístico e que a função que lhe caberia, muito provavelmente, estaria atrelada a de “assistência “ou “regulação”. Essa etapa só surgiria nos anos 1990, com o surgimento do chamado planejamento estratégico, que segundo Vázquez seria o ponto de convergência entre a “cidade dos promotores” e a cidade planificada. Essa nova forma de planejamento pode ser diferenciada do plano geral: “(...) mientras que este es un producto cerrado en el tiempo y el espacio, aquel es un documento ‘en processo’ que evoluciona segun las circunstancias; si el plan general establece medidas normativas y tecnocráticas, el plan estratégico aprovecha las estratégias; mientras que el primer atende a la oferta de suelo y infraestruturas, el segundo lo hace a la demanda de ciudadanos y empresas; si uno se cine al ambito administrativo municipal, el outro lo supera, etc.” (VÁZQUEZ, 2004, p.23) No caso específico da Berlim pós-unificação, procurou-se traçar um plano urbanístico de regulamentação baseado em propostas de contenção, tirando partido da experiência de crescimento interior que a cidade havia adquirido nos anos de isolamento. Essa estratégia de trabalhar com o centro urbano reflete a forte influencia das ideias de Secchi, ou seja, investir na área inserida dentro do perímetro urbano, tratando pontos específicos com o intuito de promover ligações ou

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“costurando” o tecido existente a partir destas intervenções. No caso de Berlim, havia peculiares vazios urbanos que facilitariam essas operações centrais: aqueles deixados pela guerra e os resultantes da derrubada do muro. A lógica de cozer faria muito sentido num território marcado por partes tão distintas. Alem disso, investiu-se em infraestrutura viária que privilegiava o transporte coletivo em detrimento do automóvel. Houve grande investimento nas linhas de trem e metrô, que não eram agressivas ao tecido urbano como o foram as autopistas dos anos 60. Apesar de vários pontos colocados por Secchi serem levados em consideração nas propostas desta nova capital, Vázquez faz grande ressalva às intervenções realizadas pelo projeto Berlim-2000, nas quais percebe-se varias inadequações as lógicas sócio- econômicas contemporâneas. O próprio Secchi já havia destacado em seu artigo Le condizioni sono cambiante a necessária atenção que deveria ser empregada às novas condições sociais, políticas e econômicas. No entanto, a política empregada por Hans Stimman, Secretário de Obras do Estado, trouxe aquilo que Vázquez chamou de uma certa nostalgia de modelo público que entraria em embate com o “descarnado modelo privado da Berlim 2000”. As medidas com forte caráter progressista como intervenção estatal, limitação de densidade, defesa do espaço publico, dentre outras, foram colocadas em cheque a partir da

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existência de dois atores representativos do capital privado: a empresa publica responsável por privatizar os bens imobiliários da antiga Berlim oriental, denominada TreuhandAnstalt e as grandes construtoras internacionais. A partir destas, Vázquez elucida varias operações que demonstram a perda de poder deste Estado planificador frente ao poder das grandes corporações e lógica mercantil, marca esta que estará fortemente presente em muitas outras cidades inseridas no contexto das cidades globais. Em Berlim, pode-se enumerar alguns exemplos cruciais desta constatação: A Treuhand-Anstalt coloca a venda grandes pedaços de solo oriental, que se torna facilmente acessíveis às empresas mais poderosas; este fato vai de encontro com as primeiras propostas as IBA de construção por partes; Consequentemente as construtoras que adquirem esses terrenos não interessa “nem a arquitetura nem a reconstrução da identidade da cidade”, como Hans Stimman desejava. Isso se dá porque a construção efetuada por estes empreendedores caira em mãos de companhias muitas vezes desconhecias, e estas alugarão ou venderão os edifícios, ou seja, não há uma relação direta entre bem e proprietário, mas sim pura interesse de mercado; Outro problema é o grande investimento em construções comerciais e de serviço, em detrimento das habitações. Mesmo com a cota mínima de 20% de moradias exigido

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pelo governo, o respeito a estrutura social preexistente não foi seguido, já que aqueles que habitariam o centro seriam os que mlhor condições finaceiram tivessem,em geral empresários; Outro fator econômico que mudou muito entre a IBA do final dos anos 1980 para o projeto Berlim-2000, foi o acentuado aumento do preço do solo.com isso, as limitações de gabarito também exigidas pelo estado planificador tiveram de ser revistas. Os limites máximos passaram dos 22m para os 30m , sendo, alem disso, utilizados pisis subterrâneos. Por ultimo, é levantada a dependência do projeto Berlim-2000 aos investidores privados. O caos que García destaca é o da Potsdamer Platz, assim como o faz Otília Arantes, que deixou evidente a força das multinacionais representado nesse empreendimento pelas empresas Daimler bens, Sony Y A+T. Poderia-se dizer, portanto, que embora Berlim não possua um planejamento estratégico propriamente dito, usa ferramentas muito próximas deste plano, corroborando mais uma vez com as ideias de Otília Arantes.

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1.4. OTÍLIA ARANTES E A MISCHUNG BERLINENSE Otília busca no contexto estadunidense da década de 1970 as origens do modelo de urbanismo que foi posteriormente levado à Europa para elucidar os traços característicos de cidade entendida enquanto growth machine (a máquina de crescimento). Como destaca, nos EUA pós recessão de 1973, nasceram as ideias segundo as quais os gestores das cidades não deveriam tanto controlar o uso do solo e o crescimento urbano, mas incentivá-lo. O urbanismo, a partir de então, deixaria de ser pensado na chave da regulação das forças especulativas, mas no sentido de criar condições para alavancar a economia. Assim nasceram parcerias entre poder público e iniciativa privada, que nem sempre geram tantos benefícios aos cidadãos da cidade quanto lucros aos setores imobiliário, hoteleiro, turístico e de eventos culturais. Nesse quadro, Otília mostra como o consumo cultural, que é essencialmente visual, é uma dimensão altamente planejada do capitalismo contemporâneo e que, aliado a estratégias que induzem ao consumo “seletivo” do espaço e do tempo geram os processos de “requalificação” urbana, e a consequente gentrificação social. Nesse sentido, a cultura não é apenas campo fértil para expansão do capital, mas, sobretudo, é geradora de consensos políticos. A estetização das cidades contribui então para que estas mostrem-se como bem-sucedidas, dinâmicas, convincentes tanto aos investidores quanto a seus habitantes. Configura-

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se o “espetáculo urbano” com funções de marketing e de controle social, e não mais como forma de resistência ou de festa popular. Adentrando o caso especifico de Berlim, Otília mostranos como a mistura social, que corresponde à mistura de funções na cidade, é considerada hoje a “nova receita de salvação urbana”, tendo se formado uma “curiosa unanimidade em torno de uma bandeira de resistência aos processos de segregação urbana, discriminação de classe e consequente degradação de regiões inteiras.” (ARANTES, 2012, p.106) A Mischung, para os alemães, era anterior ao contemporâneo “modo de fazer cidades” [1], mas estava sendo reapresentada, com uma nova roupagem. A autora frisa que a reurbanização da cidade ocorreu a partir de acontecimentos de maior importância histórica: a Queda do Muro e a reunificação alemã. Em Berlim não falava-se, pelo menos oficialmente, em Planejamento Estratégico. Mas a fórmula era a mesma, mais uma vez embasada na cultura. A cidade não sediou nenhum dos megaeventos, mas estavam lá o conjunto de expedientes do empreendedorismo urbano:

[1] Esta ideia será melhor desenvolvida no próximo capítulo, explicitando como a mistura social aparece.

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“[...] megaprojetos emblemáticos; urbanismo acintosamente corporativo, nenhuma marca global ausente; gentrificações se alastrando por todo o canto; exibicionismo arquitetônico em grande estilo; parques museográficos; salas de espetáculos agrupadas em complexo multiservice de aparato – e muita, muita ‘animação cultural’ disponível para 24 horas de consumo” (p. 110).


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Com isso, a mistura social apareceu na renovação de Berlim como a “linha de frente”. Focando no projeto da Potsdamer Platz[2], o qual ela considera a “imagem edificada emblemática desse interacionismo social programático”, a autora analisa de que modo em tal complexo articularamse a ideia de mistura social e as tendências mais gerais que fazem espaços públicos ganharem feições de parques temáticos. De acordo com ela, “os argumentos iam da defesa dos grandes projetos à diversidade, da sociabilidade “concentrada” do espaço adensado ao poder interativo do divertimento.” (ARANTES, 2012, p.111) O projeto então a ser implantado na Potsdamer Platz deveria ser o grande símbolo da nova Berlim moderna e unificada, refletindo a condição de espaço estratégico que possuia, muito mais do que as outras áreas de intervenção (Friedrichstrasse, Alexander Platz, Ilha dos Museus, etc.). Deveria retomar a antiga animação do local e aparecer como um headquarter capaz de atrair empresas multinacionais. Assim, o complexo teve a participação de corporações do porte da Sony, Daimler-Benz e BrownBovery, além da contrapartida estatal de 5 bilhões de marcos em infraestrutura. A construção do lugar contou com a presença de muitos dos arquitetos do star system: Renzo Piano e Richard Rogers estiveram em escritórios, residências “exclusivas”, no Cassino, no Music Hall; Isozaki no Banco de Berlim, Cinemas, Hóteis; Moneo também em escritórios e no Hyatt Hotel.

[2] A forma construída desse complexo é melhor discutida no terceiro capítulo do presente trabalho.

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O projeto então a ser implantado na Potsdamer Platz deveria ser o grande símbolo da nova Berlim moderna e unificada, refletindo a condição de espaço estratégico que possuia, muito mais do que as outras áreas de intervenção (Friedrichstrasse, Alexander Platz, Ilha dos Museus, etc.). Deveria retomar a antiga animação do local e aparecer como um headquarter capaz de atrair empresas multinacionais. Assim, o complexo teve a participação de corporações do porte da Sony, Daimler-Benz e BrownBovery, além da contrapartida estatal de 5 bilhões de marcos em infraestrutura. A construção do lugar contou com a presença de muitos dos arquitetos do star system: Renzo Piano e Richard Rogers estiveram em escritórios, residências “exclusivas”, no Cassino, no Music Hall; Isozaki no Banco de Berlim, Cinemas, Hóteis; Moneo também em escritórios e no Hyatt Hotel. O complexo da Potsdamer Platz é lido pela autora na chave das operações que têm como modelo inicial o Rockefeller Center, cujo escopo é ser uma cidade em miniatura, uma cidade dentro da cidade. Como resultados, temos um super adensamento cultural, espaços bastante destoantes do restante da cidade e ainda, muitos milhão de metros quadrados de escritórios ociosos. Neste sentido, para a autora ocorreu sim na Potsdamer Platz alguma mistura: de funções e atividades, mas nem de longe uma mistura social. Otilia aponta ainda que a Potsdamer Platz, “possivelmente apenas um lugar de produção de imagens”, pode mesmo vir a se tornar um core da nova capital. Em tom de ressalva

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ela admite que a Potsdamer Platz poderia ser considerada uma tentativa de cosmopolitismo, especialmente quando comparada com projetos de posturas um tanto duvidosas, como o da praça dos poderes, enquadrada pelo Parlamento, o antigo Reichstag. A restauração deste, o resgate da monumentalidade e, de modo um tanto dissimulado, do gosto pelo neoclassicismo no edifício em frente, a nova chancelaria retomam ali valores de tempos pouco demoncráticos da historia alemã. Por fim, se a Potsdamer Platz e praça dos poderes por um lado são contrastantes, por outro parecem ser complementares, à medida que modernização e tradição nacional tentam novamente ser combinados.

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berlim: contexto hist贸rico


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Acompanhando o pensamento de Otília Arantes, neste capítulo segue-se uma breve contextualização do que tem sido a construção de Berlim, especialmente no que diz respeito à distribuição socio-espacial e às condicionantes políticas e econômicas. No início da época manufatureira, quando havia em Berlim uma relativa proximidade entre as várias camadas sociais, estas se distribuíam de forma bastante hierarquizada nas construções, que eram denominadas Mietskasernen ou “casernas de habitação coletiva”, construções do século XIX feitas em parcelas profundas de lotes longos (de 200 a 400 m) e que se compunham, geralmente de um edifício sobre a rua, de uma ala lateral, de outros edifícios transversais e vários pátios (HÄUSSERMANN apud ARANTES, 2012). Dessa forma, a mischung era relativa e foi desaparecendo com o aparecimento da indústria e o surgimento de uma nova forma de urbanismo quando na região norte e leste passaram a se concentrar as habitações em uma peça isolada, sombrias e mal arejadas. Em oposição a estas construções havia as residências faubourgs e de certos arredores privilegiados, minorias existentes sobretudo no oeste da cidade. (ARANTES, 2012, p.144) De acordo com Otília, Berlim sofreu uma segunda onda “democratizante” no anos 20, com a Bauhaus e a construção da Siedlungen. Nessa experiência durante a República de Weimar pela primeira vez confiou-se a arquitetos a tarefa de construir grandes quantidades de alojamentos. Estes mostraram-se como uma alternativa às Mietkasernen:

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modernos, coloridos, padronizados e com jardins. Logo, do ponto de vista arquitetonico trouxeram resultados positivos para as condições habitacionais, pois por meio de parametros construtivos definidores de tipologias diversificadas os arquitetos experimentaram diferentes soluções formais para casas economicas. Entretanto, através de sua conformação pretendiam também acabar com a dicotomia entre centro e periferia, ao que Tafuri refuta que as Siedlungen na verdade reproduziam a dualização da cidade, uma vez que consubstanciam um modelo de intervenção baseado na ideologia anti-urbana com objetivos sociais. Eram segundo o autor “um oásis de ordem, um exemplo de como se tornar possível, através da organização da classe operária, propor um modelo alternativo de desenvolvimento urbano, uma utopia realizada” (TAFURI, 1975, p.81). Essas experiências, do ponto de vista urbannístico, não foram bem sucedidas quando os projetos levaram os princípios do zoneamento às últimas consequencias, e as Siedlungen se configuram como áreas estritamente residenciais, distantes do centro e desprovidas de serviços. Por fim, altos aluguéis acabaram fazendo com que as Siedlungen não se destinassem à classe operária. (HÄUSERMANN apud ARANTES, 2012) Já no pós-guerra não havia atrativos para investimentos na Berlim oriental, enquanto a Berlim ocidental era reconstruida - ou acabou de ser destruída, de acordo com o humor ácido de Otília Arantes - por construtoras e altas subvenções do governo federal. Criou-se nesse momento uma mistura que não obedecia à lógica do mercado, o que entravou ainda mais a economia e fez com que a mão de

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obra qualificada e as elites econômicas avançassem para oeste e sudoeste, distanciando-se dos centros. O centro, cada vez menos adensado populacionalmente, teve seus grandes apartamentos abandonados e posteriormente transformados em moradias populares e comunitárias, atraindo imigrantes e estudantes - os squatters dos anos 70. (ARANTES, 2012, p.145) Na região Leste por sua vez, criaram-se grandes conjuntos habitacionais que pretendiam ser moradias socialistas exemplares. Os mais conhecidos são de Karl-Marx Alee, um bulevar monumental construido entre 1952 e 1960 e nomeado como Stalinalle entre 1949 e 1980. Nesses conjuntos ocorreu de acordo com Arantes, uma mistura sui generis, embora a proximidade fosse apenas física: durante o dia todos trabalhavam e as crianças iam para as creches; nos finais de semana refugiavam-se nas suas pequenas casas de campo. Além disso, a prioridade das pessoas escolhidas para morar ali era dada aos jovens casais com filhos e “sólida formação” profissional de modo que se pudesse realizar exemplarmente ali o “modo de vida socialista.” (ARANTES, 2012, p.146) A massa de trabalhadores não qualificados foi empurrada para os bairros mais distantes, para os conjuntos habitacionais de Marzahn, Hohenschônhausen e Hellersdorf. Dessa forma, a mistura berlinense “era ou fruto das limitações econômicas, ou imposição política, sem que se tenha comprovação de que se tratasse de uma verdadeira integração social, de um autêntico pluralismo, menos ainda

Fig 01: Stalinalle.

Fig 02: Karl-Marx Alee com Praça Frankfurter Tor e a torre de televisão.

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de socialismo…”(ARANTES, 2012, p.147) Em 1989 com a derrubada da principal representação física da divisão em dois Estados da Alemanha causada pela Guerra Fria, o Muro de Berlim, novas mudanças entrariam em curso. Com o término da Segunda Guerra Mundial, os países vencedores receberam partes da Alemanha e com isso impuseram a cada parte seus ideais políticos e econômicos. A divisão separou a Alemanha em República Federativa da Alemanha, capitalista e no setor Oeste de Berlim, e a RDA, República Democrática Alemã, zona de ocupação soviética no setor Leste de Berlim. Após onze meses da queda do Muro a reunificação Alemã foi instaurada por eleição livre para a Câmara Popular, em 18 de março de 1990. Os alemães orientais exigiram em grande maioria a adesão rápida da RDA à República Federal da Alemanha. Dada a velocidade com que tais fatos aconteceram, até o começo de 1989 ninguém imaginava que haveria tal revolução, fazendo com que a população enfrentasse dificuldades. Constatou-se que a produtividade média da RDA correspondia a um terço da produtividade da República Federativa da Alemanha. Com isso, mesmo com a soma arrecadada com a privatização das empresas estatais, os financiamentos dos investimentos necessários para a infraestrutura dos novos estados não foram alcançados. O Leste teve que assumir o peso social da unidade Alemã, enquanto que a população no Oeste teve que arcar com a maior parte dos gastos financeiros. Porém, entre os anos de 1989 e 1990

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houve o milagre econômico alemão (Wirtschaftswunder), com um processo de convergência estratégica[3] a longo prazo. O Leste necessitava de cuidados, pois na época da RDA sofreu uma degradação contínua. Assim, com a chamada “Construção do Leste” o saneamento dos bairros residenciais em centros urbanos como Dresden, Leipzig, Chemnitz e Halle foram reestruturados e reconstruídos. Outros exemplos são a estrutura das telecomunicações nos novos Estados (que hoje está entre as mais avançadas da Europa), a construção de uma paisagem universitária competitiva e a posição de liderança mundial das novas empresas de tecnologia solar e ambiental que foram implantadas. Foram também empreendidos imensos esforços no setor da infraestrutura, da proteção à natureza e ao meio ambiente, do desenvolvimento do turismo e da conservação de bens culturais. Berlim foi escolhida para ser novamente a capital do país, e em 1991, o Parlamento Alemão decidiu transferir também a sede do governo e do Parlamento de Bonn – capital da República Federal da Alemanha desde 1949 – para lá. A Alemanha tornou-se o impulso inicial para que a divisão européia entre Leste e Oeste fosse superada. Nesse sentido a Alemanha teve realmente um papel precursor na integração política e econômica do continente. Para isso abdicou de um dos mais importantes instrumentos e símbolos do processo de reunificação, o Marco Alemão, para que assim pudesse ingressar no espaço monetário europeu, a chamada Zona

[3] Convergência estratégica é a resposta competitiva das empresas nos mercados globais, nomeadamente no que se refere à convergência tecnológica. A convergência entre os setores da informática, das telecomunicações e do audiovisual, assentes numa diversidade de tecnologias e de mercados, explica, em certa medida, o domínio de estratégias de aliança entre empresas e/ou o modelo de aquisição ou fusão entre estas, marcada pelo imperativo da inovação. Fenômeno este brevemente comentado no capítulo anterior dentro da teoria de Saskia Sassen.

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do Euro, que não existiria sem a participação alemã. No debate que se instaurou se tornou patente a confirmação de que Berlim foi e continua sendo, após a reunificação, uma cidade de distintas realidades, cuja fragmentação e pluralidade está longe de gerar uma convergência a nível cultural, político ou arquitetônico. Tal afirmação é compartilhada por grande parte dos profissionais envolvidos nas polêmicas suscitadas após a queda do Muro. A tentativa de buscar uma solução em arquitetura que traduza qualquer unidade mostra-se insuficiente para abarcar a complexidade que singulariza esta cidade, em suas mais variadas solicitações.

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2.1. A IBA - INTERNATIONALE BAUAUSSTELLUNG A partir da segunda metade do século XX, tornam-se mais evidentes as tentativas de revisão dos ideais do Movimento Moderno, precisamente os levantados pela Carta de Atenas e seu enfoques funcionalista e universalista em relação a seu pensamento urbanístico. Esses ideais revisitados influenciaram discussões sobre as intervenções urbanas. Iniciando-se com os últimos CIAM’s, mas com um caráter bastante diverso do gesto revisionista destes, a problemática que envolve a arquitetura no chamado período pós-modernismo foi em grande parte introduzida pelos trabalhos dos arquitetos Ernesto N. Rogers na Itália e Louis I. Kahn nos Estados Unidos, os quais trouxeram uma reformulação da arquitetura através de uma apreciação histórica e fenomenológica.[4] [4] Podem-se citar aqui a questão das “pré-existências” ambientais lançada por Rogers e o debate que se instaurou na revista Casabella-Continuità, o qual foi continuado por Rossi e pelos demais membros do Tendenza; e Louis Kahn por seu mecanismo de projeto que inverte o enfoque funcionalista em vista da abstração inicial do programa e desenvolvimento focado na forma, além da reintrodução de procedimentos clássicos em seus projetos, a exemplo da simetria, da ordem e da hierarquia. (PASSARO, 2002)

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Questiona-se a cidade funcionalista moderna, sua arquitetura padronizada, seus planos em larga escala, suas promessas de eficácia e ordem, suas previsões de um desenvolvimento urbano/social ilimitado, sua vocação determinista e suas pretensões universalizadoras. (…) Diferentemente da conotação quase doutrinária do discurso do Movimento Moderno, os argumentos de sustentação destas novas propostas baseavam-se em vias negativas – enumerando o não deveria ser mais levado em conta – do que propriamente promovendo a criação de um novo estatuto, propondo estratégias práticas e procedimentos subjetivos de ação mais do que impondo modelos herméticos. (PASSARO, 2002, p.3)


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Entretanto, ao mesmo tempo em que se verifica certo consenso em relação às premissas para a intervenção urbana, apresentam-se uma fragmentação e pluralidade de discursos, desde propostas criteriosas passando por pastiches, até revivalismos. (PASSARO, 2002) Nos anos 70, destaca-se o caso de Bolonha como um episódio relevante nos temas da recuperação urbana. Porém, foi apenas na IBA - Internationale Bauausstellung - na década de ‘80, mais especificamente no setor da Neubau, a primeira oportunidade concreta de conjugar obras novas com o tecido urbano histórico como objetivo principal dos trabalhos. Após a reunificação da Alemanha, ambos os lados, oriental e ocidental, encontravam-se em crise em vários setores, entre eles o industrial. Buscando sanar este contexto, foi proposto que a nova capital localizaria-se novamente em Berlim afim de, como uma estratégia política, promover sua revitalização econômica visando à retomada do emprego e à criação de novos recursos humanos. A IBA configura-se no arremate de exposições que aconteceram na Alemanha, iniciadas pela colônia de artistas de Dramstadt (1899), a Weissenhofsiedlung em Stuttgart (1927) e a Interbau de Berlim (1957). Iniciou-se em 1977 com o objetivo de restaurar habitações antigas, fornecer novas e revitalizar áreas decadentes da cidade ocasionadas pelo pós-guerra com o apoio do interesse público e privado e alguns dos arquitetos mais famosos da época.

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Fig 03: mapa IBA Emscher Park.

[5] Brownfields (“campos marrons”) é um termo de origem estadunidense que designa “instalações industriais e comerciais abandonadas, ociosas ou subutilizadas cuja expansão ou revitalização é complicada por contaminações ambientais reais ou percebidas”. In: <http://dictionary. reference.com/browse/brownfield>

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Com o ideal de uma construção que integra-se à cidade existente, envolvendo o tecido histórico de Berlim, seus problemas sociais e as exigências econômicas com a utilização da junção de dois campos: O Neubau - setor de novas construções, sob o comando de Josef Paul Kleihues e com quatro áreas de intervenção: Tegel, Prager Platz, Tiergarten sul e Friedrichstadt sul – e a Altbau – setor de reconstruções, sob o comando de Hardt-Waltherr Hämer, na qual as frentes de trabalho recaíram sobre cinco temas: Monumentos industriais (reuso de Brownfields[5] como fonte de revitalização das bases culturais); Trabalho (reuso de Brownfields como parques tecnológicos); Habitação e desenvolvimento urbano (recuperação e novos empreendimentos); Paisagem (criação de parques paisagísticos); e Ecologia (regeneração do sistema hídrico).


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A Altbau dedicava-se à reconstrução de garagens, creches e reconfiguração de fábricas sem uso para centros para jovens, instalações esportivas, escolas de comércio, instalações recreativas e educacionais para deficientes auditivos e da fala, centros culturais e lares para idosos e reestruturação de ruas, quarteirões e parques. Josef Paul Kleihues, diretor da Neubau, dedicou-se a transformar Berlim mais uma vez no centro do debate internacional, assegurando a atração de recursos privados para estimular a criação de milhares de novos empregos. A arquitetura atuou como grande agente desta atração. A questão do redescobrimento da história da cidade era uma pré-condição de projeto para Kleihues, assim como as relações não somente funcionais e socioeconômicas, senão também filosóficas e principalmente artísticas, que deveriam influir na intervenção urbana. Fig 04: IBA Emscher Park, antiga fábrica. Kleihues utilizava-se do termo reconstrução crítica para resumir e divulgar o processo conduzido por ele na Neubau, representando a pluralidade no sentido de basear seu trabalho na experimentação e na participação simultânea e ativa dos arquitetos expoentes do quadro internacional no processo da IBA. Foram utilizados, para o processo de reestruturação urbana de Berlim, dois mecanismos de concursos distintos, públicos e privados. Os concursos privados eram promovidos pelos investidores privados para a instalação de suas sedes e demais empreendimentos de caráter particular (hotéis,

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cinemas, torres de escritórios), e que estavam em alguns casos acompanhados por representantes da administração pública (como foi o caso de Potsdamer Platz). Porém, ainda que tentando respeitar os planos aprovados em concursos, projetos inteiros eram refeitos em vista de um retorno financeiro imediato.

Fig 05: Emscher Park.

Por sua vez, os concursos estatais, destinados aos projetos das áreas que iriam abrigar a máquina do governo federal, visavam, entre outros objetivos, a reformulação do antigo centro cívico da cidade situado do lado oriental para abrigar edifícios institucionais da nova capital e construções de novos ministérios. Os concursos causaram grandes desavenças e cada ganhador queria impor sua opinião sobre através de qual imagem o Governo em sua nova capital deveria ser enaltecido.

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A IBA encontrou fracasso com edifícios que não atendiam a mudança urbana desejada, a proibição do uso misto que proporcionava ilhas residenciais no centro urbano, a preferência por nomes de arquitetos famosos, dando mais importância ao prestigio do arquiteto que à essência do projeto. Porém, a IBA alcançou pontos que significaram sucesso, como a ideia que prevalece nos trabalhos a recuperação da imagem da região, junto com a identidade da região, e iniciativas que asseguraram a permanência da subjetividade que a população mantém a respeito do local. O que as iniciativas da IBA e mais recentemente do Senado, como veremos adiante, em regiões como Potsdamer Platz ou Friedrichstrasse vem tentando realizar é a reversão do esvaziamento do centro e sua consequente degradação. No entanto, estudos apontam que a setorização da cidade tende a se acentuar, a exemplo das áreas “especializadas” do centro hoje (administração, museus, grandes cadeias de televisão e seus estúdios), os bairros de galeria e artistas, os novos grandes projetos - conjuntos mistos, mas sem integração no contexto, tornando a almejada mistura cada vez mais distante. Fig 06: o emblemático prédio do Gasômetro, em Oberhausen.

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arquitetura da berlim pós-unificada 52


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Se a IBA atuou em um âmbito prioritariamente doméstico, a reconstrução da década de 1990 é desencadeada a partir de uma situação política e institucional singular, radicalmente distinta, tanto em caráter, como em escala e metas estabelecidas, como pode-se perceber nas reflexões de autores como Sassen e Arantes. Tratava-se agora de converter novamente a cidade na capital do país reunificado, dotando-a de equipamentos e instalações condizentes com uma importante metrópole européia, através de um processo bastante delicado que mostrou-se não pouco turbulento, tanto no seu aspecto político e social, como no arquitetônico e urbanístico. A localização da capital novamente em Berlim refletiu uma estratégia política que tinha como objetivo promover sua revitalização econômica. Com o setor industrial em crise, em ambos lados oriental e ocidental, a instalação da capital seria um meio seguro de atrair recursos privados estimulando a criação de milhares de novos empregos. A figura do investidor privado, que na época da IBA caminhava lado a lado com subsídios públicos, se converteu então no personagem principal e a arquitetura configurou, em um valioso recurso de marketing para a instalação de enormes empresas privadas em Berlim. O urbanista Hans Stimmann, diretor de Obras Públicas do Senado de Berlim de 1991 a 2007, foi o responsável municipal pelas construções e regras concernentes à política edificatória. Efetivamente, sua atuação compreendeu

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questões relacionadas com a estética dos edifícios e a intermediação entre interesses públicos e privados. A controversa política edilícia de Hans Stimmann, que veremos mais adiante, especialmente nas orientações em relação à Friedrichstrasse, tornou-se alvo do debate arquitetônico do momento, tendo no arquiteto Vittorio Magnago Lampugnani um de seus maiores defensores, e nos “arquitetos deconstrutivistas”, a exemplo de Libeskind, a detecção, no posicionamento do primeiro, de resquicios reacionários e autoritários com a finalidade de reprimir qualquer liberdade de projeto e gostos particulares. Esse debate é pormenorizado a seguir.

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3.1. UM CONTRAPONTO ENTRE LAMPUGNANI E LIBESKIND De acordo com Vittorio Lampugnani (1994), até o final do século XIX o mundo assistiu a um desfile onde praticamente todos os estilos arquitetônicos conhecidos se sucederam a uma velocidade cada vez mais rápida. O movimento moderno surge como um contra movimento inicialmente isolado, que propagava a simplicidade como ideal econômico, ético e estético, atingindo seu auge nos anos vinte com a nova objetividade. Quando se trata da virada do milênio, ainda para o autor, algo similar parece ocorrer: novamente se vê uma ampla variedade de estilos e modas que competem pela atenção, e a simplicidade parece ainda ser uma solução, mesmo que se trate de uma bem diferente da dominante no início do século XX. Com a economia em recessão e parecendo destinada a se prolongar por algum tempo, a tecnologia tem produzido como resultado grandes quantidades de invenções que revolucionam, principalmente em áreas como as telecomunicações e a biologia genética. O planeta, entretanto, se encontra a beira de um desastre ecológico, como resultado de uma exploração, continuamente distribuída no tempo, de seus recursos naturais.

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O estilo pós moderno surge como uma das tentativas de conciliação da arquitetura com um mundo que, para Lampugnani, parece desconjuntado, surgindo então ao fim da década se ‘70 buscando distanciar-se das normas morais e estéticas do Movimento Moderno diante do uso de referências históricas. O desconstrutivismo começa a surgir nos anos oitenta, para Lampugnani, recheado de edifícios desconjuntados e cheios de planos inclinados, parecendo estar a ponto de desmoronar. Vittorio Lampugnani coloca então um possível retorno ao movimento moderno como uma via de escape para a “insuportável alternativa entre o pós-moderno e a desconstrução”, estabelecendo para isso sete demandas para essa nova arquitetura. Uma primeira seria o retorno à simplicidade, havendo para ele diversas razões para tal, podendo ser elas ideológicas (não pode haver lugar para o supérfluo em um mundo onde o que existe deve ser distribuído o mais igualmente possível entre um número cada vez maior de pessoas), técnicas (se trata de simplificar o processo de produção para produzir bens, inclusive residências, em larga escala a preço baixo, de modo que o que pode complicar a produção de tais bens deve ser rejeitado), ou ainda estéticas. Uma segunda seria de que essa simplicidade deveria significar uma concentração de riqueza, uma sublimação da complexidade.

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O terceiro ponto diz que a arquitetura deve tomar a postura de ser um lugar onde os olhos possam descansar, já que um dos males mais irritantes do tempo presente é o ruído, o fato de estarmos incessantemente bombardeados por sons e imagens. A arquitetura assumiria, portanto, o papel de ser um símbolo de contemplação, a materialização do silêncio, o que novamente significa simplicidade, claridade e uniformidade. Uma quarta demanda diz respeito a o mundo se encontrar em um caos crescente, devendo a arquitetura esforçarse para detê-lo ou pelo menos reduzi-lo. Por conta de sua grande visibilidade e longevidade, ela deve se colocar como uma “ilha de ordem em uma torrente de caos”, para agir como um exemplo, mostrando ao mundo como ele deveria ser. A quinta demanda diz que a arquitetura não implica uma renovação perpétua, sendo que a inovação, que não tem valor independente, deve ser aplicada apenas quando necessária, visto que muito do que existe é novo, mas na maioria das vezes não tem razão de ser. O sexto ponto coloca que a arquitetura é, ainda, duradoura, sendo que, em uma época de recursos escassos e crescente contaminação ambiental, os desperdícios não podem ser permitidos. Ainda que os mecanismos da economia urbana conduzam a uma rápida sequência de demolição e reconstrução, se trata de um processo economicamente inaceitável.

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Lampugnani fecha suas sete demandas colocando que, para tudo isso, é necessária a colocação do detalhe em primeiro plano, como meio para se fazer valer a precisão, não sendo estes aspectos menores ou secundários, ainda que diminutos. O chamado de Lampugnani em favor de uma nova simplicidade desencadeia certa polêmica que tem seu principal cenário em Berlim; tendo Libeskind emergido como o principal opositor de Lampugnani, acusando os defensores de tal postura de ter uma visão rígida e reacionária. Para Daniel Libeskind, a arquitetura é talvez, entre as artes, a única essencialmente otimista, sendo que não se pode construir uma cidade e seus edifícios se não se sente que se abriram dessa forma as portas para um futuro melhor. Desde a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha tem desempenhado um papel fundamental no campo da arquitetura e do planejamento urbano, buscando criar alternativas ambientais e modos de viver tecnicamente inovadores através da construção. O conjunto de regras propostas por Lampugnani para alcançar o êxito na Alemanha unificada coloca “uma sedutora simplicidade” para abordar problemas complexos, ou seja, exige dedicada disciplina durante um período de transição. Para Libeskind, aponta, dessa forma, que a arquitetura e o urbanismo não necessitavam de ideias novas, nem sonhos, nem reflexões, nem visões, apenas silêncio e conformidade,

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sendo para ele tal visão dogmática e antidemocrática. O mais inquietante para Libeskind, no entanto, é que essa postura se mostra representativa do que está ocorrendo na Alemanha, tanto no campo teórico como no prático da arquitetura: o estilo é simples rápido e estéril, intolerante a qualquer desvio em se tratando de formas e materiais, e estaria transformando a fascinante diversidade de Berlim que é uma montagem de histórias, escalas, formas e espaços em conflito, uma rica mistura - em uma banal uniformidade. Ele vê a cidade como uma grande criação espiritual da humanidade, uma obra coletiva que revela a expressão da cultura, da sociedade e do indivíduo no espaço e no tempo, de forma que sua estrutura complexa se desenvolve mais como um sonho do que como peça de maquinaria. Assim, a presente crise ecológica requer uma séria reflexão sobre a construção em relação aos materiais e às funções, é preciso prestar atenção à qualidade arquitetônica e humana dos edifícios. A resposta para Libeskind não é suprimir a criatividade individual nem abandonar a tolerância e a diversidade.

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3.2. AS INTERVENÇÕES URBANAS 3.2.1. POTSDAMER PLATZ Potsdamer Platz é uma das expressões mais emblemática do “novo jeito de fazer cidades” no contexto das cidades globais, um exemplo do que Otilia Arantes classifica como “micro-cidade evento”. O local correspondia ao epicentro cosmopolita berlinense já nas primeiras décadas do século XX. Era também lugar de intenso tráfego, de encontro e de pessoas. Lugar de encontro com diversas atividades como hotéis, cafés, casas de degustação de vinhos e cervejarias, as quais abrigavam também as vanguardas artísticas do inicio do modernismo. Durante o regime nazista foi parcialmente destruída para dar lugar aos planos de Speer e acabou totalmente devastada pela guerra. Por fim, o Muro dividiu a área. (ARANTES, 2012)

Fig 07: Potsdamer Platz em 1926.

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Após a reunificação alemã , em 1991, a queda do primeiro trecho do muro viria a ser o local da praça ponto fundamental de interesse na dinâmica da cidade. A arquitetura colaboraria na construção de uma ideologia econômica e política. Isso se deu devido a sua importância representativa que atenderia as necessidades da imagem do estado alemão reunificado e principalmente dos empreendedores dos projetos, ou seja, de corporações multinacionais do porte das Sony, Daimler-Benz e Brown-Bovery, além da contrapartida estatal de 5 bilhões de marcos em infraestrutura. A construção do


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lugar contou com a presença de muitos dos arquitetos do star system: Renzo Piano e Richard Rogers estiveram em escritórios, residências “exclusivas”, no Cassino, no Music Hall; Isozaki no Banco de Berlim, Cinemas, Hóteis; Moneo também em escritórios e no Hyatt Hotel. Um amplo de um debate sobre a imagem que essa região central de Berlim deveria ter foi instaurado logo após a reunificação. Lampugnani recolheu textos e projetos para a região em questão de dezessete arquitetos renomados e as expôs no Museu de Arquitetura de Frakfurt. Desde ai a pluralidade já era flagrante, incluindo até mesmo torres de até 250 metros no projeto de Kleihues ou os arranha-céus na proposta de Kollhoff. Como reação, em julho de 1990 o Grupo 9 de dezembro, formado pela iniciativa do professor de historia da arquitetura Dieter Hoffmann-Axthelm, publicou uma carta do centro de Berlim reivindicando pequenos lotes, a mistura de funções, diversidade social e ecologia urbana. Esse apelo fazia frente às pressões do capitalismo imobiliário que, a despeito da problemática sócio cultural que se impunha na reconstrução da cidade, enxergava os vazios de Berlim apenas como possibilidades de rendimento. O primeiro concurso para a definição do plano diretor da área, vencido pela equipe Hilmer & Sattler, de Munique, gerou uma série de polêmicas. O concurso organizado em 1991 pelas administrações de Bonn e Berlim colocava em pauta conceitos da reconstrução critica defendido

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pelo diretor de Obras Públicas Hans Stimmann. O plano vencedor desenvolvido por Hilmer e Sattler, propunha uma trama urbana tradicional, com blocos ordenados nas faces de quadras, a qual absorvia e reinterpretava o espaço complexo e compacto existente na cidade europeia. Contudo, o plano não especificava funções, mas apenas indicava um desenho e volumetria As polêmicas geradas foram fomentadas principalmente pelo arquiteto Rem Koolhaas. O ataque de Koolhaas ao resultado homologado neste concurso foi contra a política de reestruturação privilegiada na cidade através da influente atuação de Hans Stimmann. Ao desclassificar projetos de grande potencial urbano, como os de Hans Kollhoff e Daniel Libeskind, em favor de projeto mais “típicos e normais”, Stimmann, segundo Koolhaas, sucumbiu a uma concepção urbana reacionária, provinciana e amadorística, além de ter demonstrado sua incapacidade de dotar a cidade de uma arquitetura condizente com o importante momento em questão. (PASSARO, 2004). Somado a isso, as grandes corporações financiadoras também estavam insatisfeitas, questionando a validade das propostas e sua relação com os preceitos do século XIX. A Daimler organizou então um novo concurso , em 1992, de projetos arquitetônicos e não mais de um plano urbano para o local. Piano e Kolbeck fizeram a proposta escolhida. Em seguida, a Sony convidou sete arquitetos a apresentarem projetos para seus edifícios e escolheu por fim a proposta de Helmut Jhan. Da mesma maneira, depois de mais um

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concurso, a Brown Boveri contratou Giorio Grassi, arquiteto neo-racionalista que projetou blocos em forma de H e U e utilizou a materialidade do tijolo como forma de expressão. Do projeto original de Hilmer e Sattler pouco restou. Os projetos construídos demonstram a permanência da oposição entre a reconstrução da historia e a projeção do futuro deslocada para a superfície da imagem. Estavam em debate e constante fricção duas “vertentes” do pensamento urbano. De um lado a exploração de um uso extensivo de torres elevadas, simbologia do progresso e do poder; de outro o seguimento de um padrão já existente buscando um resgate do histórico e com isso, um respeito ao gabarito de 22 metros, limite este que foi por fim desrespeitado. Agregavam-se ainda questões como a relação entre as quadras, os edifícios e as ruas, entre interior e exterior, entre público e privado e a relação entre os espaços de trabalho, Fig 08: usos do solo em Potsdamer Platz. de moradia e de consumo.

Fig 09: vista aérea da Potsdamer Platz.

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DEBIS - DAIMLER BENZ O espaço de domínio da Daimler Benz foi o primeiro a ter novas diretrizes. O resultado do projeto para a área de 67.000 m2 é de autoria de Renzo Piano e se estrutura em blocos que se aproximam bastante das regras do concurso. Fisicamente, a maneira como a terra foi vendida, em grandes áreas, aponta para o fato de que seria muito difícil ser alcançada a densidade contextual existente na antiga Potsdamer Platz. Para tentar alcançar esta variedade a Daimler Benz dividiu seu espaço em lotes e os endereçou a diferentes arquitetos, Renzo Piano, Kohlbecker, Richars Rogers, Lauber & Wohr, Rafael Moneo , Kollhoff e Isozaki. Peter Davey destaca que cada arquiteto contribuiu de maneira particular para o local destaca: os projetos de Isozaki e Lehmann como espaços que lembram Gotham City; o de Moneo seguindo um racionalismo discreto; o de Piano como a realização de um trabalho delicado de arquitetura urbana. O espaço central, a Marlene Dietrich Platz, criado por Piano, é anunciado como sendo o local em que passado e presente se encontrariam, e onde haveria uma relação única do pedestre, descrita como uma visão alemã idealizada na Itália. Entretanto de acordo com Davey, Piano se concentrou em duas questões intrínsecas do local, as quais os outros projetos não deram a devida atenção: a primeira é a questão do desenvolvimento funcional de reviver a antiga Potsdamerstrasse - via que cortava o local e que foi desastrosamente eliminada na década de 70 -, a segunda é a atenção e solução dada à antiga biblioteca, resultado da técnica de transporte utilizada para levar o edifício ate o centro histórico no Leste. O espaço Daimler Benz configura-se, portanto, um pedaço

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da cidade gerado pelo monopólio do capitalismo capaz de comandar contratos de terra e instituí-los de usos singulares, configurando uma arquitetura fragmentada reflexo da especulação imobiliária e dos tempos, ditos pós-modernos.

EDIFÍCIOS DE RICHARD ROGERS NO ESPAÇO DA DAIMLER BENZ Os três prédios localizam-se ao longo do parque linear existente na via Linkstrasse, em frente ao local reservado para Broen Bovery/ABB. É peculiar a maneira como cada escritório entende o espaço e o concebe. De acordo com Luis Fernandez Galiano, tanto a proposta de Hilmer & Sattler quanto a de Piano se expressavam com o objetivo de um plano contínuo ao longo da Linkstrasse. No projeto de Rogers os edifícios se abrem para o parque devido à continuidade física proporcionada pelos pátios internos que se convertem em sua prolongação. Alem disso o conceito de fachada contínua se conserva para a rua comercial interna que atravessa a quadra. Esta idéia de continuidade é uma das ferramentas marcantes dos espaços de consumo contemporâneo, que se tornam ainda mais evidentes nas cidades globais. Lembrando que Sóla-Morales diz a respeito destes complexos mercadológicos, vale ressaltar seu caráter aparentemente flexível e contraditoriamente restritivo. Ao mesmo tempo em que a continuidade espacial sugere a apropriação do lugar por qualquer pessoa que ali passa, existe a barreira camuflada de um lugar rígido, controlado, separado, seletivo Fig 10: edifícios de Richard Rogers e trecho e homogêneo. (SÓLA-MORALES, 2002). do parque linear.

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EDIFÍCIO DE HANS KOLLHOFF NO ESPAÇO DAIMLER-BENZ A torre de escritórios projetada por Hand Kollhoff corresponde à esquina norte da área pertencente a Daimler Benz, e em conjunto com a construção do edifício simétrico da Sony, configura a rótula central da área . Na proximidade do edifício encontram-se as entradas do metrô e dos trens metropolitanos regionais, bem como paradas de ônibus. Luis Fernandes Galiano entende que a proposta de Fig 11: Potsdamer Platz com edifício de um volume escalonado, feita por Piano, adquire nas Kollhoff em destaque. mãos de Kollhoff uma maior complexidade volumétrica, fragmentando-se horizontal e verticalmente. Ainda assim, a imagem final do edifício é sólida e sóbria, seguindo suas obras realizadas em Berlim.

SONY CENTER O espaço pertencente a Sony localiza-se ao norte do complexo Daimler Benz. e comparado a Debis é muito menor: 26.000m². De acordo com Peter Davey, o arquiteto ganhador do segundo concurso admitido pela iniciativa privada foi Helmut Jahn, que critica o plano geral feito por Hilmer e Sattler destacando a maneira como ele trabalha a reconstrução critica e a tradicional estrutura das quadras, na qual os blocos introduziram uma idéia de ordem estática e rigidez. Jahn não adere às propostas do plano geral, e cria um projeto que tenta combinar “forma, espacialidade técnica e visual e ordem”. Segundo ele, estas associações investiram uma grande quantia para a reconstrução local e por isso teriam o direito de serem reconhecidas. É citado o local nos

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anos 1920 e 1930, quando continha inúmeras propagandas luminosas, sendo estas um dos atrativos do espaço. Na ponta do lote, Jahn projetou uma torre, que se integra aos prédios propostos por Piano e Kollhoff. Entretanto, este trio possui uma composição única que não estabelece relações entre si. Segundo Peter Davey, a obra de Kollhoff pode ser identificada pelo racionalismo latente e está entre a terracota proposta por Piano e as camadas curvas de vidro propostas por Jahn. Se comparado com os outros planos, o complexo Sony é o que possui menor identidade com o local, podendo ser instaladas em qualquer lugar do mundo. O projeto exalta um enorme espaço semi publico , logo atrás da torre com uma cobertura tencionada que configura o local como uma praça interna, utilizando materiais como vidro e tecido, iluminados durante a noite, em uma exploração de seu poder de gerar belas imagens. No local pode-se encontrar a estratégia da mistura cultural. O complexo da Sony incorpora a “mistura singular de produção de mídia e destinação turísticas tradicionais” (Sassen, 1998) ou seja, no mesmo perímetro abarca alem de lojas e cafés, a sede administrativa européia da Sony, uma midiateca e uma praça de eventos coberta com vidro dominada por uma mega tela que apresenta os produtos de entretenimento Sony. Fig 12: interior do Sony Center.

A+T - BROWN BOVERI & Cie/ABB Dos grandes lotes de Potsdamer Platz, a area referente a A+T, faceando os edifícios criados por Rogers em Debis, localiza-se entre as avenidas Linkstrasse e Kothenerstrasse, onde antes era aPotsdamer Banhof, estação localizada ali antes da segunda Guerra Mundial. De acordo com Luis Fernandez Galiano , o projeto ganhador

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Fig 13: A+T, de Giorgio Grassi.

desenvolvido por Giorgio Grassi se propõe a resolver a excessiva rigidez do plano de Hilmer & Sattler, através de uma maior complexidade tipológica e volumétrica. Sua opção por edifícios em forma de H possivelmente baseados nas mansões urbanas do século XVIII e XIX , propõe uma maior continuidade com o parque linear. Na extremidade sul foi implantado um edifíco cuja volumetria remete a forma de U, aberto ao canal, e na norte a construção acompanha a forma curva da esquina. Assim, Anne Vyne aponta para a proposta baseada em blocos individuais rigidamente estruturados na malha urbana como uma reinterpretacao literal do plano geral para o local. E atenta para o fato de que cada um dos cinco edifícios é projeto de um arquiteto diferente. Há, contudo, uma grande familiaridade entre esses, com formatos retangulares ou preceitos referentes ao quarteirão. Os quatro blocos , localizados mais ao norte , possuem escritórios sobre lojas. No edifício sul do complexo estão localizadas as moradias requeridas pelo plano. Grassi trabalha a relação com o existente no bloco em frente a Potsdamer Platz, de Peter Schweger, o qual segue a forma curva do quarteirão.

POTSDAMER PLATZ HOJE A questão relativa a criação de um local como imagem acabou por transformar a PotsdamerPplatz em uma “minicidade”, utilizando-se da expressão de Arantes . variedade de funções, espaços construídos e símbolos criaram uma urbanidade monumental e pouco acolhedora. O que se constata atualmente , como a mesma autora ressalta, é uma grande quantidade de residências e escritórios ociosos, ocupando um local que seria um dos focos do sonho de Berlim transformada em uma cidade global. Alem disso,

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tem-se o fato da pequena porcentagem de 20% exigida para habitação. Em suma, o espaço público foi privatizado e controlado por grandes corporações nas quais os nãoconsumidores são excluídos do projeto. Essa arquitetura denominada por Sassen como corporativa expressa o desenvolvimento tecnológico e a eficiência, ilustrando as microtecnologias do poder de valores culturais e sociais impostos pelas grandes empresas. Nesse sentido, Sassen aponta a arquitetura como algo determinante dessa forma de espacialização que apropria e restringe o espaço urbano. Sendo assim, em vista do caráter seletivo, espetacular e descontextualizado dos projetos, as construções de Potsdamer Platz tem dificuldade em se inserir na cidade como totalidade e de contribuir com a elaboração de uma identidade berlinense a nível do cidadão comum. A Potsdamer reconstruída pouco guarda da memória coletiva da cidade, se alinhando claramente aos propósitos de mercado em detrimento da história do lugar.

Fig 14: interior da Potsdamer Platz, localização dos empreendimentos na Potsdamer Platz.

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3.2.2. ALEXANDERPLATZ A Alexanderplatz é uma das mais conhecidas e maior praça de Berlim. Fazia parte de uma antiga rota comercial que ligava a região de Berlim ate a região do báltico antes mesmo da cidade de Berlim ser fundada, no século XIII. Durante a Idade Média no local havia uma feira de gado e por isto a praça se chamava Ochsenmarkt ou Ochsenplatz. Em novembro de 1805, recebeu seu nome atual em uma homenagem ao czar russo Alexander I que havia visitado a cidade em outubro daquele ano e havia sido recebido no local. Pelos moradores locais a praça é comumente chamada simplesmente de Alex. Com a construção da estação de trem em 1882, o Mercado Central em 1886 e a loja de departamentos Tietz, o local tornou-se um importante centro comercial. A transformação da Alexanderplatz em um cruzamento de trânsito moderno e área comercial surgiu durante a segunda metade do século 19 concomitantemente à construção do Fig 15: proposta do arquiteto Henselmann S- Bahn , a rede ferroviária de superfície de Berlim, em 1882 de 1953 para a Stalinalle na altura da e do metrô, em 1913 . Devastada durante a guerra, a praça Alexanderplatz. tornou-se gradualmente uma zona pedonal durante os anos de 1960 e como isso se tornou uma área urbana popular, ainda que bastante amorfa. Após a guerra, novos símbolos foram construídos como a torre de televisão - construída entre 1965 e 1969 -, e tratada como um dos símbolos da República Democrática Alemã. Fig 16: Proposta de 1961 e 1964 para a Dentre as atrações da praça há ainda a Fonte da Amizade Alexanderplatz. Internacional e o Urania-Weltzeituhr, um grande relógio que

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mostra os nomes de diversas cidades do mundo com as suas respectivas horas. Até hoje a região é considerada um nó de transportes e de atividades sendo um dos mais importantes acessos ao centro histórico de Berlim. As opções de compra também são muitas: com loja de departamentos, de eletroeletrônicos, drogaria, lojas de roupa, entre outras. A poucos metros da praça, entre as ruas Alexanderstraße e Dircksenstraße,há ainda shopping center Alexa que foi inaugurado em 2007 e abriga mais de 180 lojas. Muitos dos edifícios nela presente e conhecidos foram tentativas da Berlim Oriental de competir com os arranha- Fig 17: A torre de TV da Alexanderplatz em relação ao entorno. céus do lado Ocidental. O Hotel Stadt Berlin - um hotel de 123m de altura , a Haus des Lehrers (Casa do Professor), The House of Travel, e o edifício editora - hoje Berliner Verlag - escritórios do diário de Berlim (Berliner Zeitung). Na década de 1970 sob comando do então primeiro secretario do comitê central Erich Honecker, a Alexanderplatz tornou-se um experimento em estética urbana socialistas. A fachada em formato de favo de mel de alumínio do antigo “Centrum Warenhaus” (Galeria Kaufhof hoje) foi a maior loja de departamentos na RDA e hoje é uma loja de departamento desenhada em seu interior por Josef Paul Kleihues. Fig 18: Fonte da Amizade Internacional.

Mais recentemente, em janeiro de 1930, o antigo “departamento de conservação ambiental e desenvolvimento urbano” organizou um concurso para a reestruturação de Alexanderplatz e de suas áreas próximas. Neste projeto estava implícito também o capital privado de grandes

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multinacionais, como já havia ocorrido no projeto da Potsdamerplatz, porém de maneira menos intensa que naquela. O concurso impôs que o projeto deveria ter alta densidade reduzindo assim as possibilidades de intervenção no local. Todas as propostas consideravam a construção no espaço público.

Fig 19: Weltzeituhr ou relógio mundial.

O processo de exposição dos projetos ao público e de discussão aberta aos planos apresentados na primeira fase do concurso conduziu a importantes mudanças no programa e nos critérios de ordenação, mudanças estas que foram incorporadas à segunda fase do concurso, da qual participaram os cinco melhores projetos eleitos na primeira fase (Kollhoff, Libeskind, Ingenhoven ,Kny e Floting). Os jurados optaram pela proposta de Kollhoff, que consistia em gabaritos mais baixos, ficando Libeskind como segundo colocado. Na proposta escolhida a principal área de atuação estava dividida em duas regiões centrais e duas periféricas, sendo estas ordenadas em função das vias principais de tráfego (Avenida Karl Marx Allee a norte e Estação e vias de metrô a sul). De ambos os lados da Karl Marx Allee nos limites da primeira zona encontram-se os arranha céus, formando um plano de fundo para a praça e criando uma separação da região em duas zonas. Um dos aspectos principais da proposta de Kollhoff é a tipologia de arranha céus, intimamente ligada às edificações baixas. Isto é considerado reflexo da influência

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do Rockfeller Center de New York, que concilia a escala da rua com o caráter dos modernos buisness districts. Em 4 de novembro de 1989 um milhão de pessoas se reuniram na praça para manifestar-se contra o regime da RDA e reivindicar seus direitos a liberdade de expressão, pouco antes da queda do Muro de Berlim . Esta foi a maior manifestação anti- governo na historia da Alexanderplatz. A praça manteve dimensões consideráveis, sendo convertida em um espaço mais denso se comparado com a estrutura presente antes da guerra. A superfície do local se mantém como uma ampla esplanada pétrea, no meio do qual se abre um enorme espaço circular que permite a visualização de suas construções. No projeto que ganhou o segundo lugar do concurso, Libeskind seguiu um caminho contrario ao de Hans Kollhoff, concebendo o espaço como um organismo unitário intimamente interconectado com a edificação existente e compondo uma serie de peças fragmentadas e muito individualizadas. Analisando a ordenada malha viária proposta por Kollhoff, é possível perceber as diferenças em relação à proposta de Kollhof. A malha se apresenta como uma complexa rede de espaços públicos e privados. Outra distinção ocorre com relação às alturas das edificações, sendo que enquanto kollhoff trabalha com apenas duas alturas de gabaritos, Libeskind propõe uma terceira gama de alturas intermediárias. Em sua estratégia, Libeskind mostra maior respeito pelas pré-existências, com a intenção Fig 20: a Alexander Platz hoje. de exacerbar o contraste entre o novo e o já existente.

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Fig 21: a Alexander Platz.

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3.2.3. REICHSTAG - PARLAMENTO ALEMÃO O edifício do Reichstag é um edifício histórico em Berlim, na Alemanha, construído para abrigar o parlamento do Império Alemão. Inaugurado em 1894, remonta ao Sacro Império Romano. No uso atual, o termo alemão Reichstag refere-se ao edifício, enquanto o Bundestag se refere à instituição. Antes de sua construção o parlamento tinha cede montada em vários outros edifícios em Leipzig Strasse e em Berlim, mas estes foram de um modo geral considerados muito pequenos. Com isso, em 1872, um concurso de arquitetura com 103 arquitectos participantes foi realizado para erguer um edifício completamente novo. O trabalho só começou anos mais tarde, devido a discussão entre Guilherme I e Otto von Bismarck, membros do Reichstag, sobre como a construção deveria ser realizada. Em 1882, outro concurso de arquitetura foi realizado, com 189 arquitectos participantes. Desta vez, o vencedor, foi o arquitecto Paulo Wallot. Em 1888, antes da construção ter sido concluída, Guilherme I morreu e seu sucessor, Guilherme II, opôs-se ferozmente a instituição do parlamento. No entanto, o edifício foi muito aclamado pela construção de uma cúpula de aço e vidro, obra-prima da engenharia na época. Após a Primeira Guerra Mundial Guilherme abdicou do poder durante os dias revolucionários de 1918, e Philipp Scheidemann proclamou a instituição da república de uma

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das varandas do prédio do Reichstag em 9 de Novembro. O edifício continuou a ser a sede do Parlamento da República de Weimar (1919-1933), que ainda era chamado de Reichstag. Em 1933 um incêndio no edificio foi utilizado supostamente como prova de que os comunistas estavam começando uma “conspiração” contra o governo alemão. Estabeleceuse a seguir o regime nazista. Durante a Segunda Guerra Mundial o edifício foi parcialmente destruído. Quando iniciou-se a Guerra Fria, o edifício ficou fisicamente dentro de Berlim Ocidental, mas apenas a poucos metros da fronteira de Berlim Oriental, fechada em 1961 pelo muro de Berlim. Não havia nenhum uso real para ele, desde que a capital da Alemanha Ocidental tinha sido estabelecida na cidade de Bonn, em 1949. Ainda assim, em 1956, depois de algum debate, foi decidido que o Parlamento não deveria ser demolido, mas sim restaurado. No entanto, a cúpula original do edifício, seriamente danificada por bombardeios durante a guerra, foi demolida. Outro concurso arquitetonico foi realizado, e o vencedor foi Paul Baumgarten, responsável pela reconstrução do edifício entre 1961 e 1964. O valor artístico e prático do seu trabalho foi assunto de muito debate após a reunificação alemã. De acordo com as disposições estabelecidas para Berlim pelos aliados em 1971, o Bundestag , o parlamento Fig 22: Reichstag bombardeado. da Alemanha Ocidental da época, não foi autorizado a

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funcionar formalmente em na sua parte da cidade de Berlim, a Berlim Ocidental, Entretanto, a Alemanha Oriental violou essa disposição, declarado Berlim Oriental como sua capital. A cerimónia da reunificação alemã em 3 de Outubro de 1990 foi realizada no prédio do Reichstag. Em 1992 convocouse um concurso após a iniciativa do governo de mudar o parlamento alemão de Bonn para Berlim, realojando-o no Reichstag, um dos mais visitados pontos turísticos da cidade. Inicialmente o concurso previa a construção de uma área de 33.039 m², quase 100% a mais do que o Reichstag podia conter. Posteriormente, a área total foi reduzida a 9.000m². As equipes inicialmente selecionadas foram as de Pi de Brujin, Santiago Calatrava e Norman Foster. A seleção final outorgou a vitória ao escritório de Foster. O seu conceito vencedor parecia muito diferente do que foi executado mais tarde. O projecto original não incluía, por exemplo, uma cúpula. A intervenção no edifício do Reichstag teve início em 1995, pouco depois de o artista plástico Christo ter embrulhado o prédio com 95 mil metros quadrados de papel celofane para comemorar a reunificação da cidade. Embora mantendo a imponente estrutura original em estilo barroco do projeto, Foster acrescentou uma enorme cúpula de vidro, num gesto que a aproxima da cúpula original, - destruída pelos bombardeios de 1894 - pela materialidade e se distancia pela escala. A cúpula monumental de vidro é geralmente associada a um símbolo da desejável transparência da

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abertura democrática. O poder local e o escritório Norman Foster divulgaram que a transformação do edifício focou-se em quatro questões: a importância do Bundestag como fórum democrático, o compromisso com a acessibilidade ao público, a sensibilidade com relação a história, e uma rigorosa agenda ambiental. Pela sua vez este último quesito é direcionado à poupança energética, a diminuição do consumo dos combustíveis fósseis e a redução das emissões de CO2. Entretanto, o edifício foi quase inteiramente reconstruido, incluindo todas as alterações feitas por Baumgarten em 1960. Sem contestação em relação à falta de respeito pelo projeto original, a reconstrução foi concluída em abril de 1999 e é amplamente considerada um sucesso. O Reichstag é uma das atracões mais visitadas em Berlim, A cúpula proporciona uma vista impressionante da cidade, com uma visão de 360 graus da paisagem urbana de Berlim circundante. O salão principal do parlamento abaixo também pode ser visto a partir da cúpula, e irradia luz natural de cima para baixo para o chão do parlamento. Um protetor solar de grandes dimensões acompanha o movimento do Sol electronicamente e bloqueia a luz solar direta, que poderia ofuscar os que estão abaixo. A energia que aciona o sistema de ventilação, o escape de ar e os dispositivos de sombreamento da cúpula é gerada por painéis de células fotovoltaicas, dispostos na face sul da cobertura. Devido à oscilação do número de usuários do edifício, adotou-se também uma estratégia flexível de conservação da energia.

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Portanto, o edifício é hoje uma verdadeira obra high tech e espetacular, associada aos valores da sustentabilidade como mais uma forma de vender arquitetura e atrair turistas.

Fig 23: Reichstag atualmente.

Fig 24: cúpula do Reichstag atualmente.

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Fig 25: Reichstag a noite.

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3.2.4. BUNDESKANLERAMT - A NOVA CHANCELARIA A Bundeskanzleramt ou Chancelaria Federal abreviação é um órgão supremo, que apoia o chanceler da Alemanha nas suas funções. Construída junto ao rio Spree, em frente ao edifício do Reichstag e com vista para o Tiergarten, é hoje um dos maiores edifícios governamentais do mundo, sendo oito vezes maior do que a Casa Branca, em Washington nos Estados Unidos. O projeto arquitetônico, de autoria dos arquitetos alemães Axel Schultes e Charlotte Frank e projetado entre 1982 e1998, é uma das estruturas mais impressionantes do governo recém-criado. Também foi escolhida a partir de um concurso arquitetônico cujo objetivo era projetar os edifícios governamentais ao longo do rio Spree, logo após o Bundestag ter decidido mudar a capital de Bonn para Berlim, em 1991. Inaugurado em 2001, possui uma arquitetura tão como controversa quanto espetacular e monumental e conjuga elementos do modernismo, do pós-modernismo e referências ao Reichstag. Reúne elementos que inicialmente parecem contraditórios: vidro e concreto, equilíbrio estático e movimento, bordas e ondulações, transparência e solidez.

Fig 26: a Nova Chancelaria Alemã.

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Possui área total de 12.000 metros quadrados e, no ponto mais alto, altura de 36 metros. Consiste de uma parte central em semicírculo de nove andares e enormes lajes onduladas


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de 2.500 m². Nele funciona o prédio executivo, cujo o hall de entrada tem as dimensões de uma catedral. No nível acima, da recepção do chanceler há uma bela vista de Tiergarten, além de salas de reuniões, uma área de banquetes e vários outros quartos distribuídos pelos outros pisos. A ideia da transparência reaparece aqui nas fachadas de vidros monumentais e autônomas. Torres de concreto com que se assemelham a pilares agigantados circundantes o edifício O metal anodizado azul é usado nas esquadrias e em todos os detalhes, a exemplo de grades, painéis de ventilação, etc. Existe um toldo tensionado na entrada, pátio de honra, onde os turistas e autoridades oficiais são recebidas, além da monumental escultura em ferro “Berlin” do artista espanhol Eduardo Chillida. Nas asas laterais a esse bloco, com cinco andares, estão localizados os escritórios de funcionários. Há ainda uma Fig 27: ponte pedonal que conecta a pista para helicóptero e jardim de 7.000 metros quadrados. Chancelaria aos jardins. Pode-se chegar aos jardins da Chancelaria através da ponte pedonal sobre o rio Spree. Também aqui o conceito de prédios inteligentes aparece e a solar, biodísel e energia verde garantem o fornecimento de energia ao edifício. Todo mês de setembro é realizado um “dia aberto” no qual a sede poder pode ser vista também em seu interior pelos cidadãos alemães e turistas.

Fig 28: vista noturna da ala lateral a norte da Nova Chancelaria, ao lado do rio Spree.

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3.2.5. FRIEDRICHSTRAßE Com 3,3 Km, a Friedrichstraße é uma rua que corta a cidade de norte a sul. Antes da Primeira Guerra Mundial ela era um centro comercial e de diversões com hotéis, pequenas óperas e espetáculos de teatro. A sede do banco alemão e um ramo do Dresdner Bank residia em Behrenstrasse, no cruzamento com a avenida Unter den Linden. No entanto, entre os anos de 1961 e 1989, a rua foi dividida em duas pelo Muro de Berlim e durante a a República de Weimar a Friedrichstrasse perdeu importância em comparação com a avenida Kurfürstendamm. Hoje faz parte dos processos de especulação inseridos no processo de trnsformação de Berlim após a reunificação. A rua tem um começo bastante humilde em sua extremidade sul, a praça Mehringplatz, conhecida como Rondell no início do século 18, quando Friedrichstadt, o distrito em torno da Friedrichstrasse, foi construído fora dos muros da cidade. O Rondell era uma praça circular, inspirada na Piazza del Popolo, de Roma. A coluna em seu centro marcava o limite sudeste da capital. A área era tranquila, com pouco para perturbar seu idílio suburbano – além de um ou outro treino militar, nas áreas destinadas aos desfiles.

Fig 29: Mehringplatz em 1882.

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Dois séculos mais tarde os bombardeios da Segunda Guerra Mundial reduziriam o extremo sul da Friedrichstrasse a algumas ruínas. Começando a caminhada em direção a norte percebem-se as dificuldades econômicas que esta parte da cidade ainda enfrenta. Há ali algumas lojas étnicas


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de alimentos, um café-internet e muitas placas de “alugase” nas vitrines das lojas vazias. Porém, dois quarteirões adiante, a cena se transforma dramaticamente: chegamos ao ponto onde o Muro de Berlim cortava a Friedrichstrasse. O local da divisão, cuja entrada ficou conhecida como Checkpoint Charlie, ainda guarda no chão os tijolos originais do Muro, e preserva o posto militar que organizava a ligação entre os lados oriental e ocidental da cidade. Adentrando a antiga Berlim Oriental, a artéria recomeça a recuperar algo do brilho da época em que foi centro de negócios e de diversão da capital. Nota-se que, após a reunificação, as verbas para projetos de restauração jorraram. No início do século 20, a Friedrichstrasse fora um mercado fervilhante, sobretudo para ouro e pedras preciosas. Local de boemia, abundavam os restaurantes da moda, hotéis, salas de negócios e bancos. Além de “rua dos 107 cinemas”, a Friedrichstrasse era conhecido local de trabalho para inúmeras prostitutas. Durante a década de 1990, construíram-se mais de 330 mil metros quadrados na Friedrichstrasse. À época, o urbanista Stimman adotou regras bastante restritivas com o aspecto formal mais extremo da reconstrução de Kleihues através da adoção indiscriminada da rua-corredor e dos quarteirões perimetrais, deixando de lado o componente experimental antes incentivado. De acordo com Berestein:

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INTERVENÇÕES URBANAS CONTEMPORÂNEAS “Friedrichstrasse apresenta uma “pasteurização” de soluções, apenas distintas entre si pelo traço diferenciado de cada arquiteto, porém dentro de uma monotonia volumétrica e espacial decorrentes do excesso de limitações projetuais. O que antes foi uma opção morfológica para inserção da obra de arquitetura, com Stimmann converteu-se em uma regra generalizada reproduzida acriticamente.” (PASSARO, 2004)

Ainda hoje boa parte dos edifícios construídos na requalificação da Friedrichstrasse permanecem desocupados e em certos pontos o preço do metro quadrado caiu pela metade. O que não impediu luxuosas butiques e lojas de departamentos, a exemplo de Louis Vitton, Gucci, Galeries Lafayette, Bang & Olufsen, de se estabelecer na área. Seguindo a norte, a Friedrichstrasse cruza a grande Avenida Unter den Linden, para em seguida chegar à estação ferroviária que leva seu nome. Construída em 1882, ela se tornou a mais importante da capital durante a Guerra Fria, símbolo de uma nação partida pela guerra e por um abismo ideológico.

Fig 30: Centro da Friedrichstraße.

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A estação Friedrichstrasse era a única frequentada tanto por viajantes do Leste como do oeste, na qualidade de único ponto de conexão para trens interestaduais, suburbanos e metrôs. Embora localizada na parte Oriental de Berlim, ela também podia ser utilizada por passageiros do oeste. Os que dispunham dos papéis necessários podiam entrar na República Democrática Alemã por aqui, passando por uma sala de controle alfandegário. Após a reunificação, o local


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passou a abrigar eventos culturais importantes. A partir de meados da década de 1990 a estação de Friedrichstraße foi completamente remodelada. O antigo edifício do terminal de passageiros de Berlim Ocidental foi conectado por uma passagem subterrânea até a estação de trem. Com a sua fachada praticamente inalterada, representa a evidência mais tangível que é uma reminiscência da antiga fronteira. A Friedrichstrasse segue por mais alguns quarteirões, entre cafés, bares e andaimes – testemunhas do incansável processo de recuperação desta célebre rua. Ela desemboca no Portão de Oranienburg, passagem para um outro reduto de vida noturna, criado após a queda do Muro. Há cerca de um século, a parte mais ao norte da Friedrichstrasse, logo acima do Rio Spree, era uma importante zona de bares e clubes. Desde o século 19, a área atraía também os amantes do teatro, devido ao grande número de casas de espetáculos.

Fig 31: vista para a Bahnhof Friedrichstraße.

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3.2.6. HAUPTBAHNHOF ESTAÇÃO CENTRAL Desde seu início, a ferrovia tem provocado urbanização ao seu redor e, hoje em dia, seus equipamentos e terrenos abandonados nos centros metropolitanos provocam a reurbanização da cidade consolidada. Dessa forma, a intervenção aqui mostrada é colocada no contexto global de desindustrialização e descentralização da produção e infraestrutura; além do contexto nacional da reunificação da Alemanha ocidental e oriental e do contexto regional da transformação da nova capital alemã após a queda do muro. A transformação de orlas ferroviárias berlinenses só pode ser explicada nestes três contextos, como concretização das ambições da cidade: tornar-se cidade global, em termos econômicos, em menos de uma década; retomar sua posição de pólo cultural europeu; e resolver a crise de identidade do pós Guerra Fria por meio do preenchimento dos numerosos vazios urbanos, herança da divisão da cidade. Tem-se neste momento o grande investimento em macroinfraestruturas viárias. A ênfase no transporte público sobre trilhos é, de certa maneira, um reflexo do trauma que a cidade guarda do programa de construção de autopistas na década de 60 que, de acordo com Garcia Vázquez, destruiu o tecido urbano berlinense. Dessa maneira, a reestruturação

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das redes metroviárias e ferroviária tornaram-se prioritária nos planos do partido verde alemão. Neste contexto a nova estação central de Berlim denominada Hauptbahnhof é símbolo destes grandes projetos de infraestrutura em realização na Alemanha, sendo peca chave no entroncamento ferroviário belinense, o qual desde 1961 estava dividido em dois além de se configurar como símbolo do desenvolvimento e mais um ícone da nova capital.

Fig 32: interior da Hauptbahnhot.

A localização de Hauptbahnhof assim como a história do lugar merecem destaque. Implantada no bairro Tiergarten, próximo ao portão de Brandemburgo e no prédio do Reichstag, no coração da cidade, além do centro da prórpia Europa, Hauptbahnhof configura-se como um dos pontos estratégicos da rede de transporte europeu. Do ponto de vista da historia, a nova estação é construída sobre um espaço que já possuía uma herança ferroviária, pois abrigava a antiga estação Lehrterbahnhof, extinta desde a divisão da cidade. Lehrterbahnhof foi inaugurada em 1871 e com ligava Berlim com Lehrter, perto de Hanover, onde haveria mais tarde a importante linha de ligação leste-oeste. Em 1882 houve a conclusão das Stadtbahn, com quatro trilhos centrais de linha férrea elevada, que suportavam tanto linhas de serviços locais como regionais. Foi criado ao norte da estação um ponto menor de interconexão chamado Lehrter-Stadtbahnhof a fim de estabelecer ligação com a nova linha. Em 1884, após o encerramento da Hamburger Bahnhof ( estação de Hamburgo) Lehrter bahnhof tornou-se

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Fig 33: a antiga Lehrterbahnhof.

o terminal de trens de Hamburgo. Durante a Segunda Guerra Mundial, Speer, arquiteto do regime de Hitler, propôs a restauração da cidade com planos para o local de estação, que seria o final do grande eixo nazista norte sul. Porém, o local sofreu grandes danos com bombardeio inglês. Tentou-se retomar os limitados serviços a estação principal, mas logo em seguida, em 1951, a iniciativa foi suspensa. Em 1957 com a linha férrea que ia para Berlim ocidental sob o controle da Alemanha oriental, Lehrterbahnhof foi demolida, mas Lehrter Stadtbahnhof continuou como um ponto de parada do S-bahn. Em 1987 ele foi extensivamente renovado, à época da comemoração do 750º aniversario de Berlim. Após a reunificação alemã, decidiu-se melhorar a rede ferroviária de Berlim construindo uma nova linha nortesul, para completar Stadtbahn. Lerhter-Stadtbahnhof foi considerado o local lógico para a construção de uma nova estação central. Vale lembrar que Hauptbahnhof é uma importante entrada para a cidade. O escritório hamburguês GMP foi vencedor do concurso realizado em 1993 para a Hauptbahnhof, cujo projeto utiliza soluções de alto refinamento técnico. O site Constructalia, que oferece informações detalhadas da obra, afirma que a cobertura curva em forma de membrana formada com 9117 diferentes peças de vidro sustentadas em sistema planar que utiliza o painel de vidro como componente estrutural. O projeto apresenta elementos diferenciais na sua composição como trilhos sobre uma camada elástica

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- a fim de não perturbar os trabalhos administrativos nos prédios governamentais - e impercebíveis cabos de forca embutidos na laje de onde os trens subterrâneos retiram sua energia. Há também 43 elevadores panorâmicos, 54 escadas rolantes, dúzias de escadas construídas para dar mobilidade aos viajantes que passarem das plataformas ao shopping de três andares construído no subsolo. O cento comercial conta com 82 lojas, lounges e restaurantes que atendem 24h por dia 7 dias por semana. Na área central da estação as coberturas de todos os andares são equipadas com grandes aberturas, fazendo com que seja possível a entrada de luz natural em todos os andares e garantindo uma boa orientação ambiental. Abóbodas caracterizam o hall da estação que possui colunas dessas centralmente localizadas nas plataformas entre os trilhos do trem. Diante da uma obra que se inscreve a parir de todo um suporte de alta tecnologia, é interessante observar que volumetria apóia-se em elementos tradicionais: abóbodas, fachada simétrica e formas puras. Entretanto, a crítica correte ao projeto recae no exagerado volume de capital investido, cerca de 10 bilhões de euros, o que resultou, em um abaixo assinado com mais de cem mil nomes que se colocavam contra o projeto. O projeto prevê a intersecção dos traços ferroviários lesteoeste e norte sul, ou seja, os trens que trafegam da Franca a Rússia, e da Itália a Dinamarca, tonando a estação de Berlim

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no maior entroncamento ferroviário construído até então na Europa, combinando-a com um sistema de linhas de metrô e trens suburbanos de superfície. A estação é, portanto, um ponto nodal em um único equipamento urbano, pois concilia formas de transporte capazes de ligar não apenas as regiões de um pais, mas pontos de um continente. Como parte integrante da estação ferroviária central foram executadas neste local as estações para viagens de longa e transporte regional distancia com 8 plataformas. A linha leste-oeste está 10m acima do nível da rua e corresponde ao antigo trajeto das linhas de comboio. A via férrea nortesul tem o seu traçado 15m abaixo do nível do solo. Houve grande impacto na forma urbana à época da inauguração da estação, em 2006. Isso ocorreu a partir da substituição das estações do jardim zoológico (Zoologischer Garten) e do leste (Ostbahnhof), utilizadas para o desembarque de passageiros que chegam a Belim com o trens de longa distancia, repercutindo na mudança da dinâmica urbana como um todo e, especificamenteno entorno da antiga estação do Zoológico, que na opinião dos moradores, foi prejudicada do ponto de vista comercial, já que sua representatividade foi drasticamente diminuída.

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consideraçþes finais


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“Berlim torna-se imagem” Andreas Huyssen Tendo em vista as transformações recentes da cidade de Berlim a partir do projeto Berlim-2000, nos propusemos nesse trabalho a analisar os objetivos alçados pela cidade de Berlim rumo à pretensão de tornar-se um ponto de comando na organização da economia mundial, definindo-a como uma cidade global, bem como a forma pela qual esses objetivos se materializam e os embates teóricos que o permearam. Mesmo não assumindo o Planejamento estratégico, as transformações em Berlim vistas foram delineados pelas linhas mestras do que Otília Arantes denomina “novo jeito de fazer cidades”: a identificação de uma crise na centralidade econômica da cidade; a necessidade de torná-la competitiva aos investimentos estrangeiros; uma ação que venda a imagem da cidade para o mundo a partir da descoberta de algo que possa se constituir em sua marca de identidade; a “parceria” entre os recursos públicos e o capital privado; a busca de um consenso entre todos os atores urbanos a fim de que o projeto possa ser realmente efetivado. Entretanto, vimos que Berlim, em suas especifcidades, teve sua reurbanização a partir de acontecimentos de maior importância histórica: a Queda do Muro e a reunificação alemã. Como em outras cidades globais, a preocupação com a

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construção de uma boa imagem assumiu em Berlim uma centralidade em relação aos demais debates, o que se observa pelo grande número de empreendimentos que investem na área da cultura. Nesse cenário, Potsdamer Platz é a experiência mais paradigmática, o apogeu em que convergem os agentes dessa cidade posta à venda. Otilia Arantes faz fortes criticas à essas transformações drásticas e afirma que setores estruturais como mercado, finanças e cultura não são os pontos “fortes” de Berlim. Desse modo, a cidade nunca seria uma “sede privilegiada de serviços avançados ou um centro financeiro, concorrendo com outras cidades mais estratégicas da Europa, a começar, na própria Alemanha, com Frankfurt”. Também questiona a representatividade de Berlim como “imagemsímbolo da Alemanha” ou um centro cultural privilegiado. Em sua leitura, a autora enxerga o projeto Berlim-2000 como um grande exagero, pois para ela, “tudo, inclusive as expectativas, parecem ter sido superdimensionadas na reforma da nova capital”. (ARANTES, 2003) A autora indica ainda que talvez uma saída fosse o investimento em setores como a produção diferenciada, tendo em vista o grande histórico fabril da cidade, ao invés de procurar investir apenas no “terciário avançado”. Isso nos leva a reflexão: a busca pelo título de cidade global deve der desenvolvida a partir das mesmas ferramentas? Muito provavelmente não, pois a realidade de cada cidade é muito distinta, por isso a fórmula não se aplicaria a qualquer centro metrolopitano. Tanto Berlim quanto muitas

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outras cidades importantes do globo estão à procura de uma cidade que se realiza como imagem, mas não como relação social, não resolvendo os problemas sociais, e muitas vezes gerando outros, como a segregação social e a gentrificação. Curiosamente, embora a questão da identidade das cidades esteja presente nos debates – esta também como mais um valor posto à venda -, muitas cidades abdicaram de suas especificidades históricas e suas intervenções no âmbito do planejamento estratégico transformam-se em “não-lugares” disponíveis à apropriação livre do capital internacional. A imagem de Berlim que analisamos aqui é composta pela transformação, marcada por quatro regimes políticos em um único século, e alterações fortíssimas, que seguem rumo a algo que a cidade aspira e ainda nao alcançou. No filme asas do desejo, de Wim Wenders, finalizado em 1987, embora inserido em outro contexto - o da Guerra Fria, período em que a praça era apenas um vazio urbano, separada pelo muro -, põe em pauta a questão da identidade e identificação do cidadão berlinense em uma cidade em constante transformação. O trecho que melhor resume a questão é a cena do velho que caminha no espaço da Potsdamerplatz e não a reconhece como o local parte da Berlim de outrora: aquela que inspirava os expressionistas alemães em suas cenas urbanas, palco da multidão da metrópole industrial. A ideia de uma imagem por acabar, demonstrando que a

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ideia de identidade é sempre parcial e mutante é algo com que o fotógrafo alemão Michael Wesley trabalha, autor da obra escolhida para figurar na capa desta monografia. O artista expôs em 2002 na 25ª bienal de São Paulo imensas fotografias da Potsdamer Platz, utilizando a técnica da abertura de luz. As imagens concebidas a partir de dois anos de exposição do filme à cidade de Berlim no seu auge de reconstrução resultaram em um trabalho que é composto pela sobreposição do tempo. “O vazio que Wesley encontrou e questiona encontra intrigantes ressonâncias com aquele vazio que a arquitetura foi chamada a preencher. O fotógrafo , porem, não se furta a percepção de que o tempo é antes o elemento que faz o espaço entrar num movimento de perpétua diferenciação e assumir múltiplas e diferentes identidades. O tempo aqui tem espessura real.” TAVARES, 2006.

A arquitetura, de modo diverso à fotografia, parece lidar com o tempo apenas no nível da representação, se configurando como construção definitiva de apenas uma imagem de um certo tempo. E assim, a arte parece mimetizar a vida, mostrando a Berlim na qual hoje, podemos encontrar apenas uma referencia vaga ou indireta ao tempo e a história locais. Um exemplo claro é a ocupação maciça de Postdamer Platz e da Friedrichstrasse configurando posturas alheias ao contexto, aproximando-se mais de uma atitude autista e auto-referente, do que propriamente contextual. A história do passado mais recente destes lugares não foi considerada em muitos dos projetos. Recaem, praticamente, em “modelos universais”, violentos e aleatórios.

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nov 2013] Fig 15: proposta do arquiteto Henselmann de 1953 para a Stalinalle na altura da Alexanderplatz. Fonte: Scheer, Kleiheus & Kahlfeldt, 2000. Fig 16: Proposta de 1961 e 1964 para a Alexanderplatz. Fonte: Scheer, Kleiheus & Kahlfeldt, 2000. Fig 17: A torre de TV da Alexanderplatz em relação ao entorno. In:http://www.pokerfirma.com/.../upl.../2013/06/ fernsehturm.jpg Fig 18: Fonte da Amizade Internacional. In: http://simplesmenteberlim.com/alexanderplatz/ Fig 19: Weltzeituhr ou relógio mundial. simplesmenteberlim.com/alexanderplatz/

In: http://

Fig 20: a Alexander Platz hoje. In: http://4.bp.blogspot.com/UoYw50guHYk/TXge9rpTgrI/AAAAAAACVd0/SwsP4pu9sig/ s1600/Stasi%2Bfiles%2Bbuilding%2BBerlin%2BAlexanderp latz%2Bview%2BP1140491.jpg Fig 21: a Alexander Platz. In: http://www.worldtourismoffice. com/images/tour/Alexanderplatz %20Berlijn.jpg Fig. 22: Reichstag bombardeado. - Disponível em http://www. fosterandpartners.com/data/projects/0686/development/

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img1.jpg [Acessado 20 nov 2013] Fig. 23: Reichstag atualmente. - Disponível em http://www. flickr.com/photos/anselmo_sousa/5125656576/sizes/o/in/ photostream/ [Acessado 20 nov 2013] Fig. 24: cúpula do Reichstag atualmente. - Disponível em http://www.fosterandpartners.com/data/projects/0686/img2. jpg [Acessado 20 nov 2012] Fig. 25: Reichstag a noite. - Disponível em http://www. fosterandpartners.com/data/projects/0686/img17.jpg [Acessado 20 nov 2013] Fig. 26: a Nova Chancelaria Alemã. - Disponível em http:// www.gentlemansgazette.com/wp-content/uploads/2013/08/ Postmodern-Architecture-German-Chancellery-in-BerlinCopyright-Manfred-Br%C3%BCckels.jpg [Acessado 20 nov 2013] Fig. 27: ponte pedonal que conecta a Chancelaria aos jardins. - Disponível em http://www.staedte-fotos.de/name/ einzelbild/number/9861/kategorie/Deutschland~Berlin~Ne uere+Architektur+und+Bauwerke.html [Acessado 20 nov 2013] Fig. 28: vista noturna da ala lateral a norte da Nova Chancelaria, ao lado do rio Spree. - Disponível em http:// en.wikipedia.org/wiki/File:Berlin_-_Bundeskanzleramt_-_ Nacht_-_2013.jpg [Acessado 20 nov 2013]

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