Guia PANROTAS - Edição 67 - Outubro/1978

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i PESQUISA Bel!

Lapa e Glória (li) capela vizinha, quase da mesma idade A do primitivo seminário do Padre Angelo, após data de 1773, pertence à Irmandade do Divino Espírito Santo, cujas festas nesses tempos distantes empolgavam a cidade por quatro dias seguidos de sábado de aleluia a terça-feira, nos "Impérios" nos quais se centralizavam ou em tôrno deles. Entre os mais famosos, de pedra e cal, estavam o do Campo de Santana, demolido sob Dom João VI para a construção do Quartel-General e o da Lapa, no bêco por esse motivo chamado do Império, hoje Rua Teotônio Regadas, nome que parece ter sido de um jornalista da "Gazeta de Notícias" morto num desastre, no exercício de sua profissão anos antes de 1900. Nele se realizava a coroação do "Imperador" do Divino, que vinha de calção e casaca de seda colorida, cabelo polvilhado e espadim, seguido de um cortejo de rapazes com vestimenta semelhante, os sapatos debruados de fitas e os chapéus ornados de plumas, um levando a bandeira e os demais tocando pandeiro, viola e tambor. E cantando todos versas como este, em companhia do povo: "O Divino Espírito Santo/Pai dos pobres, amoroso/Ponde senhor no meu peito/Um coração fervoroso. . E à volta, como na Penha ou nos mafuás de agora, eram as barracas da quermesse, o teatrinho de fantoches, as sortes, as danças, as mágicas, de mistura com muita alegria barulhenta e muita bebida. E num barracão que nele existia, nesse bêco que além de ser do Império, foi também da Alegria e poetas amigos de Laurinho Rabelo tinham uma "república", a geração de Luis Edmundo ainda alcançou o Alcazar . Parque, ruidoso café-concerto onde se exibiam a linda espanhola Guerrerito, que marcou época sensacionalmente no Rio noturno, a húngara Boriska, a americana Alhow, e a mulata Faruska, insuperável nos maxixes terminados em parafusos. E onde é hoje o Cine Colonial, com sua fachada voltada para o largo, ficava o Grande Hotel da Lapa, residência prediléta dos politicos mineiros no tempo de Afonso Pena, Wenceslau e Bernardes. Sendo Presidente da Câmara, nele morou Carlos Peixoto Filho e o seu quarto era o Q.G. do movimento renovador do "Jardim de Infância" ou da Juventude e que tinha por finalidade levar o prematuramente falecido João Pinheiro à Presidén10 - Guia Panrotas - Outubro/78

cia da República liquidando com o Caudilhismo conservador de Pinheiro Machado. Seu edifício havia sido mandado construir em 1896 pelo Comendador Guilherme Porto, dado a empresas progressistas e precisamente para abrigar um hotel que então também fizesse frente aos dos Estrangeiros. Chama-se nessa ocasião Hotel Freitas, nome de seu primeiro arrendatário e no mesmo terreno, antes dele, tinha existido por muitos anos o Armazem do Romão, confeitaria popular do bairro. O Bêco das Carmelitas, ao lado da capela Do Divino, abriram-no eles mesmos, por volta de 1820. A Rua Teixeira de Freitas, em homenagem ao grande jurista, era o Bêco do Campo dos Frades. Nela está o Banco do Sangue, no edifício da antiga casa de banhos Termas Cariocas. Já sob Dom João VI o Largo se chamava da Lapa. Acabava de ser aterrado e nivelado. Através dele os cariocas do centro e da zona sul atingiam o Caminho de Mata-Cavalos(ou Rua do Riachuelo), que era o melhor para o norte antes do aterro dos mangais de São Diogo. Ao construir a Avenida Mem de Sá, Pereira Passos renovou-lhe a aparência, dando-lhe inclusive, a coluna iluminativa que lhe serve de adorno. E nele também desemboca a Travessa do Mosqueira e que do Mosqueira ficou sendo desde o Oitocentismo porque nele morou o Desembargador Mosqueira, de muito prestigio no Forum, A Manoel Carneiro, ligando a Joaquim Silva à Travessa Santa Teresa, é evocativa de um jornalista do começo do século. A Rua Detrás do Seminário da Lapa, a que se referiam as velhas crônicas do Setecentismo, já não mais existe e menos que uma rua era um caminho junto à Praia das Areias de Espanha destinado a ligar o hoje Largo da Lapa à Gloria e ao Catete, para os lados da zona sul. E para atingi-la, depois de chegar ao Largo, os cariocas se utilizavam do Bêco do Campo dos Frades, ao lado do seminário e que é hoje a Rua Teixeira de Freitas. A Rua da Lapa ou da Lapa do Destêrro, continuada pela da Glória, só apareceu mais tarde um pouco e foi aberta em terras que em sua maior parte pertenciam ao Coronel José Bento, de um regimento de milícias ainda ao tempo do Conde Resende, ranzinza como ninguém e que certa vez não gostando de seu modo de coman-

dar num desfile o repreendeu em público, ordenando-lhe que se retirasse. E ele o fêz para trancar-se em casa na Glória e dela só tornar a sair depois do regresso para Portugal do Vice-Rei, tão temperamental. Na mapa militar da cidade, elaborado em 1858, vemo-la desembocando na da Glória a um passo da praia, pois era ainda na praia que então desembocavam também o Bêco dos Carmelitas e a Joaquim Silva. Nela, na da Lapa, é que estava a residência e consultório, no número 93, de um dos maiores médicos cariocas da segunda metade do Oitocentismo, Carlos Moncorvo, pai de Moncorvo Filho e fundador nela da União Médica e da Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Mas, antes dele, outros não menos famosos que ele, nela tinham morado, como o Professor Morais e Vale e o Professor Paula Cândido, graças a quem grandes progressos havia feito nossa medicina no combate à febre amarela. Paula Cândido é como se chama hoje o largo arborizado da Rua da Glória, com balaustrada debruçada sobre a Avenida Augusto Severo. No número 18 era a casa do engenheiro Bethencourt Silva fundador do Liceu de Artes e Ofícios e Secretário do Conservatório Dramático, a cuja censura tinham que ser submetidas todas as peças de teatro no Segundo Reinado, antes de sua representação. No 46 funcionou a Roda dos Expostos entre 1852 e 60. E a nobreza estava nela presente na Condessa de Belmonte, tutora de Pedro II menino e que morreria cuidando abnegadamente de seus escravos atacados de cólera na sua chácara do Engenho Novo. E na crônica policial ela --a rua, não a casa da Condessa - nos aparece como teatro de um dos mais tenebrosos crimes praticados entre nós já lá se vai mais de um século e de que foi vitima o riquíssimo "pão duro" Muniz Telo, morto dormindo, a machadinho, por seu próprio filho, que queria dinheiro para gastar com a meretriz Adelaide, frequentadora das tascas da redondezas. No seu encontro com a da Glória e dando para o mar, ficava o Hotel Guanabara, onde às vezes hospedava Raul Soares e práticamente nasceu a candidatura Epitácio Pessoa à Presidencia da República, dias após a morte de Rodrigues Alves. A Joaquim Silva, tão velha quanto ela, chama-


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