Caderno de produção e negócios

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PRODUCÃO & NEGÓCIOS ANO 1 - NÚMERO 10 RIO BRANCO, DOMINGO, 18.03.2012

Paladar premiado Acreana Maria Andrade é destaque na oitava edição do Prêmio Sebrae Mulher

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2 Rio Branco – AC, DOMINGO, 18.03.2012

Empreendedorismo social

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Gerar ou apoiar negócios a partir da solução de problemas sociais, ambientais ou econômicos com serviços voluntários é uma atividade crescente no Brasil e no mundo

os últimos 30 anos o mundo tem avançado a uma velocidade tal que grande parte da humanidade está relegada ao atraso nos mais variados sentidos. Apenas uma pequena parte das pessoas consegue usufruir dos benefícios econômicos, científicos e tecnológicos que garantem o conforto e a qualidade de vida que para a grande maioria só existe na tevê. E é para equilibrar essa situação que muitas pessoas tomam atitudes voluntárias, agindo através de grupos, associações e cooperativas para praticar ações que têm como objetivo maior maximizar o capital social e gerar relações de confiança e respeito com os membros de comunidades que podem estar próximas ou do outro lado do mundo. Ações como essa podem ser vistas em organizações como a Democracia Digital, que leva tanto a internet como conhecimentos sobre informática para comunidades mais carentes de todo o Brasil. Também há ações de cunho global, como o mercado Fair Trade, que pode ser traduzido como Mercado Justo, cujo objetivo é comercializar a um preço mais justo produtos que vão do alimento, roupas a artesanato produzidos por comunidades que buscam a sustentabilidade econômica e ambiental com justiça social. Mais do que discurso e boas ideias, essas ações são marcadas por iniciativas que envolvem o comprometi-

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Estudantes do curso de veterinária da Ufac fazem trabalho voluntário que funciona como aulas práticas não ofertadas pela insituição

mento de voluntários, os quais dedicam parte de seu tempo diário, férias e alguns deles seu tempo integral a

ajudar outras pessoas a encontrarem solução de seus problemas sociais, econômicos e ambientais.

Uma publicação de responsabilidade de Rede de Comunicação da Floresta LTDA C.N.P.J. 06.226.994/0001-45, I.M. 1215590, I.E. 01.016.188/001-87

A luz no fim do túnel Quando a veterinária pau-

lista Amélia Margarida de Oliveira foi submetida a uma cirurgia relativamente simples para extrair pedras na vesícula, um pequeno erro médico quase lhe tirou a vida e ela acabou entrando em estado de coma. “Fui declarada morta pelo médico. Eu vi a luz do outro lado daquele túnel escuro em que me encontrava, caminhava para ela, mas decidi que não iria pra lá, então voltei, saí da UTI no dia 13 de janeiro de 2008 e quando pus os pés no chão decidi que se Deus havia me dado uma segunda chance eu iria fazer tudo aquilo com que tanto sonhara e havia adiado o tempo inteiro em nome do trabalho e do dinheiro. Minha irmã ficou administrando a clínica veterinária, comprei um jeep Land Roover, passei numa gráfica e mandei fazer um adesivo www.veterinariosnaestrada.com, alguém me parou na rua, perguntou pelo site que ainda nem tinha criado, criei, então parti pra estrada”, conta. A alagação do Rio Acre produziu notícias sobre o flagelo que atingiu os mais de mil cachorros e gatos pertencentes às famílias que tiveram suas casas atingidas pelas águas e isso trouxe Amélia e a também veterinária Léa Saliba, ambas militantes do Veterinários na Estrada, para Rio Branco. Elas chegaram no dia 5 de março e aqui ficaram no Centro de Zoonoses da Prefeitura até o dia 15 socorrendo os animais, fazendo cirurgias e castração quando permitidas pelos donos dos animais. “Quando criei a Veteriná-

Textos, fotografias e demais criações intelectuais publicadas neste exemplar, não podem ser utilizados, reproduzidos, apropriados ou estocados em sistema de bancos de dados ou processo similar, em qualquer processo ou meio (mecânico, eletrônico, microfilmagem, fotocópia, gravações e outros), sem autorização escrita dos titulares dos direitos autorais. Não devolvemos originais, publicados ou não. IMPORTANTE - Matérias, colunas e artigos assinados, são de responsabilidade de seus autores e não traduzem necessariamente a opinião do jornal


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rios na Estrada, assim, sozinha, a ONG Vira Lata é Dez me convidou para participar de uma ação em São Tomé das Letras e foi aí que tomei a decisão efetiva de cair na estrada com espírito solidário. Ainda somos poucos, eu e a Léa, mas somos filiadas à ONG Arca Brasil, que tem o programa Veterinário Solidário. Também nos filiamos à Associação Mundial de Proteção Animal (WSTA). São quatro anos de estrada e ações realizadas em mais de 30 municípios, a maioria em São Paulo, Minas e Rio. Também fui duas vezes ao Amazonas e agora estamos no Acre”, relata Amélia em tom de empolgação.

Missão “castrati” Além de tratar os animais, Amélia cumpre uma segunda missão que é lutar contra o abandono de animais na rua, faz isso estimulando a castração dos animais utilizando técnicas mais modernas que diminuem o sofrimento do animal e facilitam sua recuperação. “A maioria das pessoas fica horrorizada ao lembrar o sofrimento e a gritaria dos animais que ainda hoje são castrados a canivete. Viemos para Rio Branco preparadas para realizar a castração de 300 animais, e para isso usamos equipamentos modernos e anestesia, trabalhando de modo higiênico e seguro, sem riscos para o animal. Assim ele não sofre e os donos que assistem as nosso trabalho respiram aliviados”, diz. Já a veterinária Léa Saliba explica que integra o Veterinários na Estrada há um ano, mas que já como estudante estagiava na clínica veterinária de Amélia em São Paulo, onde a conheceu. “Saímos de uma enchente semelhante à daqui, lá em Minas Gerais, onde foram socorridos 250 animais e viemos direto para Rio Branco, onde mais de mil cães e gatos flagelados pela alagação já passaram pelo centro de zoonoses. Quando chegamos havia 700, mas é assim mesmo. Uma vez nós fomos a Iporanga, no Vale do Ribeira, viajamos quatro horas de canoa, mais 11 horas de caminhada para chegar a uma comunidade que nunca tinha visto um veterinário e estava sofrendo com uma epidemia de leishmaniose em cães, gatos e outros animais, inclusive, muitas pessoas também”. Voltando à passagem por Minas Gerais, Léa recorda que muitos animais chegavam mais maltratados que os de Rio Branco e as pessoas não

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tinham a noção de que eram animais de estimação, quase membros da família. “Nosso trabalho mudou a visão deles, lá realizamos a primeira feira de adoção de animais, fomos pra praça com 73, voltamos com apenas três deles, as pessoas amaram a ideia”, afirma.

Contagiante Cursando o sexto período de veterinária na Ufac, Gláucia de Souza Silveira auxiliava Léa numa mistura de dedicação e empolgação. “Quando soube da situação dos animais eu vim ajudar como voluntária, mas confesso que também vejo nisto uma oportunidade para realizar aulas práticas que não existem na Ufac. A previsão é de que nosso hospital veterinário só comece a ser construído em junho deste ano”, diz Gláucia. Além dela, outros alunos do curso de veterinária atuam como voluntários no socorro aos cães e gatos no Centro de Zoonoses, onde se destaca também o trabalho voluntário de 15 dos 30 sócios da Sociedade Amor a Quatro Patas, uma ONG com sede em Rio Branco. O grupo composto por Luciana Souza, Emile Freire, Vanessa Facundo e Mariana Lima faziam plantão no centro durante a reportagem. “Nós cuidamos da limpeza das baias, servimos ração, água, remédio, damos banho, ajudamos os veterinários porque estamos aqui para trabalhar mesmo, pois somos da Amor a Quatro Patas. O grupo está se revezando aqui desde que os animais começaram a ser socorridos quando abandonados pelas famílias que fugiam da enchente, ou eram levadas com elas para os abrigos”, declara Luziana Souza. “O centro de zoonoses só recebeu atenção das nossas autoridades quando os animais vieram para cá por causa da alagação”, complementa.

Família feliz Os resultados desse trabalho voluntário de acreanos e paulistas podem ser avaliados na reação de garotos como Pedro Gustavo, de 12 anos. Acompanhado pelo pai Lucemildo Braga, o garoto foi buscar o cachorro “Florzinha”, que quase morreu vítima de um erro médico-veterinário ao receber uma dose exagerada de remédio. “Levamos o Florzinha pro veterinário porque estava com uma infecção no ouvido, mas o médico aplicou uma dose de

Estudante Gláucia de Souza e a veterinária Léa Saliba

remédio para cachorro de dez quilos, quando o Florzinha só tem 3,5 quilos, ele começou a passar mal, vomitar, defecar sangue, então a mãe correu com ele pra cá. Ele passou o dia internado, mas ficou bom e agora vai pra casa comigo”, disse o garoto. José Wanderson da Silva, morador do bairro Taquari, que teve sua casa completamente coberta pelas águas, foi abrigado com a família no Parque de Exposições. Assim que conseguiu voltar para casa foi buscar seu “Chorrinho” que estava abrigado no centro de zoonoses e só saiu de lá depois de receber uma dose de vermífugo. “O pessoal lá em casa estava morrendo de saudades do Chorinho – esse é o nome dele mesmo, – mas aqui deram o apelido de “prejuízo”, porque ele nem é lá tão bonito, mas

é meu, né? Cuidaram dele mesmo! Tá até mais bonito”, alegra-se Wanderson.

Mais ações voluntárias A exemplo das doações recebidas pelas famílias vítimas das águas da enchente, a população também manifestou sua “solidariedade canina”, doando mais de dois mil quilos de ração além de utensílios e remédios para ajudar o centro de zoonoses a oferecer um mínimo de conforto aos animais que até ganharam abrigos improvisados às pressas. Diante da calamidade que atingiu Brasileia, os voluntários decidiram realizar atendimento aos animais daquele município e para lá foram levando 500 quilos de ração, mais equipamentos para fazer

atendimentos médicos, além de banho e tosa. O trabalho foi apoiado pela prefeitura, além de policiais do Bope e Polícia Civil. A administradora de empresas Silede Wanderley da Nóbrega, proprietária de um Pet Shop localizado no bairro Morada do Sol, em Rio Branco, integrou a equipe de voluntários que foi ao município. “Montei o pet porque gosto muito de animais e sentia a falta de serviços especializados aqui na cidade, e como não podia dedicar meu tempo integral a esse serviço, convidei minha irmã Seleucia, que veio de São Paulo pra cá. Eu, ela e nosso funcionário fomos juntos atender os animais em Brasileia. Quem quer ajudar precisa se comprometer, dedicar tempo e botar o pé na estrada”, ensina Silede.

Como sustentar o voluntariado? O trabalho dos voluntários é feito de graça, já que eles são movidos por um ideal político, religioso ou humanitário, mas o sustento deles precisa vir de algum lugar e é aí que muitos projetos que beneficiariam milhares de pessoas acabam encontrando sua maior dificuldade, como se sustentar. A veterinária Ana Amélia, especialista em cirurgia e em clínica animal, oferece

gratuitamente seus serviços profissionais graças ao apoio da família e doações que chegam assim, sem dia nem hora marcados, mas que fazem toda a diferença no que se refere à sustentação da atividade. “Eu e a Léa nos mantemos graças ao apoio de simpatizantes que amam os animais. Também recebemos doações de materiais e medicamentos das indús-

trias Bayer, Ouro Fino e Agner. Aqui no Acre, por exemplo, estamos usando uma série de caixas de medicamentos bastante variados que nos foram doados pela Agner. Na verdade estou tentando a aprovação de vários projetos e quando tiver um patrocinador que garanta as nossas despesas básicas, vamos ficar nas estradas até quando Deus quiser”, assegura ela.


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O sabor da

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Maria Andrade com a estatueta da 8ª edição do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios

Juracy Xangai

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liderança de Maria Andrade sobre o grupo das 21 mulheres que se dedicam à produção coletiva de pratos salgados e doces regionais e outros quitutes pela Cooperativa Delícias e Artes da Floresta, a Coopdaf, foi reconhecida em todo o país. Ela conquistou o terceiro lugar na categoria negócios coletivos na 8ª edição do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios. Foram inscritas 3.646 histórias de mulheres de sucesso em seus empreendimentos pessoais ou coletivos. O evento aconteceu no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, em Brasília. A premiação é um reconhecimento à capacidade empreendedora das mulhe-

res brasileiras. O prêmio, criado em 2004, é uma iniciativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com apoio da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), Federação Nacional das Associações de Mulheres de Negócios e Profissionais do Brasil (BRVM) e da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres (SEPM). As empreendedoras acreanas vêm participando dessa disputa desde 2006, sempre se destacando entre as primeiras na premiação nacional. O grupo de 21 mulheres que se reúnem em torno da cooperativa é liderado pela cozinheira Maria Andrade. “Essa premiação nacional é um reconhecimento pelo trabalho e esforço desta atividade coletiva que iniciamos ainda no ano 2000.

Isso é muito bom porque nos encoraja a lutar ainda mais pela conquista de novos espaços no mercado de alimentos, que é cada vez mais concorrido e exigente em termos de qualidade e preço”, disse ela. Movida pela vontade de trabalhar e ganhar dinheiro para melhorar as condições de vida da sua famílias, Maria Andrade esclarece, porém, que trabalhar coletivamente não é fácil, principalmente porque nem todos os maridos apoiam suas esposas. “Há também um certo preconceito de empresas e entidades em negociar com a gente. Nosso esforço vem sendo reconhecido, com isso hoje nós temos contrato com uma empresa que nos compra 150 marmitex por dia, além dos que vendemos por encomenda ou atendendo direto no bal-

cão, como da lanchonete no Parque Chico Mendes”. Segundo Maria, o forte das vendas da cooperativa ainda são os marmitex e salgadinhos, mas a paixão geral do grupo está na produção de doces regionais, chocolates e destacadamente a produção de castanhas cristalizadas. Elas também foram treinadas e possuem os equipamentos necessários para montar uma panificadora. “Quando a gente trabalha de forma coletiva vamos crescendo aos poucos porque todas as sócias precisam de parte do dinheiro para garantir a sobrevivência de suas famílias. Mas já progredimos bastante como na conquista de um terreno próprio, onde vamos construir nossa sede e uma cozinha industrial graças à aprovação de um projeto do MDA, cujas obras devem

começar no próximo mês de junho”, diz ela. Em Brasília, antes da cerimônia de premiação, Maria Andrade e as demais finalistas participaram de um seminário no qual puderam conhecer as experiências individuais e coletivas de cada uma e assim aprender mais umas com as outras. “Uma coisa que ficou clara durante os relatos que vi no seminário é a capacidade dos grupos em criarem mais de um negócio conectado, ou seja, nosso carro chefe é a produção de comida, mas também queremos ampliar nossa produção de doces comprando uma máquina especial para a fabricação de chocolate e também ativar a panificadora. Essa combinação vai garantir uma geração constante de renda nos momentos em que um ou outro setor tem sua redução natural nas vendas”, conta.


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vitória

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Acreana é destaque com 3º lugar na premiação nacional Mulher de Negócios do Sebrae, no qual concorreram 3.646 mulheres

História vencedora contada por Maria Andrade na íntegra

No caminho, as Delícias da Floresta “A minha história começou quando decidi fazer um curso na Fundação Bradesco de Auxiliar de Cozinha. Mesmo criada em 2002, ela estava à deriva e na época tinha apenas 3 mulheres. Eu gostei da reunião, da ideia e fiquei. Isso foi em outubro de 2008. Nesse momento me engajei e senti que só iríamos pra frente se o grupo crescesse. Começamos a convidar outras mulheres e hoje somos 21. A partir deste momento o governo entrou com o programa de Economia Solidária e melhoramos o atendimento com um cliente grande que já tínhamos, a Secretaria da Fazenda. Incluímos mais itens no cardápio e vamos aprimorando o serviço. Me candidatei a presidente do grupo, concorri com outra chapa, venci e foi a partir daí que comecei a luta para regularizar a cooperativa. É uma batalha muito grande e contamos com a parceria do governo, da prefeitura e o grande apoio do Sebrae, que nos forneceu um contador. Corremos atrás da documentação, da licença do Corpo de Bombeiros, da Vigilância Sanitária e levamos tudo lá pra ele. Começamos na Fundação Bradesco com o curso de alimentação, chamado de Aproveitamento de Frutos Regionais, de empreendedorismo e manipulação de alimentos com o Sebrae e outros temas que são necessários para manter este negócio. Quanto à qualidade de vida das cooperadas, nosso sonho é que todas sejam independentes. Muitas de nós são pessoas de baixa renda que não têm como sobreviver. A cooperativa em si visa muito isso, a gente quer crescer financeiramente também. Estamos nos

planejando pra isso, é nossa meta. A gente pensa em adquirir financiamento no futuro, mas queremos nos fortalecer mais e entrar melhor no mercado. Fomos beneficiadas com uma cozinha industrial por meio do programa de Economia Solidária. A previsão é de que chegue até 2010. Então nosso planejamento é para um ano e meio. No momento nossa meta é terminar de regularizar a documentação da cooperativa. Nos demos um prazo de três meses que já está no fim. Isso abrirá novas portas, poderemos emitir nota fiscal e oferecer nosso serviço para qualquer empresa, além de concorrer em licitações. Um sonho que colocamos para cumprir até dezembro era fazer um curso de aproveitamento de matéria-prima regional para a confecção dos nossos produtos. Não queremos mexer com frituras, queremos entrar cada vez mais nessa área. Não queremos servir lanches que tenham refrigerantes e sim sucos naturais. Mas devido à burocracia de órgãos que mexem

com esses cursos, tem que ter um planejamento, só vai ser possível em março do ano que vem, foi um projeto que não conseguimos realizar este ano. Queremos vencer mesmo vendendo, trabalhando, não esperamos que nada caia do céu, porque não cai. Nós ficamos fora da licitação da merenda escolar do Estado por causa da documentação. Isso pra nós foi uma coisa decepcionante, uma lição pra cooperativa. Fomos vítimas da burocracia. Mexemos com isso desde janeiro, desde que a diretoria foi empossada, começamos a correr atrás, articular com o Sebrae. Pra gente foi como se tivesse arrancado nosso sonho. De lá pra cá não paramos mais de correr atrás desses documentos. Tínhamos todas as chances. Acompanhamos o entusiasmo da equipe quando veio aqui, avaliou tudo, os técnicos disseram que a gente tinha condições de concorrer e perder por causa da documentação foi muito doloroso. Sabemos que vai ter outras licitações e vamos

correr atrás do prejuízo. Hoje os recursos financeiros que dispomos para incrementar nosso negócio vêm de nós mesmas. Por exemplo: a gente recebe uma encomenda para um café da manhã para 500 pessoas e usamos o nosso dinheiro. Pego do meu marido, da minha filha, outra cooperada colabora e quando recebemos, tiramos o que a gente gastou e dividimos o restante entre as outras cooperadas. Isso cria um ambiente de confiança, é agradável, tem sido muito bom. Há meses em que não tiramos nada porque temos que deixar um fundo de caixa para reinvestir. Há coisas que não podemos deixar faltar, senão o negócio não vai pra frente. Em 2008, apesar de a cooperativa não estar regularizada, foi muito bom. Este ano estamos caminhando, formando nossa clientela. Tem coisas que não dá pra dividir, tem que ser reinvestido. São 10% de fundo de caixa e o restante fazemos doação para a cooperativa. Queremos que todas ganhem, por isso temos que plantar. Por falar nisso,

Cooperativa liderada por Maria reúne 21 mulheres de baixa renda e recebeu apoio do Sebrae

temos uma preocupação com o meio ambiente. Estamos trabalhando a ideia de implantar caixas coletoras na sede da cooperativa, conscientizar os moradores do bairro. Conversei com o pessoal da associação dos catadores, o Projeto Catar. Vamos de uma vez só ajudar a cooperativa de catadores, gerar uma pequena renda para uma das cooperadas e até algum morador. Ao mesmo tempo vamos dar um destino ao lixo que a gente produz e para o lixo gerado pelos moradores daqui. Hoje, o que fabricamos na cooperativa é a partir de encomendas porque ainda não temos como guardar. Quando tivermos tudo estruturado com a cozinha industrial, será diferente. Imagino a cooperativa Delícias e Artes da Floresta grande até porque o terreno destinado a nós pelo município está para sair. Eu creio nisso. Pra mim, a cooperativa é o “negócio do momento”. Nosso projeto irá funcionar com café da manhã, almoço e jantar servidos no local. Será um lugar bonito, e que vai transformar o nosso bairro. Para quem está iniciando um negócio, digo somente que não desista. Às vezes sinto vontade de chorar, por isso me emociono escrevendo a nossa história. A minha história. Quando me sinto sem forças, isso dura pouco tempo ao perceber que outras pessoas dependem de mim. Na cooperativa umas dependem das outras e chego à conclusão que desistindo não vou ajudar. Nada é fácil. As coisas só têm valor quando a gente luta por elas. O melhor de tudo é ver a alegria das cooperadas quando dividimos os lucros, as tarefas. Elas estimulam umas às outras, acreditam. Sei que temos um caminho longo a percorrer, mas já temos histórias para contar”.


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Uma alagação Efeitos da enchente do Rio Acre vão bem além do transtorno e das perdas materiais porque afetam a economia das famílias Juracy Xangai

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onsiderando que o funcionamento do mercado depende da existência de compradores e vendedores, a Federação do Comércio do Estado do Acre realizou no período de 24 a 28 de fevereiro uma pesquisa para avaliar os efeitos da alagação sobre a vida pessoal e financeira das famílias atingidas direta ou indiretamente por este fenômeno natural. A pesquisa busca avaliar os efeitos da alagação enquanto evento comercial, como é o caso de datas festivas como o Natal, Carnaval e a Páscoa, que têm capacidade de aquecer as vendas em determinados setores da produção, comércio e indústria. No caso de Rio Branco, o prejuízo público e privado acabou beneficiando setores que vendem alimentos, materiais de construção, móveis e colchões.

Em sua sondagem, os pesquisadores do Ifepac/ Fecomércio ouviram 243 pessoas em diversos pontos da cidade e constataram que, entre os atingidos pela enchente, 21% deles vivem na região da Baixada da Sobral, 13% na Seis de Agosto e 10% na Cadeia Velha. Este grupo composto por 80 pessoas representa 33% das 243 pessoas ouvidas na pesquisa. Um dado importante considerado na pesquisa foi o número de membros que viviam nas 80 residências atingidas, o que resultou em 278 pessoas, sendo 47% adultas, 29% adolescentes e 24% crianças.

Doeu no bolso A maioria dos atingidos declarou que em função das perdas salariais constantes nos últimos anos já mantinha um orçamento doméstico bastante apertado, o que se agravou muito com as perdas de bens, como também

pela parada temporária de suas atividades econômicas como comércio, por exemplo. “Em consequência da cheia do Rio Acre as pessoas perderam móveis, alimentos e outros bens, o que resulta em uma despesa inesperada que tiveram de fazer para retomas suas vidas. Assim, quem já estava com o orçamento curto, precisou fazer opção entre o que é mais importante pagar agora e o que ainda dá para empurrar com a barriga, como se diz na linguagem popular”, esclarece Roberval Ramirez, que coordena os serviços de pesquisa do Ifepac.

No vermelho Segundo ele, os danos não são apenas momentâneos, mas trarão consequências futuras tanto na estrutura das moradias que precisam de recuperação imediata ou em médio prazo, o que pressiona ainda mais o orçamento familiar.

Diante dessa situação, 25% dos afetados declararam que seu orçamento está muito defasado para fazer frente aos prejuízos causados pelas águas, outros 20% disseram que entraram no vermelho por conta das despesas extras, 19% alegam que comprometeram totalmente seus ganhos para garantir sua sobrevivência durante o período da cheia. Para cobrir os prejuízos, 14% dos atingidos declararam que estão priorizando quais despesas pagar, 8% não sabem como vão pagar as dívidas e outros 8% que seus ganhos não são suficientes para cobrir as despesas geradas.

Salve-se quem puder Entre as 80 pessoas que tiveram suas casas mais seriamente atingidas pelas águas, 38, ou seja, 48% do total, foram se abrigar na casa de parentes, 22 nos abrigos ofe-

recidos pelo governo, dez alugaram, temporariamente, outra residência, seis foram para a casa de amigos e dois deles continuaram na moradia afetada. Nesse grupo, 43 pessoas, ou seja, 54% delas declaram não ter recebido amparo da prefeitura, enquanto 21 famílias receberam alguma alimentação, 11 serviços de assistência social, quatro serviços de saúde e uma delas móveis e utensílios.

Socorro não chegou a todos A gravidade da situação mobilizou o poder público e a sociedade em geral, esta última agindo como voluntária ou doando bens como roupas, colchões e alimentos. Serviços de ação e assistência social foram mobilizados para atender as necessidades mais urgentes e para criar condições de atendimento futuro aos flagelados, mas enquanto 40% deles se dizem beneficiados de alguma maneira pelas ações públicas ou privadas, 48% declararam não ter recebido nenhum tipo de assistência ou se a recebeu foi apenas pontualmente, no caso dos materiais necessários para a limpeza na operação “volta pra casa”.

Problema exige solução

Pesquisa da Fecomércio constatou os efeitos desastrosos na economia de centenas de famílias acreanas

Quando perguntados sobre sua origem, a grande maioria das vítimas se disse vítima do êxodo rural acreano, que ganhou impulso na década de 70%, gerando a ocupação de áreas alagáveis da periferia. Estas áreas constituem o bolsões de pobreza da capital e, por conta disto, 48% dos entrevistados foram pontuais na afirmação de que o governo precisa ajuda-los na recuperação de suas vidas. Quanto aos fatores ambientais ou climáticos e até políticos que levam à alagação e suas consequências, 22 declararam que é resultado do desmatamento em excesso e 21 que ele é fruto da desatenção das autoridades.


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de problemas

Alguns setores da economia acabaram se aquecendo a partir da necessidade dos consumidores de adquirir móveis e eletrodomésticos

Conclusões Considerando que dos 243 entrevistados, 33% se declararam flagelados pela alagação e que os demais 67% não possuem casas ou negócios diretamente afetados por ela, a pesquisa buscou nestes últimos sua relação de solidariedade para com os afetados pela cheia. A maioria deles declarou ter atuado como voluntários ou doadores de bens, destacadamente os alimentos, roupas e utensílios domésticos. O estudo levou a Fecomércio a considerar que a adversidade da natureza que

se manifesta em alagações periódicas às áreas mais baixas da capital habitada principalmente por famílias das classes C e D, leva à necessidade de assistência urgente para que retomem suas vidas à normalidade. Isto também requer intervenções políticas na renegociação de seus débitos, concessão de créditos facilitados e a criação de uma política urbanística que considere a constância dos fatores ambientais e solucione o problema habitacional agregado a fatores como a geração de emprego e renda no entorno de suas novas moradias.

Já Ramirez, o coordenador da pesquisa, enfatizou: “Pessoalmente, eu me lembro do acontecimento de alagações tão grandes quanto esta que aconteceu agora, mas os prejuízos eram muito menores porque havia muito menos a perder. A lição desta enchente é a de que agora ela exige uma nova política urbanística que reavalie as ocupações dos nossos espaços urbanos em áreas impróprias para a construção. A maior gravidade desta cheia do rio Acre está no fato de que atingiu diretamente a população das classes C e D, que perdeu boa parte ou tudo do pouco que já tinha”.

Dentre os 243 ouvidos na pesquisa, 80 se declaram afetados pela enchente População afetada Bairro Sobral Seis de Agosto Ginásio Coberto Cadeia Velha Taquari Aeroporto Velho Outras Total

Número 17 10 8 8 7 6 24 80

Percentual 21 13 10 10 9 8 30 100%


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Caminho de Luz

Centro de recuperação de dependentes químicos é também um ambiente de aprendizado profissional e empreendedorismo

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amas com testeiras entalhadas e muitos outros móveis em madeira maciça estão à venda na lojinha improvisada pelos integrantes do Centro de Recuperação Caminho de Luz, localizado no projeto Benfica, onde eles também produzem doces, costuras e objetos de artesanato em madeira. Mais que recuperar dependentes químicos, a entidade busca dar novo rumo à vida dos internos, criando oportunidades de aprendizado prático que será útil quando voltarem ao convívio social. Quem relata a façanha é o mestre José Muniz de Oliveira, que atua como presidente do Centro de Recuperação Caminho de Luz. O local funciona informalmente há 20 anos, oficialmente há 12 anos e por onde já passaram mais de 2,5 mil dependentes químicos. A experiência alternativa permitiu que alcançassem um índice de re-

Internos da instituição aprendem a fazer artesanato como parte do tratamento da dependência química

cuperação superior aos 50%, quando as entidades que utilizam metodologias diferentes de tratamento conseguem recuperar pouco mais de 20%. O bom resultado vem atraindo atenção nacional, por isso nos três centros localizados em Rio Branco,

Bujari e Senador Guiomard há adultos e jovens de São Paulo, Paraná e outros estados, cujas famílias os encaminharam para o Acre, a fim de que se livrem da dependência química. “Esta comunidade terapêutica possui uma área de

sete hectares, e nela temos horta e pomar para garantir parte dos alimentos e pagar algumas despesas. Nosso forte vem sendo a produção de doces regionais e de castanhas cristalizadas. Agora estamos impulsionando a marcenaria onde os internos fabricam móveis, e temos ainda o setor de costura onde trabalham várias mulheres”, diz mestre Muniz. “Temos mais de cem internos, e com eles vêm mais 45 crianças. O governo nos apoia repassando recursos para manter 20 pessoas, então o restante das despesas é garantido pelas doações dos voluntários e pelos trabalhos produtivos realizados aqui pelos próprios internos. Temos três centros, e em breve estaremos inaugurando nosso novo centro de recuperação na área do Iquiri, que terá capacidade para abrigar até mil internos. Não é fácil, mas quando vemos as pessoas se recuperando, vemos que assim estamos fazendo nossa parte para o bem da humanidade”.

Idas e vindas Mestre Muniz esclarece que metade dos recuperandos que permanecem pelo menos um ano em tratamento na entidade acaba tendo recaídas e tem de voltar ao tratamento. “A maioria dos que reincidem no uso voltam em busca de ajuda. Alguns vão para outros centros ou não temos mais notícias deles. Já houve casos em que a pessoa retornou oito vezes até encontrar seu equilíbrio e viver em paz”, diz mestre Muniz.

Doações são bem vindas A comunidade recebeu uma doação da Secretaria de Pequenos Negócios, que entregou nove máquinas de costura para impulsionar a oficina que, além de roupas e uniformes, também recebe encomendas. Quem quiser contribuir financeiramente pode depositar qualquer quantia na conta 29.040-8, agência 5779-7 do Banco do Brasil.


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