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Quarta-feira, 23-04-2014

O investigador refere que “os primeiros 10 anos de democracia, depois daquele primeiro ano de 74 em que há o aumento dos salários, etc…, são anos de austeridade. A democracia portuguesa começou na austeridade”. Numa entrevista em que olhou para o pós-25 de Abril e fez o balanço de 40 anos de democracia, Rui Ramos destaca a forma como, apesar das críticas e insatisfações, as pessoas continuam a valorizar o regime e a estabilidade política. Ramos sublinha que “em Portugal, os projectos extremistas não vingam, ao contrário de outros países europeus, e essa é uma virtude da nossa jovem democracia”. O investigador diz que “as pessoas só valorizam o que possa estar em causa” e essa é a razão pela qual as questões da liberdade de voto ou de imprensa não são muito mencionadas nas sondagens de opinião feitas a propósito do 25 de Abril, sublinha. Rui Ramos considera, também, que a juventude tem hoje a democracia de tal forma “interiorizada” que nem sequer concebe o que é viver sem ela, sendo esse "o maior triunfo destes 40 anos”.

Vinte anos a ser a voz de um Papa Joaquín Navarro-Valls foi director da sala de imprensa da Santa Sé durante 20 anos, sempre ao lado de João Paulo II. Duas décadas ao lado de um santo é uma experiência que deixa muitas marcas. Por Aura Miguel

No dia 16 de Outubro de 1978, Joaquín Navarro-Valls, correspondente em Roma do diário espanhol “ABC”, estava na Praça de São Pedro com outros vaticanistas. Viveu com emoção o anúncio do primeiro Papa polaco da história. Mas naquele dia, o jornalista espanhol (e médico psiquiatra de formação) estava longe de imaginar o que lhe viria a acontecer. De facto, a sua vida mudou quando, alguns anos depois, em 1984, recebeu um telefonema: “Recordo-me muito bem. Um dia, recebi uma chamada telefónica no meu escritório de uma pessoa que me disse ‘você tem que vir almoçar com o Papa’. Naturalmente, para mim, foi uma grande surpresa. Fui e encontrei-me, frente a frente, com este homem que me queria ouvir sobre o que eu sabia, o que pensava e se tinha alguma ideia para melhorar o modo de comunicar. Não tanto de comunicá-lo a ele, mas de comunicar todos aqueles valores específicos da Igreja Católica e que a estrutura do Vaticano devia comunicar melhor.” Navarro-Valls foi para casa pensar, até que, alguns dias mais tarde, chegou um novo telefonema: “Quando, pouco tempo depois, recebi a segunda chamada telefónica e me disseram ‘o Papa nomeou-o director da sala de imprensa da Santa Sé’, pode imaginar a minha inquietação e as dúvidas que eu tinha. Porque pensava que era uma enorme responsabilidade se fizessem aquilo que eu queria fazer e como eu achava que o

Papa queria fazer. Por fim, aceitei, pensando que seria um encargo por um par de anos, mas, afinal, foi um pouco mais longo, porque acabou só no dia em que ele morreu, ou seja, mais de 20 anos depois.” Navarro-Valls tem, por isso, muita coisa para contar. São mais de 20 anos ao lado de um homem notável, que introduziu grandes novidades no modo de ser Papa. O porta-voz de João Paulo II considera mesmo que aquele pontificado foi revolucionário, porque permitiu relacionar a Igreja com a modernidade. “Penso, na verdade, que o pontificado de João Paulo II foi o primeiro pontificado da história da Igreja que entrou plenamente, com enorme audácia e vivacidade naquele conjunto de teorias e filosofias a que chamamos a modernidade. Ou seja, introduziu o pontificado na modernidade histórica. Por isso, em tantos momentos, o seu pontificado parecia revolucionário, que era uma coisa completamente nova; e é verdade! Ele estava-o realmente actualizando, no sentido histórico da expressão: o conteúdo daquilo que ele dizia que não mudava, mas o modo como o exprimia e o exemplo da sua própria vida era totalmente novo na história da Igreja”, considera João Paulo II, com as suas viagens pastorais, deu, por várias vezes, a volta ao mundo. Fez 104 viagens fora de Itália e com visitas muito variadas. Houve de tudo um pouco: desde a Polónia e Cuba, com forte pendor político, a Manila e a Jornadas Mundiais da Juventude com milhões de fiéis, mas não esqueceu pequenas comunidades, como as do Pólo Norte ou Azerbaijão. “Recordo muito bem aquela viagem ao Azerbaijão, que muita gente na Cúria o desaconselhou a fazer, mas ele quis fazê-la. Como sabe, no Azerbaijão, na altura em que o Papa lá foi, em todo aquele imenso país, havia 122 católicos. Somente 122 católicos. E, mesmo assim, o Papa quis lá ir para se encontrar com esta pequena comunidade católica, não obstante ter sido três anos antes da sua morte e o Papa já ser idoso, doente e ter dificuldades em andar", diz o antigo jornalista. “Recordo um pequeno episódio simpático: quando chegámos ao aeroporto de Azerbaijão, aproximei-me dele e disse ‘Santo Padre, parabéns’. E ele disse-me ‘parabéns, porquê? Você, normalmente, dá-me os parabéns no final de uma viagem e não no início’. E eu respondi ‘parabéns porque, agora, consigo aqui, o número dos católicos subiu para 123’. Ele fartou-se de rir com isto.” O episódio é revelador da intensidade com que João Paulo II cumpria a sua missão de pastor universal, uma vez que o seu critério não dependia da quantidade de fiéis: “O critério era sempre o mesmo: cada pessoa em particular. Ou seja, quer fossem 120, como no Azerbaijão, ou milhões, noutro país qualquer, ele ia sempre. Penso que esta sua característica de, perante uma grande multidão, não olhar para a multidão como tal, mas para cada uma daquelas pessoas em particular, é aquilo que explica a experiência de muita gente que ainda hoje diz: ‘eu senti que ele estava mesmo a olhar para mim, para mim concretamente, e não para aquela enorme massa de duas ou três milhões de pessoas’. Isto é porque o seu critério era o valor humano e espiritual de cada pessoa”. Óptimo sentido de humor E, no dia-a-dia, como era trabalhar com João Paulo II? “Era estupendo. Porque uma característica do seu


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