O outro lado de coivaras o mundo

Page 34

oscar kellner neto

o legado

- Como era você quando moço, papai? Sinto-me confuso... Nada sei acerca desse meu primeiro trabalho! “Antes de tua vinda, meu filho, eu achava que as horas madrugais eram a sede da poesia, e vivia meu ofício nas horas mortas: gravava, nos sonos, minhas intenções. A mim não bastavam as horas do dia: essas doze horas -testemunhando atos e oferendas, risos e lágrimas, - em nada me envolviam...” - Por quê? “Não sei... Parece que nelas faltava um certo espanto de primeira descoberta.” - E agora? “Hoje sei: no silêncio, as outras doze horas gravavam no coração da noite a promessa do teu advento.” - E antes? “A vida terminava para mim à meia-noite. A vida comum. Agora compreendo: no intervalo entre o dia e a noite (zero hora, mais exatamente), um suspiro mecânico (suave, inda que metálico) coloca, naquele segundo que morre, a vida em nossas horas noturnas.” - Diga mais, papai. É tão emocionante vê-lo dizer essas coisas tão lindas! “Hoje sei que a Meia-Noite não se compõe de badaladas frias como o vento que entra pelas frestas do vitrô... 34


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.