10
12/08/2018
Especial 11 de Agosto - Tatuí 192 anos - VOSS DA anos HISTÓRIA Especial 11 de Agosto - Tatuí 191
No escurinho do cinema Bem, eu nunca escondi que sou apaixonado loucamente por Tatuí. E o mais incrível é que esse amor louco vem desde a minha infância. Essa loucura pela cidade, seus habitantes, suas histórias, seus heróis, sua pujança, suas lutas, suas músicas, seus doces, festas. Enfim, sua trajetória desde 1952, quando eu cheguei ao mundo pelas mãos e pelo amor do casal Maria Aparecida Voss Campos (de quem eu herdei o meu sobrenome, ou nome, sei lá?) e do meu querido pai, professor Diógenes Vieira de Campos. Lembrei-me que, aos 12 anos, eu estudava na escola “João Florêncio”, com o professor Cândido Sobral de Oliveira, e surgiu um concurso de redação. Isso, no terceiro ano do “Grupão”, como era conhecido. Acabei indo atrás de informações na Prefeitura, na Câmara, com pessoas ligadas à história dela, no museu e, resumindo, coletei os dados e fiz a tal redação. Para minha surpresa, acabei vencendo, e tive o prazer de participar, ao vivo, do programa do Pharaylio, na ZYL 5 Rádio Difusora de Tatuí, na praça Paulo Setúbal, ao lado da Igreja do Rosário, onde li a minha redação, ao lado do meu pai, que, na época, andava de terno e chapéu de feltro. Um charme de homem! Daquele dia em diante, comecei a viver intensamente a minha vida focada na história, no dia, no tempo, no progresso da nossa “Cidade Ternura”. E, agora, sinto uma sensação incrível quando passo por alguma rua onde tinha uma casa, ou um prédio, com estilo
“Nós tínhamos o cinema São Martinho, que era o ponto principal de atração, e o jardim em frente à Matriz”. Não bastando essas duas lendas tatuianas, meu pai Diógenes, a terceira lenda viva, também relata, com muita clareza e saudade, o que representou esse cinema na vida dele, nas matinês, aos domingos, onde, então, conheceu a minha mãe, numa história cheia de amor e carinho até hoje lembrada. Fiz essa abertura histórica para, a partir deste momento, contar a minha vida nos três cinemas de Tatuí, ressaltando a sua importância, para que, hoje, graças à memória e meus arquivos, pudéssemos voltar no tempo e saber um pouco mais sobre a arte do cinema. No jornal “Tribuna do Povo”, datado de 19 de novembro de 2000, à folha 8, o repórter João Levi relatou que: “O senhor Milton Stape, em uma palestra no Rotary, contou, que: ‘Em 15 de novembro de 1908, um senhor chamado Antenor de Carvalho, que era cinematógrafo, passou por
de gerenciar os cinemas, pois ele era o mais velho dos três irmãos. Como estava com o pai desde os 11 anos, não hesitou, pois, naquele tempo, professor ganhava somente oito mil reis. O Cine São Martinho foi reinaugurado em 5 de janeiro de 1939, com o primeiro longa-metragem em desenho animado: “Branca de Neve e os Sete Anões”. No dia 1º de novembro de 1935, foi inaugurado o Cine São José, que apresentou seu primeiro filme, “Scarface”. Tanto o São Martinho como o São José possuíam as poltronas Pullman, numeradas e almofadadas, pois as pessoas poderiam reservar seus lugares para não perderem as sessões de sábado e domingo,
Hely Lourdes e Milton Stape
diferente, e ambos já não estão mais lá. Foram demolidos. Confesso que sinto uma pontada dentro do coração, mesmo sabendo que o progresso pede essas mudanças. E assim é, e assim será. Mas, como diz o comercial de uma financeira, a vida passa e o tempo voa. Li neste bissemanário, na edição de 27 de dezembro de 2015: “Wilson Bertrami relembra Natais passados”. Então, aos 88 anos de idade, ele relembrou fatos incríveis da sua vida e, em certo ponto do texto, comentou: “A cidade tinha no centro três grandes cinemas. O cine teatro São Martinho era de uma beleza arquitetônica impressionante”. Inclusive, temos uma foto do Theatro São Martinho da década de 30-40, onde ele revelou ser lá o ponto de encontro da juventude de sua época. Em um segundo momento, neste mesmo bissemanário, datado de 24 de janeiro de 2016, o texto “Simeão Sobral à espera da tocha olímpica. 2016 será especial para o aposentado que vai completar um século em novembro”, no qual, também, a certa altura, ele declara:
Tatuí. E concluiu que a cidade já comportava um deles. Nos anos 20, Manoel Guedes construiu o Cine Theatro São Martinho, onde eram apresentadas peças teatrais e cinema mudo. E que era animado por uma excelente orquestra que fazia fundo musical dos filmes, com músicos como João Del Fiol, Bimbo Azevedo e outros. Em 1926, um incêndio destruiu o cinema. Porém, como ele era muito caprichoso, reconstruiu as paredes e o telhado’”. Em 1939, o senhor Alberto Stape comprou o cinema por 700 contos. Conta a história que, no dia da inauguração, um fato interessante ocorreu: um humorista chamado Mazzaropi, que estava com o seu circo montado no terreno do banhado (local onde está o Conservatório), pediu para fazer a inauguração. Porém, quem tinha sido convidado para aquele evento foi Procópio Ferreira. E, mesmo depois de famoso, o humorista não perdoava o episódio ocorrido em Tatuí. O professor Milton Stape recebeu, do pai, a proposta
que lotavam os cinemas. Elas ficavam na parte superior dos prédios. O São Martinho tinha capacidade de 200 lugares. Quando Alberto Stape faleceu, em 1953, havia, ainda, duas prestações a pagar na compra do Cine São Martinho. Ele não chegou a conhecer o que seria o terceiro cinema, o Santa Helena, inaugurado em 1955 e administrado pelos três filhos. Os três irmãos trabalharam no cinema, de lanterninha à bilheteria, estudando ao mesmo tempo em que se formaram, ficando para Milton Stape a tarefa de continuar o que fez por mais de 40 anos, aposentando-se como empresário de cinema. Os Stape abriram outros cinemas na região. Em Laranjal Paulista, Piedade, Cerquilho e Porangaba, formando uma pequena rede, pertencente à Empresa de Cinemas Alberto Stape Ltda. Porém, surgiu a televisão e, com o surgimento do videocassete, foi o golpe final. Nem mesmo uma empresa de Botucatu, que mantinha uma rede de 40 cinemas e que tentou arrendar o São José e o Santa
nas se abriam “não sei quanto” e a sessão e começava a das moças (às quartas-feiras), nossa viagem só filme de amor (compravapelo fantásti- -se ilusão por tão barato), e co mundo dos você teve o orgulho de assisfilmes. Esque- tir a inauguração da “fonte cíamo-nos de luminosa”. Quantas cores! tudo, e quanta Quantos sorrisos estampados folia! Quanta na face das pessoas que por lá alegria! Quan- passavam!!! tas balas! PiMas o tempo foi passando e a pocas! E chi- técnica mundial aperfeiçoando cletes! tudo. Começou a concorrência Ah! E o tem- com a TV, pois, com a facilidade po dos gibis? E apresentada, todos quase que a gente troca- compravam. va um por dois E você? Você foi perdendo a ou dois por disputa, acabando de uma hora um, e sempre para outra por sofrer modifiachava que cações, e daí para o inevitável era um “ne- foi um pulo! gocião”. Você foi vendido, e eu sinto A c a b a v a cada vez que passo defronte a sessão às a você, o seu murmurar silen16h30, a saí- cioso, clamando: “Piedade, Prédio onde funcionou da da massa piedade”. o Cine São Martinho humana era Mas qual nada, atualmente os até bonito de nossos corações serão surdos ver: a multi- e nada escutamos. Helena, conseguiu livrá-los da coloração das camisas, novas E você, coitado! Fica espefalência. transas, e o sol com seus raios rando a hora do fim, para O videocassete foi o golpe amarelos quase que nos cega- acabarem de vez com essa sua final. Bem antes de aparecer em va, anunciando que a tardinha agonia. cena, o vídeo já era conhecido já vinha calma e lenta. O que será? Você será esquepor Milton Stape. Foi em uma Lembro-me que um dia, à cido? Creio que nunca, mas só visita a uma produtora em São noite, nos meus oito ou dez o tempo dirá. Paulo, a Arte Filmes, que um anos – não me recordo – fui O destino ainda foi bom com diretor traduziu um telegrama até a praça para comprar “não você... Outro dia, com uma da Itália, revelando a Milton sei o quê”. E, quando cheguei, lufada de vento, arrancou uma Stape sobre um aparelho no vi o mais belo espetáculo de chapa que cobria seu nome e qual se podia colocar o filme e toda a minha infância. Aquela deixou, apesar de pequeno, o assisti-lo na TV, em casa. infinidade de luzinhas que se seu nome como num túmulo Bem, em 1977, o Cine São acendiam e apagavam conse- gravado: São Martinho. Martinho foi vendido e passava cutivamente, dando a imprespelo processo de demolição são que mil luzes corriam pelo ****** quando eu, com uma máretângulo iluminado. quina sem muitos recursos, Cheguei em casa e, nesse dia, Os mais velhos já sabem que fotografei a sua fachada e a até sonhei com a maravilha que onde era o Cine São Martinho parte interna. E não escondo havia presenciado. virou Banco Itaú, e onde era de vocês que até chorei ao ver Tatuí, naquele tempo, era o Cine São José havia virado tudo aquilo no chão, e de tudo mais calma. Na praça, havia o o Supermercado Barbosa, na o que ele representou na minha Clube Recreativo (atualmen- rua Santa Cruz, próximo à infância e parte da minha linda te, Casas Pernambucanas), a Praça da Santa. juventude. praça com seus bancos conviNessa história da vida dos Chegando à minha casa, pe- dativos e ELE, e nesse círculo cinemas em Tatuí, eu gosguei uma folha de papel e me ficavam os que na noite, após o taria de me lembrar do seu pus a escrever um texto com o jantar, não faziam nada. A tele- Henrique Olivieri; do Jaime; título “O Guardião da Praça”, visão desse tempo era melhor, da dona Inezita, que vendia que foi publicado na revista não tinha essa “bestificação balas dentro do cinema; do “Aldeia Global”, ano 1, número visual”, que causa crises ner- baleiro defronte ao cinema, 7, página 17, março de 1977. vosas a todos os que assistem que, aos domingos, montava Texto que eu faço questão de e tornam “fanáticos”. sua banquinha com balas reproduzir, nesta coluna, com a Você já percebeu que as pes- de café, abacaxi e coco; do mesma grafia de 39 anos atrás. soas comportam-se perante pipoqueiro seu Justo; do Zé um aparelho na “hora da nove- Antonio de Fati Ferreira; o Zé O Guardião da Praça la”? Ficam mudas e estúpidas, do Cinema, que está com Luis Quem passa pela Praça da sofrendo e atraindo a dor dos e Miguel desde a reinauguração do Cine Santa Helena; e, Matriz talvez não tenha tido personagens para si. E quando “dava na telha”, também, do meu amigo Luis tempo nem curiosidade de olhar para ele. Talvez o perigo íamos para lá. Talvez nem o Alfredo Teles, Xará, que era pelo qual temos no nosso trân- nome do filme sabíamos. Mas o homem que trabalhava na sito, ainda mais naquele trecho era bom, pois causava maior projeção e, às vezes, levava os da cidade, com semáforos e impacto. E, lá dentro, quase rolos de filme de um cinema grande movimento de carros, sempre aparecia um amigo para o outro. para conversar ou assistir ao Enfim, muitas pessoas que impeça-nos de vê-lo. É um prédio atualmente filme. Nesse tempo, as pessoas fizeram a história dos cinemas “deixado ao léu” para valorizar, eram mais pessoas (mais gen- mais rica na minha juventude, que eu também não citei, mas feio, sem atrativos que chamem te), havia maior diálogo. Sessões populares: duas por que se sintam representados. a atenção dos transeuntes. Mas “quem te viu e quem te vê, hein?!!” Esse prédio que já foi um dos mais bonitos de Tatuí, que assistiu a quantos namoros, quantas paqueras, quantos flertes. E as filas de pessoas nos dias dos melhores espetáculos. Começava na sua bilheteria e ia até onde está o Banco Nacional (Casas Bahia). Quantas vezes havia necessidade até de guardas virem para acalmar os nervos dos mais esfuziantes. Na matinê de domingo, às 14h30 da tarde, quantas crianças, até meninos nos seus 14 e 16 anos iam para ver a vibração da molecada na hora da famosa briga do “mocinho com o bandido”, na qual o chapéu do mocinho nunca caía, os revólveres que nunca acabavam as balas, e o herói, depois de lutar contra tudo e contra todos, saía-se vencedor sob os aplausos da plateia. Quando o gongo soava às 14h28 era o primeiro sinal; Cine São José Fachada do extinto às 14h29, o segundo sinal; às 14h30, o terceiro sinal, as corti-