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Odair Correa Bueno, Unesp-Rio Claro

No interior do ninho, ocorrem bactérias protetoras juntamente com as secreções das glândulas metapleurais, cujos produtos evitam a contaminação do jardim de fungo. Além disso, ocorre uma vasta quantidade de microorganismos associados que auxiliam na degradação no material vegetal e na proteção das formigas adultas e imaturas contra organismos entomopatogênicos. Por outro lado, fungos antagonistas ao mutualista também ocorrem no interior da colônia cujo desenvolvimento é impedido pelas operárias e bactérias protetoras. Eles só se desenvolvem quando as operárias perdem o controle da manutenção do sauveiro.

As formigas-cortadeiras, apesar de serem citadas desde a época do descobrimento do Brasil, continuam ocupando lugar de destaque no cenário da agricultura e na implantação de florestas no País. Muitas vezes, são referidas como pragas-chave em reflorestamentos, pragas severas na agricultura e, em certas monoculturas, como a da cana-de-açúcar, de citros e em pastagens, citadas em muitos artigos científicos. Acrescenta-se que as tentativas de controle desses insetos são tão antigas quanto seu status de praga, mas, com certeza, estamos perdendo de goleada. Não é por falta de trabalhos com as formigas, pois existem, na literatura mundial e especialmente na brasileira, milhares de artigos sobre as cortadeiras; porém, mais de 80% se referem diretamente ao controle, muitos estão desatualizados, e a repetitividade é muito grande. Esse tipo de publicação se perde no tempo.

Dois fatores contribuem para isso: a não diversificação de ingredientes ativos eficientes e o baixo investimento no conhecimento das formigas-cortadeiras, incluindo o monitoramento adequado. Se a perda causada por essas formigas na silvicultura pode atingir milhões de reais, por que não ampliar os investimentos no maior conhecimento dessa sociedade e na interação com o ambiente e na formação qualifica da mão de obra que realiza o monitoramento e o controle desses insetos? Importante salientar que vem ocorrendo uma redução drástica no número de pesquisadores envolvidos especificamente na área.

Diversos produtos comerciais e métodos de controle são indicados para o combate das formigas-cortadeiras. Isso ocorre a despeito da procura intensa por novos produtos e alternativas de controle, até agora não encontradas. Ao longo desse tempo, tem-se constatado uma grande evolução na atitude das organizações da silvicultura frente ao controle das cortadeiras, como a procura de produtos químicos mais seletivos e de menor impacto ao ambiente, a redução na quantidade desses produtos a serem aplicados no campo e, sobretudo, o desenvolvimento de uma consciência de preservação ambiental. Tudo isso, naturalmente, conduz ao manejo integrado de formigas-cortadeiras, passando pelo monitoramento, que já faz parte das atividades da maioria das empresas de reflorestamento no Brasil.

A indústria química mundial não está investindo na descoberta de novas moléculas, basta lembrar o artigo da Nature (Volume 543, 2017) “When the pesticides run out”.

Não é o que ocorre com outras pragas agrícolas, onde há altos investimentos na química de agrotóxicos, mas também no conhecimento da praga e no emprego de novas metodologias.

O controle biológico sempre citado como importante tem revelado pouca aplicabilidade com as formigas, mas sempre se deve ter esperança de sucesso. Poucos estudos relacionam os fatores envolvidos na capacidade defensiva das formigas-cortadeiras, vide a complexidade do sauveiro. A investigação dos mecanismos de defesa, tais como o comportamento social e a presença de simbiontes, se tornam relevantes, já que possibilita esclarecer a capacidade de detecção e remoção de patógenos pelas operárias e mesmo detectar a presença de compostos químicos indesejáveis. Pesquisas básicas que abordam esse tema podem revelar características fisiológicas das formigas-cortadeiras e podem contribuir para repensar os métodos de controle utilizados atualmente.

As formas de controle químico das formigas-cortadeiras são amplamente conhecidas, mas a tecnologia de iscas tóxicas é a única até o momento possível de mensurações. Atualmente, ela é a forma mais utilizada na silvicultura, ultrapassando o nível de 80%.

As novidades no setor de controle de formigas-cortadeiras ocorrem pela nova forma de aplicação de inseticida líquido pela pulverização direta no solo, ainda muito pouco avaliado, e a utilização de iscas tóxicas resistentes à umidade, que permitem ser utilizadas em regiões mais chuvosas e com alta umidade do solo.

As grandes falhas no combate às formigas-cortadeiras estão relacionadas ao uso de ingredientes ativos não adequados, que provocam a repelência das formigas ou têm ação muito rápida, o que também afasta as formigas, e ao monitoramento inadequado ao estabelecer o que é um ninho, estimativa do seu tamanho, cálculo utilizado para quantificar a quantidade de isca a ser aplicada, os locais em que devem ser aplicadas e as formas de aplicação (mecanizada ou manual). Mesmo utilizando as melhores iscas do mercado, as técnicas de monitoramento e de aplicação são as responsáveis pelo baixo nível de sucesso no controle das formigas-cortadeiras.

Na verdade, as florestas implantadas podem ser, para os pesquisadores, verdadeiros laboratórios ao ar livre e de grandes dimensões, processo ainda no início. O investimento na formação de recursos humanos qualificados também é fundamental para não repetir os feitos no passado.

O grande sonho: seria pensar na lógica da engenharia reversa. Em termos de controle de formigas-cortadeiras, tem que ser envolvidos os figurantes da ação: as plantas, o monitoramento, incluindo a aplicação das iscas e a sociedade das formigas.

Para as plantas, é possível pensar no melhoramento genético, na biologia molecular, incluindo a transgenia. No monitoramento, investir na formação de pessoal qualificado e competente e nas formas de aplicação e seus equipamentos, como a utilização mecânica e de drones.

Em se tratando da sociedade das saúvas, a mais complexa das formigas, os pesquisadores agrícolas (agrônomos e engenheiros florestais) e biológicos podem contribuir. Isso está em falta, mas, quando for possível, que seja com ousadia.

O artigo da Nature sinaliza investimentos no biocontrole, tanto o clássico como em novas tecnologias, como as ômicas (genômica e proteômica), engenharia genética, entre outras. Isso está ocorrendo com outras pragas, principalmente aquelas com mercado mundial de amplo retorno.

Os custos de novas tecnologias e de formação de recursos humanos de alto nível são altos, e as agências financiadoras brasileiras (seus gestores e analistas) têm pouca sensibilidade em aprovar projetos audaciosos e de alto risco.

Portanto, está mais do que na hora de ocorrerem mudanças radicais; não que isso vá resolver de imediato o problema, mas dará início a uma nova era, não só investindo em novas linhas de pesquisa, mas também na formação de recursos humanos qualificados.

As ações devem ser conjuntas, coordenadas e centradas no objetivo final, para potencializar os esforços no controle desses insetos. Não significa impedir a realização de determinada pesquisa por um pesquisador ou alguém de seu grupo, mas sim interagir nas discussões sobre o que pode e como ser realizado de forma ágil e com respostas práticas.

Uma questão essencial a ser esclarecida é a seguinte: será que o combate às formigas-cortadeiras tem alcançado seu objetivo, considerando que há mais de 50 anos é realizado, principalmente com iscas formicidas

Lembro aquele senhorzinho sentado na frente da roça; quando perguntado sobre um enorme ninho de formigas ele diz: “Olha, moço, aquela saúva está ali há mais de 60 anos, não acaba nunca”.

QÍndice formigas uma visão prática do manejo de formigas

Há muito tempo, é sabido que as formigas-cortadeiras têm grande importância na cadeia alimentar, com potencial de causar severas perdas de energia na produção primária dos vegetais, sejam eles cultivados ou não.

Com estimativas de mais de 50 milhões de anos de existência, as formigas estão presentes na terra cerca de 20 vezes mais tempo do que o homem. Esse tempo de existência, evolução e adaptação torna esses insetos, bem como as suas sociedades, altamente evoluídos e resilientes, sendo um dos fatores-chave a serem considerados no seu manejo.

Insetos sociais, as formigas-cortadeiras são conhecidas como “as primeiras agricultoras” do planeta, em função da relação de simbiose mutualística que têm com o fungo que cultivam para a sua alimentação. Em função disso, cortam partes de vegetais e carregam para dentro dos seus ninhos, para posterior picagem e distribuição nos jardins de fungo, para o desenvolvimento do mesmo. Desse comportamento e hábito deriva a sua importância comercial, podendo causar prejuízos aos interesses humanos, especialmente relacionados às plantas cultivadas.

Importante fazer essa contextualização para entendermos melhor a complexidade envolvida no manejo de formigas-cortadeiras, especialmente das saúvas, em plantações de eucalipto, pois estamos tratando da principal praga da cultura e, no meu modo de ver, a de manejo mais complexo.

Os prejuízos causados pelas formigas-cortadeiras às plantações de eucalipto são conhecidos e variáveis, sendo diretamente influenciados pela idade e produtividade dos plantios, pela estação do ano, pela densidade e tamanho dos ninhos presentes na área, pela incidência, severidade e frequência das desfolhas, sendo, normalmente, consequência de manejos inadequados em relação à presença da praga na área de atuação e no seu entorno.

As desfolhas por formigas-cortadeiras podem levar as plantas à morte, especialmente em plantas jovens, porém, também é comum em árvores adultas, principalmente nas áreas com altas infestações, altas frequências de ninhos grandes e com desfolhas sucessivas. As perdas de produtividade em relação aos ataques das formigas também são bem conhecidas, podendo ultrapassar os 50% de redução do volume final colhido.

Dada a importância econômica e a complexidade do manejo das formigas em plantações florestais de eucalipto, o que deve ser feito para que não ocorram prejuízos causados por essa praga nos plantios?

mesmo quando as novas soluções estiverem disponíveis, a disciplina e o rigor na condução do manejo das formigas-cortadeiras têm que ser mantidos, pois essa é a única maneira de ter êxito no controle desta importante praga "

José Eduardo Petrilli Mendes

Gerente Operações Florestais da Bracell

O passo inicial, de vital importância para o sucesso do manejo de formigas-cortadeiras, é iniciar a produção livre da presença de ninhos. Começar bem pode levar algum tempo, mas é melhor do que ter que manejar grandes ninhos de saúvas preexistentes em plantios estabelecidos.

Realizado o plantio em áreas sem infestações relevantes, as rondas ou repasses durante a fase de estabelecimento e crescimento inicial das mudas são fundamentais para evitar que novas atividades de formigas-cortadeiras causem impacto à sobrevivência e uniformidade da floresta.

Na fase inicial da plantação, diferentes estratégias de manejo de formigas têm sido utilizadas pelos plantadores de florestas de eucalipto. Atualmente, o mercado oferece opções de formicidas que proporcionam diferentes modos de ação e formas de aplicação, além de algumas opções aos manejadores florestais.

Cabe lembrar uma das premissas básicas do Manejo Integrado de Pragas, que é a manutenção do equilíbrio ambiental, no melhor nível possível, sem permitir que as pragas causem danos às culturas de interesse. Esse é um conceito universal, aplicável a qualquer cultura, onde quer que seja cultivada, não podendo ser diferente com as nossas plantações de eucaliptos.

Já na fase de manutenção da floresta, visando ao melhor nível de equilíbrio ambiental possível, sem prejuízos para as florestas, a prática recomendada e usual, na maioria das plantações, é a realização do monitoramento das infestações e das desfolhas causadas por formigas-cortadeiras.

Normalmente, nessa fase da plantação, as saúvas são as espécies mais relevantes em termos econômicos. As espécies ou subespécies de saúvas variam de acordo com a região geográfica, porém, as técnicas de monitoramento atualmente aplicadas atendem a todas as espécies presentes e com potencial daninho nos eucaliptais brasileiros.

A forma mais usual de monitoramento ainda é o caminhamento em solo, visando à identificação e à classificação de ninhos por classes de tamanho, quantificação de olheiros e identificação de classes de desfolha nas plantas. Essas informações abastecem um sistema de tomada de decisão, onde matrizes com combinações de classes de infestação, tamanhos dos ninhos e níveis desfolha levam à melhor decisão de manejo para a área avaliada, podendo ser aplicada em nível de talhão, ou outro mais abrangente, conforme desejado pelo gestor florestal.

Além da definição da necessidade de combate, o produto a ser usado, a forma de aplicação, o melhor caminhamento no talhão para a aplicação de acordo com os padrões de infestação identificados podem ser configurados como saídas/produtos do sistema de monitoramento. Essas possibilidades estão disponíveis para contratação ou podem ser desenvolvidas pelo próprio manejador florestal.

Novas técnicas de monitoramento remoto estão sendo aplicadas em testes ou em escala-piloto, portanto, deveremos evoluir nesse quesito nos próximos anos. Não deve ser necessário mencionar que o combate a formigas precisa ser considerado um serviço especializado, que deve ser feito por pessoas capacitadas e bem-preparadas, pois a ação de combate deve ser eficaz para o controle dos ninhos e a diminuição efetiva das infestações da praga. Além de treinamentos técnicos específicos para essa atividade, as Normas Regulamentadoras do Trabalho Rural aplicáveis precisam ser atendidas. Ainda sobre esse aspecto, a disciplina e o rigor no cumprimento das recomendações de combate devem ser avaliadas como KPIs de desempenho operacional. Desvios de rota precisam ser corrigidos imediatamente.

A última fase do manejo, conhecida como combate pré-corte ou pré-colheita, normalmente ocorre no último ano da floresta em pé, antes da colheita, sendo uma das principais atividades relacionadas ao sucesso da reforma dos plantios, pois está estritamente ligada ao “iniciar a produção livre da presença de ninhos de formigas”, conforme já mencionado. Um ou mais combates podem ser necessários nessa fase, de acordo com o padrão de infestação de cada área. Caso seja necessário realizar operações sequenciais para o controle efetivo da infestação, o intervalo de tempo entre elas deve respeitar as informações conhecidas sobre o bioecologia das formigas, caso contrário, o manejador terá a falsa sensação de situação resolvida e poderá ter problemas no estabelecimento da nova floresta.

Sobre pesquisas em relação à aplicação de novas técnicas e produtos, há possibilidades de avançarmos em técnicas de monitoramento, em oferta de produtos de origem biológica, em tecnologia de formulações, como o encapsulamento de ativos, entre outras. Entretanto, mesmo quando as novas soluções estiverem disponíveis, a disciplina e o rigor na condução do manejo das formigas-cortadeiras têm que ser mantidos, pois essa é a única maneira de ter êxito no controle desta importante praga, altamente adaptada às condições adequadas às plantações florestais do Brasil.