11 minute read

Reginaldo Gonçalves Mafia, Suzano EPIDEMIOLOGIA DO MANEJO:

Índice epidemiologia e manejo epidemiologia e manejo de doenças em espécies florestais

As florestas plantadas possuem um papel fundamental na economia do Brasil e na proteção do meio ambiente. Em função das condições edafoclimáticas e do nível tecnológico adotado, o setor florestal brasileiro é um dos mais competitivos do mundo.

A ocorrência de doenças é um fator limitante para a produção do setor. A redução da produtividade florestal atribuída às doenças de plantas deve ser considerada sob os pontos de vista da quantidade (redução na produção em número, peso, volume) e da qualidade (dos produtos, maior custo com reagentes, etc.), o que gera grandes perdas, (prejuízos R$) tanto para os produtores quanto para o sociedade. Estima-se que as doenças de plantas sejam responsáveis por danos anuais de 15 a 20%, em alguns casos de até 100%.

O aparecimento e desenvolvimento de uma doença são resultantes da interação de três fatores: planta suscetível, agente patogênico e fatores ambientais favoráveis, formando o triângulo da doença. O ambiente é um componente relevante nessa interação, podendo, inclusive, impedir a ocorrência da doença mesmo na presença do hospedeiro suscetível e do patógeno.

Na visão holística das relações patógeno-hospedeiro-ambiente e da atuação do homem, o foco é a doença e os principais fatores relacionados ao seu desenvolvimento.

Nos segmentos mais externos, tem-se elementos importantes (sociedade, economia e ecossistema), os quais são influenciados pela doença. O homem está no segmento intermediário, como agente modificador do sistema.

A palavra epidemiologia tem origem grega, em que epi significa “sobre”, demos = “povos”; e logos = “estudo”. Então, a epidemiologia seria uma ciência das populações. Em fitopatologia, o mesmo termo é usado com sentido mais amplo. As populações importantes para a epidemiologia de doenças de plantas são aquelas do hospedeiro, de um lado, e do patógeno, de outro. O contato dessas duas populações leva a uma terceira população, a das lesões. O ambiente interfere no desenvolvimento das três populações. Por fim, o homem, cada vez mais, interage com todas essas populações e, consequentemente, sofre seus efeitos (o rápido crescimento das lesões).

O aparecimento e desenvolvimento de uma doença são resultantes da interação de três fatores: planta suscetível, agente patogênico e fatores ambientais favoráveis, formando o triângulo da doença. "

Willian Bucker Moraes

Professor de Fitopatologia da UFES - Universidade Federal do Espírito

Se todas essas interações ocorrem de maneira coordenada, a população de lesões pode se desenvolver muito rapidamente, e a doença pode causar danos às lavouras. Esse crescimento pode ocorrer tanto ao longo do tempo quanto espacialmente na área. Quando isso ocorre, dizemos que houve uma epidemia da doença em questão. Define-se, então, epidemia como sendo aumento da doença numa população de plantas em intensidade e/ou extensão, isto é, um aumento na incidência ou severidade da doença e/ou um aumento na área geográfica ocupada pela doença.

A epidemiologia possui uma face acadêmica na qual se busca compreender o comportamento da doença no tempo e no espaço, identificando, por exemplo, quais as épocas favoráveis e desfavoráveis para a ocorrência de certa doença, qual a origem de determinada doença e como ela é disseminada na área, entre outras informações. A partir desse ponto, temos a face aplicada, baseada na resolução de problemas, em que as informações obtidas pela face acadêmica serão utilizadas para otimização do manejo dessas doenças.

A exemplo de epidemias famosas no setor florestal, temos a do mal-das-folhas da seringueira (Pseudocercospora ulei). Essa doença foi descrita no início do século XX em folhas coletadas de seringueiras nativas nos arredores de Belém-PA. Os sintomas foram poucos, não causando desfolhamento ou outros danos às plantas, uma vez que as seringueiras suscetíveis crescem naturalmente em baixa densidade nas florestas, 3 a 4 árvores por ha. No entanto, o potencial devastador dessa doença foi detectado nas primeiras tentativas de domesticação da espécie e estabelecimento de plantações comerciais nas Guianas e no Brasil. No Brasil, os plantios da Ford Motor Company ficaram muito famosos, não pela borracha produzida, mas pelas epidemias de mal-das-folhas, que dizimaram as plantações da empresa em Fordlândia e Belterra, em 1927 e 1940, respectivamente.

Hoje, medidas de manejo estão disponíveis para garantir um risco mínimo de epidemias para a cultura da seringueira em várias regiões do Brasil. Entre essas medidas, está o plantio de plantas resistentes associadas à evasão (escolha de áreas favoráveis ao cultivo da seringueira e desfavoráveis ao patógeno). Essas ações reduziram os prejuízos causados por essa doença e, consequentemente, favoreceram a produção em larga escala no Brasil e em outros países que visam à produção autossuficiente de borracha, matéria-prima estratégica.

Os mapas de zonas de risco ou favorabilidade, acoplados aos modelos de simulação, podem ser úteis para indicar áreas geográficas ou até mesmo, épocas do ano mais favoráveis à ocorrência de epidemias.

Para a ferrugem do eucalipto, no Brasil, conduzimos trabalhos com base nos mapas de temperatura média (TM) e duração de molhamento foliar em horas (DMF), para compreender a distribuição temporal da doença. A estação do ano com maior área favorável foi o outono, com 92,90% de áreas com índice de favorabilidade climática (IF) maior que 70%; já as estações verão, primavera e inverno apresentaram, respectivamente, 90,1%; 75,1% e 71,3% de áreas com IF maior que 70%. Quanto à distribuição espacial da ferrugem do eucalipto para o Brasil, as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste apresentaram grandes áreas com IF acima de 70%, ao longo de todo o ano. No Nordeste, existe uma maior área com IF abaixo de 60%, principalmente ao que corresponde o sertão nordestino. A região Sul, nos períodos de outono e inverno, possui grande parte de seu território com o IF de 0 a 60%. Os principais estados produtores apresentaram áreas com IF acima de 70% ao longo do ano.

Com o aumento de áreas plantadas, constituída principalmente de plantios homogêneos e com restrição da base genética, a ocorrência de epidemias é uma realidade presente no dia a dia do setor florestal.

Desta forma, o conhecimento das epidemias das doenças em espécies florestais é de suma importância para que o manejo fitossanitário seja feito de forma racional, utilizando os diferentes métodos de controle (físico, cultural, biológico, genético e químico), com o objetivo de reduzir a intensidade da doença no campo, evitar danos e perdas e preservar o meio ambiente.

Para isso, temos como base um planejamento para evitar e/ou reduzir a doença na área, pautado na diagnose correta e no acompanhamento da ocorrência de doenças por monitoramento, a partir de amostragens periódicas. Com base nesse monitoramento, é realizada a tomada de decisão e a escolha do método de controle ideal a ser empregado. Nos colocamos à inteira disposição para o desenvolvimento de pesquisas em parcerias, de modo a contribuir com compreensão das epidemias das doenças em espécies florestais, a fim de propor soluções para a otimização do manejo dessas doenças junto ao setor florestal.

Índice impacto das mudanças climáticas mudanças climáticas e doenças florestais

O aquecimento global é um dos maiores paradigmas científicos da atualidade. As evidências de que as mudanças climáticas (MC) estão ocorrendo, em função do aumento da concentração de gases de efeito estufa, têm se tornado cada vez mais consistentes e aceitas pela comunidade científica. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) prevê que a temperatura global deverá aumentar entre 1,4°C a 5,8°C nos próximos 100 anos.

A preocupação com o assunto é tamanha que, periodicamente, são realizadas conferências para discutir o assunto e tentar minimizar o problema, a exemplo da 27ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27), realizada no Egito, em novembro de 2022.

No tocante a todas as atividades econômicas, a agricultura é a que apresenta maior dependência das condições climáticas. Assim, estima-se que qualquer mudança no clima poderá afetar o zoneamento agrícola, a produtividade das culturas e as técnicas de manejo, alterando o atual cenário do setor, em cada região, com sérias consequências econômicas, sociais e ambientais. Doença em planta é um processo dinâmico, no qual hospedeiro e patógeno, em íntima relação com o ambiente, se influenciam mutuamente, do qual resultam modificações morfológicas e fisiológicas. Para que ocorra doença, é imprescindível a interação de três fatores (triângulo de doença): planta suscetível, patógeno virulento/agressivo e ambiente favorável. Assim, o ambiente é um componente relevante, podendo impedir a ocorrência da doença mesmo na presença de hospedeiro suscetível e patógeno virulento/ agressivo.

As MC poderão alterar o atual cenário fitossanitário. Certamente, num futuro próximo, ocorrerão modificações na importância relativa de cada doença, assim como poderá haver maior potencial de estabelecimento de patógenos quarentenários que caso sejam relatados no país, representarão uma ameaça potencial a toda cadeia produtiva. Além disso, os patógenos oportunistas terão maiores chances de causar danos, principalmente em função do estresse da planta.

Neste artigo abordaremos, de forma resumida, alguns trabalhos desenvolvidos por nossa equipe sobre os impactos das MC nas doenças em espécies florestais. Vale ressaltar que temos trabalhado com a temática há 20 anos, orientando vários estudantes de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) no assunto. Também participamos ativamente da implantação do “Núcleo de Excelência em Mudanças Climáticas”, em que são desenvolvidas pesquisas na área florestal.

A análise dos potenciais impactos das MC é essencial para a adoção de medidas mitigadoras, como o desenvolvimento de cultivares resistentes e novas técnicas de manejo, a fim de se evitarem e/ou minimizarem perdas significativas. "

Waldir Cintra de Jesus Junior

Professor de Fitopatologia e Patologia Florestal da UFSCar - Universidade Federal de São Carlos

No que se refere à distribuição espaço-temporal, nossa equipe analisou o impacto potencial das MC na distribuição de áreas de risco para ocorrência da ferrugem do eucalipto no Brasil, concluindo que haverá redução da área favorável para ocorrência da doença.

Apesar dos resultados, extensas áreas continuarão favoráveis ao desenvolvimento da doença, principalmente nos meses mais frios do ano (junho e julho), de modo que o zoneamento das áreas e as épocas de maior risco de ocorrência, considerando as mudanças climáticas, tornam-se importantes conhecimentos para elaboração de modelos de previsão e de alerta para o manejo da doença.

Com relação à seringueira, analisamos o potencial impacto das MC no desenvolvimento do mal-das-folhas, concluindo que será altamente favorável para a redução das áreas e favorável para a doença, bem como algumas áreas do País se tornarão mais aptas ao cultivo da seringueira, o que poderá propiciar o surgimento e/ou maior desenvolvimento de algumas novas áreas de plantio.

As análises apresentadas possibilitam uma visão futura de quais regiões ou estados serão mais ou menos favoráveis às doenças.

Considerando o impacto das MC nas doenças do eucalipto, tem-se que Ralstonia solanacearum, Xanthomonas sp. e Quambalaria eucalypti poderão ser favorecidas por altas temperaturas, permanecendo como as principais doenças em viveiro.

No campo, Austropuccinia psidii poderá ter sua importância reduzida, porém Ceratocystis fimbriata, Oidium eucalypti, Cylindrocladium sp., R. solanacearum, Rhizoctonia solani e Xanthomonas sp. merecerão maior atenção, uma vez que são favorecidas por altas temperaturas.

Com relação ao controle químico, há o seguinte questionamento: A eficiência dos produtos químicos será a mesma em condições de elevação de temperatura e redução de umidade relativa?

Apesar da falta de estudos sobre o assunto, inferimos que provavelmente o controle químico também será influenciado pelas MC, sendo esperados os seguintes efeitos: alterações na absorção de determinados produtos; modificações na translocação e metabolismo de fungicidas sistêmicos; alterações na dinâmica de resíduos e degradação dos produtos; redução na redistribuição dos fungicidas protetores; novo calendário de aplicação, dentre outros.

O controle biológico certamente será afetado. Na literatura, há trabalhos sobre o efeito da temperatura na longevidade de parasitoides de determinadas pragas. Como exemplo, citamos que a longevidade do parasitoide do percevejo-bronzeado do eucalipto é reduzida com o aumento da temperatura.

Com relação a modificações na efetividade da resistência, avaliamos o efeito da variação da temperatura e da concentração de CO2 sobre o comportamento de dois clones de eucalipto com diferentes níveis de resistência a C. fimbriata, em dois cenários climáticos, concluindo que o incremento da concentração do CO2 associado a temperaturas elevadas, representando o clima futuro, aumentaram a severidade da doença e reduziram o crescimento dos clones. Os clones se desenvolveram melhor no cenário atual, demostrando reduzida capacidade de adaptação às MC, o que tende a alterar a efetividade da resistência. Outro aspecto importante é que, com as MC, a ocorrência de distúrbios fisiológicos poderá ser intensificada. O problema já é sério, a exemplo do distúrbio fisiológico em eucalipto.

Na análise das MC sobre as doenças, não se pode esquecer que tanto o patógeno quanto a planta hospedeira podem evoluir, dado que o processo é lento, ou seja, adaptações deverão acontecer e precisam ser consideradas antes que conclusões precipitadas e equivocadas sejam apontadas como certas. A análise dos potenciais impactos das MC é essencial para a adoção de medidas mitigadoras, como o desenvolvimento de cultivares resistentes e novas técnicas de manejo, a fim de se evitarem e/ou minimizarem perdas significativas.

Como mensagem final, gostaríamos de ressaltar os seguintes pontos: 1) É de fundamental importância a previsão, mesmo com certo grau de incerteza, do impacto das MC e como elas afetarão a produtividade; 2) É necessário antever os problemas, de modo a minimizar os prejuízos (necessidade de adaptação); 3) Somente trabalhos multidisciplinares trarão avanços no entendimento do impacto das MC no setor florestal e suas soluções; 4) As alterações causadas pelas MC trarão uma nova dimensão à área florestal; 5) Será necessário mais tecnologia e união do setor para enfrentar o problema.

Não será o fim do setor florestal, mas o início de novos tempos. Devemos estar preparados. Nos colocamos à inteira disposição para o desenvolvimento de pesquisas em parcerias, de modo a contribuir para a minimização de problema tão importante e que afetará, de forma substancial, o setor florestal.