O gauche 02

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Zine Cultural | Edição 02


A primeira edição do zine saiu e foi um sucesso. O legado drummondiano está sendo espalhado. Cada canto maringaense – e também fora dele! – já tem um pouco de gauche para inquietar-se. Nada mais entusiasmante do que semear a dúvida e balsamar a alma: eis o nosso papel. Mas não nos contentamos. Temos sede de incertezas, queremos a inconstância. Desta vez, O Gauche entrou num beco de vielas menos desbravadas. O que diria Drummond sobre a cosmogonia? Como explicar, pela palavra, a substância? A literatura é um grande enigma e nosso caminho é desvendá-la. Aqui, caro leitor, você encontrará o seu sossego ou o seu tormento. Não há meio-termo. Deleite-se com poetas, alquimistas, filósofos, escritores (!), ciência que não acaba nunca! – a tal da finitude é pra quem mesmo? Por hora, nossas gratulações aos colaboradores, que tanto doaram de si, fidedignamente, para esta edição tão esotérica e ímpar. Aos patrocinadores, aos cochichos recheados de elogios e surpresas que chegam até nós, àqueles que são tão tortos e deslocados quanto esta ideia sedutora e Substancial. Um sim! ao eterno e ao nosso desassossego, que é alimentado um pouquinho mais a cada dia. As editoras, Claudíne e Monique, Refestele-se!

Equipe editorial: Claudíne Lisboa e Monique Boer; Coordenadora do Projeto de Extensão Outras Palavras (POP): Prof.ª Dra. Marcele Aires Franceschini; Colaboradores desta edição: Ana Julia Campos (colaboradora permanente), Alecsander Fernandes, Bárbara Boer, Carolina Freitas, Debora Primo, Felipe Gurgatz, Igor Gulicz, Jordana Amboni, Juliana Maiochi, Lavínia Tassi, Tânia Farias, Tascira Santonastaso. Universidade Estadual de Maringá – UEM (DTL)


| Ouro alquímico enquanto o cavalo bebe, na água, as nuvens do horizonte .

(Romance XVI ou da Traição do Conde, de Cecília Meireles) Jorge Ben lançou A tábua da esmeralda em 1974. Tenho sorte: álbuns do caralho foram lançados no meu ano de nascimento: Elis & Tom, Milagre dos peixes (Milton), Tim Maia Racional (gravado no final de 74), trilha d’A noite do espantalho (Alçeu + Geraldo), Gil ao Vivo no Tuca, Natty dread (a reconfiguração do The Wailers pelo Bob depois que o Tosh e o Bunny desfizeram a parceria), Maracatu Atômico (Mautner), Ain’t no Sunshine (Sivuca), Alagbon Close (Fela Kuti), Cartola, Alvorecer (Clara Nunes), Nina Simone sings Billie Holliday Live, Pra que tristeza (Originais), Secos e molhados (duplo). Só uzdoido. Mas qual a relação do teu gosto musical com a temática em pauta, fia? Tudo: grande parte da discografia dos setenta está envolta numa atmosfera psicodélica, plural, cuja unidade recai no elemento etéreo. Resumindo: bando de doido. Todo mundo acreditando em Hermes Trismegisto e em sua tábua alquímica (sim, ele teria gravado os dizeres numa pedra de esmeraldas! :-Oooh! ): (7) Separabis terram ab igne, subtile a spisso, suaviter, cum magno ingenio (“Separarás a Terra do Fogo, o sutil do denso, suavemente e com grande perícia”); (14) Itaque vocatus sum Hermes Trismegistus, habens tres partes philosophiæ totius mundi (“Por esta razão fui chamado de Hermes Trismegisto, pois possuo as três partes da filosofia universal”). (Nota de tradução: sua versão mais antiga se encontra em um tratado árabe do séc. VI, O livro do Segredo dos Segredos [Kitab sirr al-asrar]. Utilizei a tradução do Antonio Siqueira, que releu a do Roger Bacon [1445]).


Pro mago egípcio (XIV a.C), também conhecido como o Três Vezes Grande (cuja tríade da filosofia universal representa Deus, o Homem e a Natureza), a alquimia começava no reconhecimento, interação, materialidade e eteridade dos elementos regentes. Na mesma pegada, tantos outros: Tales de Mileto (VII a.C) e sua doutrina de que a água era a substância primária; Heráclito (VI a.C) e o fogo como substância primordial; Empédocles (V a.C.) e a teoria dos quatro elementos: terra, fogo, ar e água; Aristóteles (IV a.C.) e a doidêra de dizer que a terra tava no centro, em seguida vinha a H2O, “acima” o ar e, por úrrtimo, acima de todos, fire (pro Anjo do Blake, também). Hoje sabemos que essa teoria não procede. Todavia, se levarmos em conta que na época os recursos eram ozói, as sensações e a mera observação, deixa o cara viajar, mano! No entanto, nunca gosto de me fiar só nos ocidentais. Nunca gostei. A exemplo de Trismegistus, os orientais chapam: as principais características do Yin e Yang não se relacionam apenas ao masculino e feminino (“Ser um homem feminino, não impede meu lado masculino”.... GOMES, Pepeu, 1983. Kkk!) ou dia e noite, como conhecemos; mas, sobretudo, ao seco & úmido e ao quente & frio. Huai-nan-Tsé (II a.C) vê o “Céu” como detentor das quatro estações + os cinco elementos – o Wu Xing, ou os “5 Movimentos”. Tal ideia se repete no Neoconfucionismo, por vias da Escola da Razão (X-XIII d.C) – cinco são os “os agentes” ou as “forças vitais”: água, fogo, madeira, metal e terra. Tantos doidos. Os poetas alquímicos: Whitman, em “To the Sayers of Words” (in Leaves of Grass, 1867, um dos livros mais fantásticos do Universo e adjacências), solta essa: Air, soil, water, fire—these are words; I myself am a word with them—my qualities interpenetrate with theirs—my name is nothing to them; Though it were told in the three thousand languages, what would air, soil, water, fire, know of my name?

PoiZé: “Ar, terra, água, fogo – estas são ‘as’ palavras”. Cada um de nós é palavra complementar ao elemento, de modo que nossa mais íntima substância os “interpenetra”. A Whitman, não existimos aquém ou além deles. Não somos um nome. Somos o amálgama. Mas para se chegar a ele, só os iniciados. Ou os da quintessência. Rimbaud e a quintessência (esqueça Aristóteles, babe. O negócio é Rimbaud). Em sua famosa “carta-vidente” (1871) a Paul Demey – Les lettres du Voyant – o príncipe sussurra aos ouvidos poéticos:


O poeta deve tornar-se vidente através de um longo, imenso e estudado desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele deve buscar em si mesmo, provar de todos os venenos, guardando apenas a quintessência. Inefável tortura em que é necessária toda a fé, toda a força sobre-humana (carta escrita em 15 mai. 1871. Trad. ao português: Caio Meira [www.caiomeira.net/rimbaud.htm]. (Imagem: “Night”, de Edward Huges [1851-1914])

Ao poeta, a quintessência é quase uma via para se atingir a transcendência poética, o poder visionário através do “longo, imenso e sensato desregramento de todos os sentidos”. Desregrar os sentidos, ao mesmo tempo em que nos guiamos por eles sem as amarras do que, a nossos olhos, parece primordial. O quente do sol queimando a pele em pleno deserto somali (oiu, o doido teve por lá) – ou quem sabe devamos dizer, queimando a pele em realíssimos “déserts de l’amour”. O fogo. A “onda calma e negra”, absoluta a vaguear “entre os astros e os céus” – os elementos recebem a “branca Ofélia”, que “como um grande lírio passa, / Flutua lentamente”. Ai, “pobre louca!”, etérea no céu do amor; tão linda! (“Ophélie” – trad. Artur Gouveia). E por falar em etéreo, quem ousaria melhor do que Bachelard? Muito antes de tecer laços entre a Arte e os Elementos em suas obras noturnas, em A filosofia do não (1940), o poeta-filósofo-cientista já considera: “Seria demasiado cômodo entregar-se a um realismo totalitário e unitário, e responder-nos: tudo é real, o elétron, o núcleo, o átomo, a molécula, o mineral, o planeta, o astro, a nebulosa. Nem tudo é real da mesma maneira: a substância não tem, a todos os níveis, a mesma coerência; a existência não é uma função monótona; não pode se afirmar por toda a parte e sempre no mesmo tom” (trad. Joaquim José Moura Ramos. SP: Abril Cultural, 1978, p. 32). Nada mais contraditório à teoria dos elementos de Aristóteles do que o pensamento primário de Gaston. Porém, lembremos: cada um no seu quadrado. A Bachelard, para se chegar ao ínfimo da substância é necessário que o leitor-viajante, ou o que vai comungar da alquimia das palavras se prepare à experiência: “Para gostar de partir, é preciso saber se desprender da vida cotidiana. O gosto das viagens decorre do gosto por imaginar. Parece que uma franja de imaginário é sempre necessária para conferir interesse aos espetáculos novos” (Edgar Poe: as aventuras de Gordon Pym. Trad. Jacqueline Raas. Em: O direito de sonhar. 2 ed. SP: Difel, 1986, p. 108).


Nessa pegada, movido pela ânsia de chegar ao micro; ao existente porém latente, Augusto dos Anjos é um dos mais caros realizadores de uma poesia etérea, transitando entre o átomo e o imensurável do cosmos. Um de seus poemas mais carnes-de-vaca (ou pelo menos o top mil nos vestibas), “Psicologia de um vencido”, impõe a realidade da matéria: “Eu, filho do carbono e do amoníaco, / Monstro de escuridão e rutilância”. Bravo! Meu conterrâneo paraíba chega ao mínimo, ao primitivo da substância, atomizando (carbono, massa atômica 12, o quarto elemento mais abundante no universo, presente em todas as formas de vida ), buscando a fixação (processo no qual o nitrogênio utilizável pelos seres vivos é combinado ao hidrogênio na forma da amônia). Assim, dos elementos abundantes, o ‘boom’: da “escuridão”, a luz: “dixitque Deus fiat lux et facta est lux” (Gên., 1:3). A substância rutilante, ainda que mínima, refletiu a vida. Tudo bem que no final do poema o poeta constate nosso triste fim: “E há-de deixar-me apenas os cabelos, / Na frialdade inorgânica da terra!”. Mas a gente entende, o poeta morreu xóvem, aos 30. Pneumonia. Inscruzivis esse poema e quase todos os outros foram publicados em Eu, obra póstuma lançada em 1914, dois anos após sua morte. Uma galeeeera morreu cedo (ele, Cesário Verde, Santa-Rita Pintor, Álvares de Azevedo, etc. sabiam que não iam pra frente, pé na cova boys... Tadinhos). No entanto, o que pesa em relação à poesia do Augustones não é a morte, musa ultrarromântica, mas o binômio princípio/fim da matéria. O incessante desejo de captar o volátil: Em alucinatórias cavalgadas, Eu sinto, então, sondando-me a consciência A ultra-inquisitorial clarividência De todas as neuronas acordadas! (“O poeta hediondo”)

A segunda estrofe do soneto se nos apresenta envolta num princípio de quintessência rimbaudiana, substancialmente porque o eu-poético relata sua experiência fluída, o cavalgar fluido, alucinado, concomitante ao despertar da


consciência, da clarividência do mistério. Sinapses a mil! Salvem as “neuronas acordadas”! Quase um Blake no profético The Marriage of Heaven and Hell (1793): “If the doors of perception were cleansed everything would appear to man as it is, infinite” (“Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”). Há, na poesia de Augusto, um Eu atento, disposto ao desregramento dos sentidos, manifestado por alegorias, opondo-se à natureza imutável do símbolo, como em “Os doentes”: Vinha da original treva noturna, O vagido de uma outra Humanidade! E eu, com os pés atolados no Nirvana, Acompanhava, com um prazer secreto, A gestação daquele grande feto [...]

De fato, o poeta vê ainda além do Gênio Poético, de tal modo que ele próprio se coloca numa posição de onipotência, “com os pés atolados no Nirvana”, observando a “gestação”, ou o que antecedente o nascimento, a c(C)riação. O “prazer” é “secreto” porque tal miragem só é disponibilizada aos iniciados, ou aos dispostos à viagem. Muitos críticos poderiam facilmente me massacrrraaar dizendo que tô viajando na maionese, pois em sonetos como “Natureza íntima” Augustones personifica a n(N)atureza, tirando-lhe, com ironia, o grau divino, algo muito pareado ao pensamento cientificista da época (lembremos que ele é um fiel representante do final do XIX e começo do XX): E a Natureza disse com desgosto: “Terei somente, porventura, rosto?! “Serei apenas mera crusta espessa?! “Pois é possível que Eu, causa do Mundo,” “Quanto mais em mim mesma me aprofundo,” “Menos interiormente me conheça?”

Dirão que viajo porque não há uma realidade íntima a ser descoberta – “reality bites”, como dizem o amerrykános. No entanto, só posso responder aos incrédulos da parte etérea do meu truta de Sapé que alguns poemas refletem sim a grande disputa filosófica da passagem de séculos entre a filosofia positivista versus o espiritualismo e a metafísica. Pra mim, alguém que tem a consciência da morte tão próxima, tão real, tende a se focar no horror, na realidade, na frivolidade da matéria (cientificismo, constatação do nada). Porém, Augustones jamais vestiu apenas a carapaça niilista e negou o


chamado! O poeta vive sua criação no universo de antíteses (exemplos mil posso dar aqui! Vai lá e lê Eu, preguiça!!Kkk!). É do ventre do confronto que a ideia nasce. Ao tecer considerações sobre esta questão, constata-se que, ao eupoético em criação, o travor do pensamento nunca se revela como simples passagem: a mínima representação da imagem já é o início da gestação da obra, e a palavra, essa daí é escrava, cativa da condição opressora quando o pensamento se restringe ao fonema. O poeta sempre vai além, afinal, ele é etéreo. A transcendência exigida aos liames do criar exige o desafio do desapego. Desregramento dos sentidos. Tudo o que emana vida reclama do artista o desejo de ir ao núcleo da substância. Assim, a demanda do Augustones como poeta-alquímico, truta de Trismegisto e tantos outros é, primariamente, uma meditação sobre a matéria. Ele deve ser capaz de conhecer o sentido profundo das metamorfoses. A quem modela as formas do pensamento, a imagem é sempre massa a ser moldada. A quem trabalha com o ontológico, a palavra é sensação/sentimento, jamais mero vocábulo. Bachelard em “O pintor solicitado pelos elementos”, discorre sobre o que ele chama de “temas alquímicos fundamentais das intuições do pintor”. Diz ele: “Um amarelo de van Gogh é um ouro alquímico, ouro colhido de mil flores, elaborado como um mel solar. Não é nunca simplesmente o ouro do trigo, da chama ou da cadeira de palha: é um ouro para sempre individualizado [...], não pertence mais ao mundo, é antes o bem de um homem [...]” (Trad. José Américo Motta Pessanha. Em: O direito de sonhar, op. cit, p. 26).

Salvem os alquimistas das imagens, das palavras, das incertezas e dos sonhos de uma noite de verão, pois deles será o Reino dos Elementos!

Prófi Marcele Aires / DTL – UEM (texto de férias – quer ler algo acadêmico? Acta Scientiarum, querido[a])


Augusto dos Anjos em aquarela, por Debora Primo


| Bachelard e a imaginação poética Por Monique Boer (Letras – UEM) Gaston Bachelard foi o pau pra toda obra dos séculos XIX e XX. Difícil enquadrar o cara apenas numa área. Foi professor de química e física, filósofo e poeta, mas dizem por aí que a sua maior contribuição foi para a filosofia da ciência – será? A verdade é que esse francês de nome bonito é muito utilizado não só na filosofia, mas também nos estudos literários e na psicologia. Um lord das ciências humanas. Por falar em literatura, Bachelard deixou livros muy especiales que explicam filosoficamente o pensamento humano e o devaneio poético¹, com um quê da psicanálise junguiana e seu coletivo inconsciente, numa retomada de grandes mestres alquímicos e do pensamento grego pré-socrático. Uma metapoética, portanto. São eles: A psicanálise do fogo, A água e os sonhos, A terra e os devaneios do repouso, A terra e os devaneios da vontade e O ar e os sonhos. É interessante notar que de todas as referências que ele poderia ter feito no amplo universo artístico, tenha escolhido justamente personagens mítico-literários para constituir suas análises, talvez numa tentativa de asseverar os traços de glória e imortalidade da literatura. A imaginação poética, nesses livros, é estruturada pelo arquétipo dos quatro elementos, por meio de uma alquimização do devaneio poético. “Dize-me qual é o teu infinito e eu saberei o sentido do teu universo; é o infinito do mar ou do céu, é o infinito da terra profunda ou da fogueira?” (BACHELARD, O ar e os sonhos, 2001, p. 6). No primeiro livro, o fogo é desmistificado e idolatrado secretamente. Para Bachelard, a criação desse elemento não se deu por necessidade, mas por desejo, com exemplos de Prometeu e complexo de Novalis. A água representa a imaginação, é o intermédio. Dela, surge a dicotomia entre imaginação formal, remetendo às tradições aristotélica, cartesiana e positivista da ciência, e imaginação material, que é a diretriz condutora do devaneio poético, a faculdade dos artistas expressa pela vontade – aproximação de Nietzsche, que Bachelard julga um pensador aéreo (BACHELARD, id., p. 73). Para esse elemento, ele utiliza a imagem de Ofélia, de “Hamlet”. A ideia de poética do movimento é expressa pelo elemento ar, com imagens de amplitude, como imensidões celestes. E, por fim, o elemento terra, com seus planos de extroversão e introversão, representa a resistência, a disciplina e a firmeza que agem no artista. Bachelard foi o precursor da teoria do imaginário e ecoa nas teorias contemporâneas. Suscita o devaneio e instiga a imaginação. 1. Lembremos: poíesis (do grego antigo ποίεσις) que, no sentido original, significa criação e, só mais tarde, poesia. Interessa-nos, por agora, o último significado.


| Os quatro elementos Por Lavínia Tassi (Farmácia-Bioquímica – UEL) Primeiramente, temos que ter em mente que a teoria dos quatro elementos foi proposta pelo filósofo grego Empédocles por volta do século V a.C Para ele, tudo o que existia no universo derivava dos quatro elementos, a saber: água, fogo, terra e ar. Os elementos da natureza podem ser associados aos estados físicos da matéria. Assim, um elemento pode transformar-se em outro com a remoção ou a adição dessas propriedades. A Terra representa o estado sólido, no qual o volume e a forma são definidos, isto é, a matéria resiste à deformação, já que os átomos ou as moléculas estão próximos, sendo ele o elemento essencial na biosfera e, por definição, o solo, a crosta terrestre. A água representa o estado líquido da matéria e a distância entre suas moléculas é suficiente para adequarse a qualquer meio, mas sem alterar consideravelmente seu volume. Representa 70% da superfície do planeta e é a molécula resultante da ligação entre oxigênio e hidrogênio. O ar representa o estado gasoso da matéria, não contendo forma e volume definidos. Consiste em uma coleção de partículas cujos movimentos são aleatórios, contidos em qualquer espaço, é o elemento oxigênio. O fogo, por sua vez, definido cientificamente como uma entidade gasosa emissora de radiação e decorrente de combustão, representa o plasma, o qual não é considerado uma matéria, mas uma forma de energia. O plasma nada mais é do que um gás ionizado no qual os átomos são destruídos devido à alta temperatura, perdendo, assim, seus elétrons, movendo-se em diferentes velocidades e direções fora de suas órbitas. Segundo estudos, aproximadamente 99% do universo sejam constituídos desse estado caótico. Os corpos celestes não se incluem à teoria dos quatro elementos essenciais, pois estes são formados por algo considerado como 5º elemento: o éter. Por ser uma substância extrafísica, é a fonte de todos os outros e também do espaço onde existem, sendo o menos denso entre os demais. Além disso, é um elemento não palpável, possivelmente em um estado energético alterado de uma vibração não compatível com a vibração da energia condensada (matéria) e que preenche o vazio pelo qual a luz se propaga. Atualmente, por conta dos avanços nos estudos científicos, sabemos que a teoria dos quatro elementos não mais procede, pois a matéria não é constituída desses quatro elementos essenciais, mas de átomos. No entanto, esses elementos regem o planeta Terra, sendo, assim imprescindíveis para a vida humana.


| Stocheion¹ Por Claudíne Lisboa (Letras – UEM) Eu sou quando e depois entro em águas. Manoel de Barros Empédocles foi teórico de um conceito estruturante. Em suas explicações, explanou a ideia de que quatro raízes primigênias regiam o mundo. O Fluxo de geração e corrupção das coisas, bem como o surgimento e desaparecimento delas, devem-se à mistura desses elementos distribuídos em várias proporções: a cosmogonia. Também o é, Manoel de Barros, demiurgo da quintessência pantaneira. Sua obra trabalha com a origem e renova o fazer poético pelo devir, o ininterrupto fluir. Falando nisso, o próprio Heráclito já havia dito: Não pode banhar-te duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre sobre ti. Pois então não retesemos o verso disjungido – as águas que alagam os significados da poesia barrosiana propõem um movimento intermitente. A poesia de Manoel de Barros, então, vem como que uma experiência. O exercício sinestésico do autor consiste em subverter a sintaxe, modificar a palavra para que ela assuma nossa vacuidade. Em verdade, para que possamos sê-la. É uma obra espraiada, negando-se a estabelecer ordenações sistemáticas, porque como água – móvel, contornável, plástica – ela é a especiaria capaz de dizer o indizível. Circundam sobre tais premissas, mas não se contrai: A Terra é dona da Gramática Expositiva do Chão, o ar é um Compêndio para uso dos Pássaros e o fogo é o pai do delírio do Verbo. Sua estrutura prosaica exaltada e a puerilidade vinda do mato engendram imagens poéticas, caracterizando a obra de Manoel como uma fonte de estudos a respeito do ilogismo, polissemia e da ignorãnça. Ainda não suficiente, o tratamento da linguagem dado por Manoel traz a pulsação entre duas sazões: seca e cheia. Aos ensaios de Bachelard e pela perspectiva teórica de Maria Cristina de Aguira Campos, podemos conceber o universo pantaneiro manoelino como próprio de águas profundas e de águas oceânicas. O paradoxo taí: no fato de que as serras adjacentes, macróbias, abrigam águas máculas e transparentes, e o velho pantanal abriga águas dormentes, velhas e com o solo ainda em formação – abrigando, também, as águas oceânicas. Toda a vida que se instaurou na região foi sob a ação de processos de acoplamento estrutural, adaptando-se ao ritmo que o ciclo das águas determina, resultado dessa insistente batalha entre a seca e a cheia, entre o fogo e a água, “porque a água e o fogo proporcionam


talvez a única contradição realmente substancial.” (Bachelard, A água e os sonhos, 1998, p 102.). É tudo uma questão Elementar. Eis o poeta artesão, aquele que descreveu a simbiose d’água com o homem. O homem deste lugar é uma continuação das águas². Palavras, que como a água, fazem ligações rizomáticas e entram em comunhão. Um elemento interferindo n’outro, consecutivamente, sem qualquer correspondência hierárquica. Canais largos e estreitos que se bifurcam, rebifurcam-se. São inflexões, elipses, refegos, o que ouvimos. Quando ouvimos não apenas o Guardador, mas as águas que ele abriga e as palavras que ele perpetua. Enfim, não há palavras capazes de suprir as filosofias que O poeta ensinou. Não há limite para o uso dessa poesia, também. Mas há de ser lida com liberdade. Disse Manoel, em frases avulsas, em poesias: Se você prende uma água, ela escapará pelas frinchas. Se você tirar de um ser a liberdade, ele escapará por metáforas. / Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre as pedras: Liberdade caça jeito./ E acho que as águas iniciam os homens. Nos iniciam. Todos somos devedores destas águas. ¹segundo Lockeman, (1960), “stocheion” é simétrico ao termo latino “elementum”, que reúne três letras consecutivas da cerne do alfabeto latino: L, M e N. Aristóteles usou o vocábulo “stocheion’’ para designar o elemento, mas também, correspondia ao ’’príncipio’’. ² Manoel de Barros, Águas, 2001.

Desenho feito por Manoel de Barros e disponível em: <http://www.sodez.com.br/galerias_manoel_de_barros.htm>. Acesso em 15 de janeiro de 2017.


1. Carolina Freitas; 2. Jordana Amboni; 3. Juliana Maiochi; 4. Alecsander Fernandes. (Todos são estudantes de Artes Visuais – UEM)


Terra úmida Agora ando por aí Descalça em terra úmida Agora sou rio Sorrio Uma luz quente me envolve E vai mudando a cor das ruas E de pequenos quartos Tu vês? Olha, O mundo parece melhor agora Me ensinaste a te flutuar E assim levito sobre as mesquinharias, sobre a dureza das testas franzidas Me reinvento E reinvento o ato de estar vivo Agora trago um sorriso que transborda Não cabe mais no meu pequeno corpo. E já se percebe o sorrir das orelhas, o sorrir das mãos E o sorrir dos peitos que quando te evocam mudam de forma. Ficam em estado de graça Entram em um campo de cravos vermelhos. Ah meu ventre Ele agora gesta novos mundos Eu, agora ando por aí Descalça sobre a terra úmida. Um revolucionário mora comigo. Já o meu amigo afeto Me faz explodir em sementes de gentileza. O amor também Anda sempre comigo. Sou rio Sorrio Estou sozinha e habitada Sou casa tomada. E quando minha irmã A saudade, me toma Já não sinto mais saudade da tua presença Mas da minha própria. Já não sou se não estás. Os verbos ser e estar Já não existem mais de forma isolada, São verbos siameses. Com ela, a irmã Meu peito abre-se em uivos. Ai de mim Sem teu leito de terra

Sem tuas profundidades Sem teus segredos não me deito. Eu, agora ando por aí descalça em terra úmida. Sob a luz de um pequeno e velho planeta chamado Prajim Tânia Farias ____________________________ Não perguntarei quem és. Não importa. Quem queira que sejas não tenhas medo de confundir-te comigo. Recebas-me suavemente, me embales em teus braços, ondulando, até que eu adormeça. Sejas meu mar, para que eu possa entregar-me em teus braços curvos e não recues, pois somos divinos, ambos, por dentro e por fora. Venhas comigo, fujas para longe dos olhos da Terra, longe do que puxa e do que arrasta, longe dos milagres e das hesitações. Fujas comigo e conheça-te! Sabes que o som das tuas palavras assemelha-se a uma ventania? O cheiro das tuas mãos folhas verdejantes e a fumaça da tua respiração escuras pedras do mar? Fujas, e sentirás sussurros e murmúrios vagos dos fios de seda que cingem teussegredos. Venhas, e mostrarei como a brasa silenciosa torna-se chama crepitante ao passar do sangue pelo teu coração. Sorrias, Jamais serás mais perfeito do que és agora. Tascira Santonastaso


| Por Igor Gulicz (Letras – Unespar) Líquido, plasma, sólido e gasoso, os quatro estados essenciais dos quatro elementos fundamentais. Ela sempre acreditara que não podia ser só isso e, pela primeira vez, suas pesquisas estavam dando algum resultado. Não que até então estivesse perdendo tempo. Pelo contrário, suas descobertas já haviam mudado toda a forma de vida na Terra, desde aprimoramentos extremamente específicos em equipamentos laboratoriais até tecnologias de massa. Tudo possuía um pouco dela, porém, ela queria ir além. Aliás, queria voltar ao começo. Sua crença, se é que se pode chamar assim a tendência que ela tinha a acreditar em determinadas coisas a partir de uma vida inteira de experiências, era de que tudo sempre se concluía no começo, que o mais simples era o mais difícil de alcançar, tornando toda e qualquer evolução um meio paradoxal de chegar ao básico. Tal qual a união de todas as cores do espectro visível, ao invés de formar o caos colorido, causa o branco, a cor que principia a pintura. Ou como a poesia, com palavras escolhidas a dedo, acumulando um mar de sentidos que, apesar de permitir o mergulho profundo do leitor, resume-se, materialmente, ao mínimo. Nas artes, na ciência, não importava. Ela queria o início. Até que um dia conseguiu. Após anos teorizando, experimentando, começando tudo de novo, e tentando novamente, ela ultrapassou a barreira dos quatro elementos. Alcançou o quinto que talvez fosse o primeiro e provavelmente o único. Ela recriou o vazio. Uma fonte inesgotável de nada. Naquele dia entendeu, e entendeu tudo. Tudo o que havia para se entender estava ali. Suas pesquisas haviam terminado. Resultado nenhum, basicamente todos os resultados possíveis. Ela alcançou a percepção completa da realidade. De repente, ela já não era. E, de súbito, deixou de existir.

Ilustração por Bárbara Boer (Artes Visuais – UEM)


| O Nome do Vento, de Patrick Rothfuss Por Felipe Gurgatz (História – UEM) Quando acordou, o Grande Taborlin descobriu-se trancado numa torre alta. Tinham levado sua espada e tirado suas ferramentas: chave, moeda e vela, tudo se fora. Pois então ele precisava fugir, mas, ao olhar ao redor, viu que sua cela não tinha porta. Nem janelas. Em toda a sua volta não havia nada além de pedra lisa e dura. Era uma cela da qual nenhum homem jamais havia escapado. Mas Taborlin sabia os nomes de todas as coisas, de modo que todas as coisas estavam sob o seu comando. Ele disse à pedra: ‘Quebre!’, e a pedra se quebrou. A parede se rasgou feito um pedaço de papel e, pelo buraco, Taborlin pôde ver o céu e respirar o ar adocicado da primavera. Pisou na borda, olhou para baixo e, sem pensar duas vezes, deu um passo no ar... E assim Taborlin caiu, mas não se desesperou. É que ele sabia o nome do vento e por isso o vento lhe obedecia. Falou com o vento, que o aninhou e o afagou. Levou-o até o chão com a suavidade de um sopro na lanugem de um cardo e o pôs de pé devagarzinho, como um beijo materno. (ROTHFUSS, Patrick. O Nome do Vento, 2009, p. 10)

O sujeito que conta essa lenda não é o personagem principal. Tampouco este está presente no recinto. Ele ouve tudo de fora. Da cozinha, atrás do balcão, Kvothe seca a louça do dia e sorri, com seu ar taciturno, ao ouvir detalhes de uma história familiar. Ele é o dono da Pousada Marco do Percurso, um estabelecimento simples num lugar pacato. Mas apesar da aparente indiferença, ele se intriga toda vez que ouve falar do Grande Taborlin e da mítica arte da nomeação. Aqui começa a história de “O Nome do Vento”: um dia da vida de um Cronista ávido pela verdade, e anos da vida de uma figura misteriosa tão lendária quanto o próprio Taborlin. Sentados ao redor de uma mesa, um descreve e outro escreve a vida de Kvothe, o Arcano. Kvothe, o sem-sangue. Kvothe, o Matador do Rei. Nesse mundo fictício criado por Patrick Rothfuss, somos apresentados a um conceito fantástico, partindo de uma idéia simples, mas que traz uma interessante finalidade: o ofício da nomeação. Saiba que as coisas, como os elementos, possuem seus nomes. Nomes verdadeiros, não os que nós damos a elas. Se o arcanista souber ou for capaz de aprender esse nome real, ele consegue usar tal coisa a seu favor. Então, aquele que souber o nome do vento saberá controlá-lo. O problema é que, para ser arcanista, é preciso que a pessoa proposta a isso adentre a Universidade do Arcano, o que o diferirá de um simples bruxo fazendo “magia”. E isso é o que Kvothe quer acima de tudo,


pois sabendo o nome das coisas, sua busca infrene pelos assassinos de seus pais daria um grande salto a frente. Sim, Kvothe carrega mais segredos e amarguras do que um simples dono de hospedaria deixaria transparecer. Já colecionou mais alcunhas do que gostaria, mas, como ele mesmo diz, comprou e pagou por elas. No que tange às artes, ele é um gênio. Não o tipo de gênio que aprende a falar uma língua com a metade do tempo que alguém normal levaria para fazê-lo. Ele é o tipo de gênio que inventaria uma língua nova e sairia por aí falando, por não achar a antiga difícil o suficiente. Possuidor de uma inteligência fora do comum, no entanto, não consegue se afastar de situações complicadas, desde uma infância miserável nas ruas de uma cidade caótica, até dívidas em dinheiro com agiotas durante a época na universidade. Aliás, Kvothe consegue adentrar o Arcano, mas é expulso de lá com a mesma idade com que a maioria das pessoas é aceita nele. Ele admite isso e com ar pomposo. Por não ver vantagem na falsa modéstia, não deixa de citar seus feitos grandiosos, muitos dos quais, nem são tão chocantes assim, mas que por convir ao momento, são romanceados pelo próprio Kvothe antes que se espalhem como fogo na campina. A verdade é que o personagem principal de “O Nome do Vento” é tão humano quanto se pode ser, dando provas – de si – de ter um caráter mutável quando também convém ao momento. Ele não é herói, mas também não é vilão. O lendário Kvothe promete em três dias fazer um relato detalhado de sua existência. Separando a realidade dos fatos, das fantasias inconcebíveis que passam de boca em boca pelo povo, toda a narrativa passa a ser registrada pelo Cronista, que acaba revelando ao leitor o seu intuito de fazer o dono da hospedaria lembrar-se de quem realmente é. Um dos maiores mistérios desse mundo é a magia que ali reside. De fato, não pode ser chamada de magia, pois aqui o autor dá a sua própria tradução para a palavra. Distribuída em determinadas “ciências”, que fazem sentido apenas nesse mundo, é possível que na universidade aprenda-se


“simpatia”, “siglística” e “nomeação”, ou outras artes mais próximas da nossa realidade, como a “ficiaria” (uma oficina de artífices e inventores) e a “iátrica” (medicina). Todas elas disciplinas com seus próprios professores no Arcano. A lei da simpatia é uma das partes mais básicas da magia. Ela afirma que, quanto mais semelhantes são dois objetos, maior é a sua conexão por afinidade. Quanto maior a conexão, maior a facilidade com que eles se influenciam mutuamente. (ROTHFUSS, Patrick. id. p. 10). No livro, a magia em muito se assemelha à ciência da nossa realidade por ser regida por regras, técnicas específicas e limites estabelecidos pelo estudo e pela prática. Esse, talvez, seja o maior mérito do autor. Ao invés de simplesmente jogar essa tradicional denominação para o leitor, “é magia porque é magia”, somos apresentados a ela por meio de múltiplos nomes e finalidades. A magia em si é extremamente custosa para o seu invocador, requerendo métodos e materiais que cobram preços físicos, mentais e em dinheiro. Torna-se necessário perceber a pesquisa empírica realizada por Patrick para criar essas regras, exatamente para embasar as semelhanças, por mais que remotas, com as ciências do nosso mundo, como a física, medicina, química, geometria e filosofia. Os elementos da natureza, e tudo que deles provêm são altamente utilizados por Patrick Rothfuss na construção de sua trama. A cada passo que dá Kvothe na busca por respostas para as perguntas que lhe afligem, mais óbvia fica sua conexão com os ingredientes da vida. Mas a que custo se dominam todas essas ciências? Toda essa magia. Os elementos nos permeiam e nos compõe. A natureza nos fez um empréstimo e a ela haveremos de retornar o que nos foi emprestado. Assim como na prática da simpatia ou da nomeação, é tudo uma questão de reciprocidade, de interesse mútuo. Não se deve impor à natureza uma ânsia opressora, pois ela, igual a nós, é frágil, e o preço a se pagar pode ser alto. Portanto, não tente chamar o nome do vento sem antes estar devidamente preparado para isso. Você muito provavelmente cairá duro no chão enquanto é aprisionado na cela mais alta em que sua mente é capaz de chegar, ou então, na melhor das hipóteses, morrerá. Esteja avisado.


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Acostuma-te a lama que te espera! O Homem que, nesta terra miserável, Mora entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera (Versos Íntimos, Augusto dos Anjos)


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